MARATONA DE LEITURA – 5º ANO - Agrupamento Vertical de Avintes
MARATONA DE LEITURA – 5º ANO - Agrupamento Vertical de Avintes
MARATONA DE LEITURA – 5º ANO - Agrupamento Vertical de Avintes
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<strong>MARATONA</strong> <strong>DE</strong> <strong>LEITURA</strong> <strong>–</strong> <strong>5º</strong> <strong>ANO</strong>
<br />
Às leitoras e aos leitores: utentes do CR/BE <br />
(alunos e alunas, professores e professoras, familiares e parceiros institucionais) <br />
<br />
<br />
O Centro <strong>de</strong> Recursos/Biblioteca Escolar do <strong>Agrupamento</strong> Adriano Correia <strong>de</strong> <br />
Oliveira, em <strong>Avintes</strong>, saúda‐vos, <strong>de</strong>sejando que todas e todos iniciem ou reiniciem <br />
um excelente ciclo <strong>de</strong> leituras. <br />
<br />
Os textos escolhidos para esta Maratona <strong>de</strong> Leitura do <strong>5º</strong> Ano são diversificados, <br />
permitindo o encontro com diversos temas. Da leitura e exploração dos mesmos é <br />
sempre possível estabelecer a ponte para a temática da Saú<strong>de</strong>, contribuindo, assim, <br />
esta activida<strong>de</strong> quer para a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> temas e <strong>de</strong> subtemas alusivos aos <br />
projectos em curso quer assumindo‐se como motivação <strong>de</strong> leitura <strong>de</strong> diferentes <br />
obras a <strong>de</strong>scobrir no CR/BE. <br />
«A Saú<strong>de</strong> vai ao CR/BE…» significa também que «a saú<strong>de</strong> está no CR/BE»: ler <br />
significa «estar vivo», «ter os olhos abertos», «ter o coração disponível», «ser feliz». <br />
<br />
<br />
O que esperamos dos alunos e das alunas mas também dos professores <br />
e das professoras? <br />
<br />
Colaboração na preparação da participação na activida<strong>de</strong>: <br />
<br />
Para po<strong>de</strong>rem participar convenientemente nesta gran<strong>de</strong> activida<strong>de</strong> <strong>–</strong> <strong>MARATONA</strong> <br />
DA <strong>LEITURA</strong> ‐ façam o seguinte: na turma, numa aula que os professores <strong>de</strong>cidam <br />
como oportuna, escolham o texto que cada um ou cada uma vem ler, ao CR/BE, na <br />
Maratona. Cada pessoa só po<strong>de</strong> ler um texto. Não po<strong>de</strong> haver repetição <strong>de</strong> leitura <strong>de</strong> <br />
textos! Há textos com sequência, pelo que um grupo <strong>de</strong> leitores <strong>de</strong>ve assegurar a <br />
leitura integral do texto. <br />
Não contem a ninguém mas saibam que há textos mais fáceis do que outros: <br />
ponham‐se na pele do «Chico Esperto» e escolham bem, <strong>de</strong> acordo com as vossas <br />
competências leitoras! Participar é bom, ler em público, no CR/BE, ainda é melhor! <br />
<br />
Presença no CR/BE: Dia, Hora e Professores Acompanhantes <br />
Devem consultar, no placard da entrada do CR/BE, o dia e a hora em que vêm ao <br />
CR/BE participar na Maratona <strong>de</strong> Leitura e, a essa hora e nesse dia, <strong>de</strong>vem dirigir‐se <br />
ao CR/BE. Para facilitar… <br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Duração da Maratona da Leitura do <strong>5º</strong> Ano <br />
A Maratona <strong>de</strong> Leitura <strong>de</strong>mora 90 minutos! <br />
<br />
<br />
Como é a Maratona da Leitura <br />
<br />
No CR/BE serão projectados os textos, que se encontram no menu do CR/BE, <br />
na página da escola. Não po<strong>de</strong>m imprimir os textos. Então, como os lêem? Po<strong>de</strong>m <br />
e <strong>de</strong>vem consultá‐los ou em casa ou no Centro <strong>de</strong> Recursos/Biblioteca Escolar: têm <br />
tempo para os estudar mas… não <strong>de</strong>ixem para a véspera, a preparação do texto e a <br />
realização das activida<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>vem fazer com os vossos familiares e amigos. É, no <br />
dia e na hora, que vêm ao CR/BE participar na Maratona, que <strong>de</strong>vem trazer <br />
convosco, o «TPC», se quiserem obter mais pontos! <br />
<br />
Ano Turma Dia Hora <br />
(<strong>de</strong>…até) <br />
Prof. <br />
Acompanhante <br />
<br />
<strong>5º</strong> A 11 Out. 8.30‐9.50 EMRC/FC <br />
<strong>5º</strong> B 11 Out. 10.10‐11.40 LP/LP <br />
<strong>5º</strong> C 11 Out. 13.35/15.05 LP/LP <br />
<strong>5º</strong> D 12 Out. 8.30/9.50 LI/LI <br />
<strong>5º</strong> E 27 Out. 10.10/11.40 EA/EA <br />
<strong>5º</strong> F 11 Out. 11.50‐13.20 EA/EA <br />
Na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nadora do CR/BE, vou realizar a Maratona convosco: cada <br />
pessoa ou grupos <strong>de</strong> pessoas serão chamados, or<strong>de</strong>nadamente, para lerem: só têm <br />
que conhecer o número do texto, só têm que estudar a sua leitura e, finalmente, só
têm que apresentar o vosso «trabalho <strong>de</strong> casa», se quiserem obter mais pontos ou <br />
seja, aproximarem‐se da meta ou alcançarem‐na. <br />
<br />
Como cada maratonista é avaliado? Quem avalia e que critérios utiliza? <br />
<br />
Numa «Maratona <strong>de</strong> Leitura», todas as pessoas lêem o texto que escolheram e <br />
prepararam‐se muito bem, porque é mesmo bom participar! <br />
<br />
Na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nadora do CR/BE e em colaboração com os vossos <br />
professores acompanhantes avaliar‐vos‐emos, <strong>de</strong> acordo com os seguintes critérios: <br />
<br />
Qualida<strong>de</strong> da leitura <br />
efectuada por cada <br />
maratonista, distribuída <br />
por cinco níveis: <br />
1. Fraco <br />
2. Não satisfaz <br />
3. Satisfatório <br />
4. Bom <br />
Qualida<strong>de</strong> do trabalho <br />
efectuado por cada <br />
maratonista e pelos seus <br />
familiares ou amigos <br />
(criativida<strong>de</strong>, <br />
originalida<strong>de</strong> e boa <br />
relação com o texto), <br />
distribuída por cinco <br />
níveis. <br />
<br />
<br />
Máximo <strong>de</strong> pontuação <br />
obtida = 10 pontos! <br />
5. Muito bom <br />
<br />
<br />
O que esperamos dos amigos e familiares dos alunos e das alunas? <br />
<br />
1. Colaboração na preparação da leitura dos textos em casa: ouçam os e as <br />
maratonistas e motivem os vossos filhos e as vossas filhas para lerem <strong>de</strong> <br />
forma exemplar o texto, que lhe compete; <br />
2. A partir do texto que o vosso filho ou a vossa filha vem ler ao CR/BE, criem, <br />
em conjunto, ou um objecto em três dimensões ou um <strong>de</strong>senho ou um outro <br />
texto ou surpreendam‐nos com algo mais criativo. <br />
3. Compareçam, no dia e na hora marcada para a Maratona em que o vosso <br />
educando ou a vossa educanda participa. Acompanhem‐no ou acompanhem‐<br />
na num momento tão especial e tão importante como este. <br />
4. Aproveitem a ocasião: escolham um dos textos que mais gostarem e venham <br />
lê‐lo ou …venham, apenas, estar connosco e conhecer o CR/BE!
