Mário Ferreira dos Santos - O problema social - iPhi
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96 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
realidade que ainda não é em exercício. Há as utopias<br />
de evasão, que expressam um desejo de afastamento da<br />
realidade vivida, e utopias de superação, o desejo de alcançar<br />
estágios superiores ainda não vivi<strong>dos</strong>.<br />
55) As utopias fundam-se em realidades comprovadas<br />
no ser humano, ou apenas em possíveis, de mínima<br />
probabilidade. As primeiras têm um cunho de realidade<br />
e revelam um grau maior de actualização próxima; as<br />
segundas, devido à falta de condições suficientes, tomam o<br />
sentido pejorativo comum.<br />
56) Inegavelmente, para que o homem alcance uma<br />
superação constante de si mesmo (o que seria a efectivação<br />
de uma revolução permanente não só em si, como nas<br />
suas coisas) é mister uma <strong>dos</strong>e de utopia, porque sem o<br />
desejo de tornar tópico os valores mais altos é impossível<br />
estimular a criação.<br />
Aqueles que julgam que o ímpeto utópico é uma fraqueza,<br />
resultado de uma deficiência humana, pouco conhecem<br />
da psicologia do homem. É mister muito de sonho,<br />
muito de desejo, muito de crença, nas possibilidades<br />
de cada um e na de to<strong>dos</strong>, para que o homem tenha podido<br />
superar obstáculos, construir possibilidades remotas,<br />
tornar em acto o que parecia apenas um sonho delirante<br />
e impossível. A vida humana desmente, com frequência,<br />
aqueles que julgaram o homem impotente.<br />
DAS IDEIAS LIBERAIS<br />
57) Mostramos a inconveniência de confundir:<br />
a) ideias liberais;<br />
b) liberalismo;<br />
c) liberalismo moral;<br />
d) liberalismo económico;<br />
e) manchesterismo.<br />
O PROBLEMA SOCIAL 97<br />
As ideias liberais pregam a liberdade humana. O liberalismo<br />
é um sistema que afirma ser o homem livre e<br />
a organização <strong>social</strong> deve respeitar essa liberdade, como<br />
a democracia. O liberalismo moral prega a liberdade na<br />
escolha <strong>dos</strong> costumes, como os sensualistas. O liberalismo<br />
económico funda-se na afirmação de que a economia<br />
deve orientar-se livremente, e permitir a cada um o livre<br />
acesso ao poder económico. O manchesterismo, forma<br />
viciosa do liberalismo económico, afirma, propriamente,<br />
o laissez faire, laissez passer, que já examinamos. Houve,<br />
da parte <strong>dos</strong> inimigos da liberdade humana, <strong>dos</strong> cesariocratas,<br />
estatólatras, totalitários, o desejo de confundir o<br />
manchesterismo com o liberalismo, porque, mostrando os<br />
defeitos daquele, poderiam acusar o outro e, finalmente,<br />
defender a tese de que a liberdade é incómoda e anti-<strong>social</strong>.<br />
Não é mister examinar outra vez o que já fizemos,<br />
mas apenas apontar algumas teses, que demonstramos.<br />
Apoia<strong>dos</strong> nos princípios liberais, muitos empresários<br />
utilitários desenfrearam-se na cupidez do lucrum in infinitum,<br />
abrindo o abismo entre as classes sociais, pela instauração<br />
do ódio alimentado pela exploração sem peias.<br />
A riqueza de poucos e a miséria de quase to<strong>dos</strong>, que daí<br />
decorreram, teriam que provocar uma reacção contra essa<br />
prática. Os exploradores defendiam-se, apelando para<br />
o liberalismo. Consequentemente, não era de admirar<br />
que os adversários, para exprobrar a indecente exploração,<br />
terminassem por atacá-lo. Contudo, foi à sombra do liberalismo,<br />
mas de modo vicioso, que a paleotécnica realizou<br />
a mais desenfreada exploração do homem pelo homem.<br />
Mas seria um erro considerar que liberalismo é manchesterismo.<br />
Hoje, ante a prepotência do Estado, ante a<br />
ascensão perigosa <strong>dos</strong> cesariocratas, um novo liberalismo<br />
ressurge, uma acentuada campanha em prol da dignidade