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20 anos da seguridade social na constituição sonho ou ... - ANFIP

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<strong>20</strong> ANOS DA SEGURIDADE SOCIAL<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

NA CONSTITUIÇÃO<br />

SONHO OU REALIDADE?<br />

Brasília, abril de <strong>20</strong>09


Fun<strong>da</strong>ção <strong>ANFIP</strong> de Estudos <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

Associação Nacio<strong>na</strong>l dos Auditores Fiscais <strong>da</strong> Receita Federal do Brasil - AN-<br />

FIP<br />

Coorde<strong>na</strong>dor: Celecino de Carvalho Filho<br />

Colaboradores: Floriano José Martins, A<strong>na</strong> Lucia G. Silva, Gláucio Diniz de S<strong>ou</strong>za,<br />

Rosa<strong>na</strong> Escudero de Almei<strong>da</strong>, Marcio Humberto Gheller, José Venícios Lira Duarte.<br />

Permiti<strong>da</strong> a divulgação dos textos contidos nesta publicação, desde que cita<strong>da</strong>s as<br />

fontes.<br />

Impresso no Brasil<br />

Normalização Bibliográfi ca: Bibliotecária com Registro CRB1-1159<br />

Fun<strong>da</strong>ção <strong>ANFIP</strong> de Estudos <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

Associação Nacio<strong>na</strong>l dos Auditóres Fiscais <strong>da</strong> Receita Federal do Brasil (<strong>ANFIP</strong>)<br />

<strong>20</strong> Anos <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição: Sonho <strong>ou</strong> Reali<strong>da</strong>de?<br />

Coorde<strong>na</strong>dor: Celecino de Carvalho Filho<br />

Colaboradores: Floriano José Martins, A<strong>na</strong> Lucia G. Silva, Gláucio Diniz de S<strong>ou</strong>za,<br />

Rosa<strong>na</strong> Escudero de Almei<strong>da</strong>, Marcio Humberto Gheller, José Vinícios Lira Duarte,<br />

Le<strong>na</strong> Lavi<strong>na</strong>s, André Cavalcanti, Nelson Rodrigues dos Santos, Flávio Tonelli Vaz,<br />

Evilásio Salvador, Stephen Kanitz, Ivannildo de Barros e Silva Filho, José Guilherme<br />

Ferraz <strong>da</strong> Costa, Caroli<strong>na</strong> Veríssimo Barbieri, Lindemberg Cesar Simio<strong>na</strong>to,<br />

Narlon Gutierre Nogueira, Tatiane Muncinelli. Brasília: Fun<strong>da</strong>ção <strong>ANFIP</strong>, <strong>20</strong>09.<br />

235 p.<br />

ISBN 978-85-62102-00-4<br />

1. Seguri<strong>da</strong>de Social 2. Previdência Social 3. Saúde Pública 4. Assistência<br />

Social.<br />

CDU 369


Fun<strong>da</strong>ção Anfi p de Estudos <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

<strong>ANFIP</strong> - Associação Nacio<strong>na</strong>l dos Auditores Fiscais <strong>da</strong> Receita Federal do Brasil<br />

CONSELHO EXECUTIVO<br />

Assunta Di Dea Bergamasco - Presidente<br />

João Laércio Gagliardi Fer<strong>na</strong>ndes - Vice-Presidente<br />

Fábio Galízia Ribeiro de Campos - Vice-Presidente de Assuntos Fiscais<br />

Maria do Carmo Costa Pimentel - Vice-Presidente de Política de Classe e Relações Interassociativas<br />

Marcelo Oliveira - Vice-Presidente de Política Salarial<br />

Sandra Tereza Paiva Miran<strong>da</strong> - Vice-Presidente de Assuntos <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

Armando dos Santos - Vice-Presidente de Cultura Profi ssio<strong>na</strong>l<br />

Nildo Manoel de S<strong>ou</strong>za - Vice-Presidente de Aposentadorias e Pensões<br />

Antônio Silvano Alencar de Almei<strong>da</strong> - Vice-Presidente de Serviços Assistenciais<br />

Manoel Eliseu de Almei<strong>da</strong> - Vice-Presidente de Assuntos Jurídicos<br />

Miguel Arcanjo Simas Nôvo - Vice-Presidente de Assuntos Tributários<br />

João Alves Moreira - Vice-Presidente de Administração, Patrimônio e Ca<strong>da</strong>stro<br />

Luiz Mendes Bezerra - Vice-Presidente de Fi<strong>na</strong>nças<br />

Eucélia Maria Agrizzi Mergar - Vice-Presidente de Planejamento e Controle Orçamentário<br />

Ovídio Palmeira Filho - Vice-Presidente de Comunicação Social<br />

Maruchia Mialik - Vice-Presidente de Relações Públicas<br />

Rodrigo <strong>da</strong> Costa Possas - Vice-Presidente de Assuntos Parlamentares<br />

Maria Ber<strong>na</strong>dete Sampaio Bello - Vice-Presidente de Tecnologia <strong>da</strong> Informação<br />

CONSELHO FISCAL<br />

Carlos Roberto Bispo (MG) - Coorde<strong>na</strong>dor<br />

Ary Gonzaga de Lellis (GO) - Membro<br />

Jorge Cezar Costa (SE) - Relator<br />

CONSELHO DE REPRESENTANTES<br />

Dulce Wilennbring de Lima (RS) - Coorde<strong>na</strong>dora<br />

A<strong>na</strong> Mickeli<strong>na</strong> B. Carreira (MA) - Vice-Coorde<strong>na</strong>dora<br />

Rozinete Bissoli Guerini (ES) - Secretária<br />

Léa Pereira de Mattos (DF) - Secretária-Adjunta<br />

AC – Heliomar Lunz<br />

AL - Francisco de Carvalho Melo<br />

AP - Emir Cavalcanti Furtado<br />

AM - Cleide Almei<strong>da</strong> Novo<br />

BA - Luiz Antônio Gitira<strong>na</strong><br />

CE - Eliezer Xavier de Almei<strong>da</strong><br />

GO - Nilo Sérgio de Lima<br />

MT – Manoel de Matos Ferraz<br />

MS - Cassia Apareci<strong>da</strong> Martins de A. Vedovatte<br />

MG - Lúcio Avelino de Barros<br />

PA - Maria Oneyde Santos<br />

PB - Maria Janeide <strong>da</strong> C. Rodrigues e Silva<br />

CONSELHO CURADOR<br />

Assunta Di Dea Bergamasco - PRESIDENTE<br />

Ovídio Palmeira Filho - SECRETÁRIO<br />

Sandra Tereza Paiva Miran<strong>da</strong><br />

Maria do Carmo Costa Pimentel<br />

Amauri Soares de S<strong>ou</strong>za<br />

Pedro Dittrich Júnior<br />

Miguel Arcanjo Simas Novo<br />

SUPLENTES<br />

Eurico Cervo<br />

Aloísio Jorge Holzmeier<br />

Paulo Cesar Andrade Almei<strong>da</strong><br />

DIRETORIA EXECUTIVA<br />

Floriano José Martins - DIRETOR PRESIDENTE<br />

A<strong>na</strong> Lúcia Guimarães Silva - DIRETORA ADMINISTRATIVA<br />

Gláucio Diniz de S<strong>ou</strong>za - DIRETOR FINANCEIRO<br />

Márcio Humberto Gheller - DIRETOR DE PLANEJAMENTO E PROJETOS<br />

Rosa<strong>na</strong> Escudero de Almei<strong>da</strong> - DIRETORA DE EVENTOS E CURSOS<br />

SUPLENTES<br />

Décio Bruno Lopes<br />

Vanderley José Maçaneiro<br />

José Roberto Pimentel Teixeira<br />

Vilson Antônio Romero<br />

CONSELHO FISCAL<br />

José Helio Pereira<br />

Ennio Magalhães Soares <strong>da</strong> Câmara<br />

José Geraldo de Oliveira Ferraz<br />

SUPLENTES<br />

Paulo Freitas Radtke<br />

José Avelino <strong>da</strong> Silva Neto<br />

PR - Ademar Borges<br />

PE - Abias Amorim Costa<br />

PI - Guilhermano Pires F. Correa<br />

RJ - Sérgio Wehbe Baptista<br />

RN - Maria Apareci<strong>da</strong> F. Paes Leme<br />

RO - Eni Paizanti de Laia Ferreira<br />

RR - AndreLuiz Spagnuolo Andrade<br />

SC - Pedro Dittrich Júnior<br />

SP - Edgard dos Santos<br />

SE - Jorge L<strong>ou</strong>renço Barros<br />

TO - Márcio Rosal Bezerra Barros


ÍNDICE<br />

Apresentação............................................................................................................5<br />

Introdução..................................................................................................................7<br />

1. A Constituição de 88 e a Previdência Social, <strong>20</strong> <strong>anos</strong> depois........................9<br />

Celecino de Carvalho Filho<br />

2. O legado <strong>da</strong> Constituição de 88: é possível incluir sem universalizar?.......33<br />

Le<strong>na</strong> Lavi<strong>na</strong>s e André Cavalcanti<br />

3. Política Pública de Saúde no Brasil: encruzilha<strong>da</strong>, buscas e es-<br />

colhas de rumos .......................................................................64<br />

Nelson Rodrigues dos Santos<br />

4. Práticas orçamentárias a esvaziar a Seguri<strong>da</strong>de Social..................................79<br />

Floriano José Martins e Flávio Tonelli Vaz<br />

5. Quem fi <strong>na</strong>ncia e qual o destino dos recursos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> no Bra-<br />

sil? ..........................................................................................................................97<br />

Evilásio Salvador<br />

6. Constituição amplia direitos previdenciários e assistenciais.....................124<br />

Previdência em Questão - Brasília, 1º a 15 de <strong>ou</strong>tubro de <strong>20</strong>08 - nº 06/08<br />

7. O Direito de cui<strong>da</strong>r de si..................................................................................128<br />

Stephen Kanitz<br />

7.1. A estória que Kanitz não cont<strong>ou</strong>.......................................................................129<br />

Ivannildo de Barros e Silva Filho<br />

8. A seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> como tecnologia jurídica para o desenvolvimento<br />

humano......................................................................................................133<br />

José Guilherme Ferraz <strong>da</strong> Costa<br />

9. Seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> e a Constituição de 1988...................................................140<br />

Caroli<strong>na</strong> Veríssimo Barbieri<br />

10. Welfare State: uma perspectiva teórico-histórica................................153<br />

Lindemberg Cesar Simio<strong>na</strong>to<br />

11. Estudo comparativo - A Seguri<strong>da</strong>de Social em alguns países........................173<br />

Narlon Gutierre Nogueira<br />

12. Assistência Social - Critérios e requisitos para a concessão do benefício<br />

de prestação continua<strong>da</strong> à pessoa portadora de defi ciência e ao idoso.......184<br />

Tatiane Muncinelli


O teste <strong>da</strong> resistência<br />

APRESENTAÇÃO<br />

Estamos diante do vigésimo aniversário <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

Esse marco deve ser observado à luz de to<strong>da</strong> uma história geral, iniciando-se pelos<br />

conceitos de Seguro Social, voltado exclusivamente para a pessoa do trabalhador, cujo<br />

marco incontroverso é a Mensagem Imperial de Bismarck ao governo conservador alemão,<br />

em 1883/1884. Seguindo pela reconstrução <strong>da</strong> Europa dizima<strong>da</strong> pela grande guerra, em<br />

1940/1945, quando o conceito de seguro <strong>social</strong> foi revisto, capitaneado pelas idéias de Lord<br />

Beveridge, que em 1942, estabeleceu o ideal de Seguri<strong>da</strong>de, um seguro <strong>social</strong> ampliado,<br />

desde então protegendo não mais somente o trabalhador, mas em alguma medi<strong>da</strong>, também<br />

os seus familiares, esse ideário foi amplamente acatado pelos governos inglês (Churchill )<br />

e norte-americano (Roosevelt), e rapi<strong>da</strong>mente se alastrando para vários países ocidentais,<br />

propagando o estado do bem-estar <strong>social</strong>, <strong>ou</strong> simplesmente, como <strong>na</strong> sigla inglesa, Welfare<br />

State.<br />

Tal on<strong>da</strong> dos direitos sociais inclui o Brasil também.<br />

Tanto que, devido ao grande sucesso deste conjunto de ações dos governos para uma<br />

garantia mínima de proteção <strong>social</strong>, o Constituinte brasileiro Originário de 1988, acolheu<br />

com o primado <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de, dedicando-lhe especial destaque no título VIII, <strong>da</strong> Ordem<br />

Social, com capítulos próprios e específi cos (<strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> saúde, <strong>da</strong> assistência, <strong>da</strong><br />

previdência).<br />

Nesta comemoração, a Fun<strong>da</strong>ção <strong>ANFIP</strong> e a <strong>ANFIP</strong> apresentam alguns artigos de<br />

colaboradores, para melhor interpretação desse conjunto de idéias. Vale ressaltar que os<br />

textos aqui apresentados não refl etem, necessariamente, a opinião <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção <strong>ANFIP</strong> e<br />

<strong>da</strong> <strong>ANFIP</strong>.<br />

Boa leitura!!!<br />

Brasília, abril de <strong>20</strong>09.<br />

Fun<strong>da</strong>ção <strong>ANFIP</strong> e <strong>ANFIP</strong>


INTRODUÇÃO<br />

Este tema não é pacífi co, tranqüilo <strong>ou</strong> acabado.<br />

É uma discussão em uma socie<strong>da</strong>de que se transforma constantemente, produz novas<br />

necessi<strong>da</strong>des, altera seus paradigmas. Certeza só que estamos diante de difi cul<strong>da</strong>des dos<br />

homens de todos os tempos.<br />

Prelimi<strong>na</strong>rmente, afi rmamos que o exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia está imbricado com a<br />

consoli<strong>da</strong>ção, garantia e acesso <strong>da</strong> população aos direitos civis, políticos e sociais. Os direitos<br />

civis estão relacio<strong>na</strong>dos aos direitos individuais dos ci<strong>da</strong>dãos que podem ser expressos<br />

<strong>na</strong> liber<strong>da</strong>de de expressão, possibili<strong>da</strong>de de afi liação religiosa e/<strong>ou</strong> partidária, escolha de<br />

ideologia. Os direitos políticos referem-se à garantia e possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> participação <strong>na</strong><br />

organização <strong>social</strong>, e que podem ser expressos <strong>na</strong> possibili<strong>da</strong>de de eleger, ser eleito, e<br />

<strong>na</strong> participação em movimentos sociais. Os direitos sociais reportam-se à garantia de um<br />

padrão <strong>social</strong> mínimo a todos os ci<strong>da</strong>dãos, por meio do provimento <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des sociais<br />

básicas, atinentes à saúde, à previdência, à assistência <strong>social</strong>, à educação, ao trabalho, ao<br />

lazer, entre <strong>ou</strong>tros.<br />

“Seguri<strong>da</strong>de Social é uma expressão que foi introduzi<strong>da</strong> no Brasil pela Constituição<br />

Federal de 1988. Essa expressão foi utiliza<strong>da</strong> para defi nir um sistema de proteção <strong>social</strong> que<br />

articularia três direitos: saúde, previdência e assistência <strong>social</strong>. Esse sistema de proteção<br />

<strong>social</strong> tem por objetivo garantir que todos os ci<strong>da</strong>dãos tenham as necessi<strong>da</strong>des básicas<br />

contempla<strong>da</strong>s, permitindo o exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia por meio do acesso a direitos sociais.<br />

Tal expressão, elabora<strong>da</strong> pela primeira vez <strong>na</strong> ata do seguro <strong>social</strong> americano em 1935<br />

foi utiliza<strong>da</strong> <strong>na</strong> França para desig<strong>na</strong>r o sistema de proteção <strong>social</strong> francês, construído <strong>na</strong><br />

déca<strong>da</strong> de 1940, envolvendo três direitos que mesclam a lógica dos direitos assistenciais<br />

(beverigdiano) e a lógica securitária (bismarkiano), com predominância desse último modelo.<br />

A atual seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> francesa envolve como direitos:<br />

Saúde (seguro saúde e ações sanitárias e sociais), previdência (aposentadorias, pensões<br />

e salário materni<strong>da</strong>de) e assistência à família (um conjunto de 07 prestações fi <strong>na</strong>nceiras de<br />

apoio familiar). As duas primeiras seguem a lógica do seguro contributivo, com benefícios<br />

proporcio<strong>na</strong>is à contribuição, enquanto a terceira tem caráter misto (BOSCHETTI, <strong>20</strong>03a:<br />

8).<br />

A Seguri<strong>da</strong>de Social brasileira, assim como a francesa, foi infl uencia<strong>da</strong> pelos modelos<br />

bismarkiano e beverigdiano. Esses modelos possuem características diferencia<strong>da</strong>s, incluindo<br />

duas formas de gestão e fi <strong>na</strong>nciamento. Atualmente a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> brasileira “conjuga<br />

direitos derivados do trabalho (previdência) com direitos de caráter universal (saúde) e<br />

direitos seletivos (assistência)” (BOSCHETTI, <strong>20</strong>04: 114), permanecendo entre a lógica<br />

assistencial e a lógica securitária.


