Mário Ferreira dos Santos - O problema social - iPhi
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MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
Assim como a nobreza fêz a revolução para libertar-<br />
-se do domínio do clero, a burguesia para libertar-se da<br />
nobreza, o proletariado para libertar-se da burguesia, instalando<br />
um regime de césares, terá de fazer a revolução<br />
para libertar-se <strong>dos</strong> seus "libertadores".<br />
Dizia Nietzsche que é do destino <strong>dos</strong> alemães salvar<br />
o que está perdido. Dizia que Lutero salvara a Igreja,<br />
que deveria canonizá-lo, pois graças a sua acção, ela renasceu.<br />
Marx, também, salvou a burguesia, cuja situação<br />
ter-se-ia tornado inevitável em dias da paleotécnica, se<br />
não tivesse surgido entre os <strong>social</strong>istas a acção dissolvente<br />
e divisionista <strong>dos</strong> marxistas, poderia afirmar qualquer<br />
<strong>dos</strong> seus adversários.<br />
Sua dialéctica levou-o, fundado em parcos factos da<br />
História, a construir uma visão falsa da própria alteridade,<br />
único campo onde trabalha a dialéctica marxista,<br />
mesmo havendo muitos outros que ela esquece ou desconhece.<br />
* * *<br />
O marxismo gera internamente uma luta sem quartel<br />
pelo poder.<br />
É o que se verifica nos quadros do mais rudimentar<br />
partido comunista, em qualquer país. Esse espírito exige<br />
a desconfiança constante e a constante instabilidade<br />
<strong>dos</strong> dirigentes, ameaça<strong>dos</strong> sempre de denúncias, e por sua<br />
vez <strong>dos</strong> próprios membros menores, sempre ameaça<strong>dos</strong>.<br />
Nem Stálin sentiu-se seguro, nem Kruchev, nem seus substitutos.<br />
E seu fim, um tanto prematuro, ainda põe dúvidas,<br />
e bem fundadas, sobre a verdadeira causa de sua<br />
morte, que parece ter obedecido mais a um plano premeditado<br />
que a uma simples doença.<br />
O PROBLEMA SOCIAL<br />
Aqui há lugar para uma pausa e comentário. Stálin<br />
não podia modificar a orientação soviética. Êle era suficientemente<br />
inteligente para saber que um ditador, quando<br />
concede certas liberdades, cai fragorosamente. Morto,<br />
a Rússia poderia dar um outro passo, sem tal perigo.<br />
A morte de Stálin era necessária.<br />
Sucede, porém, que a táctica de Malenkov, e companheiros,<br />
também não trouxe grandes benefícios, e se viu<br />
forçado a guinadas de todo modo, com depurações constantes<br />
e sangrentas. Kruchev continua, e será continuado<br />
por outro, e assim até ao fim.<br />
Os bolchevistas não podem permanecer na brutalidade<br />
desenfreada, nem podem empregar a liberdade. Perdoem-nos<br />
a profecia, mas assistirá a humanidade a mais<br />
feroz carnificina que conheceu a História. Os russos<br />
aprendem há séculos a matar, brutalizar. Os discípulos,<br />
em breve, mostrarão aos mestres quanto aprenderam.<br />
Não se pense que tal seja impossível, pelo facto de o Estado<br />
soviético dispor de tanta força, como a policial, a militar,<br />
etc. Tudo isso ruirá fragorosamente, mais cedo do<br />
que se pensa ou se espera.<br />
O autoritarismo bolchevista provoca o anti-marxismo,<br />
fortalece-o. As forças contrárias crescem constantemente<br />
e, internamente, as forças de desagregação são estimuladas.<br />
No fundo de si mesmo, todo russo, até Kruchev,<br />
desejaria que tudo fosse diferente... Esse desejo já existe.<br />
Se a Rússia abrisse as fronteiras, e deixasse sair do<br />
país quem o quisesse, talvez ficassem apenas os senhores<br />
do Kremlin, e nesse "talvez" há muito ainda de dúvida.<br />
As fugas constantes, os milhares que morrem nas fronteiras,<br />
enfrentando os guardas, para alcançar um mundo onde<br />
possam respirar livremente, são um atestado insofismável.<br />
Um estrangeiro, ao visitar a Rússia, sem faro psicológico,<br />
pode não perceber tal coisa ao primeiro relan-<br />
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