FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14

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Um maior esclarecimento de nosso caso devemos agora à recordação, surgida com grande nitidez, de que os sintomas de angústia só se teriam juntado aos sinais de mudança de caráter a partir de determinado evento. Antes não haveria angústia, e imediatamente após o evento ela teria se manifestado de forma atormentadora. O momento dessa transformação pode ser indicado com certeza, foi logo antes de ele completar quatro anos. Em virtude desse ponto de referência, o período da infância de que propusemos nos ocupar se divide em duas fases: a primeira, de ruindade e perversidade, da sedução aos três anos e três meses até o aniversário de quatro anos, e a segunda, subsequente e mais demorada, em que predominam os sinais da neurose. Mas o evento que permite essa divisão não foi um trauma exterior, e sim um sonho, do qual ele despertou com angústia. IV. O SONHO E A CENA PRIMÁRIA Já publiquei este sonho em outro lugar, 6 devido a seu teor de contos de fadas, e primeiramente repetirei o que foi ali comunicado: “Sonhei que é noite e que estou deitado em minha cama (ela ficava com os pés para a janela, diante da janela havia uma fileira de velhas nogueiras. Sei que era inverno quando sonhei, e era noite). De repente a janela se abre sozinha, e vejo, com grande pavor, que na grande nogueira diante da janela estão sentados alguns lobos brancos. Eram seis ou sete. Os lobos eram inteiramente brancos e pareciam antes raposas ou cães pastores, pois tinham caudas grandes como as raposas e suas orelhas estavam em pé como as dos cães, quando prestam atenção a algo. Com muito medo, evidentemente, de ser comido pelos lobos, gritei e acordei. Minha babá correu até minha cama, para ver o que tinha acontecido. Demorou algum tempo até eu me convencer que tinha sido apenas um sonho, tão nítida e tão natural me 28/311

pareceu a imagem da janela se abrindo e os lobos sentados na árvore. Finalmente me tranquilizei, me senti como tendo escapado de um perigo, e tornei a dormir. “A única ação do sonho era a abertura da janela, pois os lobos estavam sentados bem quietos nos galhos da árvore, sem qualquer movimento, à direita e à esquerda do tronco, e olhavam para mim. Era como se dirigissem para mim toda a sua atenção. Acho que este foi meu primeiro sonho angustiado. Na época eu tinha três, quatro, no máximo cinco anos de idade. Desde então, e até os onze ou doze anos, sempre tive medo de ver algo terrível nos sonhos.” Ele dá então um desenho da árvore com os lobos, que confirma sua descrição [figura abaixo]. A análise do sonho traz o seguinte material à luz. Ele sempre ligou esse sonho à recordação de que nesses anos da infância tinha um medo enorme da figura de um lobo num livro de fadas. A irmã, mais velha e sempre superior, costumava zombar dele, mostrando-lhe justamente essa imagem por qualquer pretexto, ao que ele começava a gritar de pavor. Nessa figura o lobo estava erguido, com uma pata à frente, as garras à mostra e as orelhas alertas. Ele acha que essa imagem serviu de ilustração à história do Chapeuzinho Vermelho. Por que os lobos são brancos? Isto o faz pensar nas ovelhas, das quais se mantinham grandes rebanhos nos arredores da casa. Ocasionalmente o pai o levava para ver esses rebanhos, e toda vez ele ficava orgulhoso e contente. 29/311

Um maior esclarecimento de nosso caso devemos agora à recordação, surgida<br />

com grande nitidez, de que os sintomas de angústia só se teriam juntado<br />

aos sinais de mudança de caráter a partir de determinado evento. Antes não<br />

haveria angústia, e imediatamente após o evento ela teria se manifestado de<br />

forma atormentadora. O momento dessa transformação pode ser indicado com<br />

certeza, foi logo antes de ele completar quatro anos. Em virtude desse ponto<br />

de referência, o período da infância de que propusemos nos ocupar se divide<br />

em duas fases: a primeira, de ruindade e perversidade, da sedução aos três anos<br />

e três meses até o aniversário de quatro anos, e a segunda, subsequente e mais<br />

demorada, em que predominam os sinais da neurose. Mas o evento que<br />

permite essa divisão não foi um trauma exterior, e sim um sonho, do qual ele<br />

despertou com angústia.<br />

IV. O SONHO<br />

E A CENA PRIMÁRIA<br />

Já publiquei este sonho em outro lugar, 6 devido a seu teor de contos de fa<strong>das</strong>, e<br />

primeiramente repetirei o que foi ali comunicado:<br />

“Sonhei que é noite e que estou deitado em minha cama (ela ficava com<br />

os pés para a janela, diante da janela havia uma fileira de velhas nogueiras.<br />

Sei que era inverno quando sonhei, e era noite). De repente a janela se abre<br />

sozinha, e vejo, com grande pavor, que na grande nogueira diante da janela<br />

estão sentados alguns lobos brancos. Eram seis ou sete. Os lobos eram inteiramente<br />

brancos e pareciam antes raposas ou cães pastores, pois tinham<br />

cau<strong>das</strong> grandes como as raposas e suas orelhas estavam em pé como as dos<br />

cães, quando prestam atenção a algo. Com muito medo, evidentemente, de<br />

ser comido pelos lobos, gritei e acordei. Minha babá correu até minha<br />

cama, para ver o que tinha acontecido. Demorou algum tempo até eu me<br />

convencer que tinha sido apenas um sonho, tão nítida e tão natural me<br />

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