A Seguri<strong>da</strong>de Social brasileira foi considera<strong>da</strong> um dos grandes avanços constitucio<strong>na</strong>is<br />

de 1988, contudo esse sistema ain<strong>da</strong> não se transform<strong>ou</strong> em um sistema integrado de<br />

ações do poder público e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de que visam garantir os direitos relativos à saúde, à<br />

previdência e à assistência <strong>social</strong>”. (*)<br />

(*) Autor Thaís Neves de Menezes Costa, Assistente Social pela UNB, participante do Concurso Nacio<strong>na</strong>l de Teses e Monogra-<br />

fi as <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção <strong>ANFIP</strong> de Estudos <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social.


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

1. A Constituição de 88 e a Previdência Social,<br />

(*) Celecino de Carvalho Filho, Especialista em Seguri<strong>da</strong>de Social e Educador Previdenciário. Foi Servidor <strong>da</strong> Previdência, de 1985 a<br />

<strong>20</strong>08, tendo sido Secretário de Estudos Especiais do Ministério <strong>da</strong> Previdência, de 1986 a 1990. “professorcelecino@yahoo.com.br’<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

<strong>20</strong> <strong>anos</strong> depois<br />

Celecino de Carvalho Filho*<br />

Resumo: Este artigo faz uma avaliação crítica do processo de inserção <strong>da</strong> Seguri-<br />

<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição de 88 e <strong>da</strong> situação do Regime Geral de Previdência Social,<br />

desde o momento constituinte até os dias atuais. A visão é a de quem viveu todo esse<br />

momento histórico dentro <strong>da</strong> Instituição previdenciária, um privilégio que agora se soma<br />

a <strong>ou</strong>tro, que é a possibili<strong>da</strong>de de retratar esses acontecimentos, seja em oportuno semi-<br />

nário: A LUTA PELOS DIREITOS SOCIAIS: CONQUISTAS E NOVOS DESAFIOS, <strong>20</strong><br />

<strong>anos</strong> <strong>da</strong> Constituição Ci<strong>da</strong>dã, patroci<strong>na</strong>do por dois dos maiores e mais conceituados<br />

centros de ensino e pesquisa do país: a UFRJ e a UNICAMP; seja integrando mais uma<br />

importante iniciativa <strong>da</strong> FUNDAÇÃO <strong>ANFIP</strong>, em disponibilizar, em sua pági<strong>na</strong> <strong>na</strong> inter-<br />

net, o documento SONHO OU REALIDADE? <strong>20</strong> ANOS DA SEGURIDADE SOCIAL NA<br />

CONSTITUIÇÃO Destaque especial é <strong>da</strong>do aos avanços e retrocessos nessa caminha-<br />

<strong>da</strong>, com ênfase aos desvios de recursos e de despesas perpetrados contra a Seguri<strong>da</strong>de<br />

Social, bem como às per<strong>da</strong>s dos valores dos benefícios do Regime Geral, a despeito <strong>da</strong>s<br />

garantias constitucio<strong>na</strong>is de preservação de seu valor real.<br />

Dizer sobre a Constituição de 88 e, especialmente, sobre a Previdência Social, nesses<br />

últimos <strong>20</strong> <strong>anos</strong>, é falar de liber<strong>da</strong>de, de luta, de conquistas, de aprendizado e, sobretudo,<br />

de resistência. Mas também de angústia, de decepção, pelo muito que deix<strong>ou</strong> de ser feito, a<br />

despeito de todo o arcab<strong>ou</strong>ço institucio<strong>na</strong>l vigente, garantidor de avanços <strong>na</strong> proteção <strong>social</strong><br />

e <strong>da</strong>s condições que foram disponibiliza<strong>da</strong>s para esse fi m.<br />

A conquista mais importante tem a ver com a mu<strong>da</strong>nça de paradigma <strong>na</strong> adoção de<br />

políticas públicas volta<strong>da</strong>s à proteção <strong>social</strong>: a nova Carta Política consagr<strong>ou</strong> a concessão<br />

de benefícios lastrea<strong>da</strong> em direitos, e não mais <strong>na</strong> benesse, no favor, tradicio<strong>na</strong>l e aviltante<br />

postura do Estado brasileiro em relação ao exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />

Muito importante, porque essa nova concepção, decorreu do próprio processo constituinte<br />

que, mais do que ca<strong>na</strong>lizar to<strong>da</strong> a força dos movimentos sociais, reprimi<strong>da</strong> durante a longa<br />

supressão <strong>da</strong>s garantias e liber<strong>da</strong>des democráticas, traduziu-a em políticas públicas de<br />

acesso universal.<br />

Mais ain<strong>da</strong>, porque esse processo continu<strong>ou</strong> <strong>na</strong> fase de regulamentação inicial <strong>da</strong> Carta<br />

9


10<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Política, como refl exo <strong>da</strong>quele enriquecedor momento <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

Por que não se avanç<strong>ou</strong> mais? Porque falt<strong>ou</strong> decisão política comprometi<strong>da</strong> com a<br />

proteção <strong>social</strong>, mesmo reconhecendo-se a difi cul<strong>da</strong>de de mu<strong>da</strong>nça de um paradigma, uma<br />

cultura.<br />

Observe-se, ain<strong>da</strong> no momento constituinte, a forte reação <strong>da</strong>s forças conservadoras<br />

em não aceitar os avanços <strong>na</strong> área <strong>social</strong>, nota<strong>da</strong>mente, por meio do bloco parlamentar,<br />

chamado de ‘centrão’.<br />

Registre-se também, por absolutamente oportuno, o emblemático pronunciamento do<br />

Senhor Presidente <strong>da</strong> República, José Sarney, em cadeia de rádio e televisão, em 27 julho<br />

de 88, quando os constituintes se preparavam para o início <strong>da</strong> votação do segundo turno.<br />

Dizia Sua Excelência: “...A situação <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> é igualmente difícil.<br />

Muitos dos seus gastos não podem ser avaliados. Mas, a parte calculável permite estimar<br />

custos adicio<strong>na</strong>is <strong>da</strong> Previ dência em mais de um trilhão de cruzados por ano (5,6 bilhões<br />

de dólares).<br />

Já em 1989, com a entra<strong>da</strong> em vigor dos novos benefícios, a Previdência arcará com o<br />

déficit <strong>da</strong> ordem de 630 bilhões de cruzados, <strong>ou</strong> 3,5 bilhões de dólares.<br />

E, ain<strong>da</strong> mais, nós não poderemos quantificar o se guinte: equivalência de benefícios ur-<br />

b<strong>anos</strong> e rurais; antecipação <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de limite para aposentadoria dos trabalhado res rurais;<br />

aposentadoria proporcio<strong>na</strong>l <strong>da</strong>s mulheres aos 25 <strong>anos</strong> de ativi<strong>da</strong>de profissio<strong>na</strong>l; pensão<br />

ao marido <strong>ou</strong> com panheiro pela morte <strong>da</strong> segura<strong>da</strong>; a reformulação do cálculo do valor<br />

<strong>da</strong>s aposentadorias, tomando-se por base a mé dia dos 36 últimos salários de contribuição;<br />

concessão do seguro-desemprego com piso equivalente a um salário mínimo, garanti<strong>da</strong> a<br />

preservação do seu valor real; aju<strong>da</strong> para a manutenção dos dependentes dos segurados de<br />

baixa ren<strong>da</strong>. A Constituinte man<strong>da</strong> incorporar aos recursos previdenciários a arreca<strong>da</strong>ção<br />

do FINSOCIAL, retirando recursos <strong>da</strong> meren<strong>da</strong> escolar, <strong>da</strong> distribuição gratuita de leite,<br />

dos programas habitacio<strong>na</strong>is para pessoas de baixa ren<strong>da</strong>; e do fi<strong>na</strong>nciamento ao pequeno<br />

produtor rural.<br />

Estes programas terão que ser drasticamente reduzidos, cancelados, e será uma tragé-<br />

dia porque atingem os que mais precisam...”<br />

Em artigo publicado, em 93 1 pág. 35, afi rmei o seguinte:<br />

“A preocupação manifesta<strong>da</strong> por Sua Excelência era com o risco de serem inviabiliza-<br />

dos programas de ‘indiscutível’ alcance <strong>social</strong>, como meren<strong>da</strong> escolar, distribuição gratuita<br />

de leite, entre <strong>ou</strong>tros, que seriam reduzidos <strong>ou</strong> extintos, face à brutal pressão junto aos cof-<br />

(1) Propostas de Reforma <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social: uma visão crítica, artigo publicado <strong>na</strong> revista Planejamento e Políticas Públi-<br />

cas, n.9, junho/93, IPEA e reproduzido, pela <strong>ANFIP</strong>, em publicação especial.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

res públicos, causa<strong>da</strong> pela introdução do Conceito de Seguri<strong>da</strong>de Social e sua repercussão<br />

nos gastos sociais”.<br />

E prosseguia, afi rmando: “Começa a ganhar corpo, com dimensões gigantescas,<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong> a fala presidencial, o processo de tentativa de liqui<strong>da</strong>ção antecipa<strong>da</strong> deste indiscutív-<br />

el avanço <strong>da</strong> Carta Mag<strong>na</strong>: a introdução do conceito de Seguri<strong>da</strong>de Social e seus objetivos<br />

que contemplam princípios consagradores de direitos fun<strong>da</strong>mentais para o exercício <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e colocam a nossa Constituição entre as mais moder<strong>na</strong>s em matéria de proteção<br />

<strong>social</strong>”.<br />

E desnu<strong>da</strong>va a razão-maior <strong>da</strong> reação palacia<strong>na</strong>: “O que estava em jogo, <strong>na</strong><br />

reali<strong>da</strong>de, não era ape<strong>na</strong>s a provável falta de recursos, <strong>da</strong><strong>da</strong>s as vultosas somas despendi-<br />

<strong>da</strong>s em <strong>ou</strong>tras rubricas, e sim a possibili<strong>da</strong>de de troca de uma prática política pater<strong>na</strong>lista<br />

e tradicio<strong>na</strong>l, que avilta o ci<strong>da</strong>dão, mas garante a reprodução do sistema político vigente,<br />

por <strong>ou</strong>tra, imposta pela nova Carta, onde ca<strong>da</strong> novo benefício concedido <strong>ou</strong> ampliado fun-<br />

<strong>da</strong>menta-se no respeito ao direito de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, deixando de ser um favor do Estado”.<br />

E, tendo vivenciado os movimentos, como agente operador do processo de<br />

regulamentação, acrescentei: “Nessa linha de compreensão e malgrados os esforços<br />

de bloqueio desse avanço constitucio<strong>na</strong>l, agarraram-se, Executivo e Legislativo, no que era<br />

possível e previsível: a postergação delibera<strong>da</strong> no encaminhamento e apreciação dos proje-<br />

tos de lei regulamentadores dos dispositivos <strong>da</strong> Carta Política. O resultado desse procedi-<br />

mento é que em vez de se começar a implementação infraconstitucio<strong>na</strong>l já a partir de <strong>ou</strong>tu-<br />

bro de 89, como o determi<strong>na</strong>va a Lei Maior, somente em julho de 91 promulgaram-se<br />

as Leis de Organização e Custeio <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social e de Benefícios <strong>da</strong> Previdência<br />

Social, ain<strong>da</strong> assim, com graves distorções; em setembro de 90, a Lei Orgânica <strong>da</strong> Saúde; e,<br />

até esta <strong>da</strong>ta, maio/93, ain<strong>da</strong> não foi regulamenta<strong>da</strong> a Assistência Social”.<br />

De fato, a regulamentação <strong>da</strong> LOAS – Lei Orgânica <strong>da</strong> Assistência Social só veio a<br />

ocorrer no fi <strong>na</strong>l de 93, evidência irrefutável <strong>da</strong> resistência <strong>na</strong> mu<strong>da</strong>nça de paradigma no<br />

reconhecimento de direitos.<br />

O Ministério <strong>da</strong> Previdência Social, no momento constituinte, além de colaborar <strong>na</strong> ação<br />

política para os avanços conceituais que viriam a ser consig<strong>na</strong>dos <strong>na</strong> Carta Política, coloc<strong>ou</strong><br />

à disposição do Relator do Título <strong>da</strong> Ordem Social, informalmente, a Secretaria de Estudos<br />

Especiais do próprio Ministério, com o objetivo de prestar a assessoria integral à condução<br />

dos trabalhos.<br />

Essa colaboração foi mais efetiva <strong>na</strong> defi nição de conceitos, tendo como referências a<br />

d<strong>ou</strong>tri<strong>na</strong> e a boa técnica, especialmente <strong>na</strong>s áreas de Previdência e Assistência, especifi cando<br />

ca<strong>da</strong> item negociado, bem como calculando os respectivos impactos.<br />

Igual contribuição foi presta<strong>da</strong> <strong>na</strong> defi nição <strong>da</strong>s novas fontes de fi <strong>na</strong>nciamento para a<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

11


12<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Seguri<strong>da</strong>de, já que estava claro para a Secretaria de Estudos a absoluta insufi ciência <strong>da</strong><br />

Folha de Salários em atender também aos novos e necessários avanços que precisavam ser<br />

incorporados à proteção <strong>social</strong>, por meio <strong>da</strong> Carta Constitucio<strong>na</strong>l em elaboração.<br />

Sempre h<strong>ou</strong>ve a máxima preocupação em subsidiar o momento constituinte, especialmente<br />

no tocante aos impactos <strong>na</strong> despesa do que se pretendia aprovar, e até mesmo para os<br />

itens de maior difi cul<strong>da</strong>de de quantifi cação fazia-se uma aproximação estimativa, tudo<br />

contemplado no novo conjunto de fontes de fi <strong>na</strong>nciamento.<br />

Por tudo isso, o corpo técnico <strong>da</strong> Secretaria de Estudos Especiais do Ministério <strong>da</strong><br />

Previdência fi c<strong>ou</strong> perplexo com o pronunciamento de Sua Excelência, tendo produzido<br />

contundente Nota Técnica demonstrando exatamente o oposto, embora consciente de que<br />

a atitude presidencial tinha claros objetivos políticos, contrários aos avanços sociais que<br />

seriam incorporados à nova Constituição.<br />

Aprova<strong>da</strong>s as mu<strong>da</strong>nças e defi ni<strong>da</strong>s as novas fontes, o fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de<br />

Social fi c<strong>ou</strong> assegurado pela Folha de Salários, pela incorporação do Fin<strong>social</strong> (depois,<br />

COFINS – Contribuição para o Fi<strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social) e pela instituição <strong>da</strong><br />

