FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14

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essaltam duas características, que podem ser pontos de partida para a reflexão; em primeiro lugar, pareciam causadas principalmente pelo fator da surpresa, do terror; em segundo, uma ferida ou contusão sofrida simultaneamente atuava, em geral, contra o surgimento da neurose. “Terror”, “medo” e “angústia” * são empregados erradamente como sinônimos; mas podem se diferenciar de modo claro na sua relação com o perigo. “Angústia” designa um estado como de expectativa do perigo e preparação para ele, ainda que seja desconhecido; “medo” requer um determinado objeto, ante o qual nos amedrontamos; mas “terror” se denomina o estado em que ficamos ao correr um perigo sem estarmos para ele preparados, enfatiza o fator da surpresa. Não creio que a angústia possa produzir uma neurose traumática; na angústia há algo que protege do terror e também da neurose de terror. Retornaremos depois a essa questão. Podemos considerar o estudo dos sonhos o caminho mais seguro para a investigação dos processos psíquicos profundos. Ora, os sonhos que ocorrem numa neurose traumática têm a característica de que o doente sempre retorna à situação do acidente, da qual desperta com renovado terror. As pessoas não se surpreendem o bastante com isso. Acham que é justamente uma prova de como foi forte a impressão deixada pela vivência traumática, que até no sonho volta a se impor ao doente. Este se acha, então, psiquicamente fixado ao trauma, por assim dizer. Tais fixações à vivência que desencadeou a enfermidade nos são conhecidas há muito tempo, no caso da histeria. Breuer e Freud afirmaram, em 1893, que “os histéricos sofrem principalmente de reminiscências”. Também nas neuroses de guerra observadores como Ferenczi e Simmel puderam explicar vários sintomas motores pela fixação ao momento do trauma. Mas não é do meu conhecimento que os que sofrem de neurose traumática se ocupem muito da lembrança do acidente quando se acham acordados. Talvez procurem antes não pensar nele. Aceitar como óbvio que o sonho 126/311

noturno os devolve à situação causadora da doença é compreender mal a natureza dos sonhos. Seria mais próprio dela que o doente visse imagens do tempo em que era são ou da cura pela qual anseia. Para que os sonhos dos neuróticos traumáticos não nos façam duvidar da tendência realizadora de desejos do sonho, resta-nos a saída de que nesse estado a função do sonho, como tantas outras coisas, também é abalada ou desviada de seus propósitos, ou teríamos que lembrar as enigmáticas tendências masoquistas do Eu. Agora proponho deixar o obscuro e sombrio tema da neurose traumática e estudar o modo como trabalha o aparelho psíquico numa de suas primeiras ocupações normais. Refiro-me às brincadeiras das crianças. ** Recentemente as diversas teorias sobre o jogo infantil foram resumidas e apreciadas psicanaliticamente por S. Pfeifer na Imago; * um trabalho que aqui posso indicar. Essas teorias se empenham em descobrir os motivos do jogo das crianças, mas sem destacar o ponto de vista econômico, a consideração pelo ganho de prazer. Não pretendendo abarcar todas essas manifestações, apenas aproveitei uma oportunidade que se me ofereceu, a fim de elucidar o primeiro jogo de invenção própria de um menino de um ano e meio. Foi mais que uma observação ligeira, pois durante algumas semanas estive com a criança e os seus pais sob o mesmo teto, e levou um certo tempo até que se revelasse para mim o significado daquela ação misteriosa e sempre repetida. O garoto não era precoce no desenvolvimento intelectual; com dezoito meses de idade, falava apenas algumas palavras compreensíveis e dispunha também de vários sons significativos, entendidos pelas pessoas ao seu redor. Mas tinha um bom relacionamento com os pais e a única empregada, e recebia elogios por ser “comportado”. Não incomodava os pais durante a noite, obedecia conscienciosamente às proibições de tocar em certos objetos e entrar em certos lugares e, principalmente, nunca chorava quando a mãe o deixava durante horas, embora fosse muito apegado a ela, que não só o amamentara como dele cuidara sem ajuda de outras pessoas. Esse bom menino tinha o hábito, 127/311

noturno os devolve à situação causadora da doença é compreender mal a<br />

natureza dos sonhos. Seria mais próprio dela que o doente visse imagens do<br />

tempo em que era são ou da cura pela qual anseia. Para que os sonhos dos<br />

neuróticos traumáticos não nos façam duvidar da tendência realizadora de<br />

desejos do sonho, resta-nos a saída de que nesse estado a função do sonho,<br />

como tantas outras coisas, também é abalada ou desviada de seus propósitos,<br />

ou teríamos que lembrar as enigmáticas tendências masoquistas do Eu.<br />

Agora proponho deixar o obscuro e sombrio tema da neurose traumática e<br />

estudar o modo como trabalha o aparelho psíquico numa de suas primeiras<br />

ocupações normais. Refiro-me às brincadeiras <strong>das</strong> crianças. **<br />

Recentemente as diversas teorias sobre o jogo infantil foram resumi<strong>das</strong> e<br />

aprecia<strong>das</strong> psicanaliticamente por S. Pfeifer na Imago; * um trabalho que aqui<br />

posso indicar. Essas teorias se empenham em descobrir os motivos do jogo <strong>das</strong><br />

crianças, mas sem destacar o ponto de vista econômico, a consideração pelo<br />

ganho de prazer. Não pretendendo abarcar to<strong>das</strong> essas manifestações, apenas<br />

aproveitei uma oportunidade que se me ofereceu, a fim de elucidar o primeiro<br />

jogo de invenção própria de um menino de um ano e meio. Foi mais que uma<br />

observação ligeira, pois durante algumas semanas estive com a criança e os<br />

seus pais sob o mesmo teto, e levou um certo tempo até que se revelasse para<br />

mim o significado daquela ação misteriosa e sempre repetida.<br />

O garoto não era precoce no desenvolvimento intelectual; com dezoito<br />

meses de idade, falava apenas algumas palavras compreensíveis e dispunha<br />

também de vários sons significativos, entendidos pelas pessoas ao seu redor.<br />

Mas tinha um bom relacionamento com os pais e a única empregada, e recebia<br />

elogios por ser “comportado”. Não incomodava os pais durante a noite, obedecia<br />

conscienciosamente às proibições de tocar em certos objetos e entrar em<br />

certos lugares e, principalmente, nunca chorava quando a mãe o deixava durante<br />

horas, embora fosse muito apegado a ela, que não só o amamentara como<br />

dele cuidara sem ajuda de outras pessoas. Esse bom menino tinha o hábito,<br />

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