ENTRE CHEGADAS E PARTIDAS: DINÂMICAS DAS ROMARIAS ...

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19.04.2013 Views

CORDEIRO, Maria Paula J. Entre chegadas e partidas: dinâmicas das romarias em Juazeiro do Norte 58 utilizando a noção de “estrutura peregrina” costuma render uma discussão profícua já que a realização de peregrinações tem sido uma prática recorrente nas religiões do mundo, desde tempos remotos. Por sua dimensão diversificada, oferece um amplo lastro de possibilidades de inferência em relação a contextos semelhantes de fluxos religiosos. Uma peregrinação no sentido de per agros do latim, ou seja, pelos campos 30 , é uma viagem realizada por seguidor de uma dada religião a um lugar reputado como sagrado. Exemplos não faltam, desde as peregrinações dos egípcios a Siwa, dos gregos a Delfos 31 ; passando pelos judeus a Jerusalém 32 ; pelos mulçumanos a Meca 33 ; pelos hindus ao Ganges em Benares 34 ; pelos xiitas a Kerbala 35 ou Samarra 36 , pelos católicos a Santiago de Compostela, Lourdes 37 e 30 Refere-se ao deambular pelos campos nos moldes dos deslocamentos religiosos medievais, envolvendo percursos a pé de grande extensão por zonas rurais que intercalam um ponto e outro da trajetória. 31 Os deslocamentos para o oásis de Siwa ou para a Ilha de Delfos relacionavam-se a consultas oraculares aos deuses no mundo antigo. Em Siwa localizava-se o oráculo do deus egípcio Amon e em Delfos o oráculo do deus romano Apolo, este, de acordo com Brandão (2003), resultante de um vasto sincretismo e profunda elaboração mítica. 32 O Muro das Lamentações, situado em Jerusalém, é o único vestígio do muro construído por Herodes em torno do Monte Moriá, onde Abraão e Jacó realizavam rituais de holocausto. É considerado o lugar mais sagrado do Judaísmo. Teria sido naquele lugar que Abraão preparou seu filho Isaac para o sacrifício e onde o rei Salomão construiu o primeiro templo. (GÊNESIS [22], 1982). 33 Conhecida pelos mulçumanos como Hajj, a peregrinação a Meca deve ser realizada pelo menos uma vez na vida por todo mulçumano adulto que possa arcar com as despesas de deslocamento e goze de saúde. Há uma data específica para a realização do Hajj e é seguido o calendário islâmico, que difere do calendário ocidental. Trata-se de um calendário lunar, no qual cada mês começa quando o crescente lunar aparece pela primeira vez, após o pôr-do-sol. Por isso a correspondência da data do Hajj com o calendário ocidental muda todos os anos, já que o ano islâmico, embora possua doze meses, possui um número menor de dias no total. A peregrinação realizada fora do período do Hajj, não o substitui. Ao aproximar-se de Meca, o peregrino assume um estado de consagração e formula o sentido e a forma de sua peregrinação, embora se submeta a uma seqüência ritual estabelecida, que tem por objetivo rememorar e evocar passagens da vida de Hagar (segunda mulher de Abraão) e do próprio Abraão (HATTSTEIN, 2000). 34 Hindus ortodoxos acreditam na pureza divina das águas do Rio Ganges. Mergulhar neste rio ou beber sua água é uma prática associada à esperança de escapar do ciclo de reencarnações e alcançar diretamente a salvação. Há várias festas balneares que atraem peregrinos ao longo do ano, além daqueles que se deslocam com o intuito de morrer às margens do rio (HATTSTEIN, 2000). 35 Karbala é um marco na separação entre sunitas e xiitas no mundo islâmico. Naquela cidade ocorreu uma batalha entre Hussein e seus seguidores e os sunitas, que aceitavam que a liderança dos mulçumanos poderia ser dada a não descendentes de Mohamed (PINTO, 2005). 36 Peregrinos xiitas consideram Samarra uma cidade santa, pois possui dois santuários, dos doze dedicados aos Imames (designação dada aos principais líderes religiosos do Islã). Desde a queda do regime de Saddam Hussein houve renovado estimulo para peregrinação à Samarra, em homenagem ao Aiatolá Mohammed Baqr al-Sadr, supostamente morto pelo regime de Hussein, em 1980, por ter se negado a emitir um édito religioso para apoiar políticas do partido Baath, ao qual pertencia Hussein. Desde então, peregrinações àquela cidade iraquiana estavam proibidas pelo regime político vigente.

