FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14
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estes à continuação da vida, em muitos aspectos não satisfará sequer a nós mesmos. A isto se junta que somente àqueles podemos atribuir o caráter conservador, ou melhor, regressivo, do instinto, correspondente a uma compulsão de repetição. Pois, segundo nossa hipótese, os instintos do Eu procedem da animação da matéria inanimada e querem restaurar a condição inanimada. Quanto aos instintos sexuais — é óbvio que reproduzem os estados primitivos do vivente, mas o objetivo que perseguem com todos os meios é a fusão de duas células germinativas diferenciadas de certa maneira. Quando não se realiza essa união, morre a célula germinativa, assim como os outros elementos do organismo multicelular. Apenas nessas condições pode a função sexual prolongar a vida e dar-lhe aparência de imortalidade. Mas que importante evento no curso de desenvolvimento da substância viva é repetido na procriação sexual ou em sua precursora, a copulação de dois indivíduos entre os protozoários? Isso não sabemos dizer, e portanto nos sentiríamos aliviados se toda essa nossa estrutura de pensamentos demonstrasse estar errada. A oposição entre instintos do Eu (de morte) e instintos sexuais (de vida) seria descartada, e com isso também a compulsão à repetição perderia a importância que lhe foi dada. Então voltemos a uma hipótese que aqui oferecemos, esperando que ela admita uma refutação exata. Baseamos ainda outras conclusões no pressuposto de que todo ser vivo tem de morrer por causas internas. Lançamos tal suposição despreocupadamente, porque ela não nos parece uma suposição. Estamos habituados a pensar assim, nossos poetas nos encorajam a isso. Talvez tenhamos nos decidido a fazê-lo porque há um consolo nessa crença. Se a pessoa mesma deve morrer, após presenciar a morte dos seus entes mais queridos, ela preferirá submeter-se a uma implacável lei natural, à soberba 'Αναγκη [Ananke, necessidade], do que a um acaso que poderia ser evitado. Mas talvez essa crença na íntima natureza de lei que haveria na morte seja apenas mais uma das ilusões que nós criamos, “para suportar o peso da existência”. * Com certeza não é uma crença primordial, pois a ideia de uma “morte natural” é 154/311
alheia aos povos primitivos; toda morte, entre eles, é imputada à influência de um inimigo ou de um mau espírito. Por isso não deixemos de recorrer à biologia, a fim de examinar essa crença. Se o fizermos, ficaremos espantados em ver a discordância que há entre os biólogos sobre a questão da morte natural, e em como lhes escapa entre as mãos o próprio conceito de morte. O fato de pelo menos os animais superiores terem uma duração média de vida depõe, naturalmente, a favor da morte por causas internas, mas a circunstância de alguns grandes animais e árvores gigantescas atingirem idades muito avançadas, até agora incalculáveis, anula tal impressão. Segundo a grandiosa concepção de Wilhelm Fliess, todos os fenômenos vitais dos organismos — e, por certo, também sua morte — estão ligados ao cumprimento de determinados prazos, nos quais se expressa a dependência de duas substâncias vivas, uma masculina e a outra feminina, em relação ao ano solar. Mas as observações sobre a facilidade e a alta medida com que a influência de forças externas pode mudar as manifestações vitais quanto à sua ocorrência no tempo, particularmente no mundo das plantas, precipitando-as ou atrasando-as, embaraçam a rigidez das fórmulas de Fliess e fazem duvidar, no mínimo, que as leis por ele postuladas tenham vigência exclusiva. Para nós o interesse maior relaciona-se ao tratamento dado ao tema da duração da vida e da morte nos trabalhos de A. Weismann. 20 Desse pesquisador vem a diferenciação da substância viva em uma metade mortal e outra imortal; aquela mortal é o corpo no sentido estrito, o soma, apenas ela está sujeita à morte natural, mas as células germinativas são potentia [potencialmente] imortais, na medida em que são capazes de, em certas condições favoráveis, desenvolver-se num novo indivíduo, ou, expresso de outra forma, rodear-se de um novo soma. 21 O que aí nos impressiona é a inesperada analogia com nossa própria concepção, que desenvolvemos por caminho tão diverso. Weismann, 155/311
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alheia aos povos primitivos; toda morte, entre eles, é imputada à influência de<br />
um inimigo ou de um mau espírito. Por isso não deixemos de recorrer à biologia,<br />
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Se o fizermos, ficaremos espantados em ver a discordância que há entre os<br />
biólogos sobre a questão da morte natural, e em como lhes escapa entre as<br />
mãos o próprio conceito de morte. O fato de pelo menos os animais superiores<br />
terem uma duração média de vida depõe, naturalmente, a favor da morte por<br />
causas internas, mas a circunstância de alguns grandes animais e árvores gigantescas<br />
atingirem idades muito avança<strong>das</strong>, até agora incalculáveis, anula tal<br />
impressão. Segundo a grandiosa concepção de Wilhelm Fliess, todos os fenômenos<br />
vitais dos organismos — e, por certo, também sua morte — estão ligados<br />
ao cumprimento de determinados prazos, nos quais se expressa a dependência<br />
de duas substâncias vivas, uma masculina e a outra feminina, em relação<br />
ao ano solar. Mas as observações sobre a facilidade e a alta medida com<br />
que a influência de forças externas pode mudar as manifestações vitais quanto<br />
à sua ocorrência no tempo, particularmente no mundo <strong>das</strong> plantas,<br />
precipitando-as ou atrasando-as, embaraçam a rigidez <strong>das</strong> fórmulas de Fliess e<br />
fazem duvidar, no mínimo, que as leis por ele postula<strong>das</strong> tenham vigência<br />
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Para nós o interesse maior relaciona-se ao tratamento dado ao tema da duração<br />
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vem a diferenciação da substância viva em uma metade mortal e outra imortal;<br />
aquela mortal é o corpo no sentido estrito, o soma, apenas ela está sujeita à<br />
morte natural, mas as células germinativas são potentia [potencialmente] imortais,<br />
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