FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14

FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14 FREUD, Sigmund. Obras Completas (Cia. das Letras) – Vol. 14

ideiaeideologia.com
from ideiaeideologia.com More from this publisher
19.04.2013 Views

adequados para nos demonstrar a existência autônoma do esquema. Com frequência pode-se notar que o esquema triunfa sobre a vivência individual, como em nosso caso, em que o pai se torna o castrador que ameaça a sexualidade infantil, não obstante um complexo de Édipo aliás invertido. Um outro efeito se dá quando a ama de leite toma o lugar da mãe ou se funde com ela. As discrepâncias entre a vivência e o esquema parecem abastecer de material abundante os conflitos infantis. O segundo problema não se acha distante desse, mas é bem mais importante. Se considerarmos a conduta do menino de quatro anos diante da cena primária reativada, 56 e mesmo se pensarmos apenas nas reações bem mais simples do bebê de um ano e meio a vivenciar a cena, é difícil afastar a concepção de que uma espécie de saber dificilmente definível, algo como uma preparação à compreensão, também age na criança. 57 Em quê pode consistir isso é algo que escapa à imaginação; dispomos apenas de uma única e excelente analogia, aquela com o vasto saber instintivo [instinktiv] dos animais. Havendo um tal patrimônio instintivo também no homem, não seria de espantar se ele atingisse particularmente os processos da vida sexual, embora não possa de maneira alguma limitar-se a eles. Esse elemento instintivo seria o âmago do inconsciente, uma primitiva atividade do espírito, que posteriormente é destronada e recoberta pela razão humana que se vem a adquirir, mas com muita frequência, talvez sempre, mantém a força para fazer baixar até si os processos anímicos mais elevados. A repressão seria o retorno a esse estágio instintivo, e desse modo o homem pagaria com sua capacidade para a neurose a sua grande aquisição, e com a possibilidade da neurose testemunharia a existência do estágio preliminar anterior, de tipo instintivo. A significação dos traumas da primeira infância estaria em que abastecem esse inconsciente de um material que o protege da consumição pelo desenvolvimento ulterior. Sei que pensamentos similares, que acentuam na vida psíquica o fator hereditário, adquirido filogeneticamente, já foram manifestados em diversas ocasiões, e creio que houve uma disposição muito fácil em lhes conceder lugar 106/311

na avaliação e na estima da psicanálise. Eles me parecem admissíveis apenas quando a psicanálise, obedecendo a ordem correta das instâncias, depara com as pistas do que foi herdado, após penetrar pelos estratos do que foi adquirido individualmente. 58 1 Esta história clínica foi redigida pouco depois da conclusão do tratamento, no inverno de 1914-5, ainda sob a impressão das reinterpretações distorcidas que C. G. Jung e A. Adler pretendiam fazer dos resultados da psicanálise. Ela está relacionada, então, à "Contribuição à história do movimento psicanalítico", publicada no Jahrbuch der Psychoanalyse [Anuário de Psicanálise], v. 6, 1914, e completa a polêmica essencialmente pessoal ali contida, por meio de uma apreciação objetiva do material analítico. Originalmente ela se destinava ao volume seguinte do anuário, mas como a publicação deste foi adiada indefinidamente, por causa dos empecilhos da Grande Guerra, resolvi juntá-la a esta coleção preparada por um novo editor. Muita coisa que teria sido expressa pela primeira vez neste ensaio eu tive que abordar nas Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse [Conferências introdutórias à psicanálise], proferidas em 1916-7. O texto da primeira redação não teve nenhuma mudança significativa; os acréscimos são indicados por colchetes. 2 Tinha dois anos e meio. Quase todas as épocas puderam ser determinadas com certeza depois. 3 Comunicações desse tipo podem ser utilizadas, via de regra, como material absolutamente genuíno. Pareceria tentador preencher sem dificuldade as lacunas na recordação do paciente, por meio de indagações aos familiares mais velhos; mas desaconselho decididamente essa técnica. O que os parentes relatam, em resposta às perguntas e solicitações, está sujeito a toda reserva crítica que se possa levar em conta. Repetidamente lamentamos nos termos tornado dependentes de tais informações, tendo com isso perturbado a confiança na análise e colocado uma outra instância acima dela. O que pode ser recordado vem à luz no decorrer da análise. * "Nânia": mais precisamente, "niânia", significa "babá" em russo. [As notas chamadas por asterisco e as interpolações às notas do autor, entre colchetes, são de autoria do tradutor. As notas do autor são sempre numeradas.] ** "Medo": Angst, no original. A palavra alemã pode significar tanto "medo" como "angústia"; por isso as versões estrangeiras consultadas variam: intensos miedos, angustia, paura, angoisse, 107/311

na avaliação e na estima da psicanálise. Eles me parecem admissíveis apenas<br />

quando a psicanálise, obedecendo a ordem correta <strong>das</strong> instâncias, depara com<br />

as pistas do que foi herdado, após penetrar pelos estratos do que foi adquirido<br />

individualmente. 58<br />

1 Esta história clínica foi redigida pouco depois da conclusão do tratamento, no inverno de<br />

19<strong>14</strong>-5, ainda sob a impressão <strong>das</strong> reinterpretações distorci<strong>das</strong> que C. G. Jung e A. Adler pretendiam<br />

fazer dos resultados da psicanálise. Ela está relacionada, então, à "Contribuição à<br />

história do movimento psicanalítico", publicada no Jahrbuch der Psychoanalyse [Anuário de<br />

Psicanálise], v. 6, 19<strong>14</strong>, e completa a polêmica essencialmente pessoal ali contida, por meio de<br />

uma apreciação objetiva do material analítico. Originalmente ela se destinava ao volume<br />

seguinte do anuário, mas como a publicação deste foi adiada indefinidamente, por causa dos<br />

empecilhos da Grande Guerra, resolvi juntá-la a esta coleção preparada por um novo editor.<br />

Muita coisa que teria sido expressa pela primeira vez neste ensaio eu tive que abordar nas Vorlesungen<br />

zur Einführung in die Psychoanalyse [Conferências introdutórias à psicanálise], proferi<strong>das</strong><br />

em 1916-7. O texto da primeira redação não teve nenhuma mudança significativa; os acréscimos<br />

são indicados por colchetes.<br />

2 Tinha dois anos e meio. Quase to<strong>das</strong> as épocas puderam ser determina<strong>das</strong> com certeza<br />

depois.<br />

3 Comunicações desse tipo podem ser utiliza<strong>das</strong>, via de regra, como material absolutamente<br />

genuíno. Pareceria tentador preencher sem dificuldade as lacunas na recordação do paciente,<br />

por meio de indagações aos familiares mais velhos; mas desaconselho decididamente essa técnica.<br />

O que os parentes relatam, em resposta às perguntas e solicitações, está sujeito a toda reserva<br />

crítica que se possa levar em conta. Repetidamente lamentamos nos termos tornado dependentes<br />

de tais informações, tendo com isso perturbado a confiança na análise e colocado<br />

uma outra instância acima dela. O que pode ser recordado vem à luz no decorrer da análise.<br />

* "Nânia": mais precisamente, "niânia", significa "babá" em russo. [As notas chama<strong>das</strong> por asterisco<br />

e as interpolações às notas do autor, entre colchetes, são de autoria do tradutor. As notas<br />

do autor são sempre numera<strong>das</strong>.]<br />

** "Medo": Angst, no original. A palavra alemã pode significar tanto "medo" como "angústia";<br />

por isso as versões estrangeiras consulta<strong>das</strong> variam: intensos miedos, angustia, paura, angoisse,<br />

107/311

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!