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Signos que embaralham a visão - Grupo de Estudos em Literatura ...

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146 Elizabete Sanches<br />

Desse modo, fica mais fácil compreen<strong>de</strong>r, por ex<strong>em</strong>plo, as razões <strong>que</strong><br />

levaram uma letra como a <strong>de</strong> Mulheres <strong>de</strong> Atenas, escrita por Chico<br />

Buar<strong>que</strong> e Augusto Boal, <strong>em</strong> 1976, ter sido alvo <strong>de</strong> duras críticas à época<br />

<strong>de</strong> sua gravação. Po<strong>de</strong>m-se enten<strong>de</strong>r os versos “Mir<strong>em</strong>-se no ex<strong>em</strong>plo<br />

da<strong>que</strong>las mulheres <strong>de</strong> Atenas” literalmente, como um l<strong>em</strong>a conservador,<br />

contra o f<strong>em</strong>inismo, e, ironicamente, como o avesso do machismo, um<br />

chamado para <strong>que</strong> as mulheres não se mir<strong>em</strong> no ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> Atenas. Em<br />

última análise, lá estão todos estes significados convivendo no espaço do<br />

dito e do não-dito. No irônico, não há <strong>que</strong> se escolher entre um ou outro;<br />

a ironia faz implodir a noção cartesiana dos sentidos, fazendo conviver<br />

diversas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> significados. Como afirma Hutcheon 9 , os significados<br />

<strong>que</strong> nasc<strong>em</strong> da operação irônica na linguag<strong>em</strong> são múltiplos e<br />

relacionais; <strong>em</strong> outras palavras, eles <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m também da atribuição <strong>de</strong><br />

sentidos operada pelas diferentes comunida<strong>de</strong>s discursivas <strong>que</strong> interpretam<br />

o enunciado.<br />

Volt<strong>em</strong>os a Budapeste. Há nesta obra um tom muito b<strong>em</strong> humorado e<br />

uma sutileza irônica <strong>que</strong> exig<strong>em</strong> um olhar atento do leitor. Com ironia,<br />

este romance ilumina ludicamente nossa cont<strong>em</strong>poraneida<strong>de</strong>, repetindo<br />

códigos lingüísticos e trazendo <strong>em</strong> seu enredo a busca do personag<strong>em</strong><br />

central pela revelação dos sentidos por trás <strong>de</strong> cada cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> cada<br />

mulher, <strong>de</strong> cada língua, <strong>de</strong> cada fon<strong>em</strong>a, signos <strong>que</strong> polu<strong>em</strong> sua <strong>visão</strong>,<br />

<strong>em</strong>baraçam sua percepção. Como já salientamos, já <strong>em</strong> seu trabalho gráfico,<br />

o livro veste a roupag<strong>em</strong> do duplo irônico, ao ser apresentado ao<br />

leitor na cor mostarda – a mesma <strong>de</strong> O Ginógrafo, o livro <strong>de</strong> Kaspar Krabbe<br />

– com a capa anunciando seu autor Chico Buar<strong>que</strong> e seu verso evi<strong>de</strong>nciando<br />

o duplo do autor Zsoze Kósta. Título, autor e excerto da obra são<br />

escritos <strong>de</strong> modo a só se po<strong>de</strong>r ler diante do espelho. Estamos falando <strong>de</strong><br />

uma ironia fina e contun<strong>de</strong>nte: <strong>que</strong> não se iludam os leitores, este livro<br />

não é para ser levado a sério 10 . É um livro do e sobre o avesso, <strong>de</strong> um<br />

narciso às avessas, perdido nas cida<strong>de</strong>s reais e imaginárias criadas nos<br />

sonhos do autor. Insinua dados autobiográficos, pois Chico Buar<strong>que</strong> pen-<br />

9 Id., p. 145.<br />

10 Hutcheon (Poética do pós-mo<strong>de</strong>rnismo, p. 62) chega a afirmar <strong>que</strong> “talvez a ironia seja a única forma<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rmos ser sérios nos dias <strong>de</strong> hoje. Em nosso mundo não há inocência, ele dá a enten<strong>de</strong>r (...)<br />

Aquilo <strong>que</strong> ‘já foi dito’ (...) só po<strong>de</strong> ser reconsi<strong>de</strong>rado <strong>de</strong> forma irônica...”.

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