ENTRE CHEGADAS E PARTIDAS: DINÂMICAS DAS ROMARIAS ...
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CORDEIRO, Maria Paula J. Entre chegadas e partidas: dinâmicas das romarias em Juazeiro do Norte 66<br />
Para entender a relação da peregrinação com a penitência no contexto<br />
medieval e sua repercussão na prática da peregrinação cristã do período pós-<br />
medieval, e que mantém aspectos dessa ligação até hoje, é preciso revisitar o papel<br />
e importância da noção de pecado no Cristianismo.<br />
Segundo Hattstein (2000) o Cristianismo é a única das grandes correntes<br />
religiosas monoteístas que associa o mal à idéia de pecado original, agregando a<br />
noção de que a desordem, o mal e o sofrimento do mundo estão relacionados ao<br />
abuso da liberdade humana de escolher, e dando ao homem inclusive a liberdade de<br />
afastar-se de Deus e “perder-se”. É aí que entra o papel salvador de Jesus Cristo:<br />
através de seu sacrifício, ele redime a humanidade do pecado e promove a<br />
reconciliação com Deus, livrando o homem do fogo eterno do inferno. O sacrifício de<br />
Cristo é a condição de salvação do homem, assim como a concordância do fiel com<br />
a doutrina da Igreja. Nessa lógica, a relação entre pecado e perdão passa pelo<br />
sacrifício. Esse modelo será determinante, tanto na instituição das ordens de<br />
penitentes na Idade Média, como no surgimento das chamadas peregrinações<br />
penitenciais.<br />
O processo de reconciliação do pecador com Deus e com a Igreja, tendo em<br />
vista a sua salvação, tinha início com o sacramento da confissão, que supunha uma<br />
penitência 57 , ou seja, através da confissão do pecado, o indivíduo se submetia a uma<br />
penalidade que lhe era imposta. De acordo com Zilles (1995), até o século IV não<br />
havia uniformidade na prática de penitência e os fiéis só acorriam à Igreja quando<br />
haviam cometido pecados graves 58 e manifestos. Contudo, entre o século IV e VI é<br />
estabelecida uma regulamentação para o exercício da prática penitencial 59 que<br />
57 O sacramento também é chamado de penitência, sendo a confissão parte não dissociada do rito.<br />
Ao confessar-se o “pecador” já está submetido à penitência.<br />
58 Para Miranda (1978), nos primeiros três séculos havia certa fluidez na distinção entre pecados<br />
leves (perdoados por meio da oração pessoal, do jejum, das boas obras, da prática de oferecer<br />
esmolas) e os pecados graves (idolatria, adultério, homicídio, apostasia, heresia, além dos pecados<br />
mortais: inveja, cobiça, orgulho, preguiça, gula, luxúria e ira) que eram submetidos a penitências mais<br />
rigorosas.<br />
59 Nesse período, “as obrigações penitenciais são de três tipos: gerais: os penitentes devem levar a<br />
vida mortificada, jejuar, dar esmolas, abster-se de comer carnes; rituais: devem receber a imposição<br />
das mãos na quaresma, rezar de joelhos nas reuniões da comunidade, transportar e sepultar os<br />
defuntos; penitenciais ou “interditos” (algumas delas continuavam em vigor mesmo depois da