FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14

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PREFÁCIO A PROBLEMAS DE PSICOLOGIA DA RELIGIÃO, DE THEODOR REIK * A psicanálise se originou da carência médica, surgiu da necessidade de ajudar os doentes nervosos que não experimentavam alívio mediante repouso, hidropatia e eletricidade. Uma singularíssima observação de Josef Breuer havia despertado a esperança de que, quanto mais compreendêssemos a gênese — até então inexplorada — de seus sintomas, tanto mais poderíamos ajudá-los. Assim ocorreu que a psicanálise, uma técnica puramente médica em sua origem, viu-se desde o começo direcionada para a pesquisa, para o descobrimento de nexos amplos e ocultos. Sua trajetória posterior a desviou do estudo dos determinantes somáticos da doença nervosa, de modo a causar estranheza nos médicos. Em compensação, foi levada a se ocupar de todo o conteúdo psíquico que preenche a vida humana, também a dos sadios, dos normais e supernormais. Teve de lidar com os afetos e paixões, sobretudo aqueles que os escritores não se cansam de descrever e celebrar, os afetos da vida amorosa. Conheceu o poder das recordações, a insuspeitada importância dos primeiros anos na configuração da vida adulta, e a força dos desejos, que falseiam o juízo do ser humano e prescrevem linhas fixas para seu empenho. Por um momento, parecia destinada a se incorporar à psicologia, incapaz de dizer por que a psicologia do doente se distingue da do homem normal. Mas deparou, em sua trajetória, com o problema do sonho, um produto psíquico anormal, criado por pessoas normais em condições fisiológicas que se dão regularmente. Quando a psicanálise solucionou o enigma dos sonhos, encontrou no elemento psíquico inconsciente o solo comum em que têm raízes tanto os mais altos como os mais baixos impulsos da alma, do qual saem as produções

psíquicas mais normais e as mais patologicamente extravagantes. Assim foi se formando, sempre mais nítido e mais completo, o quadro da oficina da psique. Forças instintuais obscuras, oriundas do orgânico, que se empenham em atingir metas inatas; acima delas um grupo de instâncias de formações psíquicas mais altamente organizadas — aquisições do desenvolvimento humano, sob a coação da história humana —, que acolheram, desenvolveram ou atribuíram metas mais elevadas a porções desses impulsos instintuais, mas que, de toda forma, ligam-nos mediante conexões firmes e governam suas forças instintuais segundo suas próprias intenções. Mas essa organização superior conhecida como Eu afastou de si, como inaproveitável, uma outra porção dos mesmos impulsos instintuais elementares, pois eles não podiam encaixar-se na unidade orgânica do indivíduo ou porque se rebelavam contra as suas metas culturais. O Eu não é capaz de extirpar esses poderes psíquicos que não lhe são sujeitados, distancia-se deles, deixa-os no mais primitivo nível psicológico, protege-se de suas exigências com enérgicas formações protetoras e opositoras ou busca ajeitar-se com elas mediante satisfações substitutivas. Indomados e indestrutíveis, mas inibidos para qualquer atividade, esses instintos que sucumbiram à repressão formam, juntamente com sua primitiva representação psíquica, o submundo psíquico, o núcleo do inconsciente propriamente falando, sempre dispostos a fazer valer suas reivindicações e conduzi-los à satisfação por qualquer via. Daí a instabilidade da orgulhosa superestrutura psíquica, o noturno aparecimento em sonhos do proibido e reprimido, a inclinação a adoecer de neuroses e psicoses, assim que a relação de forças entre o Eu e o reprimido se modifica em detrimento do Eu. Um pouco mais de reflexão mostraria que uma tal concepção da vida psíquica humana não podia ficar restrita ao âmbito do sonho e das doenças nervosas. Se havia dado com algo certo, tinha que valer também para o funcionamento psíquico normal, e mesmo as realizações máximas do espírito humano deviam ter relação com os fatores encontrados na patologia, com a repressão, com os esforços para lidar com o inconsciente, com as 295/311

PREFÁCIO A PROBLEMAS<br />

DE PSICOLOGIA DA RELIGIÃO,<br />

DE THEODOR REIK *<br />

A psicanálise se originou da carência médica, surgiu da necessidade de ajudar<br />

os doentes nervosos que não experimentavam alívio mediante repouso, hidropatia<br />

e eletricidade. Uma singularíssima observação de Josef Breuer havia despertado<br />

a esperança de que, quanto mais compreendêssemos a gênese — até<br />

então inexplorada — de seus sintomas, tanto mais poderíamos ajudá-los.<br />

Assim ocorreu que a psicanálise, uma técnica puramente médica em sua<br />

origem, viu-se desde o começo direcionada para a pesquisa, para o descobrimento<br />

de nexos amplos e ocultos.<br />

Sua trajetória posterior a desviou do estudo dos determinantes somáticos<br />

da doença nervosa, de modo a causar estranheza nos médicos. Em compensação,<br />

foi levada a se ocupar de todo o conteúdo psíquico que preenche a<br />

vida humana, também a dos sadios, dos normais e supernormais. Teve de lidar<br />

com os afetos e paixões, sobretudo aqueles que os escritores não se cansam de<br />

descrever e celebrar, os afetos da vida amorosa. Conheceu o poder <strong>das</strong> recordações,<br />

a insuspeitada importância dos primeiros anos na configuração da<br />

vida adulta, e a força dos desejos, que falseiam o juízo do ser humano e prescrevem<br />

linhas fixas para seu empenho.<br />

Por um momento, parecia destinada a se incorporar à psicologia, incapaz<br />

de dizer por que a psicologia do doente se distingue da do homem normal. Mas<br />

deparou, em sua trajetória, com o problema do sonho, um produto psíquico<br />

anormal, criado por pessoas normais em condições fisiológicas que se dão regularmente.<br />

Quando a psicanálise solucionou o enigma dos sonhos, encontrou<br />

no elemento psíquico inconsciente o solo comum em que têm raízes tanto os<br />

mais altos como os mais baixos impulsos da alma, do qual saem as produções

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