FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14

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uma pessoa que a substituía). Mas essa fantasia, na qual a própria pessoa do menino era mantida como objeto, diferenciava-se da segunda fase das meninas pelo fato de poder tornar-se consciente. Querendo-se, por causa disso, tornála equivalente à terceira fase das meninas, persistia a diferença de que o menino não era substituído por outros garotos desconhecidos e indeterminados, menos ainda por outras meninas. A expectativa de um completo paralelismo mostrou-se infundada, portanto. Meu material masculino abrangia poucos casos com fantasia de surra infantil sem grande prejuízo para a atividade sexual, mas um número maior de pessoas que devemos designar como autênticos masoquistas, no sentido de terem a perversão sexual. Eram indivíduos que achavam satisfação sexual apenas na masturbação com fantasias masoquistas, ou que conseguiam juntar masoquismo e atividade genital de uma maneira que, através de arranjos masoquistas e em condições tais, atingiam a ereção e a ejaculação ou se habilitavam para um coito normal. Houve também um caso mais raro, em que o masoquista era perturbado, na ação pervertida, por ideias obsessivas intoleravelmente fortes. Pervertidos satisfeitos raramente têm motivos para procurar a análise; mas para os três grupos mencionados de masoquistas pode haver fortes motivos que os levem ao analista. O masturbador masoquista vê que é impotente quando enfim tenta o coito com uma mulher, e aquele que até então realizou o coito com o auxílio de uma ideia ou um arranjo masoquista pode subitamente fazer a descoberta de que essa cômoda aliança fracassou, pois seu órgão genital não mais reage ao estímulo masoquista. Estamos habituados, de modo confiante, a prometer recuperação aos psiquicamente impotentes que vêm se tratar conosco, mas deveremos ser mais reservados nesse prognóstico enquanto não conhecermos a dinâmica desse distúrbio. Temos uma surpresa desagradável quando a análise nos revela, como causa da impotência “puramente psíquica”, uma atitude masoquista peculiar, talvez há muito tempo arraigada. 238/311

Nesses homens masoquistas descobrimos algo que nos solicita não levar adiante, no momento, a analogia com a mulher, mas julgar independentemente a situação. Pois se verifica que eles, nas fantasias masoquistas e nos arranjos para concretizá-las, tomam invariavelmente o papel da mulher, que o seu masoquismo, portanto, coincide com uma atitude feminina. Isso é facilmente demonstrável em pormenores das fantasias; mas muitos pacientes também sabem disso, e o expressam como uma certeza subjetiva. Não faz diferença quando uma roupagem lúdica da cena masoquista se atém à ficção de um menino, pajem ou aprendiz malcriado, que deve ser punido. Mas as pessoas que castigam são sempre mulheres, nas fantasias e nos arranjos. Isso é algo desconcertante; queremos saber também se o masoquismo da fantasia infantil de surra já se baseia nessa postura feminina. 2 Deixemos, então, os fatos dificilmente explicáveis do masoquismo adulto e voltemo-nos para as fantasias infantis de surra no sexo masculino. Aqui a análise do mais remoto período da infância nos permite, mais uma vez, fazer uma descoberta surpreendente. A fantasia que tem por conteúdo apanhar da mãe, consciente ou capaz de chegar à consciência, não é primária. Ela tem um estágio preliminar, que é sempre inconsciente e tem o conteúdo seguinte: “Apanho de meu pai”. Esse estágio prévio corresponde realmente, portanto, à segunda fase da fantasia da menina. A notória fantasia consciente: “Apanho de minha mãe”, acha-se no lugar da terceira fase da menina, na qual, como se disse, meninos desconhecidos são os objetos que apanham. Não pude demonstrar, no menino, um estágio preliminar de natureza sádica, comparável à primeira fase da menina, mas agora não vou rejeitá-lo definitivamente, pois bem vejo a possibilidade de tipos mais complicados. Ser golpeado, na fantasia masculina — como a chamarei, de forma breve, esperando não ser mal-entendido —, é igualmente ser amado no sentido genital, de forma rebaixada pela regressão. A inconsciente fantasia masculina original, portanto, não era “Eu apanho do meu pai”, como provisoriamente formulamos, mas “Sou amado por meu pai”. Ela foi transformada, pelos processos 239/311

Nesses homens masoquistas descobrimos algo que nos solicita não levar<br />

adiante, no momento, a analogia com a mulher, mas julgar independentemente<br />

a situação. Pois se verifica que eles, nas fantasias masoquistas e nos arranjos<br />

para concretizá-las, tomam invariavelmente o papel da mulher, que o seu<br />

masoquismo, portanto, coincide com uma atitude feminina. Isso é facilmente<br />

demonstrável em pormenores <strong>das</strong> fantasias; mas muitos pacientes também<br />

sabem disso, e o expressam como uma certeza subjetiva. Não faz diferença<br />

quando uma roupagem lúdica da cena masoquista se atém à ficção de um menino,<br />

pajem ou aprendiz malcriado, que deve ser punido. Mas as pessoas que<br />

castigam são sempre mulheres, nas fantasias e nos arranjos. Isso é algo desconcertante;<br />

queremos saber também se o masoquismo da fantasia infantil de surra<br />

já se baseia nessa postura feminina. 2<br />

Deixemos, então, os fatos dificilmente explicáveis do masoquismo adulto e<br />

voltemo-nos para as fantasias infantis de surra no sexo masculino. Aqui a análise<br />

do mais remoto período da infância nos permite, mais uma vez, fazer uma<br />

descoberta surpreendente. A fantasia que tem por conteúdo apanhar da mãe,<br />

consciente ou capaz de chegar à consciência, não é primária. Ela tem um estágio<br />

preliminar, que é sempre inconsciente e tem o conteúdo seguinte: “Apanho<br />

de meu pai”. Esse estágio prévio corresponde realmente, portanto, à segunda<br />

fase da fantasia da menina. A notória fantasia consciente: “Apanho de minha<br />

mãe”, acha-se no lugar da terceira fase da menina, na qual, como se disse,<br />

meninos desconhecidos são os objetos que apanham. Não pude demonstrar, no<br />

menino, um estágio preliminar de natureza sádica, comparável à primeira fase<br />

da menina, mas agora não vou rejeitá-lo definitivamente, pois bem vejo a possibilidade<br />

de tipos mais complicados.<br />

Ser golpeado, na fantasia masculina — como a chamarei, de forma breve,<br />

esperando não ser mal-entendido —, é igualmente ser amado no sentido genital,<br />

de forma rebaixada pela regressão. A inconsciente fantasia masculina original,<br />

portanto, não era “Eu apanho do meu pai”, como provisoriamente formulamos,<br />

mas “Sou amado por meu pai”. Ela foi transformada, pelos processos<br />

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