Livro - O Recreador Mineiro - ICHS/UFOP

procurando, talvez, estabelecer parâmetros para que os leitores assimilassem, através
das noções de propriedade (segundo Locke), as normas de boas maneiras que, no
século XIX, foram formadas no Brasil através de moldes europeus:
“Em Londres, são poucos os portões, e os que ha estão sempre
fechados. O modo de bater designa a qualidade da pessoa que se
apresenta, de sorte que huma pancada de menos considera se tanta
degradação, como huma e mais usurpação e insolencia. Huma pancada
só anuncia o leiteiro (milkman), o carvoeiro, hum domestico, hum
mendigo; e significa; permitte que entre? Duas, indicão o correio da
posta diaria, o portador de um bilhete de boas festas, ou quaisquer
mensageiros: exprime a pressa que traz; que vem para um negocio; e
quer dizer: preciso entrar. Trez pancadas annunciao o dono ou dona da
casa, e as pessoas que de ordinario a frequentão: como dizendo em
tom imperativo: abre. Quatro pancadas fortes indicaõ pessoa de
grande tom, immediata em jerarchia á primeira nobresa, e que anda
de carroagem e significao: quero entrar. As quatro pancaas repetidas
duas vezes annuncião fidalgo ou fidalga, hum Principe Russo, hum
Barão Allemao ou outra qualquer personagem extraordinária; e é
como se disesse: faço-vos muita honra em os visitar.” 93
Assim, os redatores comentam que “estas formas estrondosas de bater, a que os
ingleses chamam trovejar á porta (door thundering)” eram prática usual em Londres.
Demonstram também o julgamento de que tais práticas evidenciavam o grau de polidez
e respeito dentro de uma hierarquia social bem definida, uma vez que um mero engano
poderia, segundo os redatores do Recreador, ser seguido muitas vezes de “gravissimos
incomodos. Qualquer criado que deixasse de dar huma pancada que fosse d’aquellas
que pertencem á jerarchia e orgulho de seu amo, seria immediatamente despedido.”
92 In: O Recreador Mineiro. p. 380.
93 Modo de bater à porta em Inglaterra. In: O Recreador Mineiro. p. 189.
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