FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14

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princípios econômicos da ciência, essa explicação teria a preferência diante de uma outra, que não pode bastar sem hipóteses novas e estranhas. Neste ponto, permitam-me chamar a atenção para o fato de que na atual literatura psicanalítica as controvérsias se fazem habitualmente segundo o princípio de pars pro toto [tomar a parte pelo todo]. De um conjunto altamente composto se retira uma parte dos fatores atuantes, proclama-se que é a verdade e em seu favor se contradiz a outra parte e o todo. Olhando mais atentamente a que grupo de fatores coube a preferência, vê-se que é aquele que contém o já conhecido de outra fonte, ou o que mais dele se aproxima. Em Jung é, então, a atualidade e a regressão, em Adler os motivos egoístas. Mas é relegado e rejeitado como erro precisamente aquilo que é novo e peculiar na psicanálise. Desse modo são rechaçados mais facilmente os avanços revolucionários da incômoda psicanálise. Vale destacar que nenhum dos fatores aduzidos pela concepção rival para a compreensão das cenas infantis necessitava ser apresentado por Jung como novidade. O conflito atual, o afastamento da realidade, a satisfação substituta na fantasia, a regressão ao material do passado, tudo isso, na mesma conjunção, talvez com pequena mudança de terminologia, constituiu desde sempre boa parte de minha teoria. Não era o todo, apenas a parte das causas que, partindo da realidade, atua na formação da neurose em direção regressiva. Ao lado disso, deixei lugar para uma outra influência progressiva, que atua desde as impressões infantis, que aponta o caminho à libido que se retrai ante a vida, e permite compreender a regressão à infância, de resto inexplicável. Segundo a minha concepção, os dois fatores atuam conjuntamente na formação de sintomas; mas uma atuação conjunta anterior me parece igualmente significativa. Sustento que a influência da infância já se faz sentida na situação inicial da formação da neurose, na medida em que também determina, de modo decisivo, se e em que ponto o indivíduo fracassa ao lidar com os problemas reais da vida. O que está em disputa, portanto, é a significação do fator infantil. A tarefa consiste em achar um caso que, sem qualquer margem para a dúvida, 48/311

demonstre essa importância. Um caso assim é o que tratamos minuciosamente aqui, que se caracteriza pelo fato de que a neurose da vida adulta é precedida por uma neurose na primeira infância. Justamente por isso escolhi este caso para comunicação. Se alguém o quiser rejeitar, porque a fobia de animais não lhe parece bastante séria para ser reconhecida como neurose autônoma, eu lhe responderei que à fobia sucederam, sem qualquer intervalo, um cerimonial obsessivo e pensamentos e atos obsessivos, dos quais falaremos nas seções seguintes deste trabalho. Uma doença neurótica no quarto ou quinto ano da infância vem demonstrar, acima de tudo, que as vivências infantis são capazes por si só de produzir uma neurose, sem necessitar, para isto, da fuga ante uma tarefa imposta pela vida. Será feita a objeção de que também à criança se apresentam continuamente tarefas a que talvez preferisse escapar. Isto é certo, mas a vida de uma criança que ainda não frequenta a escola não é difícil de ser observada, e podese investigar se existe nela uma “tarefa” que determine a causação da neurose. Mas descobrem-se apenas impulsos instintuais, cuja satisfação é impossível para a criança e cujo domínio está fora de seu alcance, e as fontes das quais eles surgem. Como era de esperar, a enorme diminuição do intervalo entre a irrupção da neurose e a época das vivências infantis em questão faz encolher ao máximo a parte regressiva da causação, e traz inteiramente à luz a parcela progressiva da mesma, a influência das primeiras impressões. Esta situação será ilustrada nitidamente, espero, pela presente história clínica. Mas há outras razões ainda por que a neurose infantil dá uma resposta decisiva à questão sobre a natureza das cenas primordiais, ou vivências infantis mais antigas averiguadas na análise. Se supomos, como premissa inquestionável, que uma tal cena primária foi obtida de maneira tecnicamente correta, que é indispensável para a solução abrangente de todos os enigmas que nos propõem os sintomas da doença infantil, que dela emanam todos os efeitos, assim como a ela conduziram todos os fios da análise, então é impossível, considerando o seu conteúdo, que ela 49/311

demonstre essa importância. Um caso assim é o que tratamos minuciosamente<br />

aqui, que se caracteriza pelo fato de que a neurose da vida adulta é precedida<br />

por uma neurose na primeira infância. Justamente por isso escolhi este caso<br />

para comunicação. Se alguém o quiser rejeitar, porque a fobia de animais não<br />

lhe parece bastante séria para ser reconhecida como neurose autônoma, eu lhe<br />

responderei que à fobia sucederam, sem qualquer intervalo, um cerimonial obsessivo<br />

e pensamentos e atos obsessivos, dos quais falaremos nas seções<br />

seguintes deste trabalho.<br />

Uma doença neurótica no quarto ou quinto ano da infância vem demonstrar,<br />

acima de tudo, que as vivências infantis são capazes por si só de produzir<br />

uma neurose, sem necessitar, para isto, da fuga ante uma tarefa imposta pela<br />

vida. Será feita a objeção de que também à criança se apresentam continuamente<br />

tarefas a que talvez preferisse escapar. Isto é certo, mas a vida de uma<br />

criança que ainda não frequenta a escola não é difícil de ser observada, e podese<br />

investigar se existe nela uma “tarefa” que determine a causação da neurose.<br />

Mas descobrem-se apenas impulsos instintuais, cuja satisfação é impossível<br />

para a criança e cujo domínio está fora de seu alcance, e as fontes <strong>das</strong> quais eles<br />

surgem.<br />

Como era de esperar, a enorme diminuição do intervalo entre a irrupção da<br />

neurose e a época <strong>das</strong> vivências infantis em questão faz encolher ao máximo a<br />

parte regressiva da causação, e traz inteiramente à luz a parcela progressiva da<br />

mesma, a influência <strong>das</strong> primeiras impressões. Esta situação será ilustrada nitidamente,<br />

espero, pela presente história clínica. Mas há outras razões ainda por<br />

que a neurose infantil dá uma resposta decisiva à questão sobre a natureza <strong>das</strong><br />

cenas primordiais, ou vivências infantis mais antigas averigua<strong>das</strong> na análise.<br />

Se supomos, como premissa inquestionável, que uma tal cena primária foi<br />

obtida de maneira tecnicamente correta, que é indispensável para a solução<br />

abrangente de todos os enigmas que nos propõem os sintomas da doença infantil,<br />

que dela emanam todos os efeitos, assim como a ela conduziram todos<br />

os fios da análise, então é impossível, considerando o seu conteúdo, que ela<br />

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