FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14

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Hanns Sachs teve a amabilidade de fornecer-me os seguintes dados sobre os irmãos de Goethe que faleceram prematuramente: a) Hermann Jakob, batizado em 27 de novembro de 1752, uma segunda-feira, alcançou a idade de seis anos e seis semanas, e foi enterrado em 13 de janeiro de 1759; b) Katharina Elisabetha, batizada em 9 de setembro de 1754, uma segundafeira, e enterrada em 22 de dezembro de 1755, uma quinta-feira (com a idade de um ano e quatro meses); c) Johanna Maria, batizada em 29 de março de 1757, uma terça-feira, e enterrada em 11 de agosto de 1759, um sábado (com dois anos e quatro meses). (Esta foi, certamente, a garota cuja beleza e simpatia foi enaltecida pelo irmão); d) Georg Adolph, batizado em 15 de junho de 1760, um domingo; enterrado, com oito meses de idade, em 18 de fevereiro de 1761, uma quarta-feira. 202/311 A irmã seguinte de Goethe, Cornelia Friederica Christiana, nasceu no dia 7 de dezembro de 1750, quando ele tinha um ano e três meses de vida. Essa diferença mínima de idade a exclui como objeto do ciúme. Sabe-se que as crianças, quando suas paixões despertam, jamais desenvolvem reações veementes ante os irmãos que já existem, dirigindo sua aversão aos que chegam. Além disso, a cena que buscamos interpretar não é compatível com a tenra idade de Goethe no nascimento de Cornelia ou pouco depois. Quando do nascimento de Hermann Jakob, o primeiro irmãozinho, Johann Wolfgang tinha três anos e três meses. Cerca de dois anos mais tarde, quando ele tinha cinco anos, nasceu a segunda irmã. Ambas as idades podem ser levadas em conta na datação do episódio da louça. A primeira merece talvez a preferência; ela também se coadunaria melhor com a história de meu paciente, que contava três anos e nove meses no nascimento do irmão.

Hermann Jakob, o irmão para o qual voltamos nossa tentativa de interpretação, não foi, aliás, um hóspede tão passageiro, nos aposentos de crianças da casa Goethe, como aqueles que viriam depois. É de estranhar que a autobiografia do irmão maior não tenha uma palavra de recordação sobre ele. 1 Quando morreu, havia completado seis anos, e Johann Wolfgang ia fazer dez. O dr. Eduard Hitschmann, que teve a gentileza de pôr à minha disposição suas notas sobre esse tema, afirma o seguinte: “Também Goethe, quando garoto, viu morrer um irmãozinho sem muita tristeza. Ao menos foi o que relatou sua mãe, segundo Bettina Brentano: ‘Ela achou estranho que ele não chorasse na morte de seu irmão mais novo, Jakob, que era seu camarada nos brinquedos; ele parecia antes irritado com os lamentos dos pais e irmãos. Quando, mais tarde, a mãe perguntou ao rebelde se ele não amara o irmão, ele correu a seu quarto e retirou de baixo da cama uma porção de papéis manuscritos com lições e histórias, dizendo que havia feito tudo aquilo para instruir o irmão’. Em todo caso, o irmão maior gostava de fazer de pai com o menor e de mostrar-lhe sua superioridade.” Pode-se então formar a opinião de que o ato de lançar fora a louça é uma ação simbólica ou, mais precisamente, mágica, com que o menino (tanto Goethe como meu paciente) dá vigorosa expressão ao desejo de eliminar o intruso que o incomoda. Não contestamos o prazer do menino em quebrar os objetos. Quando um ato já em si é prazeroso, isso não constitui um impedimento, mas um incitamento a repeti-lo também a serviço de outros propósitos. Não acreditamos, porém, que tenha sido o prazer em quebrar e fazer barulho que assegurou a tais travessuras um lugar permanente na memória do adulto. Também não relutamos em complicar a motivação do ato, aduzindo um novo elemento. O menino que destrói a louça sabe que está fazendo algo ruim, pelo qual os adultos o repreenderão, e, se esse conhecimento não o refreia, provavelmente há um rancor contra os pais que deve ser satisfeito; ele quer mostrar-se mau. O prazer em quebrar e com coisas quebradas seria também satisfeito se o menino apenas arremessasse ao chão os objetos frágeis. Nisso ficaria sem 203/311

Hermann Jakob, o irmão para o qual voltamos nossa tentativa de interpretação,<br />

não foi, aliás, um hóspede tão passageiro, nos aposentos de crianças<br />

da casa Goethe, como aqueles que viriam depois. É de estranhar que a autobiografia<br />

do irmão maior não tenha uma palavra de recordação sobre ele. 1<br />

Quando morreu, havia completado seis anos, e Johann Wolfgang ia fazer dez.<br />

O dr. Eduard Hitschmann, que teve a gentileza de pôr à minha disposição suas<br />

notas sobre esse tema, afirma o seguinte:<br />

“Também Goethe, quando garoto, viu morrer um irmãozinho sem muita<br />

tristeza. Ao menos foi o que relatou sua mãe, segundo Bettina Brentano:<br />

‘Ela achou estranho que ele não chorasse na morte de seu irmão mais novo,<br />

Jakob, que era seu camarada nos brinquedos; ele parecia antes irritado com<br />

os lamentos dos pais e irmãos. Quando, mais tarde, a mãe perguntou ao rebelde<br />

se ele não amara o irmão, ele correu a seu quarto e retirou de baixo da<br />

cama uma porção de papéis manuscritos com lições e histórias, dizendo que<br />

havia feito tudo aquilo para instruir o irmão’. Em todo caso, o irmão maior<br />

gostava de fazer de pai com o menor e de mostrar-lhe sua superioridade.”<br />

Pode-se então formar a opinião de que o ato de lançar fora a louça é uma<br />

ação simbólica ou, mais precisamente, mágica, com que o menino (tanto Goethe<br />

como meu paciente) dá vigorosa expressão ao desejo de eliminar o intruso<br />

que o incomoda. Não contestamos o prazer do menino em quebrar os objetos.<br />

Quando um ato já em si é prazeroso, isso não constitui um impedimento, mas<br />

um incitamento a repeti-lo também a serviço de outros propósitos. Não acreditamos,<br />

porém, que tenha sido o prazer em quebrar e fazer barulho que assegurou<br />

a tais travessuras um lugar permanente na memória do adulto. Também<br />

não relutamos em complicar a motivação do ato, aduzindo um novo elemento.<br />

O menino que destrói a louça sabe que está fazendo algo ruim, pelo qual os<br />

adultos o repreenderão, e, se esse conhecimento não o refreia, provavelmente<br />

há um rancor contra os pais que deve ser satisfeito; ele quer mostrar-se mau.<br />

O prazer em quebrar e com coisas quebra<strong>das</strong> seria também satisfeito se o<br />

menino apenas arremessasse ao chão os objetos frágeis. Nisso ficaria sem<br />

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