prof carneiro moura - Hospital de Santa Maria
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Uma vida <strong>de</strong>dicada ao ensino<br />
da Medicina. A vida do<br />
Professor Doutor Miguel<br />
Carneiro <strong>de</strong> Moura<br />
Carlos Gamito<br />
carlos.gamito@hsm.min-sau<strong>de</strong>.pt<br />
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O timbre elegante e bem recortado da voz do Senhor Professor Doutor Miguel<br />
Carneiro <strong>de</strong> Moura, foi, nesta entrevista, emoldurado pelo requinte e distinção <strong>de</strong> que<br />
se reveste a Sala do Conselho Científico da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina <strong>de</strong> Lisboa.<br />
Foi a voz que soou e <strong>de</strong>u corpo à <strong>de</strong>leitosa conversa que durante um par <strong>de</strong> horas<br />
mantivemos com um dos vultos da Medicina Portuguesa.<br />
Foi uma confortável conversa que <strong>de</strong>correu sob o olhar atento e silencioso dos bustos<br />
<strong>de</strong> insignes figuras do passado que <strong>de</strong>ixaram o seu nome inscrito nos Anais das<br />
Ciências Médicas.<br />
A nós coube-nos romper a barreira da formalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ixar que a informalida<strong>de</strong> se<br />
instalasse no seio daquela que viria a ser uma ilustrativa conversa.<br />
Uma conversa que acordou o tempo já adormecido pelo próprio tempo.<br />
O tempo que já faz muito tempo.<br />
Mas também outro tempo que é o tempo presente.<br />
É afinal todo o tempo que guarda o eco dos passos do Professor Miguel Carneiro <strong>de</strong><br />
Moura a subirem os <strong>de</strong>graus da longa escadaria do Conhecimento e do Saber.<br />
Do Quadro <strong>de</strong> Honra à Distinção <strong>de</strong> Melhor Aluno a Nível<br />
Nacional<br />
«Sou natural <strong>de</strong> Lisboa. Nasci e fui criado muito perto <strong>de</strong> uma das referências da<br />
minha vida: o Liceu Camões. A instrução primária foi feita em casa <strong>de</strong> meus pais.<br />
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Concluída a quarta classe, submeti-me ao exame <strong>de</strong> admissão aos liceus e entrei,<br />
como era minha vonta<strong>de</strong> e da família, naquele implacável Liceu Camões».<br />
Com gestos contornados pela sobrieda<strong>de</strong>, o Professor continuou: «Como sempre<br />
esteve latente em mim uma férrea vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r, tornei-me, ao longo <strong>de</strong> todo<br />
o curso do liceu, um dos melhores alunos do Camões, empenho que me valeu a<br />
presença quase constante no Quadro <strong>de</strong> Honra».<br />
Mas como se não bastasse o nome do aluno Miguel Carneiro <strong>de</strong> Moura figurar<br />
continuadamente no Quadro <strong>de</strong> Honra do Liceu Camões, no final do curso, concluído<br />
com a “mo<strong>de</strong>sta” classificação <strong>de</strong> <strong>de</strong>zanove valores, foi-lhe atribuído o prémio <strong>de</strong><br />
“Melhor Aluno a Nível Nacional”, prémio esse também atribuído a Paulo Pitta e<br />
Cunha, então estudante do Liceu Pedro Nunes e hoje Professor Catedrático da<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Lisboa.<br />
Os valores que balizaram a opção pela Medicina<br />
Sempre com o olhar voltado para as memórias do passado e ainda com a conversa<br />
centrada nos tempos <strong>de</strong> aluno liceal, disse-nos o Professor Miguel Carneiro <strong>de</strong> Moura:<br />
«Durante o curso do liceu fui manifestamente um apaixonado por quatro disciplinas:<br />
Ciências Biológicas, História, Filosofia e Matemática. Nestas disciplinas, ao contrário<br />
do Desenho, por exemplo, sempre consegui classificações muito elevadas. E é<br />
