Mário Ferreira dos Santos - O problema social - iPhi
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26 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
Não se explica a revolução francesa apenas pelas condições<br />
materiais da época, mas pela indignação ética provocada<br />
pela vida dissoluta da corte de Luís XVI, pelos<br />
escândalos que corriam, ("colar da rainha" e outros). A<br />
comuna de Paris nasceu, também, da indignação ética que<br />
provocou, no povo parisiense, a traição das forças governamentais<br />
da França, a traição e a covardia <strong>dos</strong> políticos,<br />
<strong>dos</strong> chefes militares, etc. A ameaça de Paris ser invadida<br />
pelas tropas de Bismarck indignaram o povo da capital<br />
francesa. Não que se negue a influência <strong>dos</strong> facto<br />
res materiais. Eles predispõem as condições para a in<br />
dignação ética e para a incitação à luta. As condições<br />
materiais são causas predisponentes. (Usamos a expressão<br />
causa como práxica, em sentido puramente libertário).<br />
As condições morais, éticas, são as causas emergentes.<br />
Sem uma indignação e uma incitação consequente,<br />
nenhum povo é arrastado a gestos decisivos.<br />
Esta é uma das bases biológicas da ética, no sentido<br />
que os <strong>social</strong>istas libertários a concebem.<br />
É muito comum ouvir-se entre os <strong>social</strong>istas autoritários,<br />
aqueles que julgam que o <strong>social</strong>ismo só será realizado<br />
através de uma organização autoritária, dizerem que<br />
o <strong>social</strong>ismo que acredita na realização de uma sociedade<br />
melhor pela iniciativa das próprias organizações administrativas<br />
de homens livres, reuni<strong>dos</strong> segundo suas afinidades<br />
e federa<strong>dos</strong> numa organização que será a própria<br />
sociedade humana, não tem êle o menor fundamento científico<br />
nem filosófico em suas afirmações.<br />
E dizem mais: dizem que o <strong>social</strong>ismo libertário é<br />
apenas criação de alguns filósofos ou sentimentalistas em<br />
disponibilidade que, um dia, sem a menor apreciação <strong>dos</strong><br />
factos e da História, puseram-se a sonhar com um mundo<br />
melhor, e o construíram, através desses sonhos e sô-<br />
O PROBLEMA SOCIAL 27<br />
bre esses sonhos, a ideologia que tem a mesma firmeza<br />
que os castelos construí<strong>dos</strong> no ar."<br />
Contudo, respondem os libertários, devemos frisar<br />
um facto perfeitamente observável por qualquer um. É<br />
este: enquanto os <strong>social</strong>istas libertários estudam e conhecem<br />
a obra <strong>dos</strong> autoritários, estes, num alarde de ignorância<br />
palmar, nada conhecem do pensamento libertário<br />
e, do alto de sua auto-suficiência, proclamam a inanidade<br />
das doutrinas libertárias. Não é outra coisa o que vemos<br />
nas obras de Engels, de Marx, de Lenine, de Plekanov, e<br />
muitos outros autores autoritários.<br />
Convém dizer de antemão que o <strong>social</strong>ismo libertário,<br />
em seus aspectos mais gerais, não é o producto de<br />
locubrações de filósofos, não nasceu em gabinetes, nem<br />
em longas e profundas análises de factos sociológicos ou<br />
históricos ou filosóficos. Absolutamente não. Nasce de<br />
uma indignação moral, de um desejo de justiça, de uma<br />
revolta à opressão, de um anseio de liberdade e de dignidade<br />
humana. Naturalmente, que tais expressões causam<br />
sorrisos aos autoritários. São excessivamente jocosas<br />
para eles, porque as não entendem, não as vivem,<br />
não crêem nelas." Mas os libertários prosseguem: "o <strong>social</strong>ismo<br />
libertário é velho como o homem, e sempre, em<br />
todas as épocas, teve suas manifestações mais diversas,<br />
consoante as condições técnicas e históricas da vida humana.<br />
Sempre que houve opressão, houve alguém que<br />
contra ela se rebelou, houve quem não achou justificável<br />
a opressão e que não devia ser substituída por outra, nem<br />
tampouco que o caminho da liberdade fosse o mesmo caminho<br />
da ditadura.<br />
Ora, nem to<strong>dos</strong> os escravos se rebelam contra a escravidão.<br />
Também há escravos que querem apenas mudar<br />
de senhor. Não foram esses os que construíram a<br />
opinião libertária. Libertária foi a opinião <strong>dos</strong> que, revolta<strong>dos</strong><br />
contra a opressão, quiseram destruí-la, e não<br />
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