<br />
<strong>Avintes</strong>, 17 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 2010 <br />
A coor<strong>de</strong>nadora do CR/BE <br />
Professora Amélia Rosa Macedo <br />
<br />
Índice Remissivo ‐Textos para a Maratona <strong>de</strong> Leitura <br />
<br />
1. A ABELHA ZULMIRA <br />
2. O CÃO <br />
3. O SR. SABEL <br />
4. ALCUNHAS <br />
5. ESTOU FARTO DA ESCOLA <br />
6. E TU ACREDITAS? <br />
7. E TU ACREDITAS? <br />
(continuação do texto 6) <br />
8. E TU ACREDITAS? <br />
(conclusão do texto 6) <br />
9. AS SOMBRAS CHINESAS <br />
10. AS SOMBRAS CHINESAS <br />
(continuação do texto 9) <br />
11. AS SOMBRAS CHINESAS <br />
(continuação do texto 9) <br />
12. AS SOMBRAS CHINESAS <br />
(conclusão do texto 9) <br />
13. BISCOITOS <strong>DE</strong> AZEITE <br />
(Beira Baixa) <br />
14. A AZEITONA E O SEU <br />
AZEITE <br />
15. O PINHEIRO AMBICIOSO <br />
16. O PINHEIRO AMBICIOSO <br />
(conclusão do texto 15) <br />
17. A GAITA MILAGROSA <br />
18. A GAITA MILAGROSA <br />
(conclusão do texto 17) <br />
19. A ZORRA E O GALO <br />
<br />
<br />
<br />
20. O LEÃO É FORTE COMO <br />
A AMIZA<strong>DE</strong> <br />
21. PLOP! <br />
22. PLOP! (continuação do <br />
texto 21) <br />
23. PLOP! (conclusão do texto <br />
21) <br />
24. OS FANTOCHEIROS <br />
25. Barraca <strong>de</strong> Fantoches <br />
26. Apresento me <br />
27. O DA COLHER <strong>DE</strong> PAU <br />
28. <strong>DE</strong> ESCADOTE P’RÀ LUA <br />
29. <strong>DE</strong> ESCADOTE P’RÀ LUA <br />
(conclusão do texto 28) <br />
30. A PRINCESA Nº 46 734 <br />
31. A PRINCESA Nº 46 734 <br />
(continuação do texto 30) <br />
32. A PRINCESA Nº 46 734 <br />
(continuação do texto 30) <br />
33. A PRINCESA Nº 46 734 <br />
(conclusão do texto 30) <br />
34. A PRINCESA Nº 46 734 <br />
(conclusão do texto 30) <br />
<br />
<br />
TEXTO 1 <strong>–</strong> A ABELHA ZULMIRA <br />
BALTÉ, Teresa. A Abelha Zulmira <br />
<br />
<br />
Era domingo. Para Dona Abelha não havia domingos, ou melhor, não <br />
existiam dias da semana. Cada dia <strong>de</strong> sol ia <strong>de</strong> flor em flor com notícias <br />
fresquinhas. Era uma espécie <strong>de</strong> carteiro, <strong>de</strong> mensageira porque, enfim, <br />
as flores não têm asas, a terra pren<strong>de</strong>‐lhes os pés. «Atrás da colina, o <br />
vale está coberto <strong>de</strong> trevo amarelinho», zumbia. Ou: «A amoreira brava <br />
continua em botão». Ou: «Há um ninho com passarinhos novos na velha <br />
alfarrobeira». Ou ainda: «O girassol manda estes grãozinhos <strong>de</strong> pólen». <br />
<br />
As flores agra<strong>de</strong>ciam‐lhe os recados satisfeitas. A flor‐<strong>de</strong>‐laranjeira <br />
oferecia‐lhe um pouco <strong>de</strong> néctar cor da luz do luar, a papoila acenava‐lhe <br />
com a sua cabecinha ver<strong>de</strong> negra, a piteira abria‐lhe a corola sem a ferir. <br />
<br />
Nos dias <strong>de</strong> chuva Dona Abelha ficava na colmeia a cozinhar mel. Depois <br />
enchia os favos, vedava‐os com cera, guardava‐os na <strong>de</strong>spensa, muito <br />
bem guardados, para os longos meses <strong>de</strong> Inverno, para os dias solitários <br />
em que as amigas flores nem sequer para recebê‐la acordavam do seu <br />
sono, afrontavam o vento e o frio.
<br />
TEXTO 2 <strong>–</strong> O CÃO <br />
ARAÚJO, Matil<strong>de</strong> Rosa. O Sol e o Menino dos Pés Frios <br />
<br />
<br />
Eu vivia naquela quinta. <br />
Quinta com muros, com um tanque geométrico para o qual caía a água <br />
<strong>de</strong> uma larga torneira. <br />
Eu fugia da quinta lendo, lendo o que podia. <br />
A meu lado, sentava‐se o gran<strong>de</strong> cão que, durante o ano, estava só, <br />
entre aqueles muros. Era o «Top». <br />
Castanho, <strong>de</strong> olhos mansos e bons. <br />
«Top», <strong>de</strong> vez em quando, batia‐me no braço, no livro. <br />
Como se me dissesse: <br />
‐Estou aqui. Lembra‐te d que existo. <br />
E a minha mão escorregava‐lhe pela cabeça sedosa e triste. <br />
E olhava‐o, pedindo‐lhe que me <strong>de</strong>sculpasse eu estar <strong>de</strong>satenta à sua <br />
solidão tão humana. <br />
Porque «Top», assim, ensinou‐me a enten<strong>de</strong>r melhor a solidão dos <br />
homens. O valor <strong>de</strong> um pequeno gesto. <br />
E ensinou‐me a liberda<strong>de</strong> imensa que é o olhar preso <strong>de</strong> um cão. <br />
E a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tudo que contém amor.
<br />
TEXTO 3 <strong>–</strong> O SR. SABEL <br />
LOSA, Ilse. A Minha Melhor História <br />
<br />
<br />
Um dia a nossa professora mandou‐nos escrever uma história. <br />
‐ Uma história ao vosso gosto, disse. <br />
Como a imagem das pessoas da minha al<strong>de</strong>ia estava sempre <br />
viva em mim e não havia dia em que não me viesse à i<strong>de</strong>ia, era <br />
o mais natural que as escolhesse para assunto da minha <br />
história. <br />
«Gente que conheci» foi o título que <strong>de</strong>i. E entre muitas outras <br />
coisas escrevi: <br />
<br />
Havia o Sr. Sabel, violinista e professor <strong>de</strong> dança, homem alto e <br />
magro, <strong>de</strong> vinco nas calças sempre impecável, <strong>de</strong> lenço <strong>de</strong> seda <br />
amarela à volta do pescoço e com o cabelo negro, luzidio <strong>de</strong> <br />
brilhantina. Ao tocar o violino balouçava o corpo e marcava o <br />
compasso com os pés. A grossa verruga castanha, por baixo do <br />
olho esquerdo, também balouçava ritmicamente, fazendo <br />
lembrar a cabeça duma velhinha trémula que se queixasse dos <br />
meninos traquinas.
<br />
TEXTO 4 <strong>–</strong> ALCUNHAS <br />
GOMES, Alice. Contos Risonhos. Figueirinhas Editora <br />
<br />
<br />
Há alcunhas que fazem zangar, e as pessoas só as chamam <br />
assim pelas costas. O Casmurro, o Lingrinhas são alcunhas <br />
antipáticas; e, às vezes, até se tornam motivo <strong>de</strong> grossa <br />
pancadaria. Mas o mais velho dos irmãos, o Batata, não se <br />
zangava, pois o motivo da alcunha não era nada humilhante. <br />
Ele não tinha nariz <strong>de</strong> batata, nem era gran<strong>de</strong> comilão <strong>de</strong> <br />
batatas, nem era um gordalhufo qualquer. <br />
Era muito inteligente, muito aplicado, e dizia a toda a gente que <br />
queria ser lavrador. <br />
Quando a família ou os professores perguntavam: «O que <br />
queres ser quando fores gran<strong>de</strong>?» <br />
‐ Lavrador <strong>–</strong> respondia ele logo. <br />
Aos pais, que não tinham quintas, custava‐lhes pensar que o <br />
seu menino viria a ser cavador ou mesmo tractorista nos <br />
campos das outras pessoas: sujar‐se todo, chegar a casa <br />
banhado em suor. <br />
Mas a ele ninguém lhe tirava aquela i<strong>de</strong>ia da cabeça.