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curioso fazer notar que o meu interesse pela Matemática me levou a consi<strong>de</strong>rar a<br />
Engenharia como carreira, mas foi uma consi<strong>de</strong>ração gorada logo à partida. Gorada<br />
porquê? Porque existiam outros valores que se sobrepunham ao curso <strong>de</strong><br />
Engenharia. Não imagina o quanto me fascinava a Biologia. Foi uma daquelas<br />
paixões <strong>de</strong> “primeiro olhar”, mas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong>sse fascínio, outro elevado<br />
valor balizou a minha opção pela Medicina: a forte influência exercida pelo meu pai.<br />
O meu pai foi médico especialista em Urologia, Professor da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina<br />
<strong>de</strong> Lisboa, e cirurgião distinto, como gosto <strong>de</strong> dizer, dos Hospitais Civis <strong>de</strong> Lisboa. E<br />
tudo isto a propósito da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cursar Engenharia. Como lhe referi, fui <strong>de</strong><br />
facto um excelente aluno a Matemática, o que fez nascer algumas, ainda que ténues,<br />
consi<strong>de</strong>rações sobre essa área, mas a influência exercida pelo meu pai, não só sobre<br />
mim mas como sobre os meus dois irmãos, levou a que os três cursássemos<br />
Medicina».<br />
Recordamos que o pai do Professor Miguel Carneiro <strong>de</strong> Moura se chamava António<br />
Augusto Villas-Boas Carneiro <strong>de</strong> Moura.<br />
Professores que ensinaram a interpretar a Medicina<br />
A voz do Professor, eximiamente projectada em toda a amplitu<strong>de</strong> da Sala do<br />
Conselho Científico, ia trazendo até nós fragmentos <strong>de</strong> um passado que não volta a<br />
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ser presente, e por isso transformado em memórias vivas que arrastam consigo a<br />
melancolia subjacente à sauda<strong>de</strong>.<br />
Mas como a sauda<strong>de</strong> também é um dos pilares on<strong>de</strong> assenta a vida, continuámos a<br />
conversa com o Professor Doutor Miguel Carneiro <strong>de</strong> Moura.<br />
«Terminei o curso do liceu em 1954, e nesse mesmo ano entrei na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Medicina <strong>de</strong> Lisboa. As disciplinas preparatórias do curso – Química, Botânica e Física<br />
– foram feitas na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências, <strong>de</strong>pois viemos para o <strong>Hospital</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong><br />
<strong>Maria</strong>, que tinha sido recentemente inaugurado. Ou seja, apanhámos o <strong>Hospital</strong><br />
Universitário no seu apogeu, não só porque tinha novas instalações, mas acima <strong>de</strong><br />
tudo porque coincidiu com a chegada dos Professores da antiga Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Medicina que estava no <strong>Hospital</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> Marta». E sem ser interrompido, o<br />
Professor continuou: «Eu e os meus colegas <strong>de</strong> curso tivemos a felicida<strong>de</strong> e o<br />
privilégio <strong>de</strong> ter um corpo docente composto por gran<strong>de</strong>s Professores que nos<br />
souberam transmitir, para lá dos conhecimentos, um conjunto <strong>de</strong> valores e<br />
interpretações sobre a Medicina que naturalmente recordarei para sempre com muita<br />
satisfação e sauda<strong>de</strong>».<br />
Uma sauda<strong>de</strong> e uma satisfação que remontam ao ano <strong>de</strong> 1962, ano em que o então<br />
Dr. Miguel Carneiro <strong>de</strong> Moura viu afixada a notável classificação final <strong>de</strong> <strong>de</strong>zanove<br />
valores no seu Curso <strong>de</strong> Medicina.<br />
