Mário Ferreira dos Santos - O problema social - iPhi
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gg MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
grupos que disputavam entre si a verdadeira exegese do<br />
hegelianismo, colocado do lado <strong>dos</strong> esquerdistas, o aspecto<br />
materialista teria que ser finalmente acentuado, pois<br />
virtualizaria, naturalmente, tudo quanto fosse de subjectivo<br />
em Hegel, que fazia parte da concreção hegeliana, que<br />
é um asíntese de objectividade e subjectividade. A influência<br />
positivista, que se manifestava vivamente na Ciência<br />
(o que não deve ser simplesmente confundido com o<br />
positivismo de Comte), levava Marx a tender para a objectividade.<br />
Mas todo tender objectivo, como já vimos<br />
na "Psicologia" e "Lógica e Dialéctica", tem sempre uma<br />
raiz num interesse páthico, genuinamente afectivo. Marx<br />
era afectivamente objectivo e exagerava esse aspecto, virtualizando<br />
tanto quanto possível a subjectividade, no intuito<br />
de alcançar aquela precisão que a Ciência buscava<br />
e adquiria ao afastar-se do subjectivo. Somos objectivos<br />
também por paixão, e Marx o era, por paixão, porque não<br />
se libertou da influência axioantropológica, <strong>dos</strong> valores<br />
que o homem empresta à filosofia prática, que só nos<br />
estu<strong>dos</strong> altamente especulativos é possível evitar. E estes<br />
Marx não os realizou por tê-los desprezado, o que se<br />
deve à sua ignorância sobre eles.<br />
A Alemanha, que sempre chega tarde na História, era<br />
estimulada por seus homens públicos (a era bismarckiana<br />
se construía) a industrializar-se, a fim de competir com<br />
as grandes regiões industrializadas da Inglaterra e da<br />
França.<br />
Todo o subjectivismo alemão (e que se revela tão<br />
simbolicamente no expressionismo em sua arte) tinha<br />
que ser posto em quarentena. Era preciso ser objectivo,<br />
preciso, prático, eficiente. Era preciso superar estágios,<br />
avançar, acompanhar o progresso económico <strong>dos</strong> outros<br />
povos, competir com eles, e vencê-los,<br />
Naturalmente que a luta entre as tendências objectivas<br />
e subjectivas na Alemanha tinham dê ser mais agudas<br />
O PROBLEMA SOCIAL 69<br />
que em qualquer outra parte. Marx sentiu a luta e, homem<br />
de luta, engajou-se do lado objectivo, com toda a<br />
paixão. O exagero era inevitável. Por outro lado, o <strong>social</strong>ismo,<br />
que se processava nos países latinos, tinha um<br />
cunho altamente subjectivo e, por isso, era supinamente<br />
romântico, sem que desprezemos o invariante que o es*<br />
tructura, nem os fundamentos seguros que o sustentam.<br />
A princípio, Marx, neófito no <strong>social</strong>ismo, tinha os<br />
olhos volta<strong>dos</strong> para o além-Reno. Mas trazia sua alma<br />
hegeliana de esquerda já estructurada. Ao manter contacto<br />
com os revolucionários latinos, sentiu que havia<br />
muita exteriorização de paixão por parte destes. Seu<br />
rompimento com Proudhon, que tanto admirara, e que o<br />
desprezara, levou-o, de vez, a cair numa visão objectiva<br />
do <strong>social</strong>ismo e a actualizar, consequentemente, os<br />
aspectos do objecto, esquecendo a importância do subjectivo,<br />
ao qual virtualizou, e que terminaria por tornar-se o<br />
ponto fraco do marxismo. Esta acentuação levá-lo-ia a<br />
desprezar o homem, enquanto pessoa, e o marxismo caracteriza-se<br />
por essa frieza ao tratar do ser humano, que<br />
passa a ser apenas uma coisa que organiza coisas, mas<br />
que por estas é modelado.<br />
Daí a concluir que a objectividade gesta a subjectividade<br />
era apenas um passo; a teoria do conhecimento<br />
marxista não poderia deixar de cair num empirismo<br />
abstraccionista, embora fundando-se nas mesmas teses<br />
aristotélico-tomistas da raiz empírica do conhecimento.<br />
Mas a não aceitação de um papel activo (o intellectus<br />
agens, por exemplo, <strong>dos</strong> tomistas) levou-o a transformar<br />
o subjectivo num mero epifenômeno, ou seja, uma cópia,<br />
caindo, consequentemente, em to<strong>dos</strong> os defeitos do nominalismo,<br />
como todo materialismo, já refutado com séculos,<br />
de antecedência.<br />
É verdade que Marx, no tempo da "Ideologia alemã",<br />
obra pouco lida e conhecida <strong>dos</strong> marxistas, tinha uma