<br />
TEXTO 5 <strong>–</strong> ESTOU FARTO DA ESCOLA <br />
ALMANAQUE. Clube Caminho Fantástico <br />
<br />
<br />
Estou farto da escola e quero começar a trabalhar o mais <br />
<strong>de</strong>pressa possível. O meu cunhado é canalizador e eu ando a <br />
apren<strong>de</strong>r com ele e, às vezes, até falto às aulas para ir fazer um <br />
serviço, mas ele diz que é preciso ter cuidado por causa <strong>de</strong> ser <br />
proibido o trabalho infantil. Isto é uma gran<strong>de</strong> treta porque já <br />
não sou criança nenhuma. Tenho 13 anos mas não sou criança. <br />
Meço 1,58m, peso 57,5 Kg e tenho mais força que o meu pai. <br />
Não me interessa nada a escola, nem os estudos, nem a área <br />
escola que tem um tema muito estúpido. Houve umas votações <br />
e escolheram «Texto é vida». Eu não gosto <strong>de</strong> teatro e não hei‐<br />
<strong>de</strong> participar em nada. <br />
<br />
Sou sócio do clube e se quiserem ponham a carta na revista <br />
com o meu nome que eu não me importo. <br />
<br />
Sou Bruno Feijão e toda a gente me conhece.
<br />
TEXTO 6 <strong>–</strong> E TU ACREDITAS? <br />
ROCHA, Natércia. Penas Brancas Pelo Ar <br />
<br />
<br />
Que andas a fazer com esse binóculo ao pescoço? Carlos <br />
<strong>de</strong>cidira <strong>de</strong>ixar cair as últimas <strong>de</strong>fesas. Tinha <strong>de</strong> falar com <br />
alguém que o ajudasse. Precisava cumprir a promessa feita ao <br />
pai e ainda não sabia bem o que lhe competia fazer. Desabafou <br />
com a tia, falou dos ninhos, uns cheios e aquele vazio… <br />
<br />
‐Ah! O teu pai quer que <strong>de</strong>scubras se o Pedro e a Mafalda ainda <br />
vêm fazer ninho naquela casa? <br />
<br />
‐ Pedro e Mafalda? <br />
<br />
‐ Sim, Pedro e Mafalda, um casal <strong>de</strong> cegonhas <strong>de</strong> que gostamos <br />
muito. Isso mesmo. Quando eu e o teu pai éramos pequenos, <br />
esperávamos pela chegada <strong>de</strong>les como um anúncio <strong>de</strong> que a <br />
Primavera já estava perto. Dentro da casa, sentados junto da <br />
lareira, falávamos pela chaminé com o Pedro e a Mafalda. <br />
<br />
‐ Ó tia, olhe que eu não nasci ontem… essa <strong>de</strong> falar com as <br />
cegonhas é forte… <br />
‐ Pois acredita, falávamos mesmo.
<br />
TEXTO 7 <strong>–</strong> E TU ACREDITAS? (continuação do texto 6) <br />
ROCHA, Natércia. Penas Brancas Pelo Ar <br />
<br />
<br />
<br />
A Mafalda dizia‐nos muitas vezes que os seus filhos haviam <strong>de</strong> <br />
nascer sempre aqui, na nossa chaminé: queria que os seus <br />
pequeninos sentissem junto <strong>de</strong>les uma família on<strong>de</strong> todos se <br />
estimavam e eram felizes. As cegonhas ficam um mês em cima <br />
dos ovos, a chocá‐los, sem nunca abandonarem o ninho, e <br />
durante esse tempo falavam dos filhos, das viagens, dos <br />
alimentos, das companheiras que se tinham perdido, daquelas <br />
que os homens tinham morto e daquelas que os homens <br />
tinham acarinhado. O Pedro arranjava tempo para nos dizer <br />
como limpava os campos <strong>de</strong> ratos, toupeiras e cobras. Contava‐<br />
nos as longas viagens: dizia que encontravam terras planas com <br />
verdura e pântanos; aqui era a sua morada <strong>de</strong> Verão on<strong>de</strong> <br />
tinham os filhos. Em Agosto partiam, primeiro os mais velhos, <br />
<strong>de</strong>pois os mais novos, às vezes, todos juntos.
<br />
TEXTO 8 <strong>–</strong> E TU ACREDITAS? (conclusão do texto 6) <br />
ROCHA, Natércia. Penas Brancas Pelo Ar <br />
<br />
<br />
<br />
Carlos não se atrevia a interromper a tia: aquilo não podia ser <br />
verda<strong>de</strong>, mas ela parecia tão sincera… Arriscou a pergunta que <br />
o estrafegava: <br />
<br />
‐ Como posso eu reconhecer a Mafalda? Ou o Pedro? <br />
‐ É tão fácil! Logo que chegarem, instalam‐se no ninho que <br />
viste, na casa das cegonhas. <br />
<br />
Estranho, a tia nem pensava que as cegonhas podiam morrer. <br />
Fazendo contas com as ida<strong>de</strong>s do pai e da tia, a Mafalda e o <br />
Pedro <strong>de</strong>viam andar pelos trinta anos. Isso não era já velhice <br />
para uma cegonha? E o pai <strong>de</strong>via pensar da mesma maneira, <br />
pois lhe dissera para falar com o Pedro. Que afinal não era <br />
quem ele pensara: era o macho do casal <strong>de</strong> cegonhas e não o <br />
primo… Que confusão!
<br />
TEXTO 9 <strong>–</strong> AS SOMBRAS CHINESAS <br />
TORRADO, António. O Mercador De Coisa Nenhuma. Civilização Editora <br />
<br />
<br />
Era uma vez um homem chamado Fu‐Hi. <br />
<br />
Encerrado nos calabouços <strong>de</strong> um palácio imperial, esquecido <br />
pela justiça e das suas próprias culpas esquecido <strong>–</strong> que gran<strong>de</strong>s <br />
não eram, com certeza! <strong>–</strong> Fu‐Hi, a acreditar nas falas dos outros <br />
presos e dos carcereiros, enlouquecera. <br />
<br />
Já antes <strong>de</strong>víamos ter dito, mas ainda vamos a tempo, que esta <br />
história se passa ou passou ou talvez se tenha passado, há <br />
muitos e muitos séculos, lá para as bandas da China. <br />
<br />
Pois, segundo contavam os carcereiros, o pobre homem <br />
per<strong>de</strong>ra o tino. Se ele até falava com a sua própria sombra, <br />
vejam só. <br />
<br />
De facto, quando <strong>de</strong>scia à escura prisão um raio <strong>de</strong> sol, Fu‐Hi, <br />
virado para a pare<strong>de</strong> banhada pela luz, punha‐se a conversar <br />
com ele próprio, imitando várias vozes, enquanto fazia <br />
esquisitos movimentos com as mãos. <br />
<br />
TEXTO 10 <strong>–</strong> AS SOMBRAS CHINESAS (continuação do texto 9) <br />
TORRADO, António. O Mercador De Coisa Nenhuma. Civilização Editora <br />
<br />
Aos ouvidos do imperador, chegaram um dia notícias do <br />
singular prisioneiro e do seu comportamento que tanta <br />
estranheza causava, Quis saber don<strong>de</strong> ele era, porque o <br />
mantinham preso e há quanto tempo, mas nenhum dos <br />
inten<strong>de</strong>ntes lhe conseguiu dar uma resposta que o satisfizesse. <br />
Só sabiam que o prisioneiro se chamava Fu‐Hi. Mais nada. <br />
<br />
Então o imperador, que chegara à pouco ao trono e era jovem e <br />
zeloso, mandou chamá‐lo. <br />
<br />
‐ Não me têm dado boas opiniões a teu respeito <strong>–</strong> começou o <br />
imperador, fingindo‐se severo. <strong>–</strong> Dizem‐me que estás louco e <br />
que praticas artes mágicas… Se ainda possuis juízo suficiente <br />
para me respon<strong>de</strong>r, conta‐me a tua verda<strong>de</strong>. <br />
<br />
E o prisioneiro contou: <br />
<br />
‐ Senhor, estaria efectivamente doido <strong>de</strong> todo, se as sombras <br />
não me ajudassem a viver entre os que se dizem sãos <strong>de</strong> <br />
espírito. Não fossem elas, eu já teria enlouquecido <strong>de</strong> vez. <br />
‐ A que sombras te referes?
