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ENTRE CHEGADAS E PARTIDAS: DINÂMICAS DAS ROMARIAS ...

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CORDEIRO, Maria Paula J. Entre chegadas e partidas: dinâmicas das romarias em Juazeiro do Norte 203<br />

passagem pelo centro comercial da cidade e segui apenas na companhia de<br />

Orlandina e Ana Lucia.<br />

Orlandina, uma morena baixinha e corpulenta de voz grave e macia, aos 62<br />

anos, já fizera a romaria a Juazeiro por 37 vezes, desde que sua mãe a trouxera<br />

pela primeira vez para pagar uma promessa relacionada ao bom andamento de uma<br />

cirurgia, realizada por motivo de complicações de um braço quebrado e lesões nos<br />

nervos (tendões). O braço, que segundo os médicos ficaria torto e com movimentos<br />

restritos, recuperara-se quase completamente, restando apenas uma cicatriz longa e<br />

afundada no antebraço esquerdo já enrugado pelo tempo e um dedo contraído, que<br />

não consegue se por ereto. Diz emocionada que se soubesse escrever fazia um livro<br />

contando sua história. Na verdade, Orlandina é alfabetizada, mas não sabe articular<br />

a escrita num texto.<br />

Filha de agricultores da zona da mata pernambucana, Orlandina perdeu a<br />

mãe muito cedo por conta de um parto complicado e teve que deixar a escola<br />

patrocinada por seus padrinhos aos 13 anos, quando fazia a terceira série do ensino<br />

fundamental para cuidar dos cinco irmãos menores. Sem a mãe, a vida endureceu,<br />

conta. Seu sonho de ser professora foi amputado pelas responsabilidades com a<br />

família, que lhe consumiram os anos de juventude. Seus padrinhos, Orlando e<br />

Catarina, donos do engenho onde o pai trabalhava e para quem a mãe servia como<br />

cozinheira, não cumpriram a promessa de financiar seus estudos, em parte porque o<br />

pai não queria que estudasse, pois precisava dela na cozinha e no cuidado familiar,<br />

principalmente de um irmão menor, que tinha nascido com deficiência mental.<br />

Quando a irmã mais nova juntou-se com um sujeito mal quisto pela redondeza e o<br />

irmão mais velho “deu para beber”, a vida tornou-se infernal. Orlandina conta que<br />

valia-se de todos os santos quando as brigas em casa começavam, mas foi no dia<br />

que o pai pegou a foice para matar o filho bêbado que ela lembrou-se de Padre<br />

Cícero, de quem havia quase esquecido e rogou sua intercessão. Seu tio, que<br />

morava noutro sítio e não costumava visitar os parentes, apareceu de repente e<br />

contornou a situação. Ainda hoje ela se arrepia quando conta a história, acha que

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