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Todas as especialida<strong>de</strong>s menos as cirúrgicas<br />
Senhor Professor, falou-nos nas disciplinas que o apaixonaram durante o curso do<br />
liceu, agora perguntamos-lhe que disciplinas o apaixonaram ao longo do curso <strong>de</strong><br />
medicina. «Eu diria que ao longo do curso <strong>de</strong> medicina me apaixonei sobretudo pelas<br />
ca<strong>de</strong>iras clínicas da Medicina Interna: a Propedêutica, a Patologia e a Clínica. Em<br />
especial a Clínica Médica, com o Professor Fre<strong>de</strong>rico Ma<strong>de</strong>ira. Também gostei muito<br />
da Neurologia, à data ministrada pelo Professor Miller Guerra, assim como gostei<br />
bastante da Clínica Cirúrgica, então dada pelo Professor Cid dos Santos. Conservo<br />
uma impressão muito forte da Dermatologia, ensinada pelo Professor Juvenal<br />
Esteves; as Infecto-Contagiosas, pelo Professor Morais David, e a Introdução à<br />
Cirurgia, pelo Professor Jaime Celestino da Costa. Quanto às disciplinas básicas, as<br />
que mais me influenciaram foi a Histologia, ensinada pelo Professor Xavier Mourato,<br />
e a Anatomia Patológica, pelo Professor Jorge Horta, que era também uma pessoa<br />
excepcional e que mais tar<strong>de</strong> veio a ser Bastonário da Or<strong>de</strong>m dos Médicos. Olhando<br />
para trás, foram <strong>de</strong> facto essas as ca<strong>de</strong>iras e as pessoas que mais me marcaram».<br />
Aqui cabe informar que o Professor Miguel Carneiro <strong>de</strong> Moura é especialista em<br />
Gastrenterologia, o que nos suscitou a questão: Senhor Professor, mas em face<br />
<strong>de</strong>ssas simpatias on<strong>de</strong> é que fica a explicação pelo caminho da Gastrenterologia?<br />
«Essa questão é muito pertinente. Eu explico-lhe: A Gastrenterologia foi uma opção<br />
difícil. E foi muito difícil porque o meu pai insistia para que eu optasse pela Urologia,<br />
mas francamente nunca senti gran<strong>de</strong> interesse pela Cirurgia, e a Urologia é uma<br />
especialida<strong>de</strong> eminentemente cirúrgica. Em dado momento foi admitido na Faculda<strong>de</strong><br />
um novo catedrático <strong>de</strong> Medicina Interna, Fre<strong>de</strong>rico Ma<strong>de</strong>ira, que era<br />
gastrenterologista, e foi com esse Professor que <strong>de</strong>i os primeiros passos na<br />
Gastrenterologia. Com ele apreendi uma maneira <strong>de</strong> estar especial na Medicina, o<br />
interesse pelo estudo da patologia do aparelho digestivo e certamente o gosto pela<br />
investigação. Dos passos seguintes nasceu a minha <strong>de</strong>cisão em optar pela<br />
Gastrenterologia. Naquela altura a Gastrenterologia não era ainda uma especialida<strong>de</strong><br />
médica <strong>de</strong>finida, era uma valência da Medicina Interna, e o meu pai não se cansava<br />
<strong>de</strong> me lembrar que a Gastrenterologia, ao contrário da Urologia, não era uma<br />
especialida<strong>de</strong> individualizada e ainda mal reconhecida, mas a <strong>de</strong>cisão estava tomada<br />
e era irreversível. No final da licenciatura <strong>de</strong>fendi uma dissertação sobre a secreção<br />
ácida do estômago, e a partir daí criei laços <strong>de</strong> ligação muito fortes à<br />
Gastrenterologia».<br />
A explicação estava dada. Voltámos a página mas sobrava-nos uma pergunta pela<br />
negativa. Fizemo-la: Senhor Professor, para encerrarmos este capítulo da entrevista<br />
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esta-nos perguntar-lhe por que especialida<strong>de</strong>s médicas nunca enveredaria. «Nunca<br />
optaria por especialida<strong>de</strong>s que não envolvessem o contacto directo com o doente.<br />
Nunca escolheria, por exemplo, a Anatomia Patológica, a Radiologia ou o Laboratório.<br />
