19.04.2013 Views

A aceitação das Diferenças ou a História do Patinho Feio

A aceitação das Diferenças ou a História do Patinho Feio

A aceitação das Diferenças ou a História do Patinho Feio

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

A <strong>aceitação</strong> <strong>das</strong> <strong>Diferenças</strong> <strong>ou</strong> a <strong>História</strong> <strong>do</strong> <strong>Patinho</strong> <strong>Feio</strong><br />

Enquanto a pata choc<strong>ou</strong> os ovos, nada fazia prever que não seriam exactamente iguais os<br />

patinhos que iam nascer. Quan<strong>do</strong> eles começaram a sair <strong>do</strong> ovo, sentiu-se embevecida com a<br />

beleza da sua ninhada. Mas essa alegria foi perturbada pelo aparecimento de um patinho<br />

diferente. Em vez de amarelo, como os <strong>ou</strong>tros, era cinzento, desgrenha<strong>do</strong>, nada bonito. O seu<br />

espanto não tinha limites. Como podia ser? Dos seus ovos sempre tinham nasci<strong>do</strong> patinhos<br />

perfeitos e bonitos! Aquele patinho feio não podia ser seu. Alguma coisa de estranho acontecera,<br />

mas seu não era de certeza e, como tal, não poderia ser trata<strong>do</strong> como os <strong>ou</strong>tros.<br />

Os patinhos amarelos, acaba<strong>do</strong>s de nascer, não sabiam ainda distinguir as cores. Não era<br />

muito importante para eles se a cor da penugem que traziam era cinzenta <strong>ou</strong> amarela. Que<br />

interessava? Desde que s<strong>ou</strong>besse brincar, tu<strong>do</strong> estaria bem. Mas a mãe já não pensava assim…<br />

seu não era, tinha a certeza. Ela nunca iria dar origem a um ser tão imperfeito. Nunca <strong>ou</strong>vira falar<br />

que, nos seus antepassa<strong>do</strong>s h<strong>ou</strong>vesse alguém daquela cor <strong>ou</strong> com aquela ausência de beleza e<br />

formosura. Alguém lhe fora misturar um ovo estranho aos <strong>ou</strong>tros que pusera com tanto cuida<strong>do</strong>.<br />

E, sem reparar, aquecera-o, protegera-o, chocara-o como aos seus. Mas aceitá-lo! Nem era pato<br />

digno desse nome. Nunca seria capaz de o aceitar. Alguém lhe pregara uma partida! Não havia<br />

lugar para ele no seu coração.<br />

Esta rejeição que sentia pelo patinho cinzento levava-a a ter uma atitude diferente em<br />

relação a ele. Tentava escondê-lo, colocá-lo em lugar discreto, distanciá-lo: não conseguiu<br />

assumir a sua diferença.<br />

Os <strong>ou</strong>tros animais adultos da capoeira, quan<strong>do</strong> o avistaram, fizeram troça dele. A sua<br />

fealdade destacava-se <strong>do</strong> conjunto <strong>do</strong>s patinhos. Riram à gargalhada.<br />

Os patinhos pequenos perceberam que os adultos, incluin<strong>do</strong> a sua mãe, não tinham<br />

consideração por aquele seu irmão diferente. Alguma coisa má e condenável havia nele que<br />

levava a sua mãe, tão terna e atenciosa, a tratá-lo daquela forma. E os <strong>ou</strong>tros, a galinha, o galo, o<br />

peru eram animais respeitáveis. O mal era <strong>do</strong> pato cinzento, estava visto. E puseram-no de la<strong>do</strong>.<br />

O patinho cinzento, sentin<strong>do</strong>-se rejeita<strong>do</strong> e despreza<strong>do</strong>, fic<strong>ou</strong> triste. Não conseguiu lutar<br />

contra a injustiça com que estava a ser trata<strong>do</strong>. Aceit<strong>ou</strong> com submissão inferioridade que lhe<br />

atribuíram e saiu <strong>do</strong> convívio daquele galinheiro…<br />

Nas suas andanças foi muitas vezes rejeita<strong>do</strong>. Algumas vezes acolhi<strong>do</strong>, mas sempre por<br />

favor, por p<strong>ou</strong>co tempo. Nunca encontr<strong>ou</strong> lugar onde fosse trata<strong>do</strong> com igualdade, onde a sua<br />

diferença, a sua cor parda, a penugem desgrenhada, os seus movimentos desengonça<strong>do</strong>s fossem<br />

respeita<strong>do</strong>s. Onde não lhe exigissem que tivesse penas amarelas e macias e um corpo<br />

harmonioso nas suas curvas.<br />

Fic<strong>ou</strong> sozinho muitas vezes, pass<strong>ou</strong> fome e frio. Foi afasta<strong>do</strong>, escorraça<strong>do</strong>, maltrata<strong>do</strong>.<br />

