FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14
FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14 FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14
Unheimlichkeit inerente às práticas mágicas. O que há de infantil nelas, que também governa a vida psíquica dos neuróticos, é a excessiva ênfase na realidade psíquica, em comparação com a material, um traço que se vincula à onipotência do pensamento. Durante o isolamento da Grande Guerra, caiu-me nas mãos um número da revista inglesa Strand, no qual, em meio a artigos um tanto supérfluos, li um conto sobre um casal jovem que se muda para um apartamento mobiliado em que se acha uma mesa de forma peculiar, com crocodilos esculpidos na madeira. Ao anoitecer, um odor insuportável e característico espalha-se pela casa, as pessoas tropeçam em algo no escuro, acreditam ver algo indefinível deslizando pela escada; em suma, dá-se a entender que, com a presença da mesa, crocodilos fantasmas assombram a casa, que os monstros de madeira adquirem vida no escuro, ou algo assim. Era uma história ingênua, mas o efeito inquietante que produzia era notável. Concluindo essa reunião de exemplos — certamente ainda incompleta — devo mencionar uma observação da prática psicanalítica, que, se não se assenta numa fortuita coincidência, traz uma bela confirmação de nossa teoria do inquietante. Com frequência, homens neuróticos declaram que o genital feminino é algo inquietante para eles. Mas esse unheimlich é apenas a entrada do antigo lar [Heimat] da criatura humana, do local que cada um de nós habitou uma vez, em primeiro lugar. “Amor é nostalgia do lar” [Liebe ist Heimweh], diz uma frase espirituosa, e quando, num sonho, pensamos de um local ou uma paisagem: “Conheço isto, já estive aqui”, a interpretação pode substituí-lo pelo genital ou o ventre da mãe. O inquietante [unheimlich] é, também nesse caso, o que foi outrora familiar [heimisch], velho conhecido. O sufixo un, nessa palavra, é a marca da repressão. III 272/311
Já durante a leitura das páginas precedentes terão surgido dúvidas no leitor, às quais devemos agora permitir que se juntem e tenham expressão. Pode ser correto que o unheimlich seja o heimlich-heimisch [oculto-familiar] que experimentou uma repressão e dela retornou, e que tudo inquietante satisfaça tal condição. Mas o enigma do inquietante não parece resolver-se com essa seleção do material. Evidentemente a nossa proposição não pode ser invertida. Nem tudo que lembra impulsos instintuais reprimidos e modos de pensar superados da pré-história individual e dos povos é inquietante por causa disso. Também não ignoramos que, para quase cada exemplo que deveria demonstrar nossa tese, pode-se achar outro análogo, que o contradiz. Assim, no conto “História da mão amputada”, de Hauff, a mão cortada tem efeito certamente inquietante, algo que relacionamos ao complexo da castração. Mas na narrativa que Heródoto faz do tesouro de Rampsinito, em que a princesa tenta segurar a mão do ladrão mestre e este lhe deixa a mão amputada de seu irmão, os leitores provavelmente julgarão, tal como eu, que isso não provoca nenhum efeito inquietante. No “Anel de Polícrates”, a pronta satisfação de desejos certamente nos parece tão inquietante como ao rei do Egito. Mas os nossos contos tradicionais pululam de satisfações imediatas dos desejos, e o inquietante não está presente neles. No conto dos três desejos, o cheiro saboroso de uma salsicha faz uma mulher dizer que gostaria de uma assim. De imediato esta surge no seu prato. Aborrecido com a precipitação da mulher, o marido deseja que a salsicha lhe fique pendurada no nariz. Eis que ela lhe pende então do nariz. Isto pode impressionar, mas não é minimamente inquietante. As fábulas colocam-se abertamente na posição animista da onipotência dos pensamentos e desejos, e eu não poderia mencionar uma fábula genuína em que algo inquietante sucedesse. Foi dito que é extremamente inquietante quando coisas, imagens, bonecas inanimadas adquirem vida, mas nos contos de Andersen os utensílios domésticos, os móveis, o soldadinho de chumbo são animados, e 273/311
- Page 222 and 223: adquiririam importância. No meio s
- Page 224 and 225: uma aberração sexual no adulto
- Page 226 and 227: Esta suposição é confirmada pela
- Page 228 and 229: por qual caminho essa fantasia, ago
- Page 230 and 231: No entanto, chega o tempo em que es
- Page 232 and 233: possibilitar o sentimento de que a