Essas especialida<strong>de</strong>s seriam sempre excluídas. Para além <strong>de</strong>ssas, excluiria também<br />
as especialida<strong>de</strong>s cirúrgicas, sobretudo as cirúrgicas mais complexas, como a<br />
Oftalmologia; a Cirurgia Plástica; a Cardiovascular, entre outras. Sempre me<br />
apaixonou, não o aspecto compassivo da medicina, mas sim o contacto com as<br />
pessoas e as suas circunstâncias. Hoje não se fala tanto em doenças, fala-se em<br />
homem doente, e realmente este conceito mo<strong>de</strong>rno é que parece correcto.<br />
Actualmente temos uma Medicina muito mais aberta ao homem doente, às suas<br />
condições sociais, à cultura da comunida<strong>de</strong> em que o indivíduo está inserido, e tantos<br />
outros factores que nos dias <strong>de</strong> hoje se mostram extremamente importantes na<br />
compreensão do doente». E o Professor fez questão <strong>de</strong> sublinhar: «Em países on<strong>de</strong><br />
as ciências estão mais avançadas, e tomo como exemplo os Estados Unidos da<br />
América, on<strong>de</strong> tive o privilégio <strong>de</strong> trabalhar, discute-se muito como fazer o ensino da<br />
medicina nas socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas, sobretudo as urbanas <strong>de</strong> composição<br />
multicultural. Isto porque po<strong>de</strong>mos encontrar um doente e os seus familiares com<br />
uma cultura asiática ou africana, que têm uma percepção e uma compreensão das<br />
doenças ainda muito influenciada pelas suas culturas, o que po<strong>de</strong> provocar relutância<br />
na aceitação dos aspectos exclusivamente científicos sobre a abordagem da doença e<br />
as nossas noções <strong>de</strong> ética e <strong>de</strong> ensaios terapêuticos».<br />
Sempre com a verticalida<strong>de</strong> impressa nas palavras, o Professor Miguel Carneiro <strong>de</strong><br />
Moura <strong>de</strong>ixou-nos uma breve, mas entendível explicação do seu “não” aos actos<br />
cirúrgicos: «A razão que esteve na raiz <strong>de</strong> nunca ter consi<strong>de</strong>rado uma especialida<strong>de</strong><br />
médica cirúrgica pren<strong>de</strong>-se simplesmente com o facto <strong>de</strong> eu, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre, ter<br />
aspirado a uma posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque a nível clínico, e como a Cirurgia vive<br />
essencialmente da prática cirúrgica, não sei se algum dia atingiria a <strong>de</strong>streza dos<br />
gran<strong>de</strong>s cirurgiões, como por exemplo o meu pai». E acrescentou: «Naturalmente<br />
que apren<strong>de</strong>ria a operar, mas também estou certo que jamais subiria ao patamar do<br />
meu pai, que foi um cirurgião distinto, nomeadamente por ter uma gran<strong>de</strong> habilida<strong>de</strong><br />
técnica e ser muito rápido nas suas intervenções».<br />
E assim aconteceu a Gastrenterologia na carreira do Professor Miguel Carneiro <strong>de</strong><br />
Moura. Depois <strong>de</strong> toda a experiência adquirida no <strong>Hospital</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Maria</strong> e dois<br />
estágios em hospitais londrinos <strong>de</strong> renome, em 1966 torna-se especialista em<br />
Gastrenterologia pela Or<strong>de</strong>m dos Médicos.<br />
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A Gastrenterologia <strong>de</strong> hoje e a Gastrenterologia <strong>de</strong> ontem<br />
Quarenta anos passados sobre a data do término da especialida<strong>de</strong>, será que ainda<br />
existe algum paralelo entre a Gastrenterologia da época e a Gastrenterologia actual?<br />
Vamos saber: «Não. Não há paralelo possível. O único <strong>de</strong>nominador comum só existe<br />
