FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14
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sobre questões de dinheiro costumava terminar com as mais violentas recriminações de sua parte: que ela não o amava, que pensava em poupar à custa dele, que provavelmente preferia vê-lo morto, para dispor sozinha do dinheiro. Então a mãe protestava chorando o seu desinteresse, ele sentia vergonha e podia assegurar, corretamente, que não pensava aquilo dela, mas estava seguro de que na próxima ocasião repetiria a mesma cena. Que para ele as fezes tinham significação de dinheiro, muito antes da análise, é algo que ressalta de muitos incidentes, dos quais relatarei dois. Numa época em que o intestino ainda não contribuía para seu sofrimento, ele visitou certa vez, numa grande cidade, um primo pobre. Ao partir, recriminou a si mesmo por não ajudar com dinheiro esse parente, e imediatamente sentiu “talvez a mais forte necessidade de evacuar de sua vida”. Dois anos depois, estabeleceu de fato uma pensão para esse primo. O outro caso: Aos dezoito anos, enquanto se preparava para os exames finais do secundário, visitou um colega e acertou com ele o que o medo comum de ser reprovado fazia parecer aconselhável. 28 Tinham resolvido subornar o bedel, e a parte dele na quantia a ser juntada era naturalmente a maior. No caminho de casa ele pensou que de boa vontade daria mais ainda se fosse aprovado, se nada lhe acontecesse no exame, e realmente lhe aconteceu outro infortúnio antes que ele chegasse à porta da casa. 29 Já estamos preparados para saber que em sua doença da época adulta ele sofria de tenazes distúrbios da função intestinal, que no entanto oscilavam conforme as circunstâncias. Quando começou o tratamento comigo, ele havia se acostumado a lavagens que um acompanhante lhe fazia; evacuações espontâneas não sucediam durante meses, caso não interviesse uma repentina excitação de uma direção determinada, em consequência da qual podia se restabelecer por alguns dias a atividade normal do intestino. Sua principal queixa era que o mundo, para ele, estava envolto num véu, ou que ele estava separado do mundo por um véu. Esse véu se rompia somente no instante em 66/311
que, após uma lavagem, o intestino era aliviado de seu conteúdo; então ele se sentia novamente sadio e normal. 30 O colega ao qual enviei o paciente, a fim de opinar sobre sua condição intestinal, foi lúcido o bastante para defini-la como funcional, ou mesmo psiquicamente determinada, e abster-se de medicação ativa. Tampouco a dieta prescrita teve qualquer utilidade. Nos anos do tratamento analítico, não houve nenhuma evacuação espontânea (sem considerar aquelas influências repentinas). O doente se convenceu de que todo tratamento mais intensivo do órgão teimoso pioraria o seu estado, e satisfez-se com produzir uma evacuação ou duas por semana, por meio de lavagem ou laxativo. Discutindo as desordens intestinais do paciente, dediquei mais espaço à condição patológica de sua idade adulta do que caberia no plano de um trabalho que se ocupa de sua neurose infantil. Duas razões foram determinantes nisso: primeiro, os sintomas do intestino haviam de fato prosseguido, com bem pouca mudança, da neurose infantil até aquela posterior; segundo, tiveram papel capital na finalização do tratamento. Sabe-se que importância tem a dúvida, para um médico que analisa uma neurose obsessiva. É a arma mais poderosa do doente, o meio predileto de sua resistência. Essa mesma dúvida permitiu também a nosso paciente, entrincheirado numa indiferença respeitosa, fazer que durante anos resvalassem por ele os esforços da terapia. Nada mudava, e não havia meio de convencê-lo. Por fim reconheci a importância do distúrbio intestinal para os meus propósitos; ele representava a porção de histeria que regularmente se encontra na base de uma neurose obsessiva. Prometi ao paciente a plena recuperação de sua atividade intestinal, e por meio dessa promessa tornei clara a sua descrença. Tive então a satisfação de ver desaparecer sua dúvida quando o intestino começou a “participar” do trabalho, como um órgão histericamente afetado, e no curso de poucas semanas reencontrou sua função normal, que havia muito se achava afetada. 67/311
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Então a mãe protestava chorando o seu desinteresse, ele sentia vergonha e podia<br />
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não sucediam durante meses, caso não interviesse uma repentina excitação<br />
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