Contribuição Social sobre o Lucro Líqüido <strong>da</strong>s Empresas.<br />

Os constituintes tiveram ain<strong>da</strong> o cui<strong>da</strong>do de <strong>da</strong>r gra<strong>da</strong>ção <strong>na</strong> implementação <strong>da</strong>s<br />

decisões toma<strong>da</strong>s, evidenciando a responsabili<strong>da</strong>de <strong>na</strong> questão do gasto público, a despeito<br />

<strong>da</strong> histórica e enorme dívi<strong>da</strong> <strong>social</strong> do Estado para com a socie<strong>da</strong>de.<br />

O Regime Geral de Previdência Pré-Constituição de 88<br />

Assombrosa era a situação do Regime Geral de Previdência Social, antes <strong>da</strong> promulgação<br />

<strong>da</strong> nova Constituição.<br />

Descumpriam-se, praticamente, todos os princípios que devem nortear um regime de<br />

previdência. Da forte ausência de universalização de acesso, à precarie<strong>da</strong>de do atendimento,<br />

ao cálculo de benefício e ao processo de reajuste de seus valores, tudo era desrespeitado,<br />

vilipendiado, muito longe do respeito ao exercício do direito de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />

Embora a legislação já previsse o acesso, ao Regime Geral, de empregados, empresários,<br />

autônomos, avulsos e até de trabalhadores rurais, <strong>na</strong> prática, pela ausência de campanhas<br />

sistemáticas de orientação, de fi scalização e de investimentos básicos em pessoas, tecnologia<br />

e uni<strong>da</strong>des de atendimento, a cobertura previdenciária era muito precária.<br />

Infelizmente, a despeito do avanço <strong>da</strong> legislação, em possibilitar a incorporação de mais<br />

segurados, entretanto, como as demais condições p<strong>ou</strong>co se alteraram, ain<strong>da</strong> é grave o<br />

nível de universalização <strong>da</strong> previdência brasileira, porque há cerca de 30 milhões pessoas<br />

ocupa<strong>da</strong>s, mas sem qualquer proteção.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Cálculo de Benefícios<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Crime de Estado, era como a Secretaria de Estudos defi nia o cálculo de benefício do<br />

Regime Geral.<br />

Para os benefícios considerados não-programáveis, como auxílio-doença, aposentadoria<br />

por invalidez, pensão por morte e auxílio-reclusão, o cálculo contemplava ape<strong>na</strong>s os 12<br />

últimos salários-de-contribuição, sem qualquer correção dessas contribuições.<br />

Mais ain<strong>da</strong>, como o cálculo era de 1/12 avos dos salários-de-contribuição, pesquisados<br />

em até 18 meses, caso o segurado, por exemplo, só possuísse as seis últimas contribuições,<br />

nenhuma era corrigi<strong>da</strong> e ain<strong>da</strong> a soma dessas seis contribuições era dividi<strong>da</strong> por 12.<br />

Para as demais espécies de benefícios, os programáveis, o cálculo correspondia a<br />

1/36 avos <strong>da</strong> soma dos últimos salários-de-contribuição, pesquisados em até 48 meses,<br />

corrigindo-se ape<strong>na</strong>s as 24 primeiras contribuições.<br />

Na mesma linha do raciocínio anterior, também a título de exemplo, considerando um<br />

segurado com ape<strong>na</strong>s as 12 últimas contribuições, nenhuma delas era corrigi<strong>da</strong> e ain<strong>da</strong> a<br />

soma dessas contribuições era dividi<strong>da</strong> por 36.<br />

Ape<strong>na</strong>s a título de lembrete, a infl ação em 88, medi<strong>da</strong> pelo INPC/IBGE, foi de 993,29%.<br />

Piso Previdenciário<br />

O piso previdenciário urbano correspondia, em 88, a 95% do salário mínimo (até o ano<br />

de 87, esses pisos eram de 90% para as Aposentadorias; 75% para o Auxílio-Doença e<br />

60% para Pensão por Morte), e a 50%, para os rurais. Se o salário mínimo sempre foi<br />

insufi ciente para atender às necessi<strong>da</strong>des básicas de uma família, imagine-se a concessão<br />

de um benefício equivalente à metade desse valor.<br />

Reajuste de Benefícios<br />

Perverso, igualmente, era o processo de reajuste dos benefícios do Regime Geral. A<br />

eles, os benefícios, era aplicado o mesmo índice <strong>da</strong> política salarial.<br />

Foi assim durante to<strong>da</strong> a ditadura militar e assim continu<strong>ou</strong> <strong>na</strong> chama<strong>da</strong> Nova República,<br />

até o advento <strong>da</strong> nova Constituição, que determin<strong>ou</strong> a preservação do valor real dos<br />

benefícios <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong>.<br />

Concessão de Benefícios<br />

Para a obtenção de benefícios, além do atendimento aos requisitos estabelecidos,<br />

bastava não ter rasura <strong>na</strong> Carteira de Trabalho <strong>ou</strong> nos Carnês apresentados.<br />

Qualquer problema que implicasse necessi<strong>da</strong>de de pesquisa para confi rmar vínculo <strong>ou</strong><br />

remuneração, especialmente fora <strong>da</strong> jurisdição do ‘posto’ de benefício <strong>ou</strong> do próprio Estado,<br />

representava postergação indefi ni<strong>da</strong> <strong>na</strong> concessão pretendi<strong>da</strong> <strong>ou</strong>, simplesmente, a não-<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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concessão desse benefício.<br />

14<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Vislumbravam-se aí pelo menos dois grandes problemas. De um lado, a facili<strong>da</strong>de que<br />

era adulterar esses documentos e, portanto, frau<strong>da</strong>r a concessão de benefício. De <strong>ou</strong>tro, a<br />

difi cul<strong>da</strong>de de comprovação do exercício de direito, clara obrigação do Estado, que, ausente,<br />

resultava em evidente prejuízo para a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />

Ca<strong>da</strong>stro de Ativos e I<strong>na</strong>tivos<br />

Ca<strong>da</strong>stros, os grandes ausentes <strong>na</strong> gestão <strong>da</strong> Previdência Social. Os p<strong>ou</strong>cos que existiam<br />

eram parciais, desatualizados e, mais grave, não se comunicavam.<br />

Por iniciativa <strong>da</strong> Secretaria de Estudos Especiais do Ministério <strong>da</strong> Previdência e em<br />

parceria com o Ministério do Trabalho e a Caixa Econômica Federal, após um ano e meio de<br />

esforço conjunto, instituiu-se, em julho de 89 2 , o CNT - Ca<strong>da</strong>stro Nacio<strong>na</strong>l do Trabalhador.<br />

Em 92, o CNT, nome <strong>da</strong>do em home<strong>na</strong>gem a antiga iniciativa ca<strong>da</strong>stral do Ministério<br />

do Trabalho, que não prosper<strong>ou</strong>, pass<strong>ou</strong> a chamar-se, mais apropria<strong>da</strong>mente, de CNIS –<br />

Ca<strong>da</strong>stro Nacio<strong>na</strong>l de Informações Sociais.<br />

Da<strong>da</strong> a alta rotativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> gestão <strong>da</strong> Previdência e a sua conseqüente descontinui<strong>da</strong>de<br />

administrativa, somente a partir de <strong>20</strong>02, o CNIS pass<strong>ou</strong> a inverter o ônus <strong>da</strong> prova do ci<strong>da</strong>dão,<br />

<strong>ou</strong> seja, pass<strong>ou</strong> a caber à gestão <strong>da</strong> Previdência a responsabili<strong>da</strong>de pelas informações sobre<br />

<strong>da</strong>dos ca<strong>da</strong>strais, vínculos e remunerações de seus segurados, ain<strong>da</strong> que parcialmente.<br />

Com isso, embora tardiamente, <strong>da</strong>va-se importante passo para a busca <strong>da</strong> deseja<strong>da</strong><br />

efi ciência <strong>da</strong> Previdência, elimi<strong>na</strong>ndo-se mais um crime de Estado contra a socie<strong>da</strong>de.<br />

Além dos batimentos <strong>na</strong> concessão de benefício, inclusive fora do âmbito <strong>da</strong> gestão <strong>da</strong><br />

Previdência, o CNIS, que agreg<strong>ou</strong> e integr<strong>ou</strong>-se a diversas <strong>ou</strong>tras bases de <strong>da</strong>dos, pass<strong>ou</strong> a<br />

ser fun<strong>da</strong>mental também <strong>na</strong> estimativa de receitas e despesas, especialmente sobre a Folha<br />

de Salários, bem como no subsídio a políticas de inclusão previdenciária.<br />

Por deter informações sobre vínculos e remunerações praticamente em tempo real,<br />

possibilita a adoção de políticas de formalização do grande contingente de assalariados<br />

sem carteira assi<strong>na</strong><strong>da</strong>, viabilizando a implementação <strong>da</strong> eqüi<strong>da</strong>de contributiva, princípio que<br />

veio a ser contemplado pela nova Constituição.<br />

Ademais, o CNIS também pass<strong>ou</strong> a ser utilizado por várias áreas de governo, em especial<br />

as de controle, subsidiando inúmeras ações <strong>na</strong> busca <strong>da</strong> prestação de serviços a to<strong>da</strong> a<br />

socie<strong>da</strong>de.<br />

Fi<strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> Previdência<br />

O fi <strong>na</strong>nciamento do Regime Geral de Previdência sempre foi lastreado <strong>na</strong> Folha de<br />

Salários, desde os seus primórdios, embora o próprio marco previdenciário brasileiro, a<br />

(2) Decreto 97.936, de 10 de julho de 1989.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

chama<strong>da</strong> ‘Lei Eloy Chaves’ (<strong>na</strong> reali<strong>da</strong>de, Decreto n. 4.682, de 24 de janeiro de 1923), nesse<br />

aspecto, tenha sido extremamente avança<strong>da</strong> ao incluir <strong>ou</strong>tras formas de fi <strong>na</strong>nciamento,<br />

somente retoma<strong>da</strong>s <strong>na</strong> própria Constituição de 88.<br />

Destarte, a Folha de Salários fi <strong>na</strong>nciava, basicamente, além do Regime Geral, cerca de<br />

80% <strong>da</strong>s despesas com a área de Saúde, a chama<strong>da</strong> parte curativa, via hospitais públicos<br />

federais, e to<strong>da</strong> a Assistência Social, essa ain<strong>da</strong> muito incipiente.<br />

Observe-se que o antigo Ministério <strong>da</strong> Previdência e Assistência Social, a partir <strong>da</strong><br />

instituição do SINPAS – Sistema Nacio<strong>na</strong>l de Previdência e Assistência Social, em 1977, <strong>na</strong><br />

reali<strong>da</strong>de, já era o precursor <strong>da</strong> própria Seguri<strong>da</strong>de Social que viria a ser insculpi<strong>da</strong> <strong>na</strong> nova<br />

Constituição.<br />

Por que Seguri<strong>da</strong>de Social?<br />

Principalmente, para mu<strong>da</strong>r paradigmas, instituindo políticas de proteção <strong>social</strong> lastrea<strong>da</strong>s<br />

no direito.<br />

Da<strong>da</strong> a nossa p<strong>ou</strong>ca tradição institucio<strong>na</strong>l no trato <strong>da</strong> questão <strong>social</strong>, o que se fez, <strong>na</strong><br />

prática, foi consoli<strong>da</strong>r e ampliar o que já vinha sendo implementado, <strong>na</strong>s três áreas que<br />

passariam compor a Seguri<strong>da</strong>de Social e que se consider<strong>ou</strong> como o consenso mínimo<br />

possível.<br />

Na Previdência, com a proposição de adoção de princípios que ensejassem novas regras<br />

basea<strong>da</strong>s sobretudo no respeito à digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s pessoas, além <strong>da</strong> busca <strong>da</strong> universalização<br />

do acesso.<br />

Na Assistência Social, reconceituando assistência como promoção <strong>social</strong>, como forma de<br />

se retirar a chaga do tradicio<strong>na</strong>l assistencialismo até então vigente, possibilitando a proteção<br />

a to<strong>da</strong> a família, e com determi<strong>na</strong>ção, no texto constitucio<strong>na</strong>l, de benefício de valor mínimo<br />

às pessoas portadoras de defi ciência e aos idosos, desde que carentes.<br />

Aqui se buscava a efetiva mu<strong>da</strong>nça de paradigma: direito em vez de favor. E <strong>da</strong>qui se<br />

esperavam as maiores fontes de reação, pelo que essa mu<strong>da</strong>nça representaria.<br />

Na Saúde, buscava-se o acesso universal, especialmente pelo processo de<br />

descentralização que já estava em marcha, por meio do SUDS – Sistema Unifi cado e<br />

Descentralizado de Saúde.<br />

Por fi m, para fazer face a essas mu<strong>da</strong>nças seria necessário dotar a proteção <strong>social</strong>, pelo<br />

menos a vincula<strong>da</strong> à Seguri<strong>da</strong>de Social, de condições mínimas que a libertasse do jugo <strong>da</strong><br />

área econômica.<br />

Sim, porque novamente a tradição do Estado brasileiro foi sempre a de privilegiar com<br />

recursos públicos ape<strong>na</strong>s a acumulação de capital, por meio do fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> infra-<br />

estrutura econômica e de empréstimos aos detentores do capital, generosos em volume,<br />

prazo, remuneração e até em sucessivos perdões.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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16<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Duas questões foram coloca<strong>da</strong>s como primordiais. A diversifi cação <strong>da</strong>s fontes de<br />

fi <strong>na</strong>nciamento, para <strong>da</strong>r garantia de estabili<strong>da</strong>de aos avanços pretendidos, inclusive nos<br />

momentos de crise fi scal, e a necessi<strong>da</strong>de de implementação de orçamento próprio, para<br />

evitar a apropriação, pela área econômica, dos recursos que passariam a ser institucio<strong>na</strong>l e<br />

exclusivamente desti<strong>na</strong>dos à Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

A Constituição Aprova<strong>da</strong> - Principais Avanços<br />

Conceito de Seguri<strong>da</strong>de Social, como forma de assegurar direitos primários, tendo<br />

como fun<strong>da</strong>mento a digni<strong>da</strong>de huma<strong>na</strong>.<br />

Diversifi cação <strong>da</strong>s fontes de fi <strong>na</strong>nciamento, para garantir os meios sufi cientes à<br />

adoção de políticas sociais fun<strong>da</strong>mentais, inclusive e especialmente em momentos de crises,<br />

quando os segmentos de maior poder de pressão se apropriam dos recursos disponíveis.<br />

Orçamento Exclusivo para a Seguri<strong>da</strong>de Social, para destacar, de forma sistemática e<br />

permanente, os recursos desti<strong>na</strong>dos ao fi <strong>na</strong>nciamento de políticas sociais básicas, quebrando<br />

a tradição do Estado brasileiro, que sempre assegur<strong>ou</strong> recursos ape<strong>na</strong>s à acumulação de<br />

capital.<br />

Objetivos fun<strong>da</strong>mentais à proteção <strong>social</strong>, porque garantidores de políticas de direitos,<br />

tais como:<br />

–<br />

universali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> cobertura e do atendimento<br />

– uniformi<strong>da</strong>de e equivalência dos benefícios e serviços às populações urba<strong>na</strong>s e<br />

rurais<br />

–<br />

–<br />

–<br />

–<br />

seletivi<strong>da</strong>de e distributivi<strong>da</strong>de <strong>na</strong> prestação dos benefícios e serviços<br />

irredutibili<strong>da</strong>de do valor dos benefícios<br />

eqüi<strong>da</strong>de <strong>na</strong> forma de participação no custeio<br />

diversi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> base de fi <strong>na</strong>nciamento e<br />

– caráter democrático e descentralizado <strong>da</strong> gestão administrativa, com a participação <strong>da</strong><br />

comuni<strong>da</strong>de, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados.<br />

