FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14

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alfaiate e através da qual o lobo entra na sala. “Deve ter a seguinte significação: ‘de repente os olhos se abrem’. Ou seja, eu estou dormindo e acordo de repente, e nisso vejo algo: a árvore com os lobos.” Nisso não havia o que objetar, mas podia ser mais aproveitado. Ele tinha acordado e havia algo para ver. A observação atenta, que no sonho é atribuída aos lobos, deve ser deslocada para ele. Num ponto decisivo tivera lugar uma inversão, que além disso é indicada por outra inversão no conteúdo manifesto do sonho. Pois havia uma inversão no fato de os lobos sentarem na árvore, enquanto na história do avô se achavam embaixo, e não conseguiam trepar na árvore. E se o outro elemento enfatizado pelo sonhador fosse também deformado por uma inversão ou transposição? Então, em vez de imobilidade (os lobos estão sentados quietos, olham para ele, mas não se mexem) seria: o mais forte movimento. Ou seja, ele acordou de repente e viu uma cena de forte movimentação à sua frente, a qual olhou tenso e com atenção. Num caso a deformação consistiria na troca de sujeito e objeto, atividade e passividade, ser olhado em vez de olhar; no outro caso numa transformação no contrário: repouso em vez de movimento. Mais um progresso na compreensão do sonho foi trazido, em outra ocasião, por este pensamento que emergiu de repente: a árvore é a árvore-de-natal. Naquele instante ele soube que tivera o sonho pouco antes do Natal, na expectativa deste. Como o dia de Natal também era o seu dia de nascimento, pôde-se estabelecer com segurança a época do sonho e da transformação dele decorrente. Foi logo antes de seu quarto aniversário. Ele tinha adormecido na tensa expectativa do dia em que iria ganhar dois presentes. Sabemos que em tais circunstâncias a criança antecipa com facilidade a realização dos desejos no sonho. Então já era Natal no sonho, o conteúdo do sonho mostrava a distribuição dos brindes, da árvore pendiam os presentes a ele destinados. Mas em vez de presentes havia — lobos, e o sonho findava com ele sentindo medo de ser devorado pelo lobo (provavelmente pelo pai) e buscando refúgio com a babá. O conhecimento de sua evolução sexual antes do sonho nos torna 34/311

possível preencher a lacuna do sonho e esclarecer a mudança da satisfação em medo. Entre os desejos formadores do sonho, deve ter sido estimulado o mais forte, o da satisfação sexual, que ele ansiava então obter do pai. A força deste desejo conseguiu refrescar a pista mnemônica, há muito esquecida, de uma cena que lhe podia mostrar como era a satisfação sexual com o pai, e o resultado foi pavor, horror ante a realização desse desejo, repressão do impulso que se apresentara por esse desejo, e por isso fuga do pai, em direção à babá não tão perigosa. A importância dessa data de Natal fora conservada na pretendida lembrança de que o primeiro acesso de fúria se deu porque ele havia ficado insatisfeito com os presentes de Natal. A recordação juntava o que era correto e falso, ela não podia estar certa sem alguma alteração, pois conforme repetidas afirmações dos pais a sua má conduta já chamava a atenção após o retorno deles no outono, não somente no Natal; mas o essencial da relação entre falta de amor satisfeito, fúria e época de Natal fora preservado na recordação. Mas que imagem a ação noturna desse anseio sexual podia ter conjurado, capaz de provocar horror tão intenso da satisfação desejada? Segundo o material da análise, essa imagem tinha de preencher uma condição, tinha de ser adequada para fundamentar a convicção da existência da castração. O medo da castração tornou-se então o motor da transformação do afeto. Neste ponto vejo-me obrigado a abandonar o apoio fornecido pelo curso da análise. Receio que também neste ponto a crença do leitor me abandone. O que naquela noite foi ativado, a partir do caos de pistas mnemônicas inconscientes, foi a imagem de um coito entre os pais, em circunstâncias não muito comuns e bastante propícias à observação. Aos poucos foi possível obter respostas satisfatórias para todas as questões ligadas a essa cena, pois no decorrer da terapia o sonho se repetiu em inúmeras variantes e reedições, às quais a análise forneceu os esclarecimentos que se desejava. Primeiro se revelou a idade da criança no momento da observação, cerca de um ano e meio. 8 Nesse tempo ele sofria de malária, e um ataque da doença se repetia diariamente em 35/311

possível preencher a lacuna do sonho e esclarecer a mudança da satisfação em<br />

medo. Entre os desejos formadores do sonho, deve ter sido estimulado o mais<br />

forte, o da satisfação sexual, que ele ansiava então obter do pai. A força deste<br />

desejo conseguiu refrescar a pista mnemônica, há muito esquecida, de uma<br />

cena que lhe podia mostrar como era a satisfação sexual com o pai, e o resultado<br />

foi pavor, horror ante a realização desse desejo, repressão do impulso<br />

que se apresentara por esse desejo, e por isso fuga do pai, em direção à babá<br />

não tão perigosa.<br />

A importância dessa data de Natal fora conservada na pretendida lembrança<br />

de que o primeiro acesso de fúria se deu porque ele havia ficado insatisfeito<br />

com os presentes de Natal. A recordação juntava o que era correto e<br />

falso, ela não podia estar certa sem alguma alteração, pois conforme repeti<strong>das</strong><br />

afirmações dos pais a sua má conduta já chamava a atenção após o retorno<br />

deles no outono, não somente no Natal; mas o essencial da relação entre falta<br />

de amor satisfeito, fúria e época de Natal fora preservado na recordação.<br />

Mas que imagem a ação noturna desse anseio sexual podia ter conjurado,<br />

capaz de provocar horror tão intenso da satisfação desejada? Segundo o material<br />

da análise, essa imagem tinha de preencher uma condição, tinha de ser adequada<br />

para fundamentar a convicção da existência da castração. O medo da<br />

castração tornou-se então o motor da transformação do afeto.<br />

Neste ponto vejo-me obrigado a abandonar o apoio fornecido pelo curso da<br />

análise. Receio que também neste ponto a crença do leitor me abandone.<br />

O que naquela noite foi ativado, a partir do caos de pistas mnemônicas inconscientes,<br />

foi a imagem de um coito entre os pais, em circunstâncias não<br />

muito comuns e bastante propícias à observação. Aos poucos foi possível obter<br />

respostas satisfatórias para to<strong>das</strong> as questões liga<strong>das</strong> a essa cena, pois no decorrer<br />

da terapia o sonho se repetiu em inúmeras variantes e reedições, às quais a<br />

análise forneceu os esclarecimentos que se desejava. Primeiro se revelou a idade<br />

da criança no momento da observação, cerca de um ano e meio. 8 Nesse<br />

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