Mário Ferreira dos Santos - O problema social - iPhi
Mário Ferreira dos Santos - O problema social - iPhi
Mário Ferreira dos Santos - O problema social - iPhi
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
34<br />
MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
Desta forma, a análise pentadialéctica não precisa<br />
mais processar-se, de plano para plano, mas pode perfeitamente<br />
ser empreendida através da reciprocidade desses<br />
planos, que nos oferecem inúmeras sugestões e aspectos<br />
que merecem especial destaque.<br />
A reacção aos excessos do filosofismo racionalista e<br />
idealista, e do escolasticismo, gerou a chamada filosofia<br />
moderna (e empregamos escolasticismo para nos referirmos<br />
à forma viciosa que a escolástica tomou depois da<br />
reforma, após as grandes figuras desses momentos de fluxo<br />
escolástico, em que surgiram Suarez, Banez, Pereira,<br />
Fonseca, e os grandes comentadores de Tomás de Aquino,<br />
como Cayetano e João de São Tomás).<br />
Uma sequência de filósofos menores, que não estavam<br />
à altura desses mestres da escolástica, como foram<br />
Santo Anselmo, Santo Alberto Magno, São Tomás, São<br />
Boaventura e Duns Scot, etc, sequência, repetimos, de<br />
comentadores e epígonos menores, que caíram num bizantinismo<br />
de subtilezas dialécticas, puseram em descrédito,<br />
ante muitas consciências, a obra monumental realizada<br />
por aqueles gigantes da filosofia.<br />
Esse período de refluxo, que surge em dias do Renascimento,<br />
salvo algumas honrosas excepções, deu a impressão<br />
aos filósofos seculares dessa época, que a escolástica<br />
era aquilo. Os grandes autores deixaram de ser<br />
li<strong>dos</strong>, com excepção apenas de alguns estudiosos, até dentro<br />
da Igreja, e a chusma de obras menores <strong>dos</strong> epígonos<br />
inundou o mercado, e fêz assento na biblioteca de muitos<br />
autodidatas, aos quais lhes faltava a disciplina suficiente<br />
e sobretudo a suspicácia necessária para que buscassem<br />
os textos e não se ativessem às especiosas subtilezas de<br />
uma dialéctica até certo ponto duvi<strong>dos</strong>a.<br />
Os anos, que precederam e se seguiram à reforma,<br />
sabemos to<strong>dos</strong>, foram anos decisivos na História do mun-<br />
O PROBLEMA SOCIAL 35<br />
do. O desenvolvimento, no campo <strong>social</strong>, do capitalismo,<br />
as tendências individualistas, que procuravam romper as<br />
formas fechadas da economia predominante na Idade<br />
Média, predispuseram condições que facilitariam novas<br />
investigações e novos estu<strong>dos</strong>, sobretudo no campo aberto<br />
aos estu<strong>dos</strong> científicos, cujos méto<strong>dos</strong> vamos encontrá-los<br />
implícitos na obra de grandes autores cristãos, como<br />
Duns Scot, que inclui vivamente sobre Ockam, e em Galileu,<br />
através do Cardeal Nicolau de Cusa.<br />
As convulsões que trouxe a Reforma, a influência da<br />
descoberta das Américas, e o conhecimento de inúmeras<br />
formas sociais mais livres e mais harmoniosas, conhecidas<br />
no novo continente, e a cooperação <strong>dos</strong> factores emergentes<br />
e predisponentes desse período histórico, favoreceram<br />
o surto das utopias do renascimento, da construcção<br />
ficcional de muitos mo<strong>dos</strong> de vida e de organização<br />
de povos, que autores desse período preconizavam como<br />
as melhores para o homem, como a "Utopia" de Morus,<br />
a "Cidade do Sol" de Campanella, e tantos outros, como<br />
vimos.<br />
Há, na história do ocidente, factos de magna importância,<br />
que são estuda<strong>dos</strong> com menos extensidade e intensidade,<br />
a não ser por alguns interessa<strong>dos</strong>, e bem raros,<br />
mas que tiveram um relevante papel no decurso desses<br />
séculos, que antecedem ao século XVII e XIX, que merecem<br />
ser salienta<strong>dos</strong> aqui. O movimento <strong>dos</strong> cátharos,<br />
na Provence, a bulgomovitzo, na Bulgária, nos revelam a<br />
criação de muitas sociedades sob base realmente <strong>social</strong>ista,<br />
que perduraram por muito tempo, destruídas, não<br />
por corrupção interna, mas por acção de factores extrínsecos,<br />
como foi a destruição <strong>dos</strong> albigenses pelas tropas<br />
de Simon de Monfort e a bulgomovitzo pelas tropas turcas<br />
vitoriosas.<br />
A história dessas experiências sociais é importantíssima,<br />
pois esses movimentos, apesar de destruí<strong>dos</strong>, deixa-