Mário Ferreira dos Santos - O problema social - iPhi
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116 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
zar um possível e não outro. Sem essa faculdade, seria<br />
impossível o progresso humano, a sua evolução, as transformações<br />
que se observam em sua vida, e o homem procederia<br />
como procedem os animais, dentro de uma linha<br />
indefectível e previamente determinada numa só direcção.<br />
Ora, a escolha entre possíveis é substancialmente<br />
um acto da vontade e não da razão, como dizia Tomás<br />
de Aquino. Os defensores do determinismo têm razões<br />
de combater o indeterminismo exagerado, não porém o<br />
livre arbítrio como o entenderam os filósofos de porte,<br />
e que realmente merecem esse nome. Há deterministas<br />
que manejam argumentos até teológicos, afirmando a incompossibilidade<br />
da liberdade humana com a liberdade<br />
divina, como o fizeram Lutero, Calvino, Jansenius e outros.<br />
Contudo, é da experiência universal de to<strong>dos</strong> os homens<br />
a realidade de acções livres. E não só; também<br />
da sua constância. Cometido certo acto, sobrevêm, posteriormente,<br />
a convicção de que é êle prejudicial e maléfico<br />
e, posteriormente, inibe-se o agente de tornar a<br />
fazê-lo, por razões éticas, embora pudesse cometê-lo.<br />
Sopesadas as razões entre fazer e não fazer algum acto,<br />
verifica a inconveniência de praticá-lo, e resolve abster-<br />
-se de sua execução, embora sinta uma apetência excessiva<br />
em realizá-lo. Verificado que é injusta tal prática,<br />
dela se abstêm por motivos de justiça. Em suma, praticamente,<br />
o livre arbítrio é demonstrado até entre os<br />
mais acérrimos deterministas. As demonstrações da experiência<br />
do livre arbítrio não são ilusórias, mas reais,<br />
e sua comprovação é feita pela observação. Tem o homem<br />
consciência de sua volição, uma notícia intuitiva<br />
dela, e sabe que se determina, mas determina a si mesmo,<br />
a fazer ou não fazer. Dizem alguns deterministas<br />
que essa consciência é apenas uma ilusão. Mas apenas<br />
afirmam palavras, porque a consciência não é ilusória,<br />
pois se dá, e é real, e o acto posterior, previsto, realiza-<br />
O PROBLEMA SOCIAL 117<br />
-se efectivamente. Pode o agente ora fazer isto, ora fazer<br />
aquilo, e pode experimentar tantas vezes quantas quiser,<br />
preferindo ora uma e preterindo ora outra acção.<br />
Na verdade, não basta dizer que há ilusão para haver ilusão,<br />
porque a acção realizada demonstra que ela não há,<br />
nem a consciência de si mesmo pode ser o producto de<br />
uma ilusão, como a de uma pedra que tivesse de ter consciência<br />
de si mesma, pois se tal se realizasse na pedra ela<br />
teria a consciência real de si mesma.<br />
Sendo a vontade o poder activo do homem que apetece<br />
ao bem ou a um fim conhecido pelo intelecto, verifica<br />
que nem to<strong>dos</strong> os bens nem fins são apetecíveis ou<br />
devem ser apeteci<strong>dos</strong>. Àqueles necessariamente deve<br />
apetecer e não excluem a sua liberdade, porque esta se<br />
manifesta naqueles que poderá ou não preferir. Êle julga<br />
da conveniência ou não de obtê-los, escolhe os meios,<br />
prefere estes àqueles, julga e, finalmente, decide-se a alcançá-los,<br />
e obtê-los.<br />
Durante todas essas operações compara, avalia, escolhe,<br />
e muitas vezes o faz entre muitos que lhe seriam<br />
convenientes, para preferir este ou aquele.<br />
O que se abstém de uma acção que empregará meios<br />
desonestos, porque os julga vituperáveis, que escolhe,<br />
delibera e recusa a si mesmo de agir, pratica um acto<br />
de liberdade, como o pratica o cesariocrata, o estatólatra<br />
totalitário, que não se abstém de uma acção, por<br />
meios desonestos, desde que sirva aos interesses de sua<br />
ideologia. Este também avalia, compara, mas prefere o<br />
vituperável, porque julga que é mais importante o fim<br />
a ser alcançado. É também livre na sua acção, e por ela<br />
responde, pois dirá que foi êle que a fêz, êle responderá<br />
pela acção que realizou.<br />
A vontade consiste em suma, formalmente, nesse<br />
exercício do livre arbítrio.