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ENTRE CHEGADAS E PARTIDAS: DINÂMICAS DAS ROMARIAS ...

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CORDEIRO, Maria Paula J. Entre chegadas e partidas: dinâmicas das romarias em Juazeiro do Norte 35<br />

No final dos anos de 1980, comecei a enxergar mais e melhor os romeiros.<br />

Em suas homilias, transmitidas pelo rádio, Padre Murilo, o vigário da Igreja Matriz,<br />

que eu e toda a cidade conhecíamos, contribuía para isso pedindo para “receber<br />

bem os romeiros”, não explorar comercialmente, não negar-lhes água para beber,<br />

ter paciência no trânsito, dar-lhes informações corretas quando pedissem. Aquele<br />

vigário localizava-os como “povo sofrido do Nordeste”, que iam ao Juazeiro do Norte<br />

em busca de auxílio e proteção. Ao mesmo tempo, a compreensão da romaria como<br />

turismo religioso começava a tomar forma no discurso político local, sempre<br />

enfatizando o aspecto econômico da romaria e seus benefícios para a cidade.<br />

“Meu” ponto de vista foi mudando. Em paralelo, me permiti viver outras<br />

experiências religiosas fora do catolicismo, numa espécie de aprendizagem de<br />

relativização. No fundo, procurava pertencimentos num universo marcadamente<br />

espiritualizado. Tudo cheirava a religião. Enquanto o Padre Cícero estava em todos<br />

os lugares, onipresente, vigilante, olhando pra cidade desde lá, do alto da Colina do<br />

Horto 19 ou do Socorro 20 , evangélicos e kardecistas iam se inserindo na disputa por<br />

clientes fiéis.<br />

Nunca me aproximava verdadeiramente de qualquer romeiro, no sentido de<br />

estabelecer algum tipo de interação, mas já não os repudiava e os tolerava,<br />

tomando-os, numa metáfora, como aves de arribação, migrantes, sempre de<br />

passagem, sempre em fluxo, estabelecendo apenas ligações necessárias para o<br />

pouso e reabastecimento, depois de volta ao caminho. Não faziam parte da cidade.<br />

Por que fariam?<br />

Até que certo dia, fora de Juazeiro, ao me ser apresentada uma pessoa que<br />

não conhecia a cidade e tentando situá-la em relação à dimensão do lugar, conduzi<br />

a conversa sobre a romaria e o Padre Cícero e, para o meu próprio espanto horas<br />

depois, rememorei a migração dos meus pais e me autointitulei “romeira”. Naquele<br />

momento, parecia tão certo eu ser romeira, como ser mulher ou estudante<br />

19 Denominação da colina onde a estátua do Padre Cícero está fixada.<br />

20 Segundo comunidades religiosas kardecistas, o Socorro é uma cidade espiritual dirigida pelo Padre<br />

Cícero, tal como Nosso Lar, por André Luiz. Socorro também é como os locais chamam a capela<br />

onde está enterrado o corpo de Padre Cícero, sob a mesa do altar.

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