TEXTO 11 <strong>–</strong> AS SOMBRAS CHINESAS (continuação do texto 9) <br />
TORRADO, António. O Mercador De Coisa Nenhuma. Civilização Editora <br />
<br />
<br />
Em vez <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r, Fu‐Hi pediu ao Sol que lhe mandasse um raio bom. <br />
Iluminou‐se uma das pare<strong>de</strong>s da sala do trono e, sobre ela, começou a <br />
<strong>de</strong>slizar um cisne negro. A sombra <strong>de</strong> um braço <strong>de</strong> Fu‐Hi era o pescoço <br />
estendido da ave… A sombra dos <strong>de</strong>dos esguios, a cabeça e o bico… <br />
<br />
‐ Este cisne vive num lago negro perto da minha al<strong>de</strong>ia. Muitas vezes lhe <br />
<strong>de</strong>i <strong>de</strong> comer… ‐ disse, tristemente, Fu‐Hi. <br />
<br />
De súbito, o cisne transformou‐se numa águia, que, <strong>de</strong> perfil se colou à <br />
pare<strong>de</strong>, recortada pelos <strong>de</strong>dos ágeis <strong>de</strong> Fu‐Hi. <br />
<br />
‐É a Águia Cinzenta. No alto da montanha protege a minha al<strong>de</strong>ia. E <br />
tantas vezes a vi voar sobre a minha casa! Acreditamos nós, lá na al<strong>de</strong>ia, <br />
que uma pena <strong>de</strong>la, que caia num telhado, anuncia felicida<strong>de</strong>. <br />
<br />
Desapareceu a águia e veio uma borboleta. <br />
<br />
‐ Não tem nome esta borboleta. É igual a tantas outras que namoram as <br />
flores do meu jardim, lá na minha al<strong>de</strong>ia… <br />
Depois surgiram galos, pombas, macaquinhos, veados e muitos outros <br />
bichos que traziam ao pobre camponês sauda<strong>de</strong>s da sua al<strong>de</strong>ia. <br />
Esculpidos habilmente pelas mãos <strong>de</strong> Fu‐Hi, projectados na pare<strong>de</strong>, <br />
pareciam ter vida <strong>de</strong>ntro. Não eram sombras, eram recordações vivas.
<br />
TEXTO 12 <strong>–</strong> AS SOMBRAS CHINESAS (conclusão do texto 9) <br />
TORRADO, António. O Mercador De Coisa Nenhuma. Civilização Editora <br />
<br />
<br />
<br />
Por fim, <strong>de</strong>senhou‐se na pare<strong>de</strong> o perfil <strong>de</strong> um gato. <br />
<br />
‐É o meu gato, senhor. Chama‐se Tiqui. Quem sabe se ainda <br />
viverá? <strong>–</strong> e Fu‐Hi suspirou. <br />
<br />
Foi‐se o raio <strong>de</strong> sol. Desceram as sombras espessas da noite <br />
sobre o palácio imperial. <br />
<br />
Depois <strong>de</strong> um longo silêncio, o imperador levantou os olhos <br />
para o prisioneiro e disse: <br />
<br />
‐ Volta para junto dos teus, Fu‐Hi! Volta para a tua al<strong>de</strong>ia. Só <br />
uma condição te imponho: contigo irão alguns fidalgos do meu <br />
séquito. Terás d abrigá‐los em tua casa; terás <strong>de</strong> ensinar‐lhes a <br />
tua arte das sombras. Não os <strong>de</strong>ixes regressar ao palácio, <br />
enquanto não souberem fazer como tu fazes as águias, as <br />
borboletas, os cisnes, os gatos … <br />
E quem sabe se não foi assim que nasceram as sombras <br />
chinesas…
TEXTO 13 <strong>–</strong> BISCOITOS <strong>DE</strong> AZEITE (Beira Baixa) <br />
MO<strong>DE</strong>STO, Maria <strong>de</strong> Lur<strong>de</strong>s. Cozinha Tradicional Portuguesa <br />
<br />
<br />
<br />
6 ovos; 1,5 dl <strong>de</strong> azeite; 110g <strong>de</strong> açúcar, farinha, 1 colher <strong>de</strong> <br />
sopa <strong>de</strong> aguar<strong>de</strong>nte. <br />
<br />
Misturam‐se os ovos com o açúcar, o azeite e a aguar<strong>de</strong>nte. Em <br />
seguida começa a juntar‐se a farinha e amassa‐se, <strong>de</strong>vendo a <br />
massa ficar muito trabalhada. A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> farinha <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <br />
do tamanho dos ovos. A massa <strong>de</strong>ve esten<strong>de</strong>r‐se com <br />
facilida<strong>de</strong>. <br />
<br />
Ten<strong>de</strong>m‐se os biscoitos em forma <strong>de</strong> T e levam‐se a cozer em <br />
forno quente, em tabuleiro polvilhados <strong>de</strong> farinha. <br />
<br />
<br />
TEXTO 14 <strong>–</strong> A AZEITONA E O SEU AZEITE <br />
SCHNEI<strong>DE</strong>R, Ernest. A saú<strong>de</strong> pelos alimentos <br />
<br />
<br />
Diz um adágio antigo que o azeite tira todo o mal, indicando <br />
assim o que ele representa para o homem. <br />
<br />
A oliveira (Olea europaea) é uma árvore que atinge <strong>de</strong> 6 a 10 <br />
metros <strong>de</strong> altura com abundantes ramificações. <br />
<br />
Actualmente cultivam‐se numerosas varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> oliveira: na <br />
Península Ibérica, nos países mediterrânicos, na Califórnia, na <br />
União Sul‐Africana e no Sul da Austrália. <br />
<br />
A cultura da oliveira é muito antiga. Os Sumérios, os primitivos <br />
habitantes do Sul da Babilónia, já conheciam a oliveira, no ano <br />
4 000 antes da nossa era; os Egípcios também mencionam o <br />
azeite da oliveira no papiro <strong>de</strong> Eber, três milénios antes da Era <br />
Cristã.