nos conceitos e princípios básicos. As especialida<strong>de</strong>s médicas são <strong>de</strong>finidas pelas<br />
técnicas que praticam, e, na realida<strong>de</strong>, a Gastrenterologia <strong>de</strong> hoje tem uma<br />
componente técnica fortíssima, e naquela altura estava numa fase incipiente. Para<br />
que fique com uma i<strong>de</strong>ia, posso dizer-lhe que actualmente dispomos <strong>de</strong> técnicas<br />
gastrenterológicas endoscópicas que substituem em muitas situações a cirurgia.<br />
Imagine este avanço! Por outro lado, atentemos aos progressos da Imagiologia. Hoje<br />
– ao contrário do passado em que os recursos estavam nas técnicas invasivas – com<br />
uma simples ecografia conseguimos visualizar gran<strong>de</strong> parte dos órgãos do tubo<br />
digestivo. Outros métodos, como a Tomografia Computorizada e a Ressonância<br />
Magnética têm progressos que nos permitem quase substituir a endoscopia. A<br />
colonoscopia virtual é um exemplo. Não há <strong>de</strong> facto qualquer paralelo entre a<br />
Gastrenterologia actual e a Gastrenterologia daquele tempo. A partir da década <strong>de</strong><br />
setenta começámos a assistir à gran<strong>de</strong> viragem da Gastrenterologia, e hoje é uma<br />
especialida<strong>de</strong> com bases científicas fortes e uma importante componente técnica a<br />
nível <strong>de</strong> diagnóstico e sobretudo do tratamento». E sublinhou: «Nos últimos 10 anos<br />
assistimos à individualização da Hepatologia, consequência das <strong>de</strong>scobertas da<br />
biologia molecular, da virologia, da imunologia e da implantação <strong>de</strong>cisiva da<br />
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transplantação hepática. É na Hepatologia – que a<strong>prof</strong>un<strong>de</strong>i <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um estágio em<br />
Nova Iorque – que foco principalmente a minha activida<strong>de</strong> clínica e <strong>de</strong> investigação».<br />
Datas inscritas na carreira do Professor<br />
Indiferentes ao avançar implacável da passagem do tempo, continuámos<br />
comodamente instalados no seio da conversa. E como das conversas brotam<br />
palavras, eis mais uma memória do Senhor Professor Miguel Carneiro <strong>de</strong> Moura:<br />
«Doutorei-me em Janeiro <strong>de</strong> 1975. Enquanto o País vivia a revolução <strong>de</strong> 1974, eu<br />
estava empenhadíssimo na <strong>de</strong>fesa da minha tese <strong>de</strong> doutoramento. Apresentei e<br />
<strong>de</strong>fendi a minha tese já sem os tradicionais trajes académicos. O meu trabalho <strong>de</strong><br />
investigação intitulou-se “A Resposta Imunológica ao Vírus da Hepatite B”. Fiz a parte<br />
<strong>de</strong> investigação experimental em Nova Iorque, e a outra parte aqui no <strong>Hospital</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Santa</strong> <strong>Maria</strong>». E acentuou: «Graças à Fundação Calouste Gulbenkian, que subsidiou a<br />
minha estada em Nova Iorque, e aos gran<strong>de</strong>s Mestres com quem trabalhei, consegui<br />
preparar a minha tese no curto espaço <strong>de</strong> três anos».<br />
E porque as datas <strong>de</strong>marcam espaços <strong>de</strong> tempo on<strong>de</strong> se enquadram feitos ou factos,<br />
registámos os anos <strong>de</strong> ouro da brilhante carreira do Professor Miguel Carneiro <strong>de</strong><br />
Moura: 1962 – ano da licenciatura em Medicina; 1972-1973 – Investigador em<br />
Imunopatologia, na Mount Sinai School of Medicine, Nova Iorque, 1975 – ano do<br />
Doutoramento; 1977 – prestação <strong>de</strong> provas para Professor Agregado <strong>de</strong> Medicina<br />
