FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14
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lição de que também naquela época eles produziram somente desprazer. A ação é repetida, apesar de tudo; uma compulsão impele a isso. O que a psicanálise aponta nos fenômenos de transferência dos neuróticos é encontrado igualmente na vida de pessoas não neuróticas. Nelas dá-se a impressão de um destino que as persegue, de um traço demoníaco * em seu viver, e a psicanálise sempre viu tal destino como, em boa parte, preparado por elas mesmas e determinado por influências da primeira infância. A compulsão que aí se manifesta não é diferente da compulsão à repetição dos neuróticos, embora essas pessoas nunca tenham apresentado sinais de que lidaram com um conflito neurótico produzindo sintomas. De modo que conhecemos pessoas para as quais toda relação humana tem igual desfecho: benfeitores que, após algum tempo, são rancorosamente abandonados por cada um de seus protegidos, por mais diferentes que estes sejam entre si, e que, portanto, parecem fadados a fruir toda a amargura da ingratidão; homens para os quais o desfecho de toda amizade é serem traídos pelo amigo; outros que repetidamente, no curso da vida, elevam outra pessoa à condição de grande autoridade para si mesmos ou para a opinião pública, e após um certo tempo derrubam eles próprios essa autoridade, para substituí-la por uma nova; amantes cuja relação amorosa com uma mulher percorre sempre as mesmas fases e conduz ao mesmo fim etc. Esse “eterno retorno do mesmo” não nos surpreende muito, quando se trata de um comportamento ativo da pessoa em questão e nós descobrimos o traço de caráter permanente de seu ser, que tem de manifestarse na repetição das mesmas vivências. Impressão bem mais forte nos produzem os casos em que o indivíduo parece vivenciar passivamente algo que está fora de sua influência, quando ele apenas vivencia, de fato, a repetição do mesmo destino. Recorde-se, por exemplo, a história da mulher que se casou, três vezes seguidas, com homens que em pouco tempo adoeciam e requeriam os seus cuidados no leito de morte. 9 A mais comovente expressão poética desse traço de caráter foi feita por Tasso, na epopeia romântica Jerusalém libertada. Tancredo, o herói, matou sua amada Clorinda sem o saber, pois ela o combateu 134/311
vestindo a armadura de um cavaleiro inimigo. Após o enterro, ele entra numa sinistra floresta mágica, que apavora o exército dos Cruzados. Ali ele golpeia uma grande árvore com sua espada, mas da ferida da árvore corre sangue e ouve-se a voz de Clorinda, cuja alma fora aprisionada naquela árvore, acusando-o de novamente haver golpeado a sua amada. Em vista dessas observações, extraídas da conduta na transferência e do destino das pessoas, sentimo-nos encorajados a supor que na vida psíquica há realmente uma compulsão à repetição, que sobrepuja o princípio do prazer. Também nos inclinaremos a ligar a essa compulsão os sonhos das vítimas de neurose traumática e o impulso que leva as crianças a brincar. É preciso dizer, no entanto, que em raras ocasiões podemos notar somente os efeitos da compulsão à repetição, sem o concurso de outros motivos. Quanto às brincadeiras infantis, já destacamos outras interpretações que a sua gênese admite. Compulsão à repetição e direta satisfação prazerosa do instinto parecem aí entrelaçadas em íntima comunhão. Os fenômenos da transferência acham-se claramente a serviço da resistência por parte do Eu, que persevera na repressão; a compulsão à repetição, de que o tratamento pretendia se valer, é como que puxada para o lado do Eu, que se apega ao princípio do prazer. Naquilo que poderíamos chamar de compulsão do destino, muita coisa nos parece compreensível mediante a ponderação racional, de modo que não se vê como necessário estabelecer um novo e misterioso motivo. O mais insuspeito, talvez, é o caso dos sonhos traumáticos, mas uma reflexão mais atenta nos faz admitir que também nos outros exemplos a ação dos motivos que conhecemos não responde pelo fato. O que ainda resta é bastante para justificar a hipótese da compulsão de repetição, e esta quer nos parecer mais primordial, mais elementar, mais instintual do que o princípio do prazer, por ela posto de lado. Se houver na psique uma tal compulsão à repetição, porém, então gostaríamos de saber algo sobre ela, a qual função corresponde, em que condições pode evidenciar-se, e que relação tem com o princípio do prazer, ao qual até agora, 135/311
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uma grande árvore com sua espada, mas da ferida da árvore corre sangue e<br />
ouve-se a voz de Clorinda, cuja alma fora aprisionada naquela árvore,<br />
acusando-o de novamente haver golpeado a sua amada.<br />
Em vista dessas observações, extraí<strong>das</strong> da conduta na transferência e do<br />
destino <strong>das</strong> pessoas, sentimo-nos encorajados a supor que na vida psíquica há<br />
realmente uma compulsão à repetição, que sobrepuja o princípio do prazer.<br />
Também nos inclinaremos a ligar a essa compulsão os sonhos <strong>das</strong> vítimas de<br />
neurose traumática e o impulso que leva as crianças a brincar. É preciso dizer,<br />
no entanto, que em raras ocasiões podemos notar somente os efeitos da compulsão<br />
à repetição, sem o concurso de outros motivos. Quanto às brincadeiras<br />
infantis, já destacamos outras interpretações que a sua gênese admite. Compulsão<br />
à repetição e direta satisfação prazerosa do instinto parecem aí entrelaça<strong>das</strong><br />
em íntima comunhão. Os fenômenos da transferência acham-se claramente<br />
a serviço da resistência por parte do Eu, que persevera na repressão; a<br />
compulsão à repetição, de que o tratamento pretendia se valer, é como que<br />
puxada para o lado do Eu, que se apega ao princípio do prazer. Naquilo que<br />
poderíamos chamar de compulsão do destino, muita coisa nos parece compreensível<br />
mediante a ponderação racional, de modo que não se vê como necessário<br />
estabelecer um novo e misterioso motivo. O mais insuspeito, talvez, é<br />
o caso dos sonhos traumáticos, mas uma reflexão mais atenta nos faz admitir<br />
que também nos outros exemplos a ação dos motivos que conhecemos não responde<br />
pelo fato. O que ainda resta é bastante para justificar a hipótese da<br />
compulsão de repetição, e esta quer nos parecer mais primordial, mais elementar,<br />
mais instintual do que o princípio do prazer, por ela posto de lado. Se<br />
houver na psique uma tal compulsão à repetição, porém, então gostaríamos de<br />
saber algo sobre ela, a qual função corresponde, em que condições pode<br />
evidenciar-se, e que relação tem com o princípio do prazer, ao qual até agora,<br />
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