Mário Ferreira dos Santos - O problema social - iPhi
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MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
Não poderá ser nem a eotécnica nem a paleotécnica,<br />
como infelizmente ainda perdura, e ainda se estabelece,<br />
mas de uma neotécnica tendente à biotécnica, ao trabalho<br />
agradável, dado o valor pouco tónico do mesmo entre<br />
nós. Tais factos exigem bases: a) inteligência, que<br />
temos; b) preparação cultural, que não temos, mas que<br />
pode ser compensada pelo grau de adaptação (combinação<br />
equilibrada entre acomodação e assimilação, que é<br />
típica de nosso povo). Portanto, a Tecnização de nossa<br />
lavoura e a da pecuária, não encontram óbices culturais,<br />
salvo os históricos, facilmente solucionáveis, dada a plasticidade<br />
típica de nosso povo, cuja resistência ao novo é<br />
muito menor que a de outros povos. Resta ainda uma<br />
dificuldade: a financeira.<br />
Esta merecerá um estudo à parte. Há outro aspecto<br />
a considerar: o ético. Nosso trabalhador, em geral, é um<br />
revoltado às vésperas do desespero. É um sabotador inconsciente.<br />
Julga que ao sabotar a producção, sabota o<br />
assalariador, quando na realidade sabota apenas a si<br />
mesmo. Tal concepção surge de não participar nunca<br />
nos proventos quando há aumento de producção (ex.:<br />
destruição do produzido, productos deteriorarem-se nas<br />
fontes, política de defesa de preços, etc). Não tem esperanças<br />
em melhorias quando produzir mais. Se fosse<br />
assegurada ao povo a sua participação no aumento da<br />
producção, ressurgiriam, neste ponto, possibilidades<br />
imensas, que conjuntura<strong>dos</strong> com outras providências,<br />
trariam benefícios imediatos.<br />
Um <strong>problema</strong> nos surge: o abandono <strong>dos</strong> campos.<br />
Este, embora grave, não é desastroso como pode parecer.<br />
A indústria, não compensando a falta de braços por máquinas,<br />
não cumpre seu papel, e a mutação da mão-de-<br />
-obra passa a ser, no Brasil, uma calamidade. Não se<br />
pode evitar a mutação da mão-de-obra. É uma invarian-<br />
O PROBLEMA SOCIAL<br />
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te de qualquer economia das fases da paleo e da neotécnica.<br />
Tem sido um erro considerar o trabalho como uma<br />
mercadoria, mas ainda assim se considera. Não podemos,<br />
aqui, separar os aspectos, individual e colectivo, que<br />
cooperam ou se antagonizam. A aplicação ao trabalho<br />
da chamada lei da oferta e da procura (que desdobraremos<br />
para dar-lhe seu verdadeiro sentido) tem sido desastroso.<br />
A remuneração pode sofrer os efeitos da procura,<br />
não pode, porém, acomodar-se a uma depreciação que surja<br />
da oferta. O trabalhador, na neotécnica, é um cliente, e<br />
principal. E é do interesse tanto <strong>dos</strong> emprega<strong>dos</strong> como<br />
<strong>dos</strong> empregadores, que não sofra êle uma depreciação<br />
por efeito da oferta.<br />
Portanto, o equilíbrio entre o rendimento e o preço<br />
do trabalho, em função do poder de compra, não pode<br />
reduzir-se.<br />
Erra, assim, o liberalismo económico ao considerar<br />
apenas o lado individual do trabalho, como erra o <strong>social</strong>ismo<br />
ao considerar apenas o lado colectivo, e ambos por<br />
não considerarem o aspecto cooperacional entre ambos.<br />
Esse equilíbrio exige, portanto, uma dualidade de salário<br />
(<strong>social</strong> e individual). A aplicação de normas justas,<br />
aqui, exigem um exame sobre o mecanismo <strong>dos</strong> preços<br />
e <strong>dos</strong> salários, o que, infelizmente, por ora, não pode<br />
ser feito. Entretanto, pode dizer-se que a participação<br />
<strong>dos</strong> trabalhadores nos lucros da empresa, poderia ser<br />
reestudada para transformação num salário-de-rendimento,<br />
com forte recompensa ao esforço individual, estimulante.<br />
Também se deve considerar que o salário vital<br />
(mínimo) não deve ser um salário de miséria, sob pena<br />
de falsear a função neotécnica do trabalhador como cliente,<br />
mas tem que sujeitar-se à producção colectiva, segun-