Nova Forma de Calcular e de Reajustar Benefícios<br />

Merecem destaque essas duas importantes mu<strong>da</strong>nças registra<strong>da</strong>s <strong>na</strong> Constituição, por<br />

meio <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

Primeiro, passaram a ser corrigidos todos os salários-de-contribuição utilizados no cálculo<br />

dos novos benefícios, além <strong>da</strong> adoção <strong>da</strong> média aritmética simples, fazendo-se justiça no<br />

momento do reconhecimento do direito do ci<strong>da</strong>dão.<br />

Para que se possa ter uma idéia <strong>da</strong> dimensão e <strong>da</strong> importância desses avanços<br />

constitucio<strong>na</strong>is, em 93, quando a infl ação atingiu o ápice, com 2.489,11%, os segurados do<br />

Regime Geral de Previdência estavam protegidos.<br />

Isso porque já vigorava a nova fórmula de cálculo, que considerava a correção de todos<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

os 36 salários-de-contribuição (ain<strong>da</strong> não havia ca<strong>da</strong>stro que viabilizasse a ampliação do<br />

cálculo de benefício), além <strong>da</strong> adoção de média aritmética simples.<br />

Assim, por exemplo, se o segurado possuísse ape<strong>na</strong>s seis Salários-de-Contribuição,<br />

todos eram corrigidos e a soma deles, dividi<strong>da</strong> por seis.<br />

Segundo e igualmente importante, visando à preservação, em caráter permanente, do<br />

poder de compra dos benefícios, os seus valores passaram a ser reajustados pela infl ação<br />

integral.<br />

Para não deixar dúvi<strong>da</strong> quanto à aplicação desse dispositivo constitucio<strong>na</strong>l, explicit<strong>ou</strong>-se<br />

<strong>na</strong> Lei n. 8.213/91, artigo 41, inciso II, o INPC/IBGE, considerado o índice mais adequado,<br />

em razão de seu corte de ren<strong>da</strong> e de sua abrangência <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, como forma de assegurar<br />

transparência aos usuários <strong>da</strong> Previdência.<br />

Referido dispositivo vigor<strong>ou</strong> ape<strong>na</strong>s de 1991, <strong>da</strong>ta de promulgação <strong>da</strong> lei que regulament<strong>ou</strong><br />

o plano de benefícios do Regime Geral, até o ano de 1992, quando essa norma foi revoga<strong>da</strong>,<br />

<strong>na</strong> administração do Ministro Antônio Britto.<br />

A partir de então, inicialmente trocado pelo Índice de Reajuste do Salário Mínimo, e até<br />

ano <strong>20</strong>00, o INPC, pass<strong>ou</strong> a ser substituído por vários <strong>ou</strong>tros índices aceitos como ofi ciais.<br />

Recomeçava, a partir de então, em níveis acentuados, novo período de per<strong>da</strong>s dos<br />

valores dos benefícios que alcançaram, nesse período, 31,33%.<br />

Dessa forma, as per<strong>da</strong>s verifi ca<strong>da</strong>s de 93 a 99 e descontados os ganhos reais p<strong>ou</strong>co<br />

expressivos, obtidos a partir de <strong>20</strong>00 até março de <strong>20</strong>08, resultam em per<strong>da</strong>s totais<br />

acumula<strong>da</strong>s <strong>da</strong> ordem de 30,31%, que requerem um índice de reajuste de 43,49% para a<br />

sua completa recomposição.<br />

Essa recomposição é devi<strong>da</strong>, em face <strong>da</strong> garantia de preservação do valor real dos<br />

benefícios inseri<strong>da</strong> <strong>na</strong> nova Constituição, e deve ser resolvi<strong>da</strong> de forma negocia<strong>da</strong>, evitando-<br />

se mais sofrimento para os usuários <strong>da</strong> Previdência Social.<br />

Expansão <strong>da</strong> Cobertura Rural.<br />

A conjugação de objetivos como a universali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> cobertura e do atendimento, a<br />

uniformi<strong>da</strong>de e equivalência dos benefícios e serviços às populações urba<strong>na</strong>s e rurais e a<br />

eqüi<strong>da</strong>de <strong>na</strong> forma de participação no custeio, bem como, a redução em cinco <strong>anos</strong> <strong>na</strong> i<strong>da</strong>de<br />

de aposentadoria, possibilitaram o maior avanço em matéria de inclusão previdenciária à<br />

área rural. Essa expansão foi especialmente acentua<strong>da</strong> em relação aos segurados especiais,<br />

assim entendidos aqueles que vivem em regime de economia familiar.<br />

Principais Distorções<br />

Considerado normal mesmo em qualquer processo democrático, a Constituição de 88, ao<br />

avançar de forma insofi smável <strong>na</strong> busca <strong>da</strong> proteção <strong>social</strong>, também registr<strong>ou</strong> importantes<br />

distorções que precisam ser revistas, a fi m de melhorar ain<strong>da</strong> mais o alcance dos objetivos<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

pretendidos de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e de justiça <strong>social</strong>.<br />

Manutenção <strong>da</strong> Aposentadoria por Tempo de Serviço (hoje, tempo de contribuição)<br />

e inclusão também <strong>da</strong> Aposentadoria por Tempo de Serviço Proporcio<strong>na</strong>l para a<br />

Mulher.<br />

Segundo os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> d<strong>ou</strong>tri<strong>na</strong> previdenciária, além <strong>da</strong> universali<strong>da</strong>de de acesso,<br />

o que não ocorre com esse tipo de benefício, o segurado só deve ter direito à proteção<br />

previdenciária quando perder a capaci<strong>da</strong>de de trabalho, <strong>ou</strong> seja, quando atingido por qualquer<br />

um dos riscos sociais universais, como doença, invalidez, i<strong>da</strong>de avança<strong>da</strong>, desemprego<br />

involuntário e morte.<br />

A Aposentadoria por Tempo de Contribuição não se enquadra em nenhum desses riscos.<br />

As pessoas completam as regras, mas continuam em ple<strong>na</strong>s condições laborais. Embora a<br />

contribuição seja indispensável, mas é uma exigência subsidiária, nunca condição exclusiva<br />

para a obtenção de benefício.<br />

Detalhamento de regras para assegurar ‘direitos’.<br />

Na disputa para garantir proteção <strong>da</strong> Previdência, independentemente de enquadramento<br />

<strong>na</strong> boa técnica previdenciária, os segmentos sociais mais organizados se engalfi nharam<br />

e pressio<strong>na</strong>ram para fazer constar do texto constitucio<strong>na</strong>l regras que lhes assegurasse<br />

condições de obtenção de benefício, normalmente em condições vantajosas.<br />

Assim, a Carta de 88 fi c<strong>ou</strong> eiva<strong>da</strong> de detalhes, próprios de leis e de decretos, que só<br />

interessam àqueles que querem continuar merecendo certos privilégios que há muito já<br />

deveriam ter sido extirpados.<br />

Mesmo parâmetros que estivessem de acordo, por exemplo, com o padrão demográfi co<br />

<strong>da</strong> época e com os níveis de contribuição não deveriam constar do texto <strong>da</strong> Constituição,<br />

porque mutáveis e, por essa razão, ensejariam revisões constitucio<strong>na</strong>is desnecessárias.<br />

Tudo isso implica maior difi cul<strong>da</strong>de para reformar a Carta Política, <strong>da</strong><strong>da</strong>s as exigências de<br />

duas votações em ca<strong>da</strong> Casa legislativa, além de quorum qualifi cado, para que se proce<strong>da</strong><br />

qualquer alteração.<br />

Previdência Complementar, de direito público.<br />

Por absoluta falta de maturi<strong>da</strong>de <strong>na</strong> compreensão do processo de gestão de Fundos de<br />

Pensão, inseriu-se <strong>na</strong> Seção <strong>da</strong> Previdência Social a manutenção de seguro coletivo, de<br />

caráter complementar e facultativo, mediante contribuições adicio<strong>na</strong>is.<br />

Com isso, cometeu-se o equívoco de pretender-se gerir esse indispensável instrumento<br />

de preservação de ren<strong>da</strong>s mais altas e de fi <strong>na</strong>nciamento do desenvolvimento por meio de<br />

gestão com regras de direito público.<br />

Isso inviabiliza a gestão dos Fundos de Pensão, porque, obedecendo às regras de direito<br />

público, qualquer aquisição só pode ser feita, mediante licitação e as ven<strong>da</strong>s, exclusivamente<br />

via leilão.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Esses procedimentos são incompatíveis com a indispensável agili<strong>da</strong>de do processo<br />

decisório <strong>na</strong> gestão desses fundos, sem o que não se obtém o desempenho necessário <strong>na</strong><br />

rentabili<strong>da</strong>de dos recursos aplicados.<br />

Esse engano só foi corrigido dez <strong>anos</strong> depois, por meio <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucio<strong>na</strong>l n.<br />

<strong>20</strong>/98, que instituiu a Previdência Complementar de caráter autônomo, gestão de <strong>na</strong>tureza<br />

priva<strong>da</strong> e facultativa.<br />

Recomposição de per<strong>da</strong>s, atrelando, temporariamente, o valor dos benefícios ao<br />

Salário Mínimo (ADCT, art. 58).<br />

Gravíssimo equívoco foi essa opção feita pelos constituintes, baseados em posição <strong>da</strong>s<br />

Centrais Sindicais, capitanea<strong>da</strong> pela Força Sindical.<br />

São várias as razões que não recomen<strong>da</strong>vam e não recomen<strong>da</strong>m a vinculação de<br />

prestações previdenciárias ao salário mínimo, exceto o piso: é ape<strong>na</strong>s a remuneração mínima<br />

à prestação de serviços básicos não qualifi cados; não é fator de correção de coisa alguma;<br />

ninguém ganha, enquanto ativo, em número de salários mínimos; tem comportamento<br />

absolutamente errático, <strong>da</strong><strong>da</strong> a ausência de política gover<strong>na</strong>mental nesse sentido; proibição<br />

<strong>da</strong> própria Constituição; tempo determi<strong>na</strong>do de vinculação, gerando confl ito com as regras<br />

novas; propicia ganhos reais a to<strong>da</strong>s as faixas de ren<strong>da</strong>, benefi ciando de forma injusta os<br />

detentores de ren<strong>da</strong>s mais altas, que têm padrão de consumo diferenciado; inversão de<br />

priori<strong>da</strong>des, tendo em vista problemas mais graves, como a não inclusão previdenciária,<br />

hoje estima<strong>da</strong> em cerca de 30 milhões de pessoas ocupa<strong>da</strong>s, sem qualquer proteção, etc.<br />

A Secretaria de Estudos Especiais do Ministério <strong>da</strong> Previdência ofereceu à negociação, no<br />

momento constituinte, <strong>ou</strong>tras alter<strong>na</strong>tivas, sugerindo a utilização do Índice <strong>da</strong> Cesta Básica,<br />

por ser o mais antigo e o que melhor recompunha as per<strong>da</strong>s dos valores dos benefícios.<br />

Mais ain<strong>da</strong>, alert<strong>ou</strong> de forma veemente e incisiva, que a opção pela pari<strong>da</strong>de com o<br />

Salário Mínimo, embora parecesse mais transparente, por ser de fácil assimilação pelo<br />

trabalhador, embutia duas graves implicações, além de não assegurar a recuperação <strong>da</strong>s<br />

per<strong>da</strong>s imputa<strong>da</strong>s aos benefícios ao longo de sua utilização.<br />

Primeiro, porque a decisão seria temporária e, de fato o foi, pois só vigoraria até<br />

a implantação do plano de benefícios, por meio de lei regulamentadora dos dispositivos<br />

constitucio<strong>na</strong>is.<br />

Ain<strong>da</strong> assim, os usuários <strong>da</strong> Previdência guar<strong>da</strong>riam <strong>na</strong> memória essa pari<strong>da</strong>de, já que<br />

o valor do benefício seria transformado em número de salários mínimos.<br />

A partir do momento em que ocorresse o desatrelamento do salário mínimo, quando os<br />

benefícios passassem a receber, corretamente, a infl ação integral, mas, ain<strong>da</strong> assim, índice<br />

inferior ao que seria concedido ao salário mínimo, os segurados iriam perceber claramente<br />

esse descompasso entre a aplicação <strong>da</strong> infl ação integral e o índice concedido ao salário<br />

mínimo.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Em segundo lugar, a conseqüência seria culpar, como de fato têm sido feito, a instituição<br />

previdenciária por esse descompasso em relação ao salário mínimo, mas não em relação à<br />

infl ação.<br />

Ademais, a justiça tem sido abarrota<strong>da</strong> de pedidos de reparação, <strong>ou</strong> seja, pela continui<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> pari<strong>da</strong>de com o salário mínimo, embora sem chance de sucesso, tendo em vista que essa<br />

foi decisão <strong>da</strong> própria Constituição.<br />

O resultado, antevisto pela Secretaria de Estudos e registrado no próprio Congresso<br />

Nacio<strong>na</strong>l, tem sido de enorme sofrimento para os aposentados e pensionistas <strong>da</strong> Previdência<br />

e de igual desgaste para a instituição previdenciária, além <strong>da</strong> sobrecarga desnecessária <strong>da</strong><br />

justiça, cuja quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> prestação jurisdicio<strong>na</strong>l continua deixando muito a desejar.<br />

Retrocessos <strong>na</strong> Implementação <strong>da</strong> Constituição de 88<br />

As distorções não fi caram adstritas ao momento de feitura <strong>da</strong> Constituição. As forças<br />

conservadoras continuaram resistindo aos avanços consig<strong>na</strong>dos em relação à Seguri<strong>da</strong>de<br />

Social, atuando sempre e delibera<strong>da</strong>mente para não cumprir as suas determi<strong>na</strong>ções <strong>ou</strong><br />

fazê-lo de maneira distorci<strong>da</strong>.<br />

Não Implementação do Orçamento Exclusivo <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

A primeira atitude do governo foi não encaminhar a proposta orçamentária <strong>na</strong> forma<br />

determi<strong>na</strong><strong>da</strong> pela Constituição.<br />

O Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de deveria ser autônomo (art. 165, 5º) e sua elaboração ser<br />

de forma integra<strong>da</strong> pelos órgãos responsáveis pela Saúde, Previdência Social e Assistência<br />

Social, assegura<strong>da</strong> a ca<strong>da</strong> área a gestão de seus recursos (art. 195, 2º).<br />

Mais lastimável tem sido a aceitação cor<strong>da</strong>ta dessa anomalia pelo Congresso Nacio<strong>na</strong>l,<br />

em fl agrante desleal<strong>da</strong>de institucio<strong>na</strong>l de dois dos três poderes <strong>da</strong> República.<br />

Para aparentemente ‘driblar’ a exigência constitucio<strong>na</strong>l, os orçamentos passaram a ser<br />

apresentados juntos, mas como se fossem ape<strong>na</strong>s um: Orçamento Fiscal e Seguri<strong>da</strong>de<br />

Social.<br />

Essa simplifi cação foi tão ‘<strong>na</strong>tural’ que desrespeit<strong>ou</strong>-se até a regência gramatical. Não<br />

são dois orçamentos, ape<strong>na</strong>s um. O que não se percebeu <strong>ou</strong> não se quis perceber é que essa<br />

manobra signifi caria, <strong>na</strong> prática, a transferência dos superávits orçamentários que ocorreriam<br />

todos os <strong>anos</strong>, sistematicamente, do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de para o Orçamento Fiscal. E<br />

fi c<strong>ou</strong> por isso mesmo.<br />

Instituição <strong>da</strong> Contribuição Provisória sobre Movimentação Fi<strong>na</strong>nceira – CPMF<br />

(ECs 3/93; 12/96 e 21/99).<br />

A Seguri<strong>da</strong>de Social nunca necessit<strong>ou</strong> dessa nova contribuição <strong>social</strong>.<br />

A sua criação decorreu <strong>da</strong> intenção hegemônica de ampliação do poder <strong>da</strong> União, por<br />

meio <strong>da</strong> área econômica, em aumentar as suas receitas, em face de duas razões: não<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

repartir esses recursos com Estados e Municípios, atropelando a Federação, e desonerar<br />

o Orçamento Fiscal, repassando à Seguri<strong>da</strong>de despesas que <strong>na</strong><strong>da</strong> tinham a ver com<br />