<br />
TEXTO 15 <strong>–</strong> O PINHEIRO AMBICIOSO <br />
JUNQUEIRO, Guerra. Contos para a Infância <br />
<br />
Era uma vez um pinheiro que não estava contente com a sua <br />
sorte: «Oh! Dizia ele, como são horrendas estas linhas <br />
uniformes <strong>de</strong> agulhas ver<strong>de</strong>s, que se esten<strong>de</strong>m ao longo dos <br />
meus braços! Sou um pouco mais orgulhoso que os meus <br />
vizinhos, e sinto que fui feito para andar vestido <strong>de</strong> outro <br />
modo. Ah! Se as minhas folhas fossem <strong>de</strong> oiro». <br />
<br />
O Génio da montanha ouviu‐o e, no dia seguinte, pela manhã <br />
acordou o pinheiro com folhas <strong>de</strong> oiro. Ficou radiante <strong>de</strong> <br />
alegria, e admirou‐se, pavoneou‐se todo, olhando com altivez <br />
para os outros pinheiros, que, mais sensatos do que ele, não <br />
invejavam tão rápida fortuna. À noite passou por ali um ju<strong>de</strong>u, <br />
arrancou‐lhe todas as folhas, meteu‐as num saco e foi‐se <br />
embora, <strong>de</strong>ixando‐o inteiramente nu dos pés à cabeça. <br />
<br />
«Oh! Disse ele, que doido que fui! Não me tinha lembrado da <br />
cobiça dos homens. Despiram‐me todo. Não há agora em toda <br />
a floresta uma planta tão pobre como eu. Fiz mal em pedir <br />
folhas <strong>de</strong> oiro: o oiro atrai as ambições.» <br />
«Ah! Se eu conseguisse um vestuário <strong>de</strong> cristal! Era <br />
<strong>de</strong>slumbrador e o ju<strong>de</strong>u avarento não me teria <strong>de</strong>spido.»
<br />
TEXTO 16 <strong>–</strong> O PINHEIRO AMBICIOSO (conclusão do texto 15) <br />
JUNQUEIRO, Guerra. Contos para a Infância <br />
<br />
<br />
No dia seguinte acordou o pinheiro com folhas <strong>de</strong> cristal, que <br />
reluziam ao sol como pequeninos espelhos. Ficou outra vez <br />
todo contente e orgulhoso, fitando <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhosamente os seus <br />
vizinhos. Mas nisto o céu cobriu‐se <strong>de</strong> nuvens e o vento <br />
rugindo, estalando, quebrou com a sua asa negra as folhas <strong>de</strong> <br />
cristal! <br />
<br />
«Enganei‐me ainda, disse o jovem pinheiro, vendo por terra, <br />
feito em bocados, o seu manto cristalino. O oiro e o cristal não <br />
servem para vestir os bosques. Se eu tivesse a folhagem <br />
acetinada das aveleiras, seria menos brilhante, mas viveria <br />
<strong>de</strong>scansado.» <br />
<br />
Cumpriu‐se o último <strong>de</strong>sejo e, apesar <strong>de</strong> ter renunciado às <br />
vaida<strong>de</strong>s primitivas, julgava‐se ainda mais bem vestido do que <br />
todos os outros pinheiros seus irmãos. Mas passou por ali um <br />
rebanho <strong>de</strong> cabras, e vendo as folhas tenrinhas e frescas, <br />
comeram‐lhas todas sem lhe <strong>de</strong>ixar uma única. <br />
<br />
O pobre pinheiro envergonhado e arrependido, já queria voltar <br />
à sua forma natural. Conseguiu ainda este favor e nunca se <br />
queixou da sua sorte.
<br />
TEXTO 17 <strong>–</strong> A GAITA MILAGROSA <br />
Viale Moutinho (recolha <strong>de</strong>). Contos Populares Portugueses <br />
<br />
Havia numa terra um indivíduo que possuía uma gaita com a <br />
virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer bailar os ouvintes quando tocava. De uma <br />
ocasião, passava um sujeito com um jumento carregado <strong>de</strong> louça e <br />
o dono da gaita pôsse a tocála. <br />
Tanto o dono do jumento como este puseramse logo a bailar, e <br />
com tantos saltos, que em pouco tempo a louça se fez em cacos. <br />
Gritava o dono da loiça ao tocador da gaita que não tocasse, mas <br />
este só tirou a gaita dos lábios quando já não havia uma única <br />
peça <strong>de</strong> louça inteira. Exasperado, o pobre homem foi queixarse <br />
ao juiz e o tocador foi chamado à sua presença. <br />
És acusado <strong>de</strong> ter quebrado a louça <strong>de</strong>ste homem <strong>–</strong> disse o juiz <br />
ao gaiteiro. <br />
Eu não sou culpado. Toquei a minha gaita, e esse senhor e o seu <br />
jumento puseramse a dançar. <br />
Tens contigo a gaita? <br />
Tenho. <br />
Toca <strong>–</strong> or<strong>de</strong>nou o juiz sentado na sua poltrona. <br />
O gaiteiro tirou a gaita do bolso e pôsse a tocar. O dono da louça, <br />
que a esse tempo estava encostado a uma ca<strong>de</strong>ira, pegou na <br />
ca<strong>de</strong>ira e bailou com ela. O juiz, que ia tomar uma pitada <strong>de</strong> rapé <br />
da sua caixa <strong>de</strong> ébano, começou a pular batendo com os <strong>de</strong>dos na <br />
tampa à maneira <strong>de</strong> castanholas. <br />
<br />
TEXTO 18 <strong>–</strong> A GAITA MILAGROSA (conclusão do texto 17) <br />
Viale Moutinho (recolha <strong>de</strong>). Contos Populares Portugueses <br />
<br />
A mãe do juiz, que estava entrevada na cama, no quarto próximo, <br />
levantouse imediatamente, bailando, batendo as palmas e <br />
cantando: <br />
<br />
Vá <strong>de</strong> folia <br />
Vá <strong>de</strong> folia, <br />
Que há sete anos <br />
Me não mexia! <br />
<br />
E assim se converteu o escritório do juiz numa animada sala <strong>de</strong> <br />
baile, pois que até as ca<strong>de</strong>iras, os tinteiros e todos os móveis se <br />
puseram a saltar e a bailar. <br />
<br />
Passados momentos, pediu o juiz ao tocador que cessasse <strong>de</strong> tocar <br />
a gaita, e o homem obe<strong>de</strong>ceu imediatamente, pois viu que tanto o <br />
dono da louça como o juiz e a mãe suavam com abundância. <br />
<br />
O juiz, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> limpar o suor, disse para o tocador: <br />
<br />
Po<strong>de</strong>ste ir embora sem culpa nem pena, porque és um homem <br />
que até curou a minha mãe, que há muitos anos se não podia <br />
mexer na cama. <br />
E o tocador saiu da presença do juiz muito contente e satisfeito. <br />
<br />
Não diz a história se a mãe do juiz voltou para a cama.
