Mário Ferreira dos Santos - O problema social - iPhi
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220 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
dades em torno de razões; ou seja, toma o nexo de realidade<br />
entre as experiências e as liga ao nexo de idealidade,<br />
que há entre as razões (eide) que nos permitem compreender<br />
os factos.<br />
Mas, o ser humano, historicamente, tem sido mais<br />
um fruto da paixão que da razão, é mais impulsionado<br />
pelas suas tendências simpatéticas e antipatéticas do que<br />
pela apreciação justa de quem consegue estar acima de<br />
seus ímpetos mais profun<strong>dos</strong>.<br />
Se passarmos os olhos pelos perío<strong>dos</strong> e fases de todo<br />
ciclo cultural, veremos patentemente o constante choque<br />
dessas polarizações e das estratificações que elas realizam<br />
no homem. Há sempre duas maneiras fundamentais<br />
de considerar o homem, o cosmos e a História, que<br />
se opõem, que se obstinam, e que se refutam, uma com<br />
a eloquência do Pathos, a outra com a eloquência do<br />
Logos.<br />
Uma usa a força da persuasão através da seducção<br />
<strong>dos</strong> argumentos afectivos, a outra a persuasão através do<br />
rigor <strong>dos</strong> argumentos lógicos.<br />
A primeira influi nas mentes tendentemente estéticas,<br />
a outra nas mentes tendentemente racionais.<br />
Há sempre, assim, na História, o entrechoque entre<br />
o dionisíaco da primeira contra o apolíneo da segunda, e<br />
a predominância de uma sobre a outra é apenas passageira,<br />
porque a alternância é constante, com seus fluxos<br />
e refluxos.<br />
No entanto, o homem é esses extremos, e os vive,<br />
com eles convive. E em cada um há, também, a alternância<br />
dessas polarizações, num entrechoque criador, porque<br />
há sempre, no que o homem faz e realiza, o testemunho<br />
das suas duas raízes opostas. Assim, na abadia de Cluny,<br />
há a expressão do apolíneo na regularidade de suas linhas,<br />
mas há o pathos do hieratismo aristocrático na ex-<br />
O PROBLEMA SOCIAL 221<br />
pressão simbólica da sua agressividade e da sua combatividade.<br />
Em Notre Dame de Paris, para muitos, há a expressão<br />
vigilante da racionalidade, mas esquecem de ver a<br />
simbólica de uma afectividade e os ímpetos da imagina<br />
ção nas quimeras que expressam desde o temor ao terror<br />
pânico, do belo ao horrível.<br />
Temos que partir de algumas evidências, que não devem<br />
ser esquecidas:<br />
1) é impossível ao homem o retorno à animalidade.<br />
Ademais essa não lhe poderia trazer nenhum benefício.<br />
Tendo perdido os instintos principais, adormeci<strong>dos</strong> ou<br />
não, as conquistas que o homem já realizou impedem-lhe<br />
que retorne pelo caminho do género.<br />
2) A Técnica e a Ciência abriram ao homem novos<br />
caminhos, e a sua superação tem de seguir o roteiro da<br />
humanidade.<br />
3) O acto humano é escalarmente alcançável, como<br />
já demonstramos, e a vigilância é o ponto de partida para<br />
as suas novas vitórias.<br />
4) Contudo, o homem não poderá negar sua origem,<br />
e na raiz de to<strong>dos</strong> os seus conhecimentos há sempre a<br />
afirmação da sua origem genérica.<br />
Consequentemente, fundando-nos na realidade humana,<br />
que é concreta, qualquer das duas polaridades extremam-se<br />
exageradamente. A posição humana mais consentânea<br />
com essa realidade é a consciência da conservação<br />
do que é dionisíaco em nós e do que é apolíneo; ou<br />
seja: a vitória do homem só pode realizar-se pela conquista<br />
constante do acto humano purificado de suas<br />
peias. As raízes genéricas oferecem os elementos experimentais,<br />
mas a intelectualidade terá de despojá-las das<br />
valorizações afectivas para alcançar uma plenitude capaz<br />
de dar um nexo de idealidade à realidade. O homem tem