Mário Ferreira dos Santos - O problema social - iPhi
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MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
ce. Pode, com espírito de turista, embriagar-se até com<br />
belezas que o novo regime tenha realizado. Seria ingénuo<br />
acreditar que em quarenta e tantos anos nada se tivesse<br />
feito na Rússia.<br />
O turista não vai às favelas, à miséria <strong>dos</strong> bairros. E<br />
muito menos na Rússia, onde há lugares proibi<strong>dos</strong> em to<strong>dos</strong><br />
os cantos.<br />
Mas to<strong>dos</strong> esses argumentos seriam fracos e desinteressantes,<br />
em face do que o marxismo inevitavelmente<br />
é ab ovo: autoritarismo, absolutismo.<br />
Pode ter a Rússia tudo o que quiser, mas não tem<br />
<strong>social</strong>ismo, nem marcha para o <strong>social</strong>ismo. O <strong>social</strong>ismo<br />
só seria implantado à custa do regime bolchevista, por<br />
meio de uma grande revolução popular, que extirpasse do<br />
país os dirigentes.<br />
O marxismo não é uma doutrina <strong>social</strong>ista consequente.<br />
O <strong>social</strong>ismo implica liberdade, e a liberdade é<br />
uma perfeição que só se torna praticamente real com a<br />
própria prática. A opressão não é escola de liberdade;<br />
esta só pode surgir por oposição àquela.<br />
O ciclo dialéctico da alteridade leva-nos, marxisticamente,<br />
a considerar:<br />
Tese: o <strong>social</strong>ismo romântico, sincero, cheio de brio, e<br />
já genuinamente solidificado por ideais e práticas mais<br />
seguras;<br />
Antítese: o <strong>social</strong>ismo autoritário, prussiano, de Marx,<br />
cuja prática está atestando o que é;<br />
Síntese: será um <strong>social</strong>ismo democrático cooperacipnal,<br />
que realiza, como já o fazem, embora em parte, os<br />
800 milhões de cooperacionistas do mundo.<br />
Estes constroem o que até cr f ão era considerado impossível,<br />
sem a intervenção do Estado, e pela exclusiva<br />
O PROBLEMA SOCIAL 59<br />
acção <strong>dos</strong> próprios trabalhadores, como verificamos em<br />
países como Suécia, Noruega, Islândia, Holanda, Dinamarca,<br />
Suíça, Inglaterra, Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, Canadá e até<br />
entre nós.<br />
Tais afirmativas, naturalmente, levam desde logo a<br />
muitas objecções por parte <strong>dos</strong> marxistas. Com seu tecnicismo<br />
verbal, desejariam demonstrar que tal é impossível.<br />
Mas trinta anos atrás também era impossível. E<br />
nessa época os cooperacionistas eram apenas uns 50 milhões.<br />
Afirmavam os marxistas que a cooperação organizada<br />
pelos trabalhadores e pelas classes populares não<br />
poderia construir, por exemplo, a exploração do petróleo,<br />
estradas de ferro, navegação, grandes indústrias, etc. As<br />
duas dezenas de companhias de petróleo, formadas sobre<br />
bases cooperativas, e de propriedade de trabalhadores,<br />
existentes nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, com sua frota de petroleiros,<br />
etc, as estradas de ferro construídas na Bélgica<br />
e na Suécia, as grandes companhias de navegação sueca<br />
e islandesas, etc, demonstram à saciedade que os marxistas<br />
são teimosamente maus profetas.<br />
São os marxistas os maiores inimigos do cooperacionismo.<br />
Para os líderes, é preciso que as massas populares<br />
não creiam em si mesmas, não confiem em sua força<br />
de organização, não realizem obras que melhorem suas<br />
condições económicas, não aprendam a administrar por<br />
si a si mesmas. Elas precisam confiar na omnisciência<br />
<strong>dos</strong> líderes, <strong>dos</strong> grandes ilumina<strong>dos</strong> da auto-suficiência,<br />
<strong>dos</strong> ideólogos sistemáticos de ciência infusa, que se julgam<br />
senhores do conhecimento e falam em tom dogmático,<br />
como se conhecessem to<strong>dos</strong> os mistérios da natureza<br />
e da vida humana.<br />
* * *<br />
Impõe-se, contudo, sermos justos com os marxistas.<br />
Teoricamente erraram e a prática os desmentiu. Mas,<br />
na verdade, as condições históricas não permitiam nem