Livro - O Recreador Mineiro - ICHS/UFOP
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mal eram consideradas faltas. A religião continuava sem moral, e dela se conservavam<br />
apenas as práticas exteriores. Chegava-se mesmo a observar estas últimas com bastante<br />
desleixo, mais por hábito que por convicção, perdurando delas, muitas vezes, “apenas<br />
um ligeiro verniz”.<br />
Com relação a esse uso meramente habitual dos costumes religiosos, por<br />
algumas vezes o autor observou que, após as refeições, os comensais se levantavam,<br />
juntavam as mãos, rendiam graças, faziam o sinal da cruz e se saudavam<br />
reciprocamente. Costume, segundo Saint-Hilaire, louvável; porém, o autor se<br />
surpreende ao ver que o escravo, que apenas servira a mesa, juntava-se aos convivas e<br />
agradecia a Deus por um repasto em que não tomara parte. Quando visitou o Padre<br />
Manuel Rodrigues da Costa, proprietário de Registro Velho, este, ao rezar as preces da<br />
tarde em meio a uma trintena de pessoas (a maioria de negros e negras), punha-se a<br />
recitar, em louvor a Cristo, ladainhas que indicavam o número exato de bofetadas e<br />
chicotadas que Jesus recebera, das gotas de sangue que correram de suas chagas e até<br />
das lágrimas que derramara pelos pecados dos homens. Saint-Hilaire observou com<br />
certa curiosidade que, “a cada artigo das litanias , a capela vibrava com o ruído das<br />
bofetadas que se aplicavam os presentes, e todos respondiam ‘Louvado seja Deus’.”<br />
O cronista, ao descrever de forma genérica os serventuários da justiça e o clero<br />
do Brasil, caracteriza este último pela prática do tráfico de coisas sagradas e espirituais.<br />
Descreve os abusos do clero e as taxas cobradas pela Igreja Católica para que o<br />
sacerdote ministre as cerimônias, tocando num ponto que remete à Reforma Luterana,<br />
que teve como um de seus pontos básicos a oposição à venda das indulgências: “(...) se<br />
no Brasil, a venalidade caracteriza os serventuários da justiça, a simonia não é menos<br />
freqüente entre os eclesiásticos da Província de Minas Gerais.” 18<br />
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