FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14

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Imaginemos o organismo vivo, na sua maior simplificação, como uma indiferenciada vesícula de substância excitável; a sua superfície voltada para o mundo externo é então diferenciada pela própria localização, servindo como órgão receptor de estímulos. A embriologia, enquanto repetição da história evolutiva, mostra realmente que o sistema nervoso central provém do ectoderma, e que o cinzento córtex cerebral é ainda um derivado da superfície primitiva e poderia ter herdado características essenciais desta. Seria concebível, então, que o incessante choque dos estímulos externos na superfície da vesícula alterasse a sua substância até uma certa profundidade, de modo que o processo de excitação desta transcorresse diferentemente do que sucederia nas camadas mais profundas. Assim se formaria uma casca, afinal tão curtida pela ação dos estímulos, que apresentaria as mais favoráveis condições para a recepção de estímulos e não seria capaz de outras modificações. Transposto para o sistema Cs, isso significa que os seus elementos não poderiam mais admitir mudança permanente na passagem da excitação, porque nesse sentido já estariam modificados ao extremo. Mas então se achariam capacitados a fazer surgir a consciência. Sobre a natureza dessa modificação da substância e do processo de excitação no interior dela podemos formar concepções diversas, que no momento se furtam à verificação. Pode-se supor que, ao passar de um elemento para o outro, a excitação tenha de superar uma resistência e essa diminuição da resistência produza o traço permanente da excitação (a facilitação); no sistema Cs não existiria mais, portanto, uma tal resistência à transição de um elemento para o outro. Tal concepção pode ser relacionada à distinção, feita por Breuer, entre energia de investimento parada (ligada) e livremente móvel, nos elementos dos sistemas psíquicos; 11 então os elementos do sistema Cs não conduziriam energia ligada, apenas energia capaz de livre descarga. Mas por enquanto creio ser melhor expressar-me de forma um tanto imprecisa sobre essa questão. De todo modo, com essa especulação enredaríamos, em alguma medida, a gênese da consciência com a localização do sistema Cs e as peculiaridades do processo excitatório que lhe devem ser atribuídas. 138/311

Ainda temos algo a observar sobre a vesícula vivente e sua camada cortical receptiva a estímulos. Esse pequeno pedaço de substância viva flutua num mundo externo carregado de fortes energias, e seria liquidado pela ação dos estímulos que vêm dele se não fosse dotado de uma proteção contra estímulos. Ele a adquire da forma seguinte: sua superfície mais exterior perde a estrutura própria do que vive, torna-se inorgânica em certa medida, e funciona como um invólucro ou membrana especial que detém estímulos, isto é, faz com que as energias do mundo exterior possam penetrar com uma fração de sua intensidade nas camadas adjacentes, que permaneceram vivas. Essas podem então, por trás da proteção, dedicar-se à recepção das quantidades de estímulos que passaram. Mas a camada externa, com sua morte, preservou do mesmo destino aquelas mais profundas, pelo menos enquanto não chegam estímulos de força tal que furem a proteção. Para o organismo vivo, a proteção contra estímulos é tarefa quase mais importante do que a recepção de estímulos; ele * está equipado com uma reserva própria de energia, e tem de empenhar-se sobretudo em preservar as formas especiais de transformação de energia, que nele ocorrem, da influência niveladora, e portanto destruidora, das imensas energias que operam do lado de fora. A recepção de estímulos serve antes de tudo ao propósito de saber a direção e a espécie dos estímulos externos, e para isso basta retirar pequenas amostras do mundo externo, prová-lo em quantidades mínimas. Nos organismos altamente desenvolvidos, a camada cortical receptora de estímulos da ex-vesícula retirou-se há muito para as profundezas do interior do corpo, mas porções dela ficaram na superfície, imediatamente abaixo da proteção geral contra estímulos. São os órgãos dos sentidos, que contêm, no essencial, dispositivos para a recepção de estímulos específicos, mas também mecanismos especiais para ainda proteger contra excessivos montantes de estímulos e deter espécies inadequadas de estímulos. É característico deles o fato de elaborarem quantidades muito pequenas do estímulo externo, de apenas tomarem mostras casuais do mundo exterior; talvez possamos compará-los a antenas que tateiam o mundo externo e sempre se retiram novamente dele. 139/311

Ainda temos algo a observar sobre a vesícula vivente e sua camada cortical<br />

receptiva a estímulos. Esse pequeno pedaço de substância viva flutua num<br />

mundo externo carregado de fortes energias, e seria liquidado pela ação dos<br />

estímulos que vêm dele se não fosse dotado de uma proteção contra estímulos.<br />

Ele a adquire da forma seguinte: sua superfície mais exterior perde a estrutura<br />

própria do que vive, torna-se inorgânica em certa medida, e funciona como<br />

um invólucro ou membrana especial que detém estímulos, isto é, faz com que<br />

as energias do mundo exterior possam penetrar com uma fração de sua intensidade<br />

nas cama<strong>das</strong> adjacentes, que permaneceram vivas. Essas podem então,<br />

por trás da proteção, dedicar-se à recepção <strong>das</strong> quantidades de estímulos que<br />

passaram. Mas a camada externa, com sua morte, preservou do mesmo destino<br />

aquelas mais profun<strong>das</strong>, pelo menos enquanto não chegam estímulos de força<br />

tal que furem a proteção. Para o organismo vivo, a proteção contra estímulos é<br />

tarefa quase mais importante do que a recepção de estímulos; ele * está<br />

equipado com uma reserva própria de energia, e tem de empenhar-se sobretudo<br />

em preservar as formas especiais de transformação de energia, que nele<br />

ocorrem, da influência niveladora, e portanto destruidora, <strong>das</strong> imensas energias<br />

que operam do lado de fora. A recepção de estímulos serve antes de tudo ao<br />

propósito de saber a direção e a espécie dos estímulos externos, e para isso<br />

basta retirar pequenas amostras do mundo externo, prová-lo em quantidades<br />

mínimas. Nos organismos altamente desenvolvidos, a camada cortical receptora<br />

de estímulos da ex-vesícula retirou-se há muito para as profundezas do interior<br />

do corpo, mas porções dela ficaram na superfície, imediatamente abaixo<br />

da proteção geral contra estímulos. São os órgãos dos sentidos, que contêm, no<br />

essencial, dispositivos para a recepção de estímulos específicos, mas também<br />

mecanismos especiais para ainda proteger contra excessivos montantes de estímulos<br />

e deter espécies inadequa<strong>das</strong> de estímulos. É característico deles o fato<br />

de elaborarem quantidades muito pequenas do estímulo externo, de apenas tomarem<br />

mostras casuais do mundo exterior; talvez possamos compará-los a<br />

antenas que tateiam o mundo externo e sempre se retiram novamente dele.<br />

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