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Interna; 1979 – Professor Catedrático; 1985 a 1988 – Director da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Medicina da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa; 1989 – Direcção do Serviço <strong>de</strong> Medicina II, e <strong>de</strong><br />
1988 a 1997 – Presi<strong>de</strong>nte do Conselho <strong>de</strong> Administração do <strong>Hospital</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Maria</strong>.<br />
2003 Director do Serviço <strong>de</strong> Gastrenterologia do <strong>Hospital</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Maria</strong> e do Centro<br />
<strong>de</strong> Gastrenterologia do Instituto <strong>de</strong> Medicina Molecular da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina <strong>de</strong><br />
Lisboa.<br />
O rigor e a verticalida<strong>de</strong> sempre presentes no Homem e no<br />
Docente<br />
«Se sou exigente enquanto Professor? Tinha pelo menos essa fama, o que<br />
provavelmente até é verda<strong>de</strong>. Mas esse meu rigor atribuo-o à forma como fui<br />
educado. O meu pai era uma pessoa exigente, <strong>de</strong>pois, alguns dos Professores que<br />
citei também eram rigorosos e exigentes. Exigentes pela forma como analisavam as<br />
situações. Recordo-me por exemplo do Professor Fre<strong>de</strong>rico Ma<strong>de</strong>ira, um clínico<br />
excepcional <strong>de</strong> formação germânica e que na sua prática se baseava<br />
fundamentalmente em factos e realida<strong>de</strong>s. Foi <strong>de</strong> certo modo um percursor da<br />
Medicina baseada em evidências. A subjectivida<strong>de</strong> nunca tinha lugar na sua<br />
apreciação das situações clínicas e da doença. Ou seja, o rigor e o método do meu<br />
pai aliado à exigência dos Professores com quem trabalhei, incutiu em mim um<br />
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espírito que eu chamaria <strong>de</strong> vertical, mas permita-me acrescentar que essa<br />
verticalida<strong>de</strong> não a aplicava só aos alunos, também a aplicava a mim próprio».<br />
Resta acrescentar que o Professor Miguel Carneiro <strong>de</strong> Moura abraçou a carreira<br />
docente pela inata paixão <strong>de</strong> transmitir e ensinar.<br />
O mar, as artes plásticas e a música. Estas as paixões que<br />
ficam para lá da Medicina<br />
Conhecida a carreira do Médico e do Docente, faltava-nos ainda conhecer o outro<br />
lado do Homem. Despidos <strong>de</strong> preconceitos avançámos para a “<strong>de</strong>scoberta”: Senhor<br />
Professor, as suas férias são passados no campo ou na praia? «Sempre na praia.<br />
Adoro contemplar a imensidão do mar. Adoro sentir o cheiro a maresia, passear à<br />
beira-mar e <strong>de</strong>pois gosto particularmente <strong>de</strong> algumas praias do Algarve, como as da<br />
Ria Formosa. A cida<strong>de</strong> europeia da minha eleição? Não hesito em respon<strong>de</strong>r-lhe que<br />
é Paris. Paris, além da sua beleza única, tem aquela componente cultural e artística<br />
que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre me fascinou. Como aprecio muito pintura, Paris oferece-me aquela<br />
sensação <strong>de</strong> aroma a arte. No caso da minha paixão pela pintura posso atribui-la ao<br />
contacto muito próximo que mantive, na minha juventu<strong>de</strong>, com o meu tio, pintor <strong>de</strong><br />
renome, Abel Manta. Depois, também sempre gostei <strong>de</strong> música, e nos últimos oito<br />
anos posso consi<strong>de</strong>rar-me um verda<strong>de</strong>iro melómano. Sou um frequentador habitual<br />
do Festival <strong>de</strong> Salzburg, e assisto com frequência a óperas e concertos em cida<strong>de</strong>s da<br />
minha preferência, como Paris, Londres e Nova Iorque».<br />
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