Às vezes, via <strong>ou</strong>tras aves e admirava, embeveci<strong>do</strong>, a sua beleza, a elegância com que<br />

esvoaçavam, a harmonia com que, em ban<strong>do</strong>s, se afastavam daquela região onde o frio estava a<br />

chegar. Como desejava pertencer a um grupo, sentir-se acompanha<strong>do</strong>, partilhar as suas ideias e<br />

os seus pensamentos, trocar impressões, repartir o alimento, aconchegar-se a alguém…


Apesar de sentir a p<strong>ou</strong>co e p<strong>ou</strong>co mais força e que o seu corpo crescia, a sua timidez<br />

nunca o deix<strong>ou</strong> procurar amigos. A experiência que tinha <strong>do</strong>s seus primeiros anos de vida fora<br />

muito traumatizante. Sentia perigo em qualquer aproximação. Assim, quan<strong>do</strong> o Inverno cheg<strong>ou</strong>,<br />

procur<strong>ou</strong> arranjar um abrigo que o protegesse <strong>do</strong> frio e, com grande sacrifício e solidão, conseguiu<br />

sobreviver.<br />

Quan<strong>do</strong> a Primavera cheg<strong>ou</strong>, viu aproximar-se, a certa altura, umas aves de grande<br />

formosura. Assust<strong>ou</strong>-se, quis fugir. Iam troçar dele, bater-lhe… Quan<strong>do</strong> os <strong>ou</strong>tros se lhe dirigiram,<br />

tratan<strong>do</strong>-o como irmão, não entendeu. Irmão como? Daquelas criaturas tão formosas! Perante a<br />

sua incredibilidade, os <strong>ou</strong>tros levaram-no à beira da água para que se mirasse. E descobriu,<br />

atónito, a transformação que se operara em si. A imagem reflectida mostrava-lhe um elegante<br />

cisne, duma beleza inigualável. Então, por isso, era diferente <strong>do</strong>s patinhos amarelos!<br />

Agora, festeja<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s, não se senti muito à vontade. Tanto fora escorraça<strong>do</strong> que era<br />

difícil habituar-se a ser estima<strong>do</strong>. Mas uma grande felicidade o invadia, por ter companhia, por a<br />

sua solidão ter acaba<strong>do</strong>, por poder voar com os <strong>ou</strong>tros. Mais <strong>do</strong> que a beleza, era o convívio com<br />

os <strong>ou</strong>tros que o fazia feliz.<br />

A <strong>História</strong> <strong>do</strong> <strong>Patinho</strong> <strong>Feio</strong> tem um final feliz. Não porque alguém aceitasse a sua<br />

diferença, apenas porque se torn<strong>ou</strong> bonito.<br />

Ao longo da sua história, o ser diferente, o estar em minoria, foi motivo para ser rejeita<strong>do</strong> e<br />

marginaliza<strong>do</strong>. Os patinhos pequenos aprenderam com os adultos a não o aceitarem.<br />

O <strong>Patinho</strong> <strong>Feio</strong> deprimiu-se e isol<strong>ou</strong>-se. Podia ter-se revolta<strong>do</strong> e reagi<strong>do</strong> com<br />

agressividade às agressões que recebia. Podia ter-se junta<strong>do</strong> a <strong>ou</strong>tros revolta<strong>do</strong>s, formar um<br />

ban<strong>do</strong>, ter comportamentos marginais. Mas não. Fic<strong>ou</strong> sozinho até que os seus iguais o<br />

descobriram.<br />

São sempre os adultos que induzem, nas crianças, os conceitos de rejeição e desprezo<br />

pelas pessoas que são diferentes. Ensinam, principalmente pelos seus actos e pelos seus<br />

comentários, que há certas diferenças não aceitáveis que justificam a marginalização e rejeição<br />

pelos <strong>ou</strong>tros.<br />

As crianças, à partida, estão disponíveis para se relacionar coma as <strong>ou</strong>tras crianças. Não<br />

contam as cores da pele, as formas <strong>ou</strong> disformas <strong>do</strong> corpo, o grau maior <strong>ou</strong> menor de capacidade<br />

intelectual. Conta que o <strong>ou</strong>tro queira partilhar a brincadeira, jogar à bola, ao pião, <strong>ou</strong> conversar.<br />

São as atitudes <strong>do</strong>s adultos, principalmente de família, que levam as crianças a usar juízos de<br />

valor conforme as aparências. Não são ensina<strong>das</strong>, <strong>ou</strong> são-no p<strong>ou</strong>co, a valorizar os conceitos de<br />

bondade, de amor e de justiça. E, assim, quan<strong>do</strong> crescem, vão ten<strong>do</strong> gradualmente mais<br />

dificuldade na <strong>aceitação</strong> <strong>do</strong> <strong>ou</strong>tro que é diferente e, como tal, para rejeitar. Não chegam a<br />

conhecê-lo, não entram na sua intimidade, não descobrem se, para além da aparência, há <strong>ou</strong>tros<br />

valores, <strong>ou</strong>tras qualidades que o tornam respeitável. Não dão tempo a que surja a beleza<br />

escondida pela penugem cinzenta <strong>do</strong> <strong>Patinho</strong> <strong>Feio</strong>.<br />

Revista Rua Sésamo, Guia de pais, 1995.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!