TEXTO 19 <strong>–</strong> A ZORRA E O GALO <br />
Conto Tradicional Português (recolha não i<strong>de</strong>ntificada) <br />
<br />
<br />
Empoleirado numa árvore cantava o galo, quando passou <br />
perto a zorra. <br />
Gran<strong>de</strong> novida<strong>de</strong>, compadre galo <strong>–</strong> gritou a zorra, muito <br />
alegre. <br />
Saiu um <strong>de</strong>creto do governo que manda acabar a guerra <br />
entre os animais e estabelecer a paz geral. Estou <br />
contentíssima: <strong>de</strong>sça, compadre, estou com <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> o <br />
abraçar. <br />
Esse <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> que fala é já sabido e conhecido por <br />
todos os animais? <strong>–</strong> perguntou o galo. <br />
É claro; nem a ignorância <strong>de</strong>sculpa o não cumprimento <br />
da lei. Por que faz o compadre essa pergunta? <br />
Vejo vir do nascente alguns caçadores com muitos cães. <br />
A zorra, mal foi informada da aproximação dos po<strong>de</strong>ngos, <br />
galgos, e perdigueiros, pôsse ao fresco. <br />
Então o galo gritavalhe: <br />
Mostrelhes a lei! Mostrelhes a lei! <br />
<br />
Conto Tradicional Português (recolha não i<strong>de</strong>ntificada)
<br />
TEXTO 20 <strong>–</strong> O LEÃO É FORTE COMO A AMIZA<strong>DE</strong> <br />
Contos Populares <strong>de</strong> Angola. Folclore Quimbundo. <br />
<br />
Dois amigos costumavam encontrarse todos os dias. Numa das <br />
conversas um <strong>de</strong>les comentou: <br />
Uns leões estão a aparecer nas redon<strong>de</strong>zas. Tem cuidado com a <br />
tua casa para evitares um <strong>de</strong>sgosto. <br />
O leão não po<strong>de</strong>rá entrar. Tenho espingarda e lança. <br />
Enganaste, porque tu não po<strong>de</strong>s lutar com o leão. <br />
Tenho a certeza que posso. <br />
Ambos riram e continuaram a conversar até que por fim se <br />
separaram. <br />
Passouse um mês quando o rapaz que tinha avisado o amigo <br />
arranjou um meio <strong>de</strong> se transformar em leão e resolveu atacar o <br />
camarada, rugindo ferozmente. <br />
Arranhoulhe a porta da casa e encontrou o amigo a dormir. <br />
Levantouo, bateulhe e <strong>de</strong>sfez tudo o que encontrou. <br />
Deixando o amigo em má situação, retirouse e voltou à forma <strong>de</strong> <br />
homem. <br />
No outro dia, foi visitar o amigo que atacara e este disselhe: <br />
Pobre <strong>de</strong> mim! O leão veio aqui esta noite e <strong>de</strong>struiu tudo! <br />
Por que não fizeste fogo ou não lhe meteste a lança? <br />
Meu amigo, o leão é forte como a amiza<strong>de</strong>. <br />
<br />
<br />
TEXTO 21 <strong>–</strong> PLOP! <br />
Contos Populares Chineses (tradução <strong>de</strong> Patrícia Joyce) <br />
<br />
Há muitos, muitos anos, viviam seis coelhos numa <br />
floresta à beira dum lago. Um belo dia, duma das maiores <br />
árvores, caiu no lago um gran<strong>de</strong> fruto maduro. Ao bater <br />
na água, produziu um som cavo: Plop… <br />
Os coelhos apavorados com aquele ruído que não <br />
conheciam, correram o mais <strong>de</strong>pressa que lhes <br />
permitiram as suas quatro patas. <br />
Uma raposa viuos naquela correria e perguntou: <br />
Porque vão vocês a fugir? <br />
Vem aí o Plop! <strong>–</strong> respon<strong>de</strong>ram eles. <br />
Quando tal ouviu, a raposa <strong>de</strong>satou a correr com eles. <br />
Nisto passaram por um macaco que perguntou: <br />
On<strong>de</strong> vão a correr tanto? <br />
Vem aí o Plop! <strong>–</strong> respon<strong>de</strong>u a raposa. E o macaco juntou<br />
se ao grupo. <br />
A notícia espalhouse <strong>de</strong> boca em boca. Um veado, um <br />
porco, um búfalo, um rinoceronte, um elefante, um urso <br />
preto, um urso castanho, um leopardo, um tigre e um <br />
leão, corriam já também numa fuga <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada. <br />
Não pensavam em mais nada senão em fugir. Quanto mais <br />
corriam, mais apavorados se sentiam.
TEXTO 22 <strong>–</strong> PLOP! (continuação do texto 21) <br />
Contos Populares Chineses (tradução <strong>de</strong> Patrícia Joyce) <br />
Perto da colina, vivia um leão com uma enorme juba. <br />
Quando viu o outro leão a fugir, rugiu para ele: <br />
Irmão, tens garras e <strong>de</strong>ntes e és o mais forte dos <br />
animais. Porque vais tu a correr como um louco? <br />
Vem aí o Plop! <strong>–</strong> arquejou o leão que fugia. <br />
Quem é o Plop? … On<strong>de</strong> está ele?... <strong>–</strong> perguntou o leão <strong>de</strong> <br />
juba gran<strong>de</strong>. <br />
Bem… na verda<strong>de</strong> não sei <strong>–</strong> gaguejou ele. <br />
Então para quê todo este alvoroço? <strong>–</strong> continuou o leão da <br />
juba gran<strong>de</strong>. <strong>–</strong> Vejamos primeiro <strong>de</strong> quem se trata. Quem <br />
te falou nele? <br />
Foi o tigre. <br />
O curioso leão da juba gran<strong>de</strong> interrogou o tigre que disse <br />
que o ouvira ao leopardo. O leão voltouse para o <br />
leopardo e o leopardo respon<strong>de</strong>u que o ouvira ao urso <br />
castanho. O leão perguntou ao urso castanho que disse <br />
que o ouvira ao urso preto. O urso preto, o elefante, o <br />
rinoceronte, o búfalo, o porco e o veado foram a seguir <br />
interrogados, um por um, e cada um <strong>de</strong>les informou que o <br />
ouvira ao outro. Finalmente, chegou a vez da raposa que <br />
disse: <br />
Foram os coelhos. <br />
TEXTO 23 <strong>–</strong> PLOP! (conclusão do texto 21) <br />
Contos Populares Chineses (tradução <strong>de</strong> Patrícia Joyce) <br />
<br />
<br />
O leão dirigiuse aos coelhos que bradaram em coro: <br />
Ouvimos nós seis, com os nossos próprios ouvidos, <br />
aquele horrível «Plop»! Vem connosco e mostrarteemos <br />
o sítio exacto on<strong>de</strong> o ouvimos. <br />
Guiaramno até à floresta e, apontando para o lago, <br />
disseram: <br />
É ali que está o terrível Plop! <br />
Precisamente nesse instante caiu da árvore outro fruto e <br />
mergulhou na água com o tal terrível Plop! <br />
O leão pôsse a rir. <br />
Viram <strong>–</strong> disse ele <strong>–</strong> Viram bem o que é o «Plop»? É apenas <br />
o ruído dum fruto quando cai na água. Que há nisto <strong>de</strong> <br />
terrível para que fujam todos a correr como loucos? <br />
Soltaram um suspiro <strong>de</strong> alívio. O pânico <strong>de</strong>saparecera por <br />
completo. <br />
<br />
<br />
<br />
TEXTO 24 <strong>–</strong> OS FANTOCHEIROS <br />
Simões Müller, Adolfo. A Reviravolta Dos Fantoches. <br />
<br />
Mas que vinha, no fim <strong>de</strong> contas, a ser isso <strong>de</strong> fantocheiro? <strong>–</strong> <br />
perguntava o sr. Tlim.Tlim, que, até então, só tinha ouvido falar <strong>de</strong> <br />
fantochadas… Aliás, ao princípio, tomara mesmo por troça a i<strong>de</strong>ia do <br />
sr. Malaquias. O dono do circo explicoulhe, porém, pacientemente, o <br />
que eram os fantoches e o interesse que tinham como espectáculo para <br />
a criançada, para a juventu<strong>de</strong> e até para as pessoas <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. <br />
Pouco a pouco, o sr. Malaquias foilhe ensinando não só o que era um <br />
fantoche, mas também um pouco da sua história <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos <br />
remotos. <br />
Sim <strong>–</strong> comentara logo o Agapito. <strong>–</strong> Sim, porque no princípio do mundo <br />
não havia fantoches com certeza… <br />
Quem nos garante isso? replicara o outro. <strong>–</strong> É até bem possível que <br />
fosse um dos primeiros homens <strong>de</strong>ssa era distante que imaginasse um <br />
boneco, com meia dúzia <strong>de</strong> folhas ou tronquinhos e um pequeno fruto a <br />
fazer <strong>de</strong> cabeça. E que <strong>de</strong>pois, projectas à luz <strong>de</strong> um archote o seu <br />
boneco na pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma caverna. <br />
Daí ao fantoche não iria muito tempo… Talvez algumas centenas <strong>de</strong> <br />
anos… Ou milhares… Mas o homem também não tinha pressa. O tempo <br />
ainda não existia… Nem havia comboios para apanhar… O que é <br />
verda<strong>de</strong> é que, numa ilha distante no meio do mar Índico, chamada <br />
Java, ainda hoje os fantoches conservam, na língua local já se vê, um <br />
nome equivalente ao nosso Zé Broa e que quer dizer <strong>–</strong> sombra… E na <br />
China, na Birmânia, no Japão, também se encontram vestígios <strong>de</strong>sses <br />
fantoches, <strong>de</strong>ssas sombras do passado. <br />
<br />
<br />
TEXTO 25 <strong>–</strong> BARRACA <strong>DE</strong> FANTOCHES <br />
Galhoz, Maria Aliete <br />
<br />
Em frente da barraca <strong>de</strong> fantoches, Zé olhava. Em cada <br />
mãozinha fechada uma castanha passavalhe para as <br />
palmas um calor cada vez mais brando. No quadrado <br />
aberto <strong>de</strong> lona, entre as cortinas azuis, um toureiro lutava <br />
com um touro, bravo e negro. No meio da gritaria dos <br />
garotos o touro caiu vencido e o toureiro gritou «olé», <br />
acenando com a capa encarnada. <br />
<br />
Era o fim da função. O homem saiu <strong>de</strong>trás da barraca com <br />
uma ban<strong>de</strong>ja e os garotos foram brincar mais longe. Das <br />
janelas atiravam moedas. Zé esten<strong>de</strong>u o braço e o homem <br />
baixouse mais, até o tamanho <strong>de</strong>le. Uma, e <strong>de</strong>pois outra, <br />
as duas castanhas caíram na ban<strong>de</strong>ja. <br />
Uma é pró boi. Tadinho do boi … <br />
O homem entrou na barraca e abriu as cortinas. Os <br />
garotos voltaram. Voltou o toureiro, <strong>de</strong> capa encarnada, e <br />
o touro, bravo e negro. Lutaram. No fim, vencedor, o <br />
toureiro guarda a espada que ia matar o touro. E <br />
galhardamente oferecelhe uma castanha, como prémio <br />
<strong>de</strong> ser também valente. Pulos e palmas, palmas e pulos; e <br />
gritos dos garotos. Zé, no meio <strong>de</strong>les, é o mais alegre.