Previdência, Saúde e Assistência Social.<br />

Como se sabe, as contribuições sociais, diferentemente de impostos, não atendem a<br />

dois princípios tributários: anuali<strong>da</strong>de <strong>ou</strong> anteriori<strong>da</strong>de, e sim o <strong>da</strong> novente<strong>na</strong>, porque podem<br />

ser instituí<strong>da</strong>s <strong>ou</strong> altera<strong>da</strong>s e cobra<strong>da</strong>s em noventa dias; e não são repartíveis com Estados<br />

e Municípios.<br />

Isso quer dizer que ca<strong>da</strong> real arreca<strong>da</strong>do por meio de contribuições sociais representa<br />

um real disponível <strong>na</strong> União, enquanto ca<strong>da</strong> real arreca<strong>da</strong>do com o Imposto de Ren<strong>da</strong> e<br />

o Imposto Sobre Produtos Industrializados, por exemplo, a União só dispõe de cerca de<br />

cinqüenta centavos. A <strong>ou</strong>tra metade é reparti<strong>da</strong> com Estados e Municípios, por meio do FPE<br />

- Fundo de Participação dos Estados e do FPM - Fundo de Participação dos Municípios.<br />

Vale lembrar, também, a chantagem que se fez contra a socie<strong>da</strong>de: a apelação de que<br />

sem os recursos <strong>da</strong> CPMF a saúde iria parar, além <strong>da</strong> exploração do nome de conceituado<br />

médico que dirigia o Ministério <strong>da</strong> Saúde, àquela época.<br />

A evidência fi <strong>na</strong>l de que a Seguri<strong>da</strong>de não necessitava dessa Contribuição decorre dos<br />

sucessivos saldos positivos entre receitas e despesas <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de, registrados todos os<br />

<strong>anos</strong>, e mesmo com a sua extinção, ocorri<strong>da</strong> no fi <strong>na</strong>l de <strong>20</strong>07, a Seguri<strong>da</strong>de continu<strong>ou</strong> a<br />

funcio<strong>na</strong>r, a despeito de todos os demais esbulhos contra ela praticados.<br />

Desvinculação de Receitas <strong>ou</strong> Transformação de pelo menos <strong>20</strong>% <strong>da</strong>s Contribuições<br />

Sociais em Recursos Fiscais.<br />

Ape<strong>na</strong>s mais uma manobra, dessa vez sem subterfúgios, que result<strong>ou</strong> em claro saque<br />

<strong>da</strong>s receitas <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

Aproveitando mais um momento de grave crise fi scal e que perdura indefi ni<strong>da</strong>mente,<br />

contando sempre com a complacência do Congresso Nacio<strong>na</strong>l, vem sendo retira<strong>da</strong>s vultosas<br />

somas de recursos <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de.<br />

Em 94 e 95, por meio do FSE - Fundo Social de Emergência (ECR 1/94); de 96 a 99, via<br />

FEF – Fundo de Estabilização Fiscal (ECs 10/96 e 17/97) e, a partir de <strong>20</strong>00, por meio <strong>da</strong><br />

DRU – Desvinculação <strong>da</strong>s Receitas <strong>da</strong> União (EC 27).<br />

Tudo isso com um só objetivo: aumentar o superávit primário, para assegurar o pagamento<br />

do serviço <strong>da</strong>s dívi<strong>da</strong>s inter<strong>na</strong> e exter<strong>na</strong>.<br />

Lei de Responsabili<strong>da</strong>de Fiscal – pagamento de benefícios do Regime Próprio de<br />

Previdência <strong>da</strong> União e <strong>da</strong> Folha de Ativos dos Servidores Civis e Militares, com<br />

Recursos <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

Por meio dessa importante lei complementar, que estabeleceu conceitos básicos de<br />

gestão de recursos públicos, executivo e legislativo concor<strong>da</strong>ram em, mais uma vez, desviar<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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ecursos desti<strong>na</strong>dos à Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

O artigo 24 dessa lei, trata <strong>da</strong> despesa <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

Nesse dispositivo, assegura condições especiais típicas de despesas relacio<strong>na</strong><strong>da</strong>s a<br />

pagamento de benefícios, pelo seu caráter indispensável e garantidor <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de huma<strong>na</strong>.<br />

Porém, igualmente permite interpretação canhestra para incluir <strong>na</strong>s despesas <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de<br />

os gastos com servidores públicos e militares, ativos e i<strong>na</strong>tivos, e pensionistas.<br />

Os regimes dos servidores públicos e dos militares não compõem a Seguri<strong>da</strong>de Social,<br />

por terem regras próprias, bem mais vantajosas do que as do Regime Geral.<br />

Como compreender, então, que esses regimes, e mais do que isso, a própria folha de<br />

pagamento de ativos, sejam bancados com recursos <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social? É ape<strong>na</strong>s mais<br />

um esbulho.<br />

Seria de todo desejável que integrassem o Regime Geral, por meio <strong>da</strong> unifi cação desses<br />

regimes <strong>ou</strong> pela igualação de regras. Entretanto, antes disso, to<strong>da</strong>s essas despesas serem<br />

fi <strong>na</strong>ncia<strong>da</strong>s com recursos desti<strong>na</strong>dos à Seguri<strong>da</strong>de é, simplesmente, mais um desvio<br />

praticado, visando à desoneração do Orçamento Fiscal.<br />

Lei de Responsabili<strong>da</strong>de Fiscal – criação de Fundo de Previdência Social.<br />

Há ain<strong>da</strong> algo de maior gravi<strong>da</strong>de em relação à Lei de Responsabili<strong>da</strong>de Fiscal no<br />

tocante à Seguri<strong>da</strong>de Social. Nas suas Disposições Fi<strong>na</strong>is e Transitórias, artigo 68, é criado<br />

o Fundo do Regime Geral de Previdência Social, com a fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>de de prover recursos para o<br />

pagamento dos benefícios desse regime.<br />

Referido fundo é constituído, entre <strong>ou</strong>tras fontes, <strong>da</strong> Folha de Salários e de recursos<br />

provenientes do Orçamento <strong>da</strong> União, <strong>ou</strong> seja, do Orçamento Fiscal.<br />

Assim, garantindo ape<strong>na</strong>s a Folha de Salários para fi <strong>na</strong>nciar o Regime Geral, fi ca<br />

caracteriza<strong>da</strong> a existência de défi cit desse regime, ao mais completo arrepio do que preconiza<br />

a Constituição.<br />

A Carta Política determi<strong>na</strong> a existência do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social,<br />

separa<strong>da</strong>mente, conforme já mencio<strong>na</strong>do, mas essa determi<strong>na</strong>ção é solenemente<br />

rejeita<strong>da</strong>.<br />

Cria-se um fundo, por uma lei infraconstitucio<strong>na</strong>l, segmentando uma fonte, a Folha de<br />

Salários, para fi <strong>na</strong>nciar o Regime Geral, quando essa receita deveria compor com as demais<br />

fontes (CONFINS e Lucro líquido <strong>da</strong>s Empresas) o Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de.<br />

Mais ain<strong>da</strong>, a Folha de Salários já seria insufi ciente para fi <strong>na</strong>nciar o Regime Geral,<br />

mesmo sem os avanços constitucio<strong>na</strong>is, <strong>da</strong>do o seu progressivo esgotamento em face <strong>da</strong>s<br />

mu<strong>da</strong>nças no perfi l do mercado de trabalho.<br />

Como a Folha de Salários poderia continuar fi <strong>na</strong>nciando a Previdência, após a<br />

implementação dos novos dispositivos de melhoria do cálculo e reajuste dos benefícios, do<br />

piso de um salário mínimo, <strong>da</strong> inclusão dos rurais, entre <strong>ou</strong>tros?<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Na reali<strong>da</strong>de, arranj<strong>ou</strong>-se uma pretensa forma jurídica de justifi cativa para o chamado<br />

‘défi cit’ <strong>da</strong> Previdência Social, apesar de seu surrealismo, <strong>ou</strong> ape<strong>na</strong>s mais uma desleal<strong>da</strong>de<br />

institucio<strong>na</strong>l.<br />

Maior?<br />

Como pode uma lei, mesmo sendo complementar, desdizer a Constituição, a Lei<br />

A desfaçatez ultrapassa todos os limites quando se observa que os recursos para cobrir<br />

o ‘défi cit’ vêm <strong>da</strong>s <strong>ou</strong>tras fontes que deveriam compor o Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

Inclusão de Despesas Alheias à Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

Em <strong>ou</strong>tra frente, como se os desvios e saques de recursos desti<strong>na</strong>dos ao fi <strong>na</strong>nciamento<br />

<strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social não fossem sufi cientes, pass<strong>ou</strong>-se a incluir todo tipo de despesa sem<br />

qualquer ligação com a Seguri<strong>da</strong>de.<br />

Da demarcação de terras indíge<strong>na</strong>s à compra de goiaba<strong>da</strong> para palácios, tudo pass<strong>ou</strong> a<br />

ser despesa <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de, numa clara intenção de desonerar o Orçamento Fiscal e, com<br />

isso, viabilizar a ver<strong>da</strong>deira priori<strong>da</strong>de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de sempre, o pagamento do serviço <strong>da</strong>s<br />

dívi<strong>da</strong>s inter<strong>na</strong> e exter<strong>na</strong>.<br />

Superávit acumulado <strong>da</strong>s Contas <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

Considerando-se ape<strong>na</strong>s as principais fontes de fi <strong>na</strong>nciamento em confronto com as<br />

despesas efetivas <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, de forma simplifi ca<strong>da</strong>, para fi ns didáticos, estima-<br />

se que os saldos positivos acumulados nesses vinte <strong>anos</strong>, a preços de dezembro de <strong>20</strong>07,<br />

atinjam cerca de R$ 540,0 bilhões, o correspondente a duas vezes as despesas <strong>da</strong> própria<br />

Seguri<strong>da</strong>de, em <strong>20</strong>07, conforme tabela anexa.<br />

Essa a dimensão dos desvios perpetrados contra a Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

Atraso <strong>na</strong> Regulamentação Infraconstitucio<strong>na</strong>l.<br />

No caso <strong>da</strong> Previdência, embora a Constituição tenha estabelecido prazos claros para a<br />

regulamentação de seus dispositivos (ADCT, art. 59), <strong>na</strong><strong>da</strong> foi atendido.<br />

O poder executivo deveria ter apresentado os projetos de lei em até seis meses, mas não<br />

o fez, embora o Ministério <strong>da</strong> Previdência, por meio de sua Secretaria de Estudos Especiais,<br />

os tivesse encaminhado dentro desse prazo.<br />

O Congresso Nacio<strong>na</strong>l, que tinha seis meses para apreciá-los, também não cumpriu sua<br />

responsabili<strong>da</strong>de.<br />

A implantação progressiva, prevista para dezoito meses, igualmente não aconteceu.<br />

Desvirtuamento <strong>da</strong> Função do Conselho Nacio<strong>na</strong>l de Previdência e Extinção do<br />

Conselho Nacio<strong>na</strong>l de Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

O poder executivo encaminh<strong>ou</strong> e, novamente o legislativo aceit<strong>ou</strong>, que o Conselho<br />

Nacio<strong>na</strong>l de Previdência Social tivesse competências ape<strong>na</strong>s consultivas, especialmente<br />

pela composição não paritária: seis representantes do governo, três dos aposentados e<br />

pensionistas, três dos trabalhadores e três dos empregadores. Dessa forma, os assuntos<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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24<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

do mais alto interesse institucio<strong>na</strong>l não são apreciados pelo CNPS, que toma conhecimento<br />

pela imprensa <strong>ou</strong> só passam pelo seu crivo ape<strong>na</strong>s para o carimbo homologatório.<br />

Fato <strong>da</strong> maior gravi<strong>da</strong>de, mas sem qualquer repercussão, foi a extinção do Conselho<br />

Nacio<strong>na</strong>l de Seguri<strong>da</strong>de Social, em 99, órgão que deveria fi xar as diretrizes para to<strong>da</strong> a<br />

Seguri<strong>da</strong>de e, sobretudo, aplicar a eqüi<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, fi xando critérios para a expansão <strong>da</strong>s<br />

três áreas que a compõe, especialmente em relação à distribuição de recursos, por meio do<br />

Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de.<br />

Atrelamento do Teto do Regime Geral ao Salário Mínimo.<br />

Como já ocorrera no passado, os setores mais organizados e de ren<strong>da</strong> mais alta, têm<br />

logrado êxito em pressio<strong>na</strong>r o Regime Geral de Previdência para a obtenção de aposentadorias<br />

de maior valor, ao obterem a elevação do teto de benefícios, periodicamente, para valores<br />

correspondes a dez salários mínimos.<br />

Isso apesar desse teto, desde a regulamentação dos dispositivos constitucio<strong>na</strong>is, por<br />

meio <strong>da</strong> Lei 8.213/91, receber os mesmos índices de reajustes aplicados aos benefícios do<br />

Regime Geral.<br />

Ain<strong>da</strong> assim, as Emen<strong>da</strong>s Constitucio<strong>na</strong>is de n. <strong>20</strong>/98 e 41/93, sem qualquer base<br />

técnica, elevaram artifi cialmente o teto do Regime Geral para valor correspondente a dez<br />

salários mínimos <strong>da</strong>s respectivas épocas de seu encaminhamento e/<strong>ou</strong> aprovação.<br />

Com isso, além de insistir-se nesse equivocado atrelamento ao salário mínimo, mesmo<br />

sem dizê-lo, estabeleceu-se mais um descompasso, nesse caso em relação a quem já vinha<br />

recebendo seus benefícios pelo teto <strong>ou</strong> próximo a ele, e que, a partir dessa nova elevação<br />

atípica, passa a ter a impressão de per<strong>da</strong> do valor de seu benefício.<br />

Fator Previdenciário.<br />

A adoção do fator previdenciário deveu-se, basicamente a dois fatores.<br />

O primeiro, como se fosse uma vingança, em face <strong>da</strong> derruba<strong>da</strong>, pelo Supremo Tribu<strong>na</strong>l<br />

Federal, do tênue e equivocado limite de i<strong>da</strong>de imposto à Aposentadoria por Tempo de<br />

Contribuição <strong>na</strong> Emen<strong>da</strong> <strong>20</strong>/98.<br />

Registre-se, à guisa de esclarecimento, que esse limite de i<strong>da</strong>de, que não encontra<br />

respaldo <strong>na</strong> d<strong>ou</strong>tri<strong>na</strong> previdenciária, foi ape<strong>na</strong>s uma tentava de amenizar os efeitos perversos<br />

<strong>da</strong> manutenção dessa aposentadoria.<br />

Isso porque ela não atende a nenhum dos princípios que devem reger um regime de<br />

previdência, à exceção <strong>da</strong> própria contribuição.<br />

O acesso a essa aposentadoria não é universal, tendo em vista que a maioria dos<br />

segurados <strong>ou</strong> se aposenta por invalidez <strong>ou</strong> por i<strong>da</strong>de, quando não morrem antes.<br />

Mais grave ain<strong>da</strong>, é que as pessoas completam os requisitos para a obtenção dessa<br />

aposentadoria, mas sem perder a sua capaci<strong>da</strong>de de trabalho, negando um dos mais<br />

importantes princípios condicio<strong>na</strong>ntes <strong>da</strong> retira<strong>da</strong> do mercado de trabalho, que é a per<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


capaci<strong>da</strong>de laboral.<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

O segundo, como esse benefício, além de injusto, é o mais caro do sistema, utiliz<strong>ou</strong>-se<br />

de uma fórmula aparentemente sofi stica<strong>da</strong>, que considera tempo e alíquota de contribuição,<br />

a i<strong>da</strong>de e até a sobrevi<strong>da</strong> <strong>na</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> aposentadoria.<br />

