Mário Ferreira dos Santos - O problema social - iPhi
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24 MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS<br />
Analisemos mais este ponto tão importante para a<br />
compreensão <strong>dos</strong> porquês das táticas <strong>dos</strong> <strong>social</strong>istas libertários.<br />
Afirmam que muitas vezes são obriga<strong>dos</strong> a<br />
penetrar no terreno da Filosofia e da Ciência, na explicação<br />
dessas duas formas de tática, porque a Ciência e a<br />
Filosofia vêm em seu abono e justificam poderosamente<br />
o acerto de suas opiniões.<br />
Há, na Biologia, um fenómeno que não se observa na<br />
Mecânica. É o da "incitação". Todo ser vivo é incitável,<br />
isto é, uma força exterior não produz uma acção à<br />
acção impulsionadora, como, por exemplo, uma bola de<br />
bilhar, impulsionada contra outra, transmite à segunda,<br />
no início, a mesma força que ela tem. No ser vivo, a<br />
incitação pode produzir efeitos maiores. O impulsionado<br />
pode realizar mais do que a força que o impulsiona.<br />
Nesse fenómeno biológico da incitação, colocam os<br />
libertários uma das bases da ética. É uma comprovação<br />
do valor, da eficiência <strong>dos</strong> impulsos éticos. O homem é<br />
um animal ético e, por ser ético, é que é homem. É o<br />
homem um ser, como biológico, sujeito à incitação, e esta,<br />
na verdade, é um aproveitamento de energias guardadas,<br />
que podem brotar a um impulso e superar esse impulso.<br />
Quando Kropotkine fundamentou o apoio-mútuo como<br />
base de sociabilidade <strong>dos</strong> seres vivos, verificável até<br />
nos animais de rapina, em certas circunstâncias, fundamentou<br />
êle a ética num facto de economia animal e até<br />
biológico. Mas Kropotkine ainda não havia visto tudo.<br />
É que, pela incitação, pode o homem ser levado a mais<br />
do que normalmente pode realizar.<br />
Nos próprios animais se verifica o poder da incitação,<br />
como nos cães, cavalos, animais de carga. A incitação<br />
pode levá-los a ir além de si mesmo, é o que se verifica<br />
sobremaneira nos cães e animais de corrida. Todo<br />
o ser vivo, sendo suscetível de um aumento de suas<br />
O PROBLEMA SOCIAL 25<br />
reacções, é por isso incitável. O brio, por exemplo, quando<br />
explorado nos cavalos de corrida, realiza verdadeiros<br />
milagres e não poucas vezes se tem visto esses animais<br />
realizarem muitíssimo além de suas próprias possibilidades,<br />
chegando até à morte violenta, após um esforço inaudito.<br />
Tais factos, que o mundo animal nos mostra, é mais<br />
evidente entre os homens. Quem não fêz ainda dessas<br />
experiências junto às crianças, aos jovens, aos homens em<br />
suas lutas, em seus combates, na guerra? Quem desconhece,<br />
por exemplo, o poder de incitação das palavras nos<br />
comícios, nos combates, etc?<br />
É nessa potencialidade do homem, que eles colocam<br />
também um valor ético e fundamentam a ética. O homem<br />
pode ser incitado ao bem como ao mal, pode realizar<br />
além de seus impulsos naturais, e pode realizar muito<br />
mais, e mais intensamente, aquilo para o qual tem tendências<br />
naturais. Tais factos são tão comezinhos na vida<br />
quotidiana, que não necessitam provas, porque cada um<br />
as encontra facilmente.<br />
As condições materiais podem gerar determinada<br />
consciência. O marxismo, em sua interpretação, não está<br />
errado, mas não contém toda a verdade. Além da formação<br />
dessa consciência, que é um reflexo das situações<br />
de ordem material, a incitação pode levar a formar uma<br />
consciência potencialmente maior, e pode actualizar-se<br />
em actos que superam as causas, porque podem congregar<br />
forças latentes e despertar outras. Não é o homem<br />
um ser autómato, mas um ser biológico, cujas reacções<br />
não são apenas as físicas.<br />
Se bem estudada a História, verifica-se facilmente<br />
que os momentos de indignação moral levam os oprimi<strong>dos</strong><br />
a gestos mais decisivos que as simples razões de ordem<br />
puramente material.<br />