Livro - O Recreador Mineiro - ICHS/UFOP
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para a tentativa de solucionar tais problemas e de adequar a nação brasileira a um molde<br />
não-ibérico, evidenciando o sentimento de lusofobia – uma vez que Saint-Hilaire<br />
denuncia, em algumas partes de seus relatos, que observa a cultura e a organização<br />
social, política, econômica e religiosa da Província de Minas Gerais adotando como<br />
parâmetros preconcebidos seu conhecimento e julgamento acerca dos povos ibéricos 106 .<br />
Nas observações feitas por Saint-Hilaire no referido fragmento, o autor<br />
considera como as quatro principais causas da decadência de Minas Gerais:<br />
1 - O modo errôneo por que os mineradores sempre consideram o fruto de seu<br />
trabalho; tratando o ouro extraído como bem, e não como capital, mostrando que a<br />
política extrativista não traria formas de acúmulo e capital para assegurar a obtenção e a<br />
106 Torna-se então pertinente observar que quase todos os aspectos por ele levantados com relação Minas<br />
Gerais foram posteriormente apontados por Antero de Quental, aos 27 de Maio de 1871, no discurso<br />
sobre as causas da decadência dos povos peninsulares nos séculos XVII, XVIII e XIX. Procuramos<br />
identificar tais aspectos no discurso de Antero, confrontando-os com aqueles abordados por Hilaire com<br />
relação à decadência da Província de Minas Gerais. Tal contraste se faz possível pelo fato de ambos<br />
autores se referirem aos três grandes aspectos da sociedade (o pensamento, a política e o trabalho) e tem<br />
como finalidade verificar o condicionamento dos povos peninsulares e suas colônias à influência<br />
ideológica sobre eles exercida pelos povos capitalistas que, desde a reforma, assumiram valores<br />
diferenciados daqueles que perduraram na península.<br />
Antero de Quental evidencia a decadência expondo as glórias passadas da península em campos como<br />
Filosofia, Arquitetura, Teologia, Literatura, etc. Salienta o pioneirismo nos estudos geográficos e nas<br />
grandes navegações expondo o quanto é delicada a questão da decadência para os peninsulares.<br />
Segundo ele, o período de declínio de Portugal teve início no princípio do século XVII (durante o<br />
governo de Felipe II), tendo como causas principais: a instauração do catolicismo pelo Concílio de<br />
Trento (ocasionando a degradação da vida moral e condenando, sem apelação, o uso da razão); o<br />
estabelecimento do Absolutismo (causando a degradação da vida política e social, arruinando as<br />
liberdades locais e impedindo a elevação natural da classe média); e o desenvolvimento das conquistas<br />
longínquas (pela inércia da economia). Esses fatos, que compreendem os três grandes aspectos da<br />
sociedade (o pensamento, a política e o trabalho), geraram na península modificações que iam no<br />
sentido inverso das ocorridas nas nações então prósperas (as nações protestantes capitalistas): a<br />
liberdade moral, o sugimento da indústria e a elevação natural da classe média.<br />
Assim, os povos peninsulares imergiram em um período obscuro, marcado pelo terror religioso da<br />
inquisição, cujos efeitos do pouco esclarecimento se refletiram na economia, na poesia, na arte, nos<br />
costumes, no empobrecimento pela expulsão dos judeus e mouros (paralisando o comércio e a indústria)<br />
e, sobretudo, no precário desenvolvimento das ciências. Aponta como efeito mais fatal a prostração do<br />
espírito nacional. Antero condena o ócio dos fidalgos (que levava à depravação dos costumes e ruína<br />
das famílias) e a supressão da cultura dos povos colonizados, dominados pelo terror da inquisição<br />
católica e pelas armas do absolutismo sem nenhuma validade no ponto de vista civilizatório. Assinala<br />
como possibilidade de readquirir lugar na “Europa Culta” e de correção dos erros, o rompimento com o<br />
passado (respeitando a memória dos antepassados sem, no entanto, imitá-los.), opondo ao catolicismo o<br />
pensamento livre; à monarquia centralizada a federação republicana, com caráter radicalmente<br />
democrático; à inércia industrial o trabalho livre, a indústria do povo.<br />
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