Na prática, o Fator Previdenciário funcio<strong>na</strong> ape<strong>na</strong>s como um violento redutor do valor<br />

do benefício, nota<strong>da</strong>mente para as mulheres, por terem i<strong>da</strong>de mais reduzi<strong>da</strong> <strong>na</strong> <strong>da</strong>ta de<br />

concessão desse benefício.<br />

A Aposentadoria por Tempo de Contribuição é a razão maior <strong>da</strong> concessão de<br />

aposentadorias precoces, logo, quanto mais jovem, maior o desconto.<br />

Em face disso, a idéia é retar<strong>da</strong>r a concessão dessa aposentadoria, o que fi ca claro<br />

quando se observa a tabela resultante <strong>da</strong> aplicação <strong>da</strong> fórmula, que só anula o efeito do<br />

desconto causado pelo Fator Previdenciário quando o segurado possuir, além dos 35 <strong>anos</strong><br />

de contribuição, no caso do homem, i<strong>da</strong>de superior a 60 <strong>anos</strong>.<br />

A partir dessa condição, aumentando a i<strong>da</strong>de e/<strong>ou</strong> o tempo de contribuição o Fator passa<br />

a aumentar o valor do benefício, limitado ao teto, o que funcio<strong>na</strong> como mais uma enga<strong>na</strong>ção,<br />

pois essa aposentadoria é quase sempre concedi<strong>da</strong> a quem contribui pelo teto, de <strong>na</strong><strong>da</strong><br />

adiantando prosseguir contribuindo.<br />

Emen<strong>da</strong>s Constitucio<strong>na</strong>is 41/<strong>20</strong>03 e 47/<strong>20</strong>05.<br />

A Emen<strong>da</strong> 41, alter<strong>ou</strong> algumas regras para a concessão de aposentadoria para o servidor<br />

público.<br />

Entre elas, a adoção <strong>da</strong> média <strong>da</strong>s remunerações obti<strong>da</strong>s <strong>na</strong>s ativi<strong>da</strong>des priva<strong>da</strong> e<br />

pública, para o cálculo <strong>da</strong> aposentadoria, bem como o reajuste para preservar, em caráter<br />

permanente, o valor real do benefício, embora aplicáveis somente aos que entrarem no<br />

serviço público a partir de janeiro de <strong>20</strong>04. Os efeitos dessas medi<strong>da</strong>s só começarão a ser<br />

sentidos, portanto, a partir de <strong>20</strong>34/<strong>20</strong>39.<br />

H<strong>ou</strong>ve também o restabelecimento <strong>da</strong> contribuição de i<strong>na</strong>tivos e pensionistas do setor<br />

público, aprova<strong>da</strong> <strong>na</strong> EC <strong>20</strong>/98 e derruba<strong>da</strong> pelo Supremo Tribu<strong>na</strong>l Federal.<br />

Fora essas mu<strong>da</strong>nças, praticamente tudo o mais foram regras de transição em profusão,<br />

para atender às mais diversas situações, com superposição de normas, gerando enorme<br />

confusão.<br />

H<strong>ou</strong>ve claro retrocesso até em relação à Previdência Complementar (bem defi ni<strong>da</strong> <strong>na</strong><br />

Emen<strong>da</strong> <strong>20</strong>/98), ao estabelecer gestão de <strong>na</strong>tureza pública, o que inviabiliza a administração<br />

desses fundos. Adicio<strong>na</strong>lmente, só permite plano de contribuição defi ni<strong>da</strong>, impedindo a<br />

possibili<strong>da</strong>de de oferecimento de benefícios considerados não programáveis, bem como<br />

autorizando ape<strong>na</strong>s a instituição de fundos fechados.<br />

Merece registro, pela novi<strong>da</strong>de que representa, a inserção, <strong>na</strong> EC 41, de sistema especial<br />

de inclusão previdenciária para trabalhadores de baixa ren<strong>da</strong>, com garantia de benefício de<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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26<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

um salário mínimo, exceto a aposentadoria por tempo de contribuição.<br />

Dispositivo desnecessário, porque um dos princípios que regem a Previdência Social é<br />

o <strong>da</strong> eqüi<strong>da</strong>de contributiva, segundo o qual o segurado deve contribuir de acordo com suas<br />

possibili<strong>da</strong>des. O melhor exemplo <strong>da</strong> aplicação desse princípio está <strong>na</strong> inclusão dos rurais<br />

<strong>na</strong> Previdência, especialmente os chamados segurados especiais.<br />

Já a Emen<strong>da</strong> 47, que decorreu de acordo para a aprovação <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> 41, em <strong>na</strong><strong>da</strong><br />

avanç<strong>ou</strong>, mas aument<strong>ou</strong> o grau de complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s regras de transição, tor<strong>na</strong>ndo tudo<br />

mais confuso ain<strong>da</strong>.<br />

Ampli<strong>ou</strong> o sistema especial de inclusão previdenciária, previsto <strong>na</strong> EC 41, acrescentando<br />

as do<strong>na</strong>s de casa, sem ren<strong>da</strong> própria, além de assegurar alíquotas e carências inferiores às<br />

vigentes para os demais segurados do Regime Geral.<br />

Como incluir pessoas <strong>na</strong> Previdência, mesmo desenvolvendo importante ativi<strong>da</strong>de para a<br />

família, mas não necessariamente liga<strong>da</strong>s à ativi<strong>da</strong>de produtiva e ain<strong>da</strong> assim sem qualquer<br />

rendimento e, portanto, sem possibili<strong>da</strong>de contributiva?<br />

Como identifi car essas pessoas para evitar que <strong>ou</strong>tras se aproveitem dessa situação e<br />

se apropriem dessa possibili<strong>da</strong>de de proteção?<br />

Seria dever <strong>da</strong> Previdência <strong>ou</strong> <strong>da</strong> Assistência propiciar essa cobertura?<br />

Outra questão é saber-se <strong>da</strong> priori<strong>da</strong>de dessa preocupação, especialmente no nível<br />

constitucio<strong>na</strong>l, em face do que já se coment<strong>ou</strong>, especialmente considerando o enorme<br />

contingente de trabalhadores ocupados efetivamente em ativi<strong>da</strong>des produtivas, submetendo-<br />

se a riscos sociais relevantes, e sem qualquer proteção previdenciária.<br />

Separação <strong>da</strong>s Contas.<br />

Não implementado o Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, separa<strong>da</strong>mente, começaram a<br />

surgir ‘alter<strong>na</strong>tivas’ para resolver o problema do ‘défi cit’ <strong>da</strong> Previdência.<br />

Assim, em vez de se lutar para a implantação do meio fun<strong>da</strong>mental que viabilizaria a<br />

efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, o seu Orçamento, pass<strong>ou</strong>-se a tentar <strong>ou</strong>tras formas de<br />

solução desse problema.<br />

Basicamente, duas opções vêm sendo apresenta<strong>da</strong>s.<br />

Uma, é a busca por novas fontes, além <strong>da</strong> Folha de Salários, para complementar o<br />

fi <strong>na</strong>nciamento para a Previdência.<br />

Parece que todos se esquecem que a Previdência deix<strong>ou</strong> de ter recursos próprios desde<br />

a Constituição de 88, com o advento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

É preciso fi car claro que a diversifi cação <strong>da</strong>s fontes de fi <strong>na</strong>nciamento foi exatamente<br />

para ampliar as ações <strong>na</strong>s áreas de Previdência, Assistência e Saúde.<br />

As mu<strong>da</strong>nças <strong>na</strong> Previdência implicariam, necessária e previsivelmente, aumento de<br />

custos, bem como <strong>na</strong>s <strong>ou</strong>tras áreas, que seriam cobertos pelas novas fontes que integrariam<br />

o Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Como, agora, após a implementação desses avanços, além <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de avançar<br />

ain<strong>da</strong> mais, pretende-se retor<strong>na</strong>r à situação anterior à Constituição?<br />

Contraditoriamente, vêm sendo mantidos intactos os mesmos dispositivos constitucio<strong>na</strong>is<br />

preexistentes, como o conceito de Seguri<strong>da</strong>de e a exigência de elaboração de orçamento<br />

autônomo.<br />

Ca<strong>da</strong> governo vem desvirtuando a aplicação dos dispositivos constitucio<strong>na</strong>is ligados<br />

à Seguri<strong>da</strong>de, sem, contudo, em <strong>na</strong><strong>da</strong> alterar o desenho origi<strong>na</strong>l que foi consig<strong>na</strong>do <strong>na</strong><br />

Constituição, certamente para não deixar a marca de retrocesso tão vergonhoso, como o de<br />

negar proteção mínima à população mais carente.<br />

A <strong>ou</strong>tra opção que vem sendo apresenta<strong>da</strong> e já em processo de implementação, é<br />

separação <strong>da</strong>s contas.<br />

O argumento básico é o de que as contas <strong>da</strong> Previdência foram contami<strong>na</strong><strong>da</strong>s com<br />

despesas tipicamente assistenciais, como a inserção dos rurais (sic), entre <strong>ou</strong>tras.<br />

Nessa linha de raciocínio, ter-se-á que retor<strong>na</strong>r a 1971, quando se inici<strong>ou</strong> a cobertura<br />

rural, <strong>ou</strong> mais ain<strong>da</strong>, em 1960, <strong>na</strong> primeira lei orgânica, para excluir os autônomos e <strong>ou</strong>tros<br />

seguimentos que não contribuíram de forma integral para a sua aposentadoria. É o cúmulo<br />

<strong>da</strong> mediocri<strong>da</strong>de.<br />

Confunde-se transparência, cujo melhor lugar para ser pratica<strong>da</strong> é <strong>na</strong> peça orçamentária,<br />

com miopia grave em não se querer perceber que essa separação de contas, típica<br />

contabili<strong>da</strong>de de botequim, traz em seu bojo enorme retrocesso.<br />

A conseqüência <strong>na</strong>tural de manter vincula<strong>da</strong> à Folha de Salários ape<strong>na</strong>s os benefícios<br />

urb<strong>anos</strong>, como se não existissem assalariados rurais, é retroceder exatos <strong>20</strong> <strong>anos</strong>,<br />

desprezando todo o esforço com a concepção de Seguri<strong>da</strong>de, que não permite a estratifi cação<br />

de segmentos sociais por condição de ren<strong>da</strong> <strong>ou</strong> grau de formalização, o que estigmatizaria<br />

o exercício de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />

Na visão do atual governo, para sa<strong>na</strong>r o inexistente ‘défi cit’ <strong>da</strong> Previdência, vale qualquer<br />

solução, mesmo que desconecta<strong>da</strong> de qualquer princípio, especialmente os que buscam a<br />

digni<strong>da</strong>de huma<strong>na</strong>, como propug<strong>na</strong>do pela Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

Transferir para o Orçamento Fiscal os segurados de baixa ren<strong>da</strong> é condená-los a tratamento<br />

incompatível com sua condição de trabalhadores, porque passarão a ser considerados como<br />

benefi ciários de uma subpolítica previdenciária, já que a própria Assistência Social tem <strong>ou</strong>tro<br />

escopo de proteção.<br />

Não há dúvi<strong>da</strong> de que, com o agravamento <strong>da</strong> crise fi scal, os primeiros a serem atingidos<br />

serão os dependentes de recursos vinculados ao Orçamento Fiscal.<br />

Para os benefícios já concedidos, <strong>da</strong><strong>da</strong> a impossibili<strong>da</strong>de constitucio<strong>na</strong>l de cancelá-los,<br />

retor<strong>na</strong>r-se-á à velha prática de achatamento sistemático, via reajustamento, para reduzir<br />

despesas.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

27


28<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Para os que aguar<strong>da</strong>m atendimento, surgirão regras mais exigentes que difi cultem <strong>ou</strong><br />

impeçam o acesso ao legítimo benefício.<br />

Isso era o que acontecia até o advento <strong>da</strong> nova Constituição, com o conceito de<br />

Seguri<strong>da</strong>de Social. Foi até reiterado, em 94, com praticamente a proibição de acesso dos<br />

rurais à Previdência, por meio <strong>da</strong> OS/INSS n. 447, situação reverti<strong>da</strong>, porém mediante longo<br />

e penoso processo de negociação que só result<strong>ou</strong> vitoriosa em face dos novos princípios<br />

constitucio<strong>na</strong>is.<br />

Sobre essa separação de contas <strong>da</strong> Previdência, o Ministro <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>, Guido Mantega<br />

afi rm<strong>ou</strong> <strong>na</strong> imprensa, ‘mero arranjo burocrático’. Na reali<strong>da</strong>de, muito mais que isso, conforme<br />

já demonstrado.<br />

Proposta de Emen<strong>da</strong> à Constituição PEC n. 233/<strong>20</strong>08.<br />

A PEC n. 233, simplifi ca a administração tributária federal e extingue as seguintes fontes<br />

de fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social: COFINS – Contribuição para o Fi<strong>na</strong>nciamento<br />

<strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, a CSLL - Contribuição Social sobre o Lucro Líqüido e desonera,<br />

gra<strong>da</strong>tivamente, a Folha de Salários em 30%.<br />

Em substituição aos recursos <strong>da</strong>s fontes extintas, desti<strong>na</strong>m-se 38,5% (<strong>ou</strong> 39%) de novo<br />

Imposto, o IVA-F, para a Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

Não explicita a compensação pela desoneração gra<strong>da</strong>tiva <strong>da</strong> Folha de Salários.<br />

Como <strong>na</strong>s vezes anteriores, não são alterados os dispositivos constitucio<strong>na</strong>is relativos à<br />

concepção de Seguri<strong>da</strong>de, inclusive a elaboração de seu Orçamento, separa<strong>da</strong>mente.<br />

Fica claro, sem qualquer sombra de dúvi<strong>da</strong>, o completo aniquilamento <strong>da</strong> essência<br />

garantidora do que deveria ser o fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social: a diversifi cação de suas<br />

receitas, via contribuições sociais e a elaboração de seu orçamento, de forma autônoma.<br />

Até agora a discussão era em torno <strong>da</strong> não elaboração do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de,<br />

separa<strong>da</strong>mente. Com a aprovação dessa PEC, esse debate perde sentido, porque,<br />

defi nitivamente, não há mais chance de sua implementação, <strong>da</strong><strong>da</strong> a concentração de<br />

recursos em ape<strong>na</strong>s impostos.<br />

A Folha de Salários, única contribuição remanescente, mas que terá dimensão bem<br />

menor, <strong>da</strong><strong>da</strong> a desoneração gra<strong>da</strong>tiva de 30%, continuará a fi <strong>na</strong>nciar os benefícios <strong>da</strong><br />

Previdência urba<strong>na</strong>.<br />

A questão imediata tem a ver com to<strong>da</strong> a maquiagem que vem sendo engendra<strong>da</strong> pelo<br />

governo, com seu ‘mero arranjo burocrático’, <strong>na</strong>s palavras do Ministro <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>, que<br />

também cai por terra, com a redução gra<strong>da</strong>tiva pretendi<strong>da</strong>.<br />

Resta ape<strong>na</strong>s o registro para a história de que o atual governo será lembrado, como o<br />

que sepult<strong>ou</strong> a concepção de Seguri<strong>da</strong>de, ao jogar-lhe a par de cal, por meio <strong>da</strong> PEC n.<br />

233, a despeito de importantes e ao mesmo tempo preocupantes avanços sociais, via Bolsa<br />

Família.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

O mais lastimável é que, quando <strong>na</strong> oposição, o hoje partido do governo era o maior<br />

defensor <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, pressio<strong>na</strong>ndo, diutur<strong>na</strong>mente, os gover<strong>na</strong>ntes <strong>da</strong> época para<br />

que cumprissem a Constituição, especialmente <strong>na</strong> área de proteção <strong>social</strong>. Assumindo o<br />

governo, pass<strong>ou</strong> à condição de algoz <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de, perdendo a digni<strong>da</strong>de conquista<strong>da</strong> com<br />

muita luta e levando junto a possibili<strong>da</strong>de de assegurar digni<strong>da</strong>de a milhões de pessoas.<br />

