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FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14

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a gênese da sensação inquietante nas vivências reais, e tudo o que produz efeitos<br />

inquietantes na vida também os produz na obra literária. Mas nesse caso o<br />

escritor pode exacerbar e multiplicar o inquietante muito além do que é possível<br />

nas vivências, ao fazer sobrevir acontecimentos que jamais — ou muito<br />

raramente — encontramos na realidade. Ele como que denuncia a superstição<br />

que ainda abrigamos e acreditávamos superada, ele nos engana, ao prometernos<br />

a realidade comum e depois ultrapassá-la. Nós reagimos a suas ficções tal<br />

como reagiríamos a nossas próprias vivências; ao notarmos o engano, é tarde<br />

demais, o autor atingiu seu propósito, mas afirmo que não alcançou pleno<br />

êxito. Fica-nos um sentimento de insatisfação, uma espécie de desgosto pelo<br />

malogro tentado, como senti bem claramente após a leitura de “A profecia”<br />

[“Die Weissagung”], de Schnitzler, e de outras histórias que flertam com o<br />

maravilhoso. Mas o escritor tem ainda um meio com o qual pode escapar a esse<br />

nosso protesto e, ao mesmo tempo, melhorar as condições para atingir seu<br />

propósito. Consiste em não nos deixar perceber, durante muito tempo, que<br />

premissas escolheu para o mundo por ele suposto, ou em retardar até o fim,<br />

com astúcia e engenho, tal esclarecimento decisivo. No geral, porém, cumprese<br />

aí o que enunciamos: a ficção cria novas possibilidades de sensação inquietante,<br />

que não se acham na vida.<br />

A rigor, to<strong>das</strong> essas complicações dizem respeito somente ao inquietante<br />

que se origina daquilo que foi superado. O inquietante que vem de complexos<br />

reprimidos é mais resistente, e permanece tão inquietante na literatura — à<br />

parte uma condição — como nas vivências. O outro inquietante, advindo do<br />

superado, mostra esse caráter na vida e na obra que se situa no terreno da realidade<br />

material, mas pode perdê-lo nas realidades fictícias, cria<strong>das</strong> pelo autor.<br />

É evidente que essas considerações não esgotam o tema <strong>das</strong> liberdades do<br />

escritor e dos privilégios da ficção em evocar ou inibir a sensação do inquietante.<br />

Diante do vivenciado nos comportamos, em geral, de maneira uniformemente<br />

passiva, sucumbindo à influência do que sucede. Mas em relação<br />

ao escritor somos particularmente maleáveis; por meio do estado de ânimo em<br />

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