FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14

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longo tempo a substância viva pode ter sido repetidamente criada, sempre morrendo com facilidade, até que decisivas influências externas mudaram de forma tal que obrigaram a substância ainda sobrevivente a desviar-se cada vez mais do curso de vida original e fazer rodeios cada vez mais complicados até alcançar a meta da morte. Tais rodeios rumo à morte, fielmente seguidos pelos instintos conservadores, nos ofereceriam hoje o quadro dos fenômenos da vida. Se nos ativermos à natureza exclusivamente conservadora dos instintos, não poderemos chegar a outras conjecturas acerca da origem e do objetivo da vida. Tão surpreendente quanto essas conclusões é a que diz respeito aos grandes grupos de instintos que estabelecemos por trás dos fenômenos da vida. O postulado de instintos autoconservadores, por nós atribuídos a todo ser vivente, acha-se em curiosa oposição ao pressuposto de que toda a vida instintual serve à realização da morte. Vista sob essa luz, diminui consideravelmente a importância teórica dos instintos de autoconservação, de poder e de autoafirmação; são instintos parciais, destinados a garantir o curso da morte própria do organismo e manter afastadas as possibilidades de retorno ao inorgânico que não sejam imanentes, mas é descartado o enigmático empenho do organismo em afirmar-se contra tudo e todos, algo que não se ajusta a nenhum contexto. O que daí resta é que o organismo pretende morrer apenas a seu modo; tais guardiães da vida também foram, originalmente, guarda-costas da morte. Surge então o paradoxo de que o organismo vivo se rebela fortemente contra influências (perigos) que poderiam ajudá-lo a alcançar sua meta de vida por um caminho curto (mediante curto-circuito, digamos), mas essa conduta caracteriza justamente os esforços apenas instintuais, em oposição aos inteligentes. Mas reflitamos um momento, isso não pode ser assim! Aparecem sob uma nova luz os instintos sexuais, que na teoria das neuroses têm uma posição especial. Nem todos os organismos estão sujeitos à coação externa, que os impelia a um desenvolvimento cada vez mais amplo. Muitos conseguiram manter-se no seu baixo estágio até o presente; e ainda hoje vivem, se não todos, muitos dos 150/311

seres que devem semelhar estágios anteriores dos animais e plantas mais avançados. De igual modo, nem todos os organismos elementares que formam o complicado corpo de um ser vivo superior perfazem todo o curso de desenvolvimento até a morte natural. Alguns entre eles, as células germinativas, provavelmente conservam a estrutura original da substância viva e após um certo tempo se destacam do organismo inteiro, com todas as suas disposições instintuais herdadas e recentemente adquiridas. Talvez sejam precisamente essas duas características que lhes tornam possível a existência autônoma. Em condições favoráveis começam a desenvolver-se, isto é, a repetir o jogo a que devem sua gênese, e afinal uma parte de sua substância prossegue o desenvolvimento até o fim, enquanto outra parte retorna ao início do desenvolvimento, como novo resíduo germinal. Assim, tais células germinativas trabalham contra a morte da substância viva e conseguem obter para ela o que deve nos parecer uma imortalidade potencial, embora talvez signifique apenas um alongamento do caminho para a morte. Altamente significativo, para nós, é o fato de ser a fusão da célula germinativa com outra — a ela semelhante, porém diferente — que reforça ou mesmo permite essa operação. Os instintos que tratam dos destinos desses organismos elementares que sobrevivem ao ser individual, cuidam de sua guarida enquanto se acham indefesos contra os estímulos do mundo externo, promovem o seu encontro com outras células germinativas etc., formam o grupo dos instintos sexuais. Eles são conservadores no mesmo sentido que os outros, ao trazerem de volta estados anteriores da substância viva, mas o são em medida maior, ao se revelarem peculiarmente resistentes aos influxos externos, e também num outro sentido ainda, pois conservam a vida mesma por períodos mais longos. 17 Eles são propriamente os instintos de vida; pelo fato de agirem contra a intenção dos outros instintos — que, devido à sua função, conduz à morte —, insinua-se uma oposição entre eles e os demais, cuja importância logo foi reconhecida pela teoria das neuroses. É como um ritmo hesitante na vida dos organismos; um grupo de instintos precipita-se para a frente, a fim de alcançar a meta final da 151/311

seres que devem semelhar estágios anteriores dos animais e plantas mais<br />

avançados. De igual modo, nem todos os organismos elementares que formam<br />

o complicado corpo de um ser vivo superior perfazem todo o curso de desenvolvimento<br />

até a morte natural. Alguns entre eles, as células germinativas,<br />

provavelmente conservam a estrutura original da substância viva e após um<br />

certo tempo se destacam do organismo inteiro, com to<strong>das</strong> as suas disposições<br />

instintuais herda<strong>das</strong> e recentemente adquiri<strong>das</strong>. Talvez sejam precisamente essas<br />

duas características que lhes tornam possível a existência autônoma. Em<br />

condições favoráveis começam a desenvolver-se, isto é, a repetir o jogo a que<br />

devem sua gênese, e afinal uma parte de sua substância prossegue o desenvolvimento<br />

até o fim, enquanto outra parte retorna ao início do desenvolvimento,<br />

como novo resíduo germinal. Assim, tais células germinativas trabalham contra<br />

a morte da substância viva e conseguem obter para ela o que deve nos parecer<br />

uma imortalidade potencial, embora talvez signifique apenas um alongamento<br />

do caminho para a morte. Altamente significativo, para nós, é o fato de<br />

ser a fusão da célula germinativa com outra — a ela semelhante, porém diferente<br />

— que reforça ou mesmo permite essa operação.<br />

Os instintos que tratam dos destinos desses organismos elementares que<br />

sobrevivem ao ser individual, cuidam de sua guarida enquanto se acham indefesos<br />

contra os estímulos do mundo externo, promovem o seu encontro com<br />

outras células germinativas etc., formam o grupo dos instintos sexuais. Eles<br />

são conservadores no mesmo sentido que os outros, ao trazerem de volta estados<br />

anteriores da substância viva, mas o são em medida maior, ao se revelarem<br />

peculiarmente resistentes aos influxos externos, e também num outro sentido<br />

ainda, pois conservam a vida mesma por períodos mais longos. 17 Eles são propriamente<br />

os instintos de vida; pelo fato de agirem contra a intenção dos outros<br />

instintos — que, devido à sua função, conduz à morte —, insinua-se uma<br />

oposição entre eles e os demais, cuja importância logo foi reconhecida pela<br />

teoria <strong>das</strong> neuroses. É como um ritmo hesitante na vida dos organismos; um<br />

grupo de instintos precipita-se para a frente, a fim de alcançar a meta final da<br />

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