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Mário Ferreira dos Santos - O problema social - iPhi

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108 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />

Pois assim é com a luz da inteligência, "a luz da razão",<br />

como a chamavam os antigos. Quando ela bruxoleia,<br />

crepusculeja, os objectos se confundem e as distuv<br />

ções vão desaparecendo aos poucos, até tudo se confundir<br />

nas trevas quando estas dominam. Mas, à proporção<br />

que a luz aumenta em intensidade, as coisas vão tornando-se<br />

mais distintas, mais claras, mais delineadas,,<br />

mais separadas umas de outras, em sua unidade e em<br />

sua afirmação.<br />

O mundo torna-se mais rico de tonalidades, de matizes,<br />

e é mais rico de unidades distintas. Todo aquele<br />

que confunde onde há distinção, todo aquele que não sabe<br />

separar para examinar o que é outro que outro, é que<br />

a luz da sua inteligência crepusculeja, ou se abisma em<br />

trevas. E é esse espírito de entardecer, de crepúsculo,,<br />

que não permite ver a imensa heterogeneidade que há<br />

nas causas intrínsecas e extrínsecas <strong>dos</strong> factos, nos factores<br />

que cooperam para que êle seja' o que êle é. Basta<br />

que olhemos uma simples pedra incrustada num monte<br />

de terra. Quantos factores e quantas causas para que<br />

ela surja. A sua matéria, a sua forma, implicam a presença<br />

de inúmeros factores físicos e químicos, mecânicos,<br />

meteorológicos, climáticos, ecológicos, electrónicos,<br />

nucleônicos e eônicos, que cooperam para atingir aquele<br />

arithmós da pedra. E muitos mais, e mais heterogéneos<br />

factores, cooperam para que surja esta planta e esplenda<br />

essa flor à luz matinal. E muitos mais ainda para<br />

que surja esse insecto, esse verme, esse roedor que foge<br />

à nossa presença, esse ruminante que pasta nos campos<br />

soltos e, finalmente, ainda muitos mais, aquele homem<br />

que de cima de seu cavalo segue pelos campos. Aquela<br />

vida, onde esplende uma inteligência, uma vontade, um<br />

ideal, uma esperança implica ainda uma heterogeneidade<br />

maior de factores para que seja o que é, para que pense<br />

o que pensa, para que sinta o que sente.<br />

O PROBLEMA SOCIAL 109<br />

No entanto, há aqueles que esquecem a cooperação<br />

concreta <strong>dos</strong> factores, e tudo querem explicar apenas por<br />

um só factor. Se é tão complexo para que surja uma<br />

pedra, para que compreendamos a sua existência, o seu<br />

perdurar através do exercício de si mesma, como poderia<br />

ser tão simples o actuar e o perdurar aquele homem,<br />

cujos actos, cujos desejos, cujas atitudes, cujas escolhas<br />

têm sempre o mesmo e único factor para explicar tudo<br />

■quanto é, tudo quanto faz, tudo quanto aspira a fazer?<br />

Se isso não é primarismo, a que, então, aplicaremos<br />

esse título?<br />

72) Sem dúvida que o Ser Supremo é a primeira<br />

causa de todas as coisas, porque um ser primeiro deve<br />

ter sido a causa de tudo, já que o nada nada poderia<br />

produzir. Tudo quanto há, tudo quanto houve, tudo<br />

quanto haverá terá sua causa no Ser Primeiro. Não há<br />

especulação filosófica que destrua essa verdade. Chamem-no<br />

matéria, energia, natureza, Deus, o que quiserem,<br />

mas to<strong>dos</strong> terão de postular um Ser Primeiro, fonte e<br />

origem de to<strong>dos</strong> os outros.<br />

Mas os seres, que compõem a nossa experiência, não<br />

surgem directamente do ser primeiro, mas são productos<br />

da cooperação de muitos outros, distintos e diversos até,<br />

•que cooperam para que êle surja, intencionalmente ou<br />

não.<br />

Tudo quanto constitui o mundo da nossa experiência<br />

exige essa multiplicidade de factores cooperantes para<br />

o seu surgimento. E quer queiram, quer não, o Ser<br />

Primeiro cooperará também para que êle seja, indirectamente<br />

pelos próximos e directamente pela sustentação<br />

destes, pois sem aquele, nenhum <strong>dos</strong> que são, ou foram,<br />

podem ser ou poderiam ser. To<strong>dos</strong> contribuem para<br />

pô-lo em causa, para pô-lo no exercício de seu ser, para

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