Considerações Fi<strong>na</strong>is, Enfrentando os Novos Desafi os<br />

A introdução do conceito de Seguri<strong>da</strong>de Social, a despeito de várias distorções, de saques<br />

e desvios de seus recursos e <strong>da</strong> não implementação autônoma de seu orçamento, represent<strong>ou</strong><br />

enorme avanço à proteção <strong>social</strong> brasileira, com a adoção de políticas públicas lastrea<strong>da</strong>s no<br />

direito.<br />

Ademais, também represent<strong>ou</strong> importante mu<strong>da</strong>nça de paradigma: recursos públicos<br />

ampliados passaram, também sistematicamente, a ser direcio<strong>na</strong>dos para a área <strong>social</strong>, além de<br />

sua tradicio<strong>na</strong>l desti<strong>na</strong>ção para a acumulação de capital.<br />

Como conclusão e <strong>na</strong> esperança de que se retome o caminho trilhado em 88, recomendo:<br />

No Regime Geral, a urgente necessi<strong>da</strong>de de adequação, a partir do texto constitucio<strong>na</strong>l,<br />

<strong>da</strong> aposentadoria por tempo de contribuição a princípios básicos recomen<strong>da</strong>dos pela d<strong>ou</strong>tri<strong>na</strong><br />

previdenciária, transitando-a para a aposentadoria por i<strong>da</strong>de, sem o que o Brasil continuará<br />

campeão <strong>na</strong> concessão de aposentadorias precoces.<br />

Nesse sentido, sugiro aproveitar, nessa transição <strong>da</strong> aposentadoria por tempo de contribuição<br />

para a aposentadoria por i<strong>da</strong>de, a i<strong>na</strong>dequa<strong>da</strong> proposta de simples extinção do fator previdenciário,<br />

sob exame no Congresso Nacio<strong>na</strong>l.<br />

Como, em média, as pessoas estão se aposentando por tempo de contribuição aos 53 <strong>anos</strong> de<br />

i<strong>da</strong>de, sugiro acrescentar um ano de i<strong>da</strong>de durante doze <strong>anos</strong>, até transformar-se <strong>na</strong> aposentadoria<br />

por i<strong>da</strong>de, que é o benefício efetivamente adequado para atender ao risco <strong>social</strong> i<strong>da</strong>de avança<strong>da</strong>.<br />

Em sentido decrescente, utilizar-se-ia o fator previdenciário, para, gra<strong>da</strong>tivamente, também ao<br />

longo de doze <strong>anos</strong>, ele auto-extinguir-se.<br />

Ain<strong>da</strong> no Regime Geral, deve-se reconceituar pensão como razão de dependência e prosseguir<br />

<strong>na</strong> luta pela unifi cação de regimes <strong>ou</strong> de regras entre os vários regimes existentes.<br />

No setor público, Regimes Próprios, é imperiosa a necessi<strong>da</strong>de de ajustes para reparar<br />

as confusões resultantes <strong>da</strong>s ECs n. 41 e n. 47, especialmente em relação ao cálculo <strong>da</strong>s<br />

aposentadorias, reajuste e teto.<br />

Quanto à implementação do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, <strong>na</strong><strong>da</strong> há a alterar <strong>na</strong> Constituição.<br />

Depende ape<strong>na</strong>s de decisão de governo comprometido com a proteção <strong>social</strong>, pois os artigos.<br />

165, 5º e 195, 2º <strong>da</strong> Carta Mag<strong>na</strong> já estão excessivamente detalhados para esse fi m.<br />

Os artigos 24 e 68 <strong>da</strong> Lei de Responsabili<strong>da</strong>de Fiscal precisam ser extirpados, porque,<br />

estranhamente, atropelam claras decisões constitucio<strong>na</strong>is, que inviabilizam a implementação <strong>da</strong><br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

29


Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

30<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

O primeiro, pelo aumento indevido de seus gastos, ao incluir despesas de benefícios do Regime<br />

Próprio <strong>da</strong> União e <strong>da</strong> própria folha de ativos de servidores e militares, <strong>na</strong>s contas <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de,<br />

mesmo sem a ela pertencerem.<br />

O segundo, porque, a pretexto de criar, desnecessariamente, um Fundo para o Regime<br />

Geral de Previdência, <strong>na</strong> prática, especializa o fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de, desrespeitando os<br />

dispositivos constitucio<strong>na</strong>is de elaboração de seu orçamento exclusivo, conforme o determi<strong>na</strong>m os<br />

seus artigos 165, 5º, e 195.<br />

Mais i<strong>na</strong>ceitável ain<strong>da</strong>, porque surreal, é que esse fundo é composto pela Folha de Salários<br />

e por transferências <strong>da</strong> união, entre <strong>ou</strong>tras, e, no caso de necessi<strong>da</strong>de de aporte de recursos ao<br />

Regime Geral, as fontes seriam as demais receitas <strong>da</strong> própria Seguri<strong>da</strong>de.<br />

A proposta de reforma tributária, conti<strong>da</strong> <strong>na</strong> PEC n. 233, não deve prosperar, porque, além de<br />

não avançar <strong>na</strong> busca de objetivos de justiça fi scal, ao continuar a tributação em bens de consumo,<br />

liqui<strong>da</strong>, defi nitivamente, a possibili<strong>da</strong>de de adequado fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social e o seu<br />

correspondente orçamento.<br />

As características socioeconômicas brasileiras ain<strong>da</strong> são de extrema desigual<strong>da</strong>de, com<br />

educação sofrível e com relações de trabalho e de produção com fortes traços escravocratas.<br />

Diante disso e após mais de 23 <strong>anos</strong> de intensa participação <strong>na</strong> Previdência Social e, portanto,<br />

<strong>na</strong> Seguri<strong>da</strong>de, reitero, sem qualquer sombra de dúvi<strong>da</strong>, que o Regime Geral de Previdência só tem<br />

condições de cumprir sua indispensável função protetiva como política integrante <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de<br />

Social.<br />

Exigir-se que o trabalhador de rendimento abaixo do mínimo, contínuo <strong>ou</strong> não, fi <strong>na</strong>ncie<br />

integralmente o seu benefício é o mesmo que não desejar a sua proteção.<br />

Mesmo porque esse ci<strong>da</strong>dão, estando ocupado, corre riscos que precisam ser cobertos,<br />

não devendo o seu baixo nível de ren<strong>da</strong> e/<strong>ou</strong> o seu grau de formalização ser impeditivos para a<br />

desatenção por parte <strong>da</strong> Previdência Social, porque integrante a Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

Cabe a essa política-mãe, implementa<strong>da</strong> nos moldes estabelecidos <strong>na</strong> Constituição, a<br />

responsabili<strong>da</strong>de de integrar as ações políticas que envolvem to<strong>da</strong> a proteção <strong>social</strong> e suas relações<br />

com as ativi<strong>da</strong>des econômicas, viabilizando os recursos necessários à garantia <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

pessoa huma<strong>na</strong>.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


RECEITA<br />

Folha de salário<br />

COFINS<br />

IPMF/CPMF<br />

CSLL<br />

TOTAL DAS RECEITAS<br />

DESPESA<br />

Saúde<br />

Previdência Social (2)<br />

Assistência Social<br />

TOTAL DA DESPESAS<br />

SALDO ACUMULADO<br />

Referências Bibliográfi cas<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

<strong>ANFIP</strong>. Ciclo de Estudos sobre Seguri<strong>da</strong>de Social, Coorde<strong>na</strong>dor Celecino de Carvalho Filho, 5<br />

volumes, 1994.<br />

_____. A Previdência Social no Mundo, 5 volumes, 1997/99.<br />

Balera, Wagner, A Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição de 88, São Paulo, Editora Revista dos<br />

Tribu<strong>na</strong>is,1989.<br />

1989<br />

-<br />

1.014<br />

13.476 30.214 24.216 18.535 22.461 74.185 119.549 133.133 180.197 <strong>20</strong>1.876 181.993 197.390 <strong>20</strong>6.539 211.497 215.350 248.944 272.891 294.583 312.268<br />

26<br />

295<br />

1990<br />

Borges, Mauro Ribeiro, Previdência Funcio<strong>na</strong>l, Curitiba, Juruá Editora, <strong>20</strong>06.<br />

Brasil. Constituição <strong>da</strong> República Federativa do Brasil. Brasília: Se<strong>na</strong>do, 1988.<br />

_____. Legislação previdenciária brasileira, desde 1923.<br />

Carvalho, Celecino Filho, A ótica <strong>da</strong> Previdência Social no Fortalecimento de Mecanismos de Controle<br />

Tributário, UANFISCO/FGV, São Paulo, 1995.<br />

_______. A proposta de Reforma Previdenciária encaminha<strong>da</strong> pelo governo ao Congresso Nacio<strong>na</strong>l,<br />

o projeto aprovado <strong>na</strong> Câmara dos Deputados e as mu<strong>da</strong>nças introduzi<strong>da</strong>s pelo relator, no Se<strong>na</strong>do,<br />

SINAFRESP/AFRESP, São Paulo, 1998.<br />

_______. Direito ao Amparo Assistencial, em Temas Atuais de Previdência Social, LTr, 1998.<br />

_______. Tendências dos Sistemas de Previdência Social <strong>na</strong> América do Sul, em Introdução ao<br />

Direito Previdenciário, ANPREV, Ltr, 1998.<br />

-<br />

4.743<br />

41<br />

787<br />

1991<br />

-<br />

3.773<br />

37<br />

513<br />

1992<br />

-<br />

3.345<br />

31<br />

462<br />

1993<br />

484 10.212<br />

4.285<br />

575<br />

1994<br />

4.928<br />

1.040<br />

_______. Reforma <strong>da</strong> Previdência: propostas alter<strong>na</strong>tivas e opção de governo, em Direito Atual, DF,<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

1999<br />

87.048<br />

2.2<strong>20</strong><br />

<strong>20</strong>00<br />

93.600<br />

7.462<br />

<strong>20</strong>01<br />

<strong>20</strong>02<br />

<strong>20</strong>03<br />

<strong>20</strong>04<br />

<strong>20</strong>05<br />

<strong>20</strong>06<br />

<strong>20</strong>07<br />

96.108 97.057 97.835 107.411 117.701 130.694 140.412<br />

8.148 8.900 10.<strong>20</strong>0 15.880 17.157 22.803 24.649<br />

4.581 4.599 12.058 11.504 14.131 73.146 115.572 125.412 133.877 145.286 147.114 158.886 167.777 170.637 179.393 <strong>20</strong>9.679 224.222 253.907 263.997<br />

SALDO DA SEGURIDADE 8.895 25.616 12.158 7.031 8.329 1.038<br />

1995<br />

9.488 13.279 10.743 9.339 10.247 46.432 71.502 83.023 113.901 114.133<br />

367<br />

13.238<br />

1.677<br />

3.977<br />

1996 (1)<br />

2.974 12.193 9.701 5.851 7.444 12.613 34.442 36.610 37.581 47.582 57.027 64.904 70.252 69.730 70.022 88.881 97.258 97.846 101.835<br />

- 13.582 <strong>20</strong>.606 24.978 24.185 26.387 27.684 27.861 30.229 31.609 32.090 36.382<br />

13.500 15.133 19.555 12.939 14.700 13.792 17.026 19.632 22.423 26.323 33.954 33.639<br />

4.260 3.770 11.508 11.010 13.526 21.047 33.421 30.119 35.338 31.796 33.914 34.053 36.348 34.755 32.929 37.770 39.601 42.044 45.797<br />

30 51.059 80.474 93.447 96.599 111.299 110.980 117.371 123.281 126.982 136.265 156.029 167.463 189.060 193.550<br />

1.845<br />

1997<br />

1.940<br />

2.192<br />

7.721 46.3<strong>20</strong> 56.589 34.879 38.503 38.761 40.860 35.957 39.265 48.670 40.676 48.271<br />

8.895 34.510 46.668 53.700 62.029 63.068 67.044 74.765 121.085 177.674 212.553 251.056 289.818 330.678 366.635 405.900 454.570 495.246 543.517<br />

Fonte: Fonte: STN, SRFB, MPOG, MPS<br />

1. Não h<strong>ou</strong>ve arreca<strong>da</strong>ção IPMF/CPMF<br />

2. Exceto Previdência do Regime Estatutário, extraido fluxo de caixa MPS<br />

Notas:<br />

* Resultado disposto pelas principais rubricas<br />

** Nas Receitas não incluem: correção FGTS, Concurso prognostico e receitas próprias dos órgão <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social;<br />

Resultado <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social - 1989 a <strong>20</strong>07<br />

TABELA 1<br />

(R$ milhões corrigidos pelo INPC/IBGE de dezembro <strong>20</strong>07)<br />

1998<br />

31


volume 1, n. 3, julho de 1999.<br />

32<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

_______. A Previdência Social é Viável? Revista de Previdência Funcio<strong>na</strong>l, Curitiba, ano II, n. 5,<br />

dezembro de <strong>20</strong>02.<br />

_______. Gestão Previdenciária: Modelos e Tendências, Revista Brasileira de Administração, Encarte<br />

Especial, Brasília, n. 44, novembro de <strong>20</strong>03.<br />

_______. A Alta Rotativi<strong>da</strong>de <strong>na</strong> Administração <strong>da</strong> Previdência Social, artigo não publicado, <strong>20</strong>08.<br />

_______. A Previdência Social é Inefi ciente e Inefi caz, mas é Efetiva (e não tem Défi cit), artigo não<br />

publicado, <strong>20</strong>08.<br />

Carta Social e do Trabalho, CESIT/UNICAMP, n.8, agosto/<strong>20</strong>08.<br />

Conselho Federal de Administração, Lei de Responsabili<strong>da</strong>de Fiscal: uma abor<strong>da</strong>gem gerencial.<br />

Brasília, 3 volumes, <strong>20</strong>01.<br />

Debates Contemporâneos, economia <strong>social</strong> e do trabalho, 4, Previdência Social: como incluir os<br />

excluídos? Organizadores Eduardo Fag<strong>na</strong>ni, Wilnês Henrique e Clemente Ganz Lúcio, vários autores,<br />

São Paulo, Ltr, <strong>20</strong>08.<br />

Fer<strong>na</strong>ndes, Anníbal, A Previdência Social Anota<strong>da</strong>, São Paulo, Edipro, 5ª edição, 1997.<br />

FUNDAÇÃO <strong>ANFIP</strong>, Análise <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, Brasília, vários <strong>anos</strong>.<br />

_______. Previdência Social, Regime Geral, Brasília, 3ª Edição, <strong>20</strong>08.<br />

Leite, Celso Barroso, Um Século de Previdência Social, Zahar, 1983.<br />

_______. A Proteção Social no Brasil, Ltr, 1986.<br />

Stephanes, Reinhold, Reforma <strong>da</strong> Previdência, sem segredos, Editora Record, 1998.<br />

Via<strong>na</strong>, Maria Lúcia Teixeira Werneck, A Americanização (perversa) <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social no Brasil,<br />

Ed. Revan, 1998.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

2. O legado <strong>da</strong> Constituição de 88:<br />

é possível incluir sem universalizar ? 1<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

Le<strong>na</strong> Lavi<strong>na</strong>s*<br />

André Cavalcanti**<br />

Resumo 2 : Este artigo tem por fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>de demonstrar os elevados níveis de exclusão<br />

que perduram <strong>na</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira, apesar dos avanços <strong>da</strong> política previdenciária e <strong>da</strong>s<br />

políticas compensatórias de transferência de ren<strong>da</strong>. O défi cit de inclusão de que sofremos<br />

é conseqüência <strong>da</strong> ausência de instrumentos universais no âmbito <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de, voltados<br />

para a equalização <strong>da</strong>s condições de acesso e padrão de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> população como um<br />

todo. O modelo contributivo continua a domi<strong>na</strong>r o debate sobre a Seguri<strong>da</strong>de, restringindo<br />

o escopo, efi cácia e efetivi<strong>da</strong>de do perfi l redistributivo do nosso sistema de proteção<br />

