1 PAULO E ESTEVÃO FRANCISCO CÂNDIDO ... - O Consolador
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166<br />
diapasão da intimidade — transtornou a vida de toda a tua família.<br />
Envergonhados com as notícias chegadas da Síria, Jaques e Dalila mu daramse<br />
de Jerusalém para a Cilícia. Quando soube da ordem de prisão lavrada pelo<br />
Sinédrio contra a tua pessoa, tua mãe faleceu em Tarso. Teu pai, que te<br />
educou com esmero, esperando da tua inteligência os maiores galardões de<br />
nossa raça, vive acabrunhado e infeliz. Teus amigos, cansados de suportar as<br />
ironias do povo, em Jerusalém, vivem esquivos e humilhados depois de te<br />
procurarem em vão. Não te doerá a visão deste qua dro? Uma dor como esta<br />
não bastará para refazer-te o equilíbrio mental?<br />
O ex-doutor da Lei tinha o coração ralado de angús tia. Tantos dias<br />
ansiosos, tantas amarguras vividas no intuito de lograr alguma compre ensão e<br />
repouso junto dos seus, via, agora, era tudo ilusão e rumaria. A família<br />
desorganizada, a mãe morta, o pai infeliz; os amigos execravam -no; Jerusalém<br />
lançava-lhe ironias.<br />
Vendo-o em tal atitude, o amigo regozijava -se íntimamente, esperando<br />
ansioso o efeito de suas palavras.<br />
Depois de concentrar-se um minuto, Saulo acentuou:<br />
—Lamento ocorrências tão tristes e tomo a Deus por testemunha de que<br />
não cooperei intencionalmente para Isso. No entanto, mesmo aqueles que<br />
ainda não aceitaram o Evangelho dever iam compreender, segundo a antiga<br />
Lei, que não devemos ser orgulhosos. Moisés, nada obstante a energia das<br />
recomendações, ensinou a bondade. Os profetas, que lhe sucederam, foram<br />
emissários de mensagens profundas para o nosso coração, que se perdia na<br />
iniqüidade. Amós nos concitou a buscar Jeová para conseguirmos viver.<br />
Lastimo que os meus afeiçoados se julguem ofendidos; mas é preciso consi -<br />
derar que, antes de ouvir qualquer julgamento ocioso do mundo, devemos<br />
buscar os juízos de Deus.<br />
— Quer dizer que persistes nos teus erros? — perguntou Alexandre quase<br />
hostil.<br />
— Não me sinto enganado. Dada a incompreensão geral — comentou o exrabino<br />
dignamente —, também me encontro em penosa situação; mas o Mestre<br />
não me faltará com o seu auxílio. Lembro -me dele e experimento grande<br />
conforto. Os afetos da família e a consideração dos amigos eram no mundo<br />
minha única riqueza. Contudo, encontrei nas anotações de Levi o caso de um<br />
moço rico, que me ensina a proceder nesta hora (1). Desde a infância procurei<br />
cumprir rigorosamente meus deveres; mas, se é preciso lançar mão da riqueza<br />
que me resta, para alcançar a iluminação de Jesus, renunciarei à pró pria<br />
estima deste mundo!...<br />
Alexandre pareceu comover -se com o tom melancólico das últimas<br />
palavras. Saulo dava a impressão de alguém que estivesse prestes a chorar.<br />
— Estás fundamente transtornado — objetou Alexandre —, só um demente<br />
poderia proceder assim.<br />
— Gamaliel não era um louco e aceitou Jesus como o Messias prometido<br />
— acrescentou o ex-doutor invocando a venerável memória do grande rabino.<br />
— Não creio! — disse o outro com ar superior.<br />
Saulo baixou a fronte silencioso. Grande a humi lhação daquela hora.<br />
Depois de havido como demente, era tido por mentiroso. Apesar disso, no auge<br />
da perplexidade, considerou que o amig o não estava em condições<br />
(1) Mateus, capítulo 19º, versículos 16 a 23.