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Memórias Póstumas de Brás Cubas

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<strong>Memórias</strong> <strong>Póstumas</strong> <strong>de</strong> <strong>Brás</strong> <strong>Cubas</strong> – a moral<br />

-- É minha! dizia eu ao chegar à porta <strong>de</strong> casa.<br />

Mas aí, como se o <strong>de</strong>stino ou o acaso, luziu-me no chão<br />

uma coisa redonda e amarela. Abaixei-me; era uma<br />

moeda <strong>de</strong> ouro.<br />

-- É minha! repeti eu a rir-me, e meti-a no bolso.<br />

Nessa noite não pensei mais na moeda; mas no dia<br />

seguinte, senti uns repelões da consciência, e uma voz<br />

que me perguntava por que diabo seria minha uma<br />

moeda que eu não herdara nem ganhara, mas somente<br />

achara na rua. Evi<strong>de</strong>ntemente não era minha, e talvez <strong>de</strong><br />

um pobre, algum operário que não teria com que dar <strong>de</strong><br />

comer à mulher e aos filhos. Cumpria restituir a moeda.<br />

Enviei um carta ao chefe <strong>de</strong> polícia, remetendo-lhe o<br />

achado, e rogando-lhe que, pelos meios a seu alcance,<br />

fizesse <strong>de</strong>volvê-lo às mãos do verda<strong>de</strong>iro dono.<br />

Man<strong>de</strong>i a carta e almocei tranqüilo. Minha consciência<br />

valsara tanto na véspera, que chegou a ficar sufocada,<br />

sem respiração; mas a restituição da meia dobra foi uma<br />

janela que se abriu para o outro lado da moral.<br />

Assim, eu, <strong>Brás</strong> <strong>Cubas</strong>, <strong>de</strong>scobri uma lei sublime, a lei da<br />

equivalência das janelas, e estabeleci que o modo <strong>de</strong><br />

compensar uma janela fechada é abrir outra, a fim <strong>de</strong> que<br />

a moral possa arejar continuamente a consciência. (CAP<br />

51 - É Minha)<br />

LEI DA EQUIVALÊNCIA DAS<br />

JANELAS<br />

Por Douglas Machert<br />

RELATIVIZAÇÃO DA MORAL<br />

Súbito <strong>de</strong>u-me a consciência um repelão,<br />

acusou-me <strong>de</strong> ter feito capitular a probida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Dona Plácida, obrigando-a a um papel torpe,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma longa vida <strong>de</strong> trabalho e<br />

privações. Medianeira não era melhor que<br />

concubina, e eu tinha-a baixado a esse ofício, à<br />

custa <strong>de</strong> obséquios e dinheiros. Foi o que me<br />

disse a consciência; e eu fiquei uns <strong>de</strong>z<br />

minutos sem saber que lhe replicasse.<br />

Mas aleguei que a velhice <strong>de</strong> Dona Plácida<br />

estava agora ao abrigo da<br />

mendicida<strong>de</strong>: era<br />

uma compensação. E<br />

raciocinei então que,<br />

se não fossem os<br />

meus amores,<br />

provavelmente Dona<br />

Plácida acabaria<br />

como tantas outras<br />

criaturas humanas;<br />

don<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>ria<br />

<strong>de</strong>duzir que o vício é<br />

muitas vezes o<br />

estrume da virtu<strong>de</strong>.<br />

CAP 76 – O Estrume<br />

Goya<br />

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