FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14

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para ele aflui e transformá-la em investimento parado, ou seja, “ligá-la” psiquicamente. Quanto mais alto o investimento parado, tanto maior a sua força ligadora; de maneira contrária, quanto mais baixo for o investimento do sistema, tanto menos estará capacitado para receber a energia afluente, tanto mais violentas serão as consequências de uma tal ruptura da proteção. Não seria justo objetar a essa concepção que a elevação do investimento em torno do local da irrupção se explicaria mais facilmente pela direta transmissão das quantidades de energia que chegam. Se assim fosse, o aparelho psíquico experimentaria tão só um acréscimo de seus investimentos de energia, continuando inexplicados o caráter paralisante da dor e o empobrecimento dos demais sistemas. Os impetuosos efeitos de descarga produzidos pela dor também não contrariam nossa explicação, pois se dão de maneira reflexa, isto é, ocorrem sem a intermediação do aparelho psíquico. A vagueza de todas essas nossas discussões, que chamamos de metapsicológicas, vem naturalmente do fato de nada sabermos sobre a natureza do processo excitatório que há nos elementos dos sistemas psíquicos e de não nos sentirmos autorizados a fazer qualquer suposição acerca disso. Então operamos sempre com um grande “x”, que transportamos para toda nova fórmula. Bem podemos esperar que este processo se realize com energias quantitativamente variadas, e também nos parece provável que ele tenha mais de uma qualidade (como uma amplitude, por exemplo); como algo novo examinamos a colocação de Breuer, segundo a qual há duas formas de preenchimento de energia, de modo que se deve distinguir entre um investimento que flui livremente, pressionando por descarga, e um investimento parado dos sistemas psíquicos (ou de seus elementos). E talvez possamos conjecturar que o “ligamento” da energia que flui para o aparelho psíquico consiste na passagem do estado de livre fluência para o estado de imobilidade. Creio que podemos nos arriscar a ver a neurose traumática ordinária como a consequência de uma vasta ruptura da proteção contra estímulos. Assim estaria reabilitada a velha e ingênua teoria do choque, em aparente contraste com 142/311

uma posterior e psicologicamente mais ambiciosa, que não atribui significação etiológica ao efeito da violência mecânica, mas ao terror e à ameaça para a vida. Esses opostos não são inconciliáveis, porém, e a concepção psicanalítica da neurose traumática não é idêntica à teoria do choque em sua forma crua. Para esta a essência do choque estaria no dano direto da estrutura molecular, ou mesmo da estrutura histológica dos elementos do sistema nervoso, enquanto nós procuramos explicar seu efeito pela ruptura da proteção [contra estímulos] para o órgão psíquico e pelas tarefas que daí resultam. O susto mantém sua importância também para nós. A condição para ele é a ausência de preparação para a angústia, * que implica o sobreinvestimento dos sistemas que primeiro recebem o estímulo. Devido a esse menor investimento, os sistemas não se acham em boas condições de ligar as quantidades de excitação que chegam, e as consequências da ruptura da proteção se verificam mais facilmente. Vemos, assim, que a preparação para a angústia, com o sobreinvestimento dos sistemas receptores, representa a última linha da barreira contra estímulos. Em toda uma série de traumas, a diferença entre os sistemas não preparados e aqueles preparados pelo sobreinvestimento pode ser o fator decisivo para o resultado final; ela provavelmente não terá peso a partir de uma certa intensidade do trauma. Se os sonhos dos neuróticos que sofreram acidentes fazem os doentes voltarem regularmente à situação do acidente, então eles não se acham a serviço da realização de desejos, cuja satisfação alucinatória tornou-se, sob o domínio do princípio do prazer, função dos sonhos. Mas podemos supor que desse modo eles contribuem para outra tarefa, que deve ser resolvida antes que o princípio do prazer possa começar seu domínio. Tais sonhos buscam lidar retrospectivamente com o estímulo, mediante o desenvolvimento da angústia, cuja omissão tornara-se a causa da neurose traumática. Assim nos permitem vislumbrar uma função do aparelho psíquico, que, sem contrariar o princípio do prazer, é independente dele e parece mais primitiva que a intenção de obter prazer e evitar desprazer. 143/311

uma posterior e psicologicamente mais ambiciosa, que não atribui significação<br />

etiológica ao efeito da violência mecânica, mas ao terror e à ameaça para a<br />

vida. Esses opostos não são inconciliáveis, porém, e a concepção psicanalítica<br />

da neurose traumática não é idêntica à teoria do choque em sua forma crua.<br />

Para esta a essência do choque estaria no dano direto da estrutura molecular,<br />

ou mesmo da estrutura histológica dos elementos do sistema nervoso, enquanto<br />

nós procuramos explicar seu efeito pela ruptura da proteção [contra estímulos]<br />

para o órgão psíquico e pelas tarefas que daí resultam. O susto<br />

mantém sua importância também para nós. A condição para ele é a ausência de<br />

preparação para a angústia, * que implica o sobreinvestimento dos sistemas que<br />

primeiro recebem o estímulo. Devido a esse menor investimento, os sistemas<br />

não se acham em boas condições de ligar as quantidades de excitação que<br />

chegam, e as consequências da ruptura da proteção se verificam mais facilmente.<br />

Vemos, assim, que a preparação para a angústia, com o sobreinvestimento<br />

dos sistemas receptores, representa a última linha da barreira contra estímulos.<br />

Em toda uma série de traumas, a diferença entre os sistemas não preparados<br />

e aqueles preparados pelo sobreinvestimento pode ser o fator decisivo<br />

para o resultado final; ela provavelmente não terá peso a partir de uma certa<br />

intensidade do trauma. Se os sonhos dos neuróticos que sofreram acidentes<br />

fazem os doentes voltarem regularmente à situação do acidente, então eles não<br />

se acham a serviço da realização de desejos, cuja satisfação alucinatória<br />

tornou-se, sob o domínio do princípio do prazer, função dos sonhos. Mas podemos<br />

supor que desse modo eles contribuem para outra tarefa, que deve ser<br />

resolvida antes que o princípio do prazer possa começar seu domínio. Tais<br />

sonhos buscam lidar retrospectivamente com o estímulo, mediante o desenvolvimento<br />

da angústia, cuja omissão tornara-se a causa da neurose traumática.<br />

Assim nos permitem vislumbrar uma função do aparelho psíquico, que, sem<br />

contrariar o princípio do prazer, é independente dele e parece mais primitiva<br />

que a intenção de obter prazer e evitar desprazer.<br />

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