CORDEIRO, Maria Paula J. Entre chegadas e partidas: dinâmicas das romarias em Juazeiro do Norte 58<br />

utilizando a noção de “estrutura peregrina” costuma render uma discussão profícua<br />

já que a realização de peregrinações tem sido uma prática recorrente nas religiões<br />

do mundo, desde tempos remotos. Por sua dimensão diversificada, oferece um<br />

amplo lastro de possibilidades de inferência em relação a contextos semelhantes de<br />

fluxos religiosos.<br />

Uma peregrinação no sentido de per agros do latim, ou seja, pelos<br />

campos 30 , é uma viagem realizada por seguidor de uma dada religião a um lugar<br />

reputado como sagrado. Exemplos não faltam, desde as peregrinações dos egípcios<br />

a Siwa, dos gregos a Delfos 31 ; passando pelos judeus a Jerusalém 32 ; pelos<br />

mulçumanos a Meca 33 ; pelos hindus ao Ganges em Benares 34 ; pelos xiitas a<br />

Kerbala 35 ou Samarra 36 , pelos católicos a Santiago de Compostela, Lourdes 37 e<br />

30 Refere-se ao deambular pelos campos nos moldes dos deslocamentos religiosos medievais,<br />

envolvendo percursos a pé de grande extensão por zonas rurais que intercalam um ponto e outro da<br />

trajetória.<br />

31 Os deslocamentos para o oásis de Siwa ou para a Ilha de Delfos relacionavam-se a consultas<br />

oraculares aos deuses no mundo antigo. Em Siwa localizava-se o oráculo do deus egípcio Amon e<br />

em Delfos o oráculo do deus romano Apolo, este, de acordo com Brandão (2003), resultante de um<br />

vasto sincretismo e profunda elaboração mítica.<br />

32 O Muro das Lamentações, situado em Jerusalém, é o único vestígio do muro construído por<br />

Herodes em torno do Monte Moriá, onde Abraão e Jacó realizavam rituais de holocausto. É<br />

considerado o lugar mais sagrado do Judaísmo. Teria sido naquele lugar que Abraão preparou seu<br />

filho Isaac para o sacrifício e onde o rei Salomão construiu o primeiro templo. (GÊNESIS [22], 1982).<br />

33 Conhecida pelos mulçumanos como Hajj, a peregrinação a Meca deve ser realizada pelo menos<br />

uma vez na vida por todo mulçumano adulto que possa arcar com as despesas de deslocamento e<br />

goze de saúde. Há uma data específica para a realização do Hajj e é seguido o calendário islâmico,<br />

que difere do calendário ocidental. Trata-se de um calendário lunar, no qual cada mês começa<br />

quando o crescente lunar aparece pela primeira vez, após o pôr-do-sol. Por isso a correspondência<br />

da data do Hajj com o calendário ocidental muda todos os anos, já que o ano islâmico, embora<br />

possua doze meses, possui um número menor de dias no total. A peregrinação realizada fora do<br />

período do Hajj, não o substitui. Ao aproximar-se de Meca, o peregrino assume um estado de<br />

consagração e formula o sentido e a forma de sua peregrinação, embora se submeta a uma<br />

seqüência ritual estabelecida, que tem por objetivo rememorar e evocar passagens da vida de Hagar<br />

(segunda mulher de Abraão) e do próprio Abraão (HATTSTEIN, 2000).<br />

34 Hindus ortodoxos acreditam na pureza divina das águas do Rio Ganges. Mergulhar neste rio ou<br />

beber sua água é uma prática associada à esperança de escapar do ciclo de reencarnações e<br />

alcançar diretamente a salvação. Há várias festas balneares que atraem peregrinos ao longo do ano,<br />

além daqueles que se deslocam com o intuito de morrer às margens do rio (HATTSTEIN, 2000).<br />

35 Karbala é um marco na separação entre sunitas e xiitas no mundo islâmico. Naquela cidade<br />

ocorreu uma batalha entre Hussein e seus seguidores e os sunitas, que aceitavam que a liderança<br />

dos mulçumanos poderia ser dada a não descendentes de Mohamed (PINTO, 2005).<br />

36 Peregrinos xiitas consideram Samarra uma cidade santa, pois possui dois santuários, dos doze<br />

dedicados aos Imames (designação dada aos principais líderes religiosos do Islã). Desde a queda do<br />

regime de Saddam Hussein houve renovado estimulo para peregrinação à Samarra, em homenagem<br />

ao Aiatolá Mohammed Baqr al-Sadr, supostamente morto pelo regime de Hussein, em 1980, por ter<br />

se negado a emitir um édito religioso para apoiar políticas do partido Baath, ao qual pertencia<br />

Hussein. Desde então, peregrinações àquela cidade iraquiana estavam proibidas pelo regime político<br />

vigente.

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