ENTRE CHEGADAS E PARTIDAS: DINÂMICAS DAS ROMARIAS ...
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CORDEIRO, Maria Paula J. Entre chegadas e partidas: dinâmicas das romarias em Juazeiro do Norte 78 constituiu em tendência de análise, a partir da construção de um modelo para compreensão da experiência peregrina fundado no indivíduo e na perspectiva de suspensão da estrutura social de origem dos participantes. O modelo turneriano considera que a peregrinação permitiria aos envolvidos despirem-se de sua persona social (estrutura) para viver a experiência religiosa em comunhão com outros indivíduos e em contato com sua essência individual, retornando transformados para a comunidade de origem. (TURNER, V.; TURNER, E., 1978). Para esses autores, não só os ritos de passagem são liminares, mas todos os espaços e momentos que, dentro do processo social, oferecem possibilidades de desenvolvimento, transição e mudança também o são. Nessa leitura, a peregrinação funcionaria como um momento de desligamento do mundo onde, ao mesmo tempo o peregrino separa-se da estrutura, que o localiza socialmente, e se junta à comunidade do sagrado, onde manteria relações em contexto relativamente indiferenciado, que funcionaria como antiestrutura. Embora ainda utilizado para se pensar peregrinações, o modelo é reducionista em relação a diversidade de práticas que envolve comumente os deslocamentos religiosos. Um de seus problemas principais reside numa fixação do fenômeno, que resulta determinista no sentido de que a situação de liminaridade sempre se desdobraria em situação de communitas. Não é assim que acontece em Juazeiro do Norte, não numa perspectiva determinista, ou seja, acontecem situações de communitas, mas são limitadas a contextos específicos de pequena duração durante a romaria, como em situações de alimentação, quando, em alguns grupos, a comida é dividida por todos de forma igualitária. Na maior parte dos grupos observados, por exemplo, há reprodução das hierarquias sociais de origem em vários momentos, como por exemplo na distribuição dos espaços no interior do rancho e na orientação dos grupos em relação às atividades, geralmente realizadas de forma a espelhar e tronar perceptíveis situações de poder originadas no contexto familiar. A esse respeito, um dos pontos que merecem maior discussão refere-se à noção de homogeneidade na communitas. É quase ingênuo pensar essa inversão
CORDEIRO, Maria Paula J. Entre chegadas e partidas: dinâmicas das romarias em Juazeiro do Norte 79 da heterogeneidade das condições sociais de origem dos participantes, para um arranjo homogêneo das relações na condição peregrina. Provavelmente isso funciona bem ao se pensar as condições da peregrinação medieval penitencial, quando havia uma autoridade eclesiástica que destituía, de forma ritualizada, o penitente de sua condição social. Mas, mesmo ali, quando já se realizavam peregrinações por motivações que não penitenciais, a condição de homogeneidade característica da comunidade igualitária e em oposição à sociedade hierarquicamente estruturada de origem precisa ser revista. A partir da progressiva diferenciação de serviços de recepção e apoio nas peregrinações ao longo da Idade Média, a experiência peregrina passou a ser vivida de forma heterogênea, de acordo com as condições monetárias do participante. Viajar em diferentes condições de acesso a hospedagem e serviços diversos favorece experiências diferenciadas, inclusive de interação. Em muitos casos, como o estudado por Sallnow (1987), no Peru, as configurações sociais manifestadas nas devoções andinas mantinham relações sociais, políticas e econômicas que permaneciam estruturadas e não só não havia suspensão na hierarquia das relações sociais de origem durante a peregrinação, como essa hierarquia era reforçada pelos participantes do evento. Outro aspecto que merece destaque na discussão sobre a propriedade do conceito de communitas para as situações de peregrinação ou romarias, diz respeito à sua localização dentro do processo ritual, que supõe fase preliminar de separação e pós-liminar de agregação, nesta o indivíduo transitaria para um status mais elevado, reconhecido pela sociedade ao qual é reintegrado (VAN GENNEP, 1978; TURNER, 1974). Talvez nesse ponto seja importante perguntar, no contexto das peregrinações contemporâneas, se quando o peregrino retorna a sua sociedade de origem há uma mudança de status em relação a sua situação anterior. Nesse ponto percebo uma discrepância do modelo teórico em relação a sua possibilidade explicativa em contextos específicos. Mesmo a contagem do número de vezes que participa das romarias em Juazeiro do Norte, algumas vezes evocada como “capital sagrado”, que dimensiona a proximidade com o mito fundador não parece ser acionado pelos participantes como uma alteração em seu status em relação ao que
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considera que a peregrinação permitiria aos envolvidos despirem-se de sua persona<br />
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indivíduos e em contato com sua essência individual, retornando transformados para<br />
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Para esses autores, não só os ritos de passagem são liminares, mas todos<br />
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desenvolvimento, transição e mudança também o são. Nessa leitura, a peregrinação<br />
funcionaria como um momento de desligamento do mundo onde, ao mesmo tempo o<br />
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Não é assim que acontece em Juazeiro do Norte, não numa perspectiva<br />
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