TEXTO 26 <strong>–</strong> APRESENTO ME <br />
Losa, Ilse <br />
<br />
Apresentome. O meu nome é Felismina. Mais <br />
exactamente Felismina Pinto Coelhinho. Mas como toda a <br />
gente me chama apenas Felismina, gostava que vocês <br />
também o fizessem. De resto é nome bonito. Faz pensar <br />
em alegria, boa disposição, histórias engraçadas, música, <br />
dança e muitas mais coisas que se apreciam. <br />
<br />
Sou uma mulher franca, directa. Hipocrisias e imposturas <br />
aborrecemme. Gosto <strong>de</strong> falar ás crianças e aos adultos <br />
mas sobretudo às crianças. É que as crianças enten<strong>de</strong>m, <br />
logo à primeira, o que quero dizer. Os adultos, esses não <br />
sabem escutar, com atenção: estão sempre distraídos a <br />
cismar nisso e naquilo e não sei em que mais. Procuro <br />
vencer as dificulda<strong>de</strong>s da vida. Po<strong>de</strong>m crer que quase <br />
sempre o consigo. <br />
<br />
E sabem porquê? Porque não me <strong>de</strong>ixo levar por <br />
ninguém! <br />
<br />
Um gran<strong>de</strong> abraço da Felismina <br />
<br />
<br />
TEXTO 27 <strong>–</strong> O DA COLHER <strong>DE</strong> PAU <br />
Miranda, Maria Natália. Hoje há Robertos <br />
<br />
<br />
Os fantoches feitos <strong>de</strong> colheres <strong>de</strong> pau são muito usados <br />
para realizar as engraçadas cenas <strong>de</strong> pancadaria, por <br />
serem resistentes e fazerem muito barulho. <br />
<br />
Da parte mais funda da colher fazse a cabeça. Da mais <br />
saída fazse a cara. <br />
<br />
Quem quiser po<strong>de</strong> pintar a colher duma cor que se adapte <br />
ao papel que ela irá <strong>de</strong>sempenhar como personagem. <br />
<br />
O cabelo será feito <strong>de</strong> ráfia, <strong>de</strong> lã ou <strong>de</strong> qualquer outro <br />
material que possa ser colado. Olhos e boca pintamse ou <br />
recortamse em tecido e colamse. <br />
<br />
Vestese o roberto com o mesmo fato em forma <strong>de</strong> manga <br />
comprida e estreita com a abertura no pescoço e as <br />
manguinhas dos lados. O fato colase ou atase bem à <br />
parte do cabo pegada à cabeça. <br />
<br />
TEXTO 28 <strong>–</strong> <strong>DE</strong> ESCADOTE P’RÀ LUA <br />
Simões Müller, Adolfo. A Reviravolta Dos Fantoches. <br />
<br />
<br />
Já agora <strong>de</strong>ixemme apresentarlhes o Zeca Lino, mais <br />
conhecido simplesmente pelo Calino, e o seu primo, um <br />
ano mais novo, o Zeca Paz, a quem todos chamavam o <br />
Capaz. E a verda<strong>de</strong> é que estes nomes assentavamlhes <br />
como uma luva, pois enquanto o Zeca paz era muito <br />
sensato, muito ajuizado, o Zeca Lino era <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> <br />
ingenuida<strong>de</strong>, sempre pronto a meter os pés pelas mãos, a <br />
misturar os alhos e os bugalhos. <br />
<br />
Vou contarlhes, a propósito, uma das suas patetices, que <br />
<strong>de</strong>ra brado alguns anos atrás. O pai <strong>de</strong>le, o Sr. António <br />
Lino Paz, tantas vezes lhe dissera: «o menino anda <br />
sempre na Lua» que, um dia, o Zeca convenceuse mesmo. <br />
E então, já que andava na Lua, resolveu fazer uma viagem <br />
ao mar das estrelas. Se os americanos lá tinham ido, por <br />
que não havia ele, um português, <strong>de</strong> fazer o mesmo? O <br />
Zeca havia reparado que, em certas ocasiões, a Lua toma a <br />
forma <strong>de</strong> um barco. Pareceulhe, pois, que seria essa a <br />
melhor oportunida<strong>de</strong> para a sua passeata pelo céu. <br />
<br />
TEXTO 29 <strong>–</strong> <strong>DE</strong> ESCADOTE P’RÀ LUA (conclusão do texto 28) <br />
Simões Müller, Adolfo. A Reviravolta Dos Fantoches. <br />
Ora, naquela noite, a Lua, que mais lembrava uma falua, apareceu <br />
por <strong>de</strong>trás da laranjeira pequena do quintal. Quando todos em <br />
casa estavam já <strong>de</strong>itados, o Zeca saltou da cama sem fazer o <br />
menor ruído, e foi, pé ante pé, buscar a escada do jardineiro, o <br />
cabo <strong>de</strong> uma vassoura e uma toalha que ficara estendida para <br />
secar. Atou o pano ao pau e pôs tudo ao ombro como se fosse uma <br />
ban<strong>de</strong>ira. Trepou pela escada que encostara com mil cautelas ao <br />
tronco da laranjeira e, uma vez lá no alto, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> espetar o pau <br />
entre a folhagem, à maneira <strong>de</strong> mastro com vela, ficou à espera <strong>de</strong> <br />
que a Lua se aproximasse para ele embarcar. <br />
<br />
Entretanto, os pais do Zeca, tendo ouvido barulho no quintal, <br />
chegaram à janela para saber o que se passava. Qual não foi o seu <br />
espanto ao verem o Zeca empoleirado na árvore! Assim <strong>de</strong> longe, <br />
dava a impressão <strong>de</strong> estar <strong>de</strong> facto na Lua… os pais <strong>de</strong>sceram ao <br />
quintal, fizeram vir o filho para baixo, repreen<strong>de</strong>ramno <br />
suavemente, e que fosse para a cama sonhar com os seus <br />
brinquedos. <br />
<br />
No dia seguinte, o Zeca paz, quando soube daquela aventura <br />
nocturna do primo, explicoulhe, muito sensatamente, io que <br />
queria dizer «andar na Lua». <br />
<br />
<br />
<br />
TEXTO 30 <strong>–</strong> A PRINCESA Nº 46 734 <br />
Gomes Ferreira, João <strong>–</strong> Aventuras <strong>de</strong> João Sem Medo <br />
<br />
Era <strong>de</strong> noite e João Sem Medo acampara na clareira <strong>de</strong> um souto <br />
prateado <strong>de</strong> luar. A brisa ligeira <strong>de</strong>spenteavalhe os cabelos com o <br />
seu fole voador e, ao longe, ressoava o coaxar das rãs no <br />
costumado ensaio do orfeão nocturno… <br />
Toca a dormir <strong>–</strong> aconchegouse o rapaz no chão macio <strong>de</strong> musgo. <br />
Antes porém <strong>de</strong> cerrar as pálpebras, relanceou os olhos para o <br />
firmamento. E num sobressalto <strong>de</strong> surpresa, solevantouse, <br />
apoiado nos cotovelos, para se certificar bem do que via… nada <br />
menos nada mais do que esta frase, escrita a carvão na Lua Cheia, <br />
que soletrou <strong>de</strong>vagar: <br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Olá, se andam! <strong>–</strong> recostouse <strong>de</strong> novo João Sem Medo <strong>de</strong> mãos <br />