- Page 234 and 235: a ele se ligava. A constituição s
- Page 236 and 237: genital, obriga esta mesma à regre
- Page 238 and 239: uma pessoa que a substituía). Mas
- Page 240 and 241: conhecidos, na fantasia consciente
- Page 242 and 243: humanos, e afirma que em cada indiv
- Page 244 and 245: feminina não é abandonada, em sua
- Page 246 and 247: the phantasy along the same line, a
- Page 248 and 249: I É raro o psicanalista sentir-se
- Page 250 and 251: do inquietante é a incerteza intel
- Page 252 and 253: sentiu nada h. quanto a isso 27, 17
- Page 254 and 255: 2, 82; Sente um pavor un-h. Verm. 1
- Page 256 and 257: II Portanto, heimlich é uma palavr
- Page 258 and 259: Embora o pequeno Nathaniel tivesse
- Page 260 and 261: Essa breve síntese não deixará d
- Page 262 and 263: Então ousaremos referir o elemento
- Page 264 and 265: da libido. No Eu forma-se lentament
- Page 266 and 267: cartão com determinado número —
- Page 268 and 269: valioso, porém frágil, receia a i
- Page 270 and 271: estabelecer contato com as almas do
- Page 274 and 275: nada está mais longe de ser inquie
- Page 276 and 277: grupo; para a teoria, no entanto, a
- Page 278 and 279: a gênese da sensação inquietante
- Page 280 and 281: Quanto ao silêncio, solidão e esc
- Page 282 and 283: ampliada e denominada "ideal do Eu"
- Page 284 and 285: DEVE-SE ENSINAR A PSICANÁLISE NAS
- Page 286 and 287: Essa óbvia carência do ensino lev
- Page 288 and 289: INTRODUÇÃO A PSICANÁLISE DAS NEU
- Page 290 and 291: Mas não devemos atribuir, a esse a
- Page 292 and 293: quando alcançarem bom termo as pes
- Page 294 and 295: PREFÁCIO A PROBLEMAS DE PSICOLOGIA
- Page 296 and 297: possibilidades de satisfação dos
- Page 298 and 299: Essa hipótese, fundamentada nas co
- Page 300 and 301: A EDITORA PSICANALÍTICA INTERNACIO
- Page 302 and 303: aproximadamente o mesmo valor, deve
- Page 304 and 305: VICTOR TAUSK [1879-1919] * Entre as
- Page 306 and 307: trabalhos do falecido, sobre a psic
- Page 308 and 309: SIGMUND FREUD, OBRAS COMPLETAS EM 2
- Page 310 and 311: Copyright da tradução © 2010 by
Já durante a leitura <strong>das</strong> páginas precedentes terão surgido dúvi<strong>das</strong> no leitor, às<br />
quais devemos agora permitir que se juntem e tenham expressão.<br />
Pode ser correto que o unheimlich seja o heimlich-heimisch [oculto-familiar]<br />
que experimentou uma repressão e dela retornou, e que tudo inquietante satisfaça<br />
tal condição. Mas o enigma do inquietante não parece resolver-se com<br />
essa seleção do material. Evidentemente a nossa proposição não pode ser invertida.<br />
Nem tudo que lembra impulsos instintuais reprimidos e modos de<br />
pensar superados da pré-história individual e dos povos é inquietante por<br />
causa disso.<br />
Também não ignoramos que, para quase cada exemplo que deveria demonstrar<br />
nossa tese, pode-se achar outro análogo, que o contradiz. Assim, no conto<br />
“História da mão amputada”, de Hauff, a mão cortada tem efeito certamente<br />
inquietante, algo que relacionamos ao complexo da castração. Mas na<br />
narrativa que Heródoto faz do tesouro de Rampsinito, em que a princesa tenta<br />
segurar a mão do ladrão mestre e este lhe deixa a mão amputada de seu irmão,<br />
os leitores provavelmente julgarão, tal como eu, que isso não provoca nenhum<br />
efeito inquietante. No “Anel de Polícrates”, a pronta satisfação de desejos certamente<br />
nos parece tão inquietante como ao rei do Egito. Mas os nossos contos<br />
tradicionais pululam de satisfações imediatas dos desejos, e o inquietante não<br />
está presente neles. No conto dos três desejos, o cheiro saboroso de uma<br />
salsicha faz uma mulher dizer que gostaria de uma assim. De imediato esta<br />
surge no seu prato. Aborrecido com a precipitação da mulher, o marido deseja<br />
que a salsicha lhe fique pendurada no nariz. Eis que ela lhe pende então do<br />
nariz. Isto pode impressionar, mas não é minimamente inquietante. As fábulas<br />
colocam-se abertamente na posição animista da onipotência dos pensamentos e<br />
desejos, e eu não poderia mencionar uma fábula genuína em que algo inquietante<br />
sucedesse. Foi dito que é extremamente inquietante quando coisas,<br />
imagens, bonecas inanima<strong>das</strong> adquirem vida, mas nos contos de Andersen os<br />
utensílios domésticos, os móveis, o soldadinho de chumbo são animados, e<br />
273/311