Mário Ferreira dos Santos - O problema social - iPhi
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48 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
O marxismo, por exemplo, seguindo as linhas do cientificismo<br />
do século XIX, com algumas tinturas hegelianas,<br />
lidas apressada e descuidadamente (vejam-se os cadernos<br />
de dialéctica de Lenine, em suas análises primárias<br />
sobre a "Grande Lógica" de Hegel, e o seu "Materialismo<br />
e empiriocriticismo"), construiu uma visão materialista,<br />
que apesar <strong>dos</strong> esforços para não se confundir com<br />
o materialismo vulgar de um Moleschott ou de um Vogt,<br />
não pôde evitar entregar-se a todas as aporias que daí<br />
resultam. E vemos, palmarmente, os efeitos dessa herança,<br />
na polémica que se trava entre os marxistas dissidentes,<br />
que mutuamente se acusam de falsificadores da doutrina,<br />
não poupando até o próprio Engels, que já é acusado<br />
de ingenuidade...<br />
O marxismo, filosoficamente, é uma doutrina materialista.<br />
Ora, a tese fundamental do materialismo marxista<br />
é a prioridade do objecto sobre o sujeito. Na verdade,<br />
o que o marxismo quereria dizer é que há a anterioridade<br />
do mundo exterior ao homem, que é uma criação<br />
posterior àquele, ou seja, adveio depois. Dessa forma,<br />
sendo o homem producto de uma longa evolução da<br />
animalidade, a espécie (a rationalistas <strong>dos</strong> escolásticos)<br />
fica reduzida à animalidade.<br />
O homem é um animal, mas um animal que se diferenciou.<br />
E essa diferença não a nega o marxismo. Mas,<br />
afirma-a como mera consequência da evolução animal,<br />
sem qualquer intervenção de qualquer providência extra-<br />
-terrena. Os marxistas desconhecem o que seja providêncoa<br />
divina. Têm de tal termo uma visão caricatural.<br />
Combatem-na pelo modelo que dela fazem, e não compreendem<br />
que, se o homem surgiu, se acaso veio da animalidade,<br />
como um ser que se diferenciou, tal não poderia ser<br />
apenas uma obra do acaso, mas do desenvolvimento da<br />
própria ordem cósmica, que já continha portanto, essa<br />
possibilidade. Aquele ver para diante (pro e videre), in-<br />
O PROBLEMA SOCIAL<br />
dica uma providência que actua na ordem cósmica, pois,<br />
do contrário, teria surgido do nada, o que o marxismo<br />
não irá de forma alguma admitir.<br />
Neste caso, a ordem cósmica providenciou que surgisse<br />
o homem, pois se êle surgiu, foi uma possibilidade<br />
dessa ordem. Portanto, houve um momento em que o homem<br />
não era ainda actual, mas estava em potência. Ora,<br />
tal potência indica uma possibilidade, um dar-se do homem<br />
dentro da ordem cósmica, uma vidência pro.<br />
Responderia, acaso, o marxista que essa ordem cósmica<br />
é mera realização de per-si, isto é, surgiu também<br />
do nada. Não, essa ordem é intrínseca ao cosmos, dirá.<br />
De qualquer forma, há de convir que essa ordem, que se<br />
dá no cosmos, ou surgiu do acaso ou é eternamente preexistente<br />
e eternamente subsistente, ou idêntica ao próprio<br />
cosmos. Se aceita a primeira posição, cai em todas<br />
as aporias intrínsecas à concepção do acaso, já suficientemente<br />
refutada. Se aceita a eviternidade e a subsistência,<br />
reconhece que há, no cosmos, uma ordem criadora de<br />
todas as coisas, e não evitará, pelo menos, a queda no<br />
deísmo, embora não no teísmo cristão, com o perigo de<br />
tornar-se panteísta, ou admitirá que é idêntica, que se pode<br />
combinar com a segunda, e não se salvará do mesmo<br />
modo.<br />
Dessa maneira, o materialismo marxista é deísta de<br />
qualquer modo, pois se vê obrigado a dar à matéria um<br />
poder infinito de criar todas as coisas que existem, existiram<br />
ou existirão, a não ser que aceite um outro ser mais<br />
poderoso e abandone o seu monismo materialista. De<br />
uma forma ou outra, o marxismo é supinamente metafísico,<br />
pois faz uma afirmação categórica do que não tem<br />
experiência suficiente.<br />
Como sabe o marxista que é assim? Por lhe ser evidente?<br />
Mas basta a subjectividade da evidência para afirmar<br />
uma verdade? Não será apenas uma convicção?<br />
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