ENTRE CHEGADAS E PARTIDAS: DINÂMICAS DAS ROMARIAS ...
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CORDEIRO, Maria Paula J. Entre chegadas e partidas: dinâmicas das romarias em Juazeiro do Norte 70 vida medieval não oferecia muitas possibilidades de vivenciar experiências distintas das duras tarefas que eram realizadas no cotidiano - geralmente monótono e estritamente controlado. Em suas vidas cotidianas não havia privacidade, nas vilas medievais todos se conheciam. Além das motivações virtualmente religiosas, havia uma curiosidade de conhecer novos lugares e experimentar coisas novas. Poucas pessoas viajavam para além dos limites do lugar onde nasceram e uma peregrinação consistia numa oportunidade de conhecer novos horizontes. Embora frequentemente se convertessem em deslocamentos perigosos, desconfortáveis e enfadonhos, as viagens davam aos seus participantes a oportunidade de encontrar pessoas diferentes e experienciar convivências em que todos eram estranhos. Os deslocamentos por grandes distâncias tornaram-se inseguros com o início de um período de guerras religiosas a partir da tomada de Jerusalém pelos turcos mulçumanos, no século XI, cujos resquícios perduraram até meados do século XVII. Para Levi (2005) as guerras foram desencadeadas por conta do grande número de peregrinos em circulação na Terra Santa 65 . Ao considerar que os lugares santos pertenciam à igreja cristã, seus fiéis passaram a ver os mulçumanos como adversários e, dessa forma, a retomada de Jerusalém representava também uma tentativa de conter a expansão do mundo islâmico. Segundo Frasseto (2005) o apelo às armas do Papa Urbano II em defesa do Sepulcro de Jesus foi acolhido de forma entusiasmada e teria inspirado camponeses e cavaleiros a participarem das cruzadas pela causa da Terra Santa por meio de compromisso estabelecido com o sagrado e levando-os a atuar em guerras sancionadas e apoiadas pelo Papa, dirigida contra os “inimigos de Cristo.” Nelas, os participantes utilizavam a insígnia de uma cruz amarela, que os distinguia como guerreiros de Cristo. Os esforços foram bem recebidos pela Igreja quando Urbano II concedeu indulgência plenária - corresponde à remoção total da pena temporal devida pelos pecados - ao exército que foi vitorioso na retomada de Jerusalém, inclusive aos que 65 O autor aponta um levantamento que dava conta de sete mil peregrinos em Jerusalém no ano de 1064.
CORDEIRO, Maria Paula J. Entre chegadas e partidas: dinâmicas das romarias em Juazeiro do Norte 71 morreram na cruzada. Para Turner (1978), esse foi um fator que influenciou o crescimento de importância das peregrinações. A Igreja passou a investir na construção de novos santuários para atrair peregrinos e oferecer indulgências em troca de donativos 66 para essas construções. A presença dos peregrinos também era desejável porque era costume a realização de donativos em ouro, gemas preciosas e dinheiro, em sinal de gratidão por graças alcançadas. Só na França existiam mais de mil centros de peregrinação no final da Idade Média (GERSON, 1995). Apesar das Cruzadas terem sido classificadas por historiadores em número de oito, elas passaram a acontecer de forma contínua (LEVI, 2005), quando o movimento voltou sua atenção para regiões não cristãs da Europa, especificamente na região Ibérica mulçumana (atual Espanha), e a região pagã do Báltico. Naquele contexto, o deslocamento para lugares sagrados, mesmo que para guerrear, colocava os cruzados na condição de peregrinos. É importante considerar que, a partir do século XI, se instaura um período de crise e dissolução do sistema feudal, associado a um contexto de transformações estruturais rápidas e profundas na sociedade ocidental. O quadro populacional era excedente e havia um cenário generalizado de fome e miséria que ameaçava celeiros, castelos e terras da Igreja. É essa força de batalha que será mobilizada pela Igreja, na congruência de interesses entre esta e os senhores feudais (BARBEIRO, 1984). As Cruzadas tiveram um importante papel econômico no desenvolvimento do comércio europeu, na expansão de fronteiras e no intercâmbio cultural, científico, artístico e filosófico entre o oriente e o ocidente embora esse processo já estivesse em andamento anteriormente (BALCKMAN,1995). Essas interações também tiveram seu lugar na disseminação do grande surto de peste bubônica na Europa no século XIV e em outros pequenos surtos até o século XVI. Turner (1978) assinala que as 66 Como aponta Pe. Antonio Vieira (1854, p. 162) “No anno [sic] de 1517 mandou o Papa Leão X promulgar Jubileu, e larguissimas indulgencias a todos os que concorressem com certa esmola para a guerra contra os turcos e fabrica do Templo Vaticano de São Pedro”.
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morreram na cruzada. Para Turner (1978), esse foi um fator que influenciou o<br />
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troca de donativos 66 para essas construções. A presença dos peregrinos também<br />
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existiam mais de mil centros de peregrinação no final da Idade Média (GERSON,<br />
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na região Ibérica mulçumana (atual Espanha), e a região pagã do Báltico. Naquele<br />
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É importante considerar que, a partir do século XI, se instaura um período<br />
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estruturais rápidas e profundas na sociedade ocidental. O quadro populacional era<br />
excedente e havia um cenário generalizado de fome e miséria que ameaçava<br />
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As Cruzadas tiveram um importante papel econômico no desenvolvimento<br />
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em andamento anteriormente (BALCKMAN,1995). Essas interações também tiveram<br />
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XIV e em outros pequenos surtos até o século XVI. Turner (1978) assinala que as<br />
66 Como aponta Pe. Antonio Vieira (1854, p. 162) “No anno [sic] de 1517 mandou o Papa Leão X<br />
promulgar Jubileu, e larguissimas indulgencias a todos os que concorressem com certa esmola para<br />
a guerra contra os turcos e fabrica do Templo Vaticano de São Pedro”.