Livro - O Recreador Mineiro - ICHS/UFOP

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virtude, mérito, etc.” 193 A segunda modalidade de romance de provação é representada pelas hagiografias do início do cristianismo (particularmente dos mártires); a terceira, pelos romances medievais de cavalaria, os quais, segundo Bakhtin, sofreram uma “influência considerável de ambas as modalidades de romance antigo.” 194 Com a quarta modalidade, o romance barroco, o romance de provação chega a seu apogeu. (...) outra modalidade é a provação dos pavernus napoleônicos.” 195 A palavra parvenu significa “pessoa que atingiu súbita ou recentemente riqueza e/ou posição social de proeminência, sem no entanto, ter adquirido os modos convencionais adequados.” 196 Podemos assim caracterizar Thiago, o herói desse romance que mescla características das modalidades de romance de provação apresentadas por Bakhtin. Observemos, na citação que segue, como Thiago reage à situação de provação, com quais argumentos sustenta a virtude e o mérito de sua posição dentro do exército; bem como os conceitos jurídico-retóricos de culpabilidade, inocência, julgamento, absolvição, acusação, crime e infâmia: “-Assim ... vosso amor será o premio de huma vileza ... e a minha deshonra que quereis! (...) Senhora, quando me desprezaveis, a França, minha mai, me estendia os braços. Combati por ella, e ella me encheo de seus beneficios. Soldado de Napoleão, eu vejo a minha patria feliz debaixo de seus jugo, crescer, elevar-se e dominar a Europa inteira ... e quereis que eu os atraiçõe a ambos, a França e Napoleão ! ... e dizeis que haveis de amar o homem que tiver trahido seus juramentos, seu paiz, que tiver faltado a honra! ... Esse papel é 193 BAKHTIN, Mikhail. Tipologia Histórica do Romance: o romance de provação.In: Estética da Criação Verbal. (tradução de Paulo Bezerra) 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.208 194 BAKHTIN, Mikhail. Tipologia Histórica do Romance: o romance de provação.In: Estética da Criação Verbal. (tradução de Paulo Bezerra) 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.209 195 BAKHTIN, Mikhail. Tipologia Histórica do Romance: o romance de provação.In: Estética da Criação Verbal. (tradução de Paulo Bezerra) 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.212-3 196 HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa 118
infame, e eu o repolso! (...) não posso sacrificar-vos o socego do meu paiz. Depois da França, não ha nada no mundo que me seja mais charo do que vós. (...) tú não sabes o que me podes e que infamia queres imprimir sobre minha fronte! O favor de teus reis não me salvaria do despreso de mim proprio. O povo, esmagado sob seus grilhões, atentavam para mim e me lançaria sua maldição, e a maldição do povo mata!” 197 Assim, verificamos as virtudes e qualidades que engrandeceram o vilão Thiago e fizeram dele um herói. Sua consciência continua impregnada pelo amor à pátria, pela lealdade a Napoleão. Seu comportamento heróico o engrandece ainda mais, o faz general. Por fim, morre valente e corajosamente pela França. A traição a Napoleão ocorreria na batalha de Waterloo, momento decisivo da queda de seu império frente à Bretanha. Vejamos as considerações feitas no folhetim acerca da referida batalha: “Alguns annos mais tarde, a revolução, á qual Thiago havia denegado seu apoio, veio a affeituar-se. Estava-se no fim desse funesto dia que vio desmoronar-se o imperio: a estrella da França se tinha eclipsado; nossos estandartes cahiam, despedaçados sob a mão da fatalidade: os campos de Waterloo estavão ensopados de sangue francez. Quando toda a esperança foi perdida, quando os fieis amigos do imperador derão sua sentença no olhar sombrio do grande homem que a tormanta envergava sem poder quebra-lo, hum de entre elles, trasendo dragonas de general, arranjou-se em meio das mais densas phalanges inimigas: buscava a morte. Nascido com nossa gloria, com ella devia morrer. Hum tiro de obuz veio feri-lo no peito: suas mãos abandonárão as redeas de seu cavallo, seus olhos se fecharão, seu corpo cahio para traz; elle só pôde murmurar: ‘Ah! França! ... França...!..., Era Thiago.” 198 197 Muito Tarde. In: O Recreador Mineiro. nº 01, Tomo I, 01/01/1845. P.28 198 Muito Tarde. In: O Recreador Mineiro. nº 01, Tomo I, 01/01/1845. P.28-9 119
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