cruzadas na nuca, a divertirse com idiotices para adormecer. <strong>–</strong> E <br />
no entanto ainda não me honraram com a apresentação <strong>de</strong> vários <br />
entes fantásticos, como a Bicha <strong>de</strong> sete cabeças, por exemplo. <br />
Podiam i<strong>de</strong>alizar uma especial para mim, com sete cabecinhas <strong>de</strong> <br />
meninas doces e sete laços nas tranças estrigadas … <br />
<br />
<br />
Andamos com pouca imaginação.<br />
TEXTO 31 <strong>–</strong> A PRINCESA Nº 46 734 (continuação do texto 30) <br />
Gomes Ferreira, João <strong>–</strong> Aventuras <strong>de</strong> João Sem Medo <br />
<br />
E João Sem Medo não arredava os olhos da Lua à espera <br />
da resposta aos seus pensamentos, que não <strong>de</strong>morou <br />
muito: <br />
<br />
<br />
<br />
cabeleireiro. Como calcula levam muito<br />
tempo a tratar dos penteados.<br />
<br />
<br />
<br />
E as princesas? <strong>–</strong> propôs ele, fascinado com aquela <br />
conversa, através da Lua, com o MagoMor dos <strong>de</strong>dos <strong>de</strong> <br />
carvão. <strong>–</strong> Já conheci um príncipe, por sinal com orelhas <strong>de</strong> <br />
burro. Vá! Salta agora uma princesa com asas na cabeça, <br />
se quiserem Mas uma princesa a valer. <br />
<br />
A réplica não <strong>de</strong>morou, quase simultânea: <br />
<br />
<br />
<br />
<br />
As bichas <strong>de</strong> sete cabeças foram ao<br />
Só há uma princesa livre.<br />
A nº 46 734. Serve?<br />
<br />
TEXTO 32 <strong>–</strong> A PRINCESA Nº 46 734 (continuação do texto 30) <br />
Gomes Ferreira, João <strong>–</strong> Aventuras <strong>de</strong> João Sem Medo <br />
<br />
Pois que venha a princesa nº 46 734 <strong>–</strong> encomendou João Sem <br />
Medo. <br />
<br />
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Com esta última mensagem as letras <strong>de</strong>liramse <strong>de</strong>vagarinho e a <br />
Lua cresceu, cresceu até quase exce<strong>de</strong>r o triplo da Lua vulgar e <br />
inundar <strong>de</strong> luz roxa a paisagem que parecia enlouquecida. <br />
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Entretanto João Sem Medo especulava sobre o processo <strong>de</strong> a <br />
princesa nº 46 734 entrar em cena. Por alguma porta rasgada <strong>de</strong> <br />
imprevisto no musgo do solo? Ou <strong>de</strong>sceria da Lua Tripla por uma <br />
escada <strong>de</strong> corda e seda? ... <br />
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Não precisou, porém <strong>de</strong> aventar mais hipóteses porque, neste <br />
ponto, soou uma melodia ténue <strong>de</strong> flauta e numerosos anõezinhos <br />
<strong>de</strong> cabeças <strong>de</strong> ouriço <strong>de</strong> castanhas, barbas <strong>de</strong> milho, corpos <strong>de</strong> <br />
bugalhos, com quatro ramitos espetados à laia <strong>de</strong> braços e <strong>de</strong> <br />
pernas, <strong>de</strong>sataram a dançar num tropel <strong>de</strong> bailarino maluco em <br />
redor <strong>de</strong> João Sem Medo. <br />
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Prepara-te, então.
TEXTO 33 <strong>–</strong> A PRINCESA Nº 46 734 (continuação do texto 30) <br />
Gomes Ferreira, João <strong>–</strong> Aventuras <strong>de</strong> João Sem Medo <br />
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À flauta juntaramse <strong>de</strong>pois, em ritmo <strong>de</strong> duen<strong>de</strong>s, vários <br />
instrumentos in<strong>de</strong>cisos que completaram a orquestra <br />
natural ambiente <strong>de</strong> pios <strong>de</strong> mocho, ruídos <strong>de</strong> folhas <br />
secas, pingos <strong>de</strong> água nas pedras, chocalhos longínquos … <br />
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Finda a dança, o chefe dos Ouricinhos, <strong>de</strong> barrete na mão <br />
(um barretinho saloio vermelho), saudou João Sem Medo <br />
com muita poli<strong>de</strong>z e especouse na frente do rapaz, à <br />
espera que este, agora <strong>de</strong> cócoras para po<strong>de</strong>r contemplá<br />
lo à vonta<strong>de</strong>, lhe dirigisse a palavra. <br />
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On<strong>de</strong> está Sua Alteza a Princesa nº 46 734? <strong>–</strong> perguntou <br />
então João Sem Medo com ironia respeitosa, sem <br />
<strong>de</strong>sperdiçar tempo com ro<strong>de</strong>ios hipócritas. <br />
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A Princesa nº 46 734? … Vossa Excelência referese à <br />
filha do Rei do Castelo On<strong>de</strong> Ninguém Entra nem Entrará? <br />
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Pois claro … afirmou João Sem Medo com <strong>de</strong>scaramento <br />
manifesto <strong>de</strong> quem conhecia a princesa <strong>de</strong> criança.
TEXTO 34 <strong>–</strong> A PRINCESA Nº 46 734 (conclusão do texto 30) <br />
Gomes Ferreira, João <strong>–</strong> Aventuras <strong>de</strong> João Sem Medo <br />
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O anãozinho mirouo com os seus olhos <strong>de</strong> grãos <strong>de</strong> milho <br />
doirado e condoeuse: <br />
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Sabese lá on<strong>de</strong> pára a Princesa … Quem lhe pôs a vista <br />
em cima? Vive há séculos afastada dos homens, sempre <br />
jovem e igual, no Castelo Da Perfeição das Nuvens, don<strong>de</strong> <br />
agora <strong>–</strong> dizem <strong>–</strong> <strong>de</strong>sapareceu raptada pelos Dragões … E <br />
per<strong>de</strong>ramlhe o rasto. <br />
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João Sem Medo sorriu. Sorriu e pensou: «Nestas <br />
histórias <strong>de</strong> princesas o enredo nunca varia. A princesa <br />
foge (ou é arrebatada pelos monstros, ou entristece, ou <br />
bebe algum elixir <strong>de</strong> Morte provisória), o pai afligese, <br />
promete mundos e fundos a quem a <strong>de</strong>sencantar e, no <br />
último acto, eis que irrompe em apoteose o Cavaleiro <br />
eleito que a salva e casa com ela. É infalível.» <br />
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