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Signos que embaralham a visão - Grupo de Estudos em Literatura ...

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<strong>Signos</strong> <strong>que</strong> <strong><strong>em</strong>baralham</strong> a <strong>visão</strong> 139<br />

De qual<strong>que</strong>r modo na<strong>que</strong>le instante fechei o jogo, arregacei as mangas, pousei os <strong>de</strong>dos<br />

no teclado, zarpei <strong>de</strong> Hamburgo, a<strong>de</strong>ntrei a baía <strong>de</strong> Guanabara e preferi n<strong>em</strong> ouvir as<br />

fitas do al<strong>em</strong>ão. Eu era um jov<strong>em</strong> louro e saudável quando a<strong>de</strong>ntrei a baía <strong>de</strong> Guanabara,<br />

errei pelas ruas do Rio <strong>de</strong> Janeiro e conheci Teresa, caí <strong>de</strong> amores pelo seu idioma, e após<br />

três meses <strong>em</strong>batucado, senti <strong>que</strong> tinha a história do al<strong>em</strong>ão na ponta dos <strong>de</strong>dos. A<br />

escrita me saía espontânea, num ritmo <strong>que</strong> não era o meu, e foi na batata da perna <strong>de</strong><br />

Teresa <strong>que</strong> escrevi as primeiras palavras na língua nativa (38-9).<br />

Budapeste coloca <strong>em</strong> relevo, explícita e implicitamente, principalmente<br />

por meio do recurso à fina ironia, o processo <strong>de</strong> massificação, <strong>de</strong><br />

homogeneização <strong>de</strong> signos, pensamentos, atos, vestimenta, códigos, nas<br />

socieda<strong>de</strong>s cont<strong>em</strong>porâneas. Este processo chega ao ápice tanto no âmbito<br />

da língua quanto num nível ontológico, seja na Hungria, no Brasil, na<br />

Al<strong>em</strong>anha, na Turquia, nos Estados Unidos ou <strong>em</strong> qual<strong>que</strong>r parte do<br />

planeta. O fato é <strong>que</strong>, <strong>em</strong> Budapeste, a língua não faz parte do hom<strong>em</strong>,<br />

ela é o hom<strong>em</strong>. Na esteira <strong>de</strong> tais reflexões, vale a pena transcrever o<br />

momento <strong>em</strong> <strong>que</strong> José Costa <strong>de</strong>para com uma escrita idêntica à sua e, por<br />

isso mesmo, capaz <strong>de</strong> conferir a total nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>:<br />

Li a primeira linha, reli e parei, tive <strong>de</strong> dar o braço a torcer; eu não saberia introduzir<br />

a<strong>que</strong>le artigo senão com a<strong>que</strong>las palavras. Fechei os olhos, achei <strong>que</strong> po<strong>de</strong>ria adivinhar a<br />

frase seguinte, e lá estava ela, tal e qual. Cobri o texto com as mãos e fui r<strong>em</strong>ovendo os<br />

<strong>de</strong>dos a cada milímetro, fui abrindo as palavras letra a letra como jogador <strong>de</strong> pô<strong>que</strong>r<br />

filando cartas, e eram precisamente as palavras <strong>que</strong> eu esperava. Então tentei as palavras<br />

mais inesperadas, neologismos, arcaísmos, um puta <strong>que</strong> o pariu s<strong>em</strong> mais n<strong>em</strong> menos,<br />

metáforas geniais <strong>que</strong> me ocorriam <strong>de</strong> improviso, e o <strong>que</strong> mais eu concebesse já se achava<br />

ali impresso sob as minhas mãos. Era aflitivo, era como ter um interlocutor <strong>que</strong> não<br />

parasse <strong>de</strong> tirar palavras da minha boca, era uma agonia. Era ter um plagiário <strong>que</strong> me<br />

antece<strong>de</strong>sse, ter um espião <strong>de</strong>ntro do crânio, um vazamento na imaginação (24).<br />

Silviano Santiago, no livro Uma literatura nos trópicos: ensaios sobre<br />

<strong>de</strong>pendência cultural, aborda a <strong>que</strong>stão do igual e do diferente na literatura<br />

da América Latina e aqui nos parece oportuno mencionar, uma vez<br />

<strong>que</strong> se trata <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir na língua a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> aparent<strong>em</strong>ente perdida<br />

ou difusa <strong>de</strong> um mundo dito globalizado. Para Santiago, a ri<strong>que</strong>za da<br />

cultura latino-americana resi<strong>de</strong> justamente no hibridismo do qual ela se<br />

origina e <strong>que</strong> lhe permite ser outra e não a<strong>que</strong>la imposta pelos coloniza-

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