<strong>social</strong>. Neste artigo, vamos inicialmente demonstrar os défi cits de proteção que perduram<br />

<strong>na</strong> conjuntura presente, por termos uma política <strong>social</strong> que age ex-post e não ex-ante no<br />

combate à pobreza e à vulnerabili<strong>da</strong>de, situando os termos do debate atual seletivi<strong>da</strong>de<br />

versus universalismo; em segui<strong>da</strong>, vamos resgatar a inovação institucio<strong>na</strong>l introduzi<strong>da</strong> por<br />

Beveridge ao demonstrar a que inclusão e universalismo são elementos indissociáveis para<br />

atuar <strong>na</strong> prevenção e <strong>na</strong> redução do risco, escopo esse ain<strong>da</strong> ausente do nosso sistema<br />

de proteção. Vamos ain<strong>da</strong> descrever como evoluiu o gasto público no período recente para<br />

questio<strong>na</strong>r a afi rmação lugar-comum de que garantir ren<strong>da</strong> mínima por insufi ciência de ren<strong>da</strong><br />

é um desincentivo à contribuição, estimando como se dá a contribuição indireta dos mais<br />

pobres ao orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social. Fi<strong>na</strong>lmente, faremos algumas sugestões de<br />

como estender a cobertura <strong>da</strong> proteção <strong>social</strong> aos grupos mais fragilizados e vulneráveis <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de (versão de dezembro de <strong>20</strong>07).<br />

1. O debate sobre exclusão: o falso embate entre clientelas<br />

(1) Agradecemos a Igor Briguiet, estu<strong>da</strong>nte de Economia do IE-UFRJ, a programação e os <strong>da</strong>dos relativos à PNAD e a Roberto<br />

L<strong>ou</strong>reiro Filho, economista pelo IE-UFRJ, um conjunto de tabelas sobre evolução do gasto <strong>social</strong>.<br />

(2) As opiniões expressas neste artigo são de responsabili<strong>da</strong>de de seus autores e não refl etem, necessariamente, o ponto de<br />

vista <strong>da</strong>s instituições cita<strong>da</strong>s.<br />

33


34<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Desde a criação do Sistema de Seguri<strong>da</strong>de Social no Brasil, em 1988, e à medi<strong>da</strong><br />

que, ao longo <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90, regulament<strong>ou</strong>-se um conjunto importante de benefícios<br />

previdenciários e assistenciais, de impacto redistributivo evidente e signifi cativo, o debate<br />

acerca <strong>da</strong> adequação dos benefícios sem base contributiva integral (previdência rural) <strong>ou</strong><br />

não-contributivos (BPC) continua fortemente polarizado. Essa é uma <strong>da</strong>s vertentes que toma<br />

a disputa em torno ao grau e padrão de redistribuição que almejamos como socie<strong>da</strong>de.<br />

A inovação institucio<strong>na</strong>l do nosso sistema de proteção <strong>social</strong> foi precisamente: 1)<br />

introduzir uma dimensão mais universalista, de infl uência beveridgia<strong>na</strong>, para além do<br />

modelo bismarkiano que prevalece para concessão de aposentadorias, pensões e <strong>ou</strong>tros<br />

direitos previdenciários. Nesse sentido, é reconhecido o direito a uma ren<strong>da</strong> monetária,<br />

independentemente de contribuição prévia. Justifi ca-se pela “necessi<strong>da</strong>de” 3 ; e 2) garantir<br />

isonomia, igualando o valor do piso dos benefícios previdenciários e assistencial.<br />

Dois argumentos fomentam a crítica dos que se opõem ao perfi l do atual modelo de<br />

seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> brasileiro, que mescla direitos não-contributivos e, <strong>ou</strong>tros, contributivos.<br />

Por um lado, conde<strong>na</strong>-se o direito a benefícios previdenciários por parte de indivíduos que<br />

não contribuíram regularmente <strong>ou</strong> em base sufi ciente (caso dos trabalhadores rurais), o<br />

que poderia gerar, no médio e longo prazo, desincentivos à contribuição (Sabóia, <strong>20</strong>07),<br />

instituindo <strong>ou</strong>tros critérios (ditos “oportunistas”) de acesso ao benefício, no caso, ser e manter-<br />

se pobre (caso dos benefícios assistenciais). De <strong>ou</strong>tro, conde<strong>na</strong>-se, também, a vinculação<br />

do piso previdenciário e assistencial ao salário mínimo, tal como reza a Constituição, por<br />

comprometer o equilíbrio <strong>da</strong>s contas públicas – leia-se o orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social,<br />

sabi<strong>da</strong>mente superavitário 4 -, o que acabaria por premiar comportamentos oportunistas e<br />

restringir a recuperação do poder de compra do salário mínimo.<br />

Dentre as propostas para sanear os “desvios” acima identifi cados, e que recheiam<br />

justifi cativas para uma nova ro<strong>da</strong><strong>da</strong> de reformas do Sistema de Seguri<strong>da</strong>de Social, sugere-<br />

se o fi m <strong>da</strong> aposentadoria rural, nos moldes presentes (Giambiagi, <strong>20</strong>07), e a desvinculação<br />

do BPC 5 e dos benefícios previdenciários rurais ao salário mínimo (Paes de Barros, <strong>20</strong>07),<br />

atribuindo-se-lhe um <strong>ou</strong>tro valor bem menor, em patamar próximo à subsistência, <strong>ou</strong> mesmo<br />

suprimindo-o. Os recursos assim disponibilizados permitiriam elevar o valor médio do Bolsa-<br />

(3) A LOAS, Lei Orgânica <strong>da</strong> Assistência Social, promulga<strong>da</strong> em 1993, reconhece em seu artigo 1º que devem ser providos<br />

“mínimos sociais, (...), por meio de um conjunto integrado de iniciativas pública e priva<strong>da</strong>, para garantir o atendimento <strong>da</strong>s<br />

necessi<strong>da</strong>des básicas”.<br />

(4) Vamos dispensar esclarecimentos acerca do “falso” défi cit <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, por ser hoje reconhecido, inclusive pelo<br />

TCU, ser o orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social superavitário. A este respeito ler <strong>ANFIP</strong> (<strong>20</strong>07), Gentil (<strong>20</strong>07), Lavi<strong>na</strong>s (<strong>20</strong>07b), e<br />

<strong>ou</strong>tros autores.<br />

(5) Além do BPC, devem ser alcançados por essa reforma as aposentadorias rurais.<br />

(*) Le<strong>na</strong> Lavi<strong>na</strong>s é Professora Associa<strong>da</strong> do Instituto de Economia <strong>da</strong> UFRJ e atualmente Secretária Municipal de Monitora-<br />

mento e Gestão <strong>na</strong> Prefeitura <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de de Nova Iguaçu.<br />

(**) André Cavalcanti é d<strong>ou</strong>torando do IE/UFRJ e a<strong>na</strong>lista <strong>da</strong> Coorde<strong>na</strong>ção de Contas Nacio<strong>na</strong>is do IBGE.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Família, desti<strong>na</strong>do a famílias indigentes e com crianças. Neste caso, o argumento a endossar<br />

tal mu<strong>da</strong>nça do quadro institucio<strong>na</strong>l dos direitos previdenciários e assistenciais residiria no fato<br />

de os idosos, a despeito de não terem contribuído para a previdência, usufruírem de cobertura<br />

previdenciária <strong>ou</strong> assistencial ampla, enquanto crianças continuariam desprotegi<strong>da</strong>s, o que<br />

estaria alimentando a pobreza intergeracio<strong>na</strong>l. O argumento defende a troca de público-<br />

alvo contemplado pelos benefícios assistenciais, alegando “desperdício” 6 e falta de recursos<br />

orçamentários para gastar.<br />

É fato incontestável que o Brasil não instituiu ain<strong>da</strong>, no âmbito do seu sistema de proteção<br />

<strong>social</strong>, um benefício familiar de apoio à infância/adolescência, de caráter universal, tal como<br />

existe em muitas democracias européias, desti<strong>na</strong>do a compensar gastos privados com<br />

a educação <strong>da</strong>s crianças e reduzir o grau de vulnerabili<strong>da</strong>de familiar 7 , prevenindo contra a<br />

pobreza. Nos países <strong>da</strong> EU-25, esse tipo de benefício representa 2,1% do PIB 8 (Eurostat,<br />

<strong>20</strong>07) e 8% do gasto vinculado à Seguri<strong>da</strong>de Social 9 . A tabela 1 dá uma idéia <strong>da</strong> importância<br />

dessa função no âmbito dos sistemas de proteção <strong>social</strong> de alguns países <strong>da</strong> EU-25. Trata-<br />

se <strong>da</strong> rubrica cujo crescimento foi mais acentuado entre <strong>20</strong>04-<strong>20</strong>05 para os 14 países que já<br />

informaram seu gasto com a Seguri<strong>da</strong>de (1,5% a.a. <strong>na</strong> média) 10 . O gasto <strong>da</strong> proteção <strong>social</strong> com<br />

programas de combate à exclusão e pobreza constituem-se quase sempre em complemento<br />

de ren<strong>da</strong> às transferências fi scais às famílias cujo impacto revela-se insufi ciente <strong>na</strong> redução<br />

efetiva <strong>da</strong> pobreza. Na comparação com as políticas de apoio às famílias e às crianças (até<br />

19 <strong>anos</strong>), verifi ca-se, segundo a tabela 1, que esses programas representam proporção bem<br />

menor do PIB e do gasto <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, respectivamente 0,4% e 1,5%. Esses números<br />

refl etem dois padrões de proteção distintos: países onde a cobertura às famílias com crianças<br />

é universal (BE, DK, FI, NL, FR, DE, IE) e <strong>ou</strong>tros, em proporção menor (ES, IT), onde parte<br />

<strong>da</strong>s transferências às famílias se faz através de programas focalizados. Mas esse padrão vem<br />

perdendo espaço em prol do universal, no âmbito <strong>da</strong>s políticas de convergência para redução<br />

(6) No caso, dois idosos <strong>na</strong>s áreas rurais estariam recebendo dois salários mínimos, sem jamais terem contribuído, o que os<br />

tor<strong>na</strong>ria parte do universo dos “ricos” brasileiros.<br />

(7) Na prática, ape<strong>na</strong>s com as famílias tributa<strong>da</strong>s pelo Imposto de Ren<strong>da</strong> podem ser compensa<strong>da</strong>s de alguma forma, graças à<br />

dedução fi scal prevista por fi lho em i<strong>da</strong>de escolar. No <strong>ou</strong>tro extremo, famílias extremamente pobres podem habilitar-se ao re-<br />

cebimento do Bolsa-Família, enquanto perdurar tal situação de destituição agu<strong>da</strong> e receber, assim, um benefício para comple-<br />

mentar as despesas com crianças. Esse benefício, inclusive, é pago por criança, até um máximo de três por família.<br />

(8) Dados para <strong>20</strong>04, consoli<strong>da</strong>dos.<br />

(9) O gasto <strong>da</strong> proteção <strong>social</strong> inclui também aposentadorias e pensões, benefícios por invalidez, moradia, desemprego, as-<br />

sistência <strong>ou</strong> exclusão e saúde. O gasto com programas assistenciais <strong>ou</strong> de combate à exclusão, não-universais, mas sim<br />

focalizados, soma 1,4% do gasto com transferências monetárias <strong>na</strong> proteção <strong>social</strong>. A rubrica “família e crianças” que engloba<br />

benefícios universais é a terceira em ordem de grandeza, equivalente às despesas com benefícios por invalidez. É supera<strong>da</strong><br />

pelas despesas com aposentadorias e pensões (45,9% <strong>da</strong>s transferências sociais <strong>ou</strong> 12% do PIB) e pelas despesas com<br />

saúde (28% <strong>da</strong>s transferências <strong>ou</strong> 7,4% do PIB). Dados relativos á EU-25, <strong>20</strong>04.<br />

(10) Ver a este respeito Eurostat, Statistique en Bref, 99/<strong>20</strong>07. Observe-se que o gasto nessa função cresce, apesar <strong>da</strong> que<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> fecundi<strong>da</strong>de, em razão de ter havido valorização real, <strong>na</strong> maior parte dos países <strong>da</strong> EU-25, dos benefícios de apoio às<br />

famílias.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

35


de hiatos interpaíses adota<strong>da</strong>s pela EU.<br />

36<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Participação Relativa do Gasto com Beneficios para<br />

Famílias e Crianças*<br />

Bélgica<br />

Di<strong>na</strong>marca<br />

Alemanha<br />

Espanha<br />

França<br />

Itália<br />

Holan<strong>da</strong><br />

Portugal<br />

Finlândia<br />

Suécia<br />

Irlan<strong>da</strong><br />

UK<br />

Média EU-25<br />

Países % PIB % Gasto com SS<br />

2,0<br />

3,9<br />

3,0<br />

0,7<br />

2,5<br />

1,1<br />

1,3<br />

1,2<br />

3,0<br />

3,0<br />

2,5<br />

1,7<br />

2,1<br />

No Brasil, mínimos sociais são assegurados ape<strong>na</strong>s a pessoas vivendo <strong>na</strong> indigência 11 /<br />

pobreza e/<strong>ou</strong> incapacita<strong>da</strong>s para o trabalho, sejam elas portadoras de defi ciência <strong>ou</strong> idosos.<br />

A idéia de que é obrigação do Estado reduzir o risco <strong>da</strong> pobreza e, portanto, estabelecer<br />

políticas que possam atuar ex-ante para dirimir vulnerabili<strong>da</strong>des e seus efeitos nefastos <strong>na</strong><br />

per<strong>da</strong> de bem-estar, não integra a institucio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de do sistema de proteção <strong>social</strong> brasileiro.<br />

As políticas (LOAS) <strong>ou</strong> programas (Bolsa-Família) que transferem ren<strong>da</strong> monetária são<br />

instrumentos ex-post de alívio <strong>da</strong> pobreza, sujeitos à comprovação de insufi ciência de ren<strong>da</strong>,<br />

e não se desti<strong>na</strong>m propriamente à sustentação <strong>da</strong>s famílias, atenuando e nota<strong>da</strong>mente<br />

prevenindo contra eventuais riscos. Somente os comprova<strong>da</strong>mente pobres podem habilitar-<br />

se. Essas transferências não se constituem, portanto, em direito, ain<strong>da</strong> que <strong>na</strong> prática a<br />

concessão do BPC tome quase sempre caráter permanente. Contudo, a prevenção, que<br />

poderia contrarrestar a pobreza intergeracio<strong>na</strong>l, e reduzir signifi cativamente o grau de<br />

destituição <strong>da</strong> famílias mais pobres e de seus membros, fi c<strong>ou</strong> de fora do marco regulatório<br />

(11) Ren<strong>da</strong> familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

7,1<br />

13,0<br />

10,5<br />

3,5<br />

8,5<br />

4,4<br />

4,8<br />

5,3<br />

11,5<br />

9,6<br />

15,5<br />

6,5<br />

8,0<br />

Fonte: EUROSTAT (não imputa<strong>da</strong>s aqui as deduções fiscais no IR)<br />

*<strong>20</strong>04<br />

**<strong>20</strong>03<br />

TABELA 1<br />

Participação Relativa do Gasto com<br />

Programas de Combate à Exclusão**<br />

% PIB % Gasto com SS<br />

0,5<br />

1,0<br />

0,5<br />

0,2<br />

0,5<br />

0,0<br />

1,3<br />

0,3<br />

0,6<br />

0,7<br />

0,4<br />

0,2<br />

0,4<br />

1,7<br />

3,4<br />

1,7<br />

0,9<br />

1,6<br />

0,2<br />

4,9<br />

1,5<br />

2,1<br />

2,2<br />

2,4<br />

0,9<br />

1,5


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

<strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de, e, por isso mesmo, a universali<strong>da</strong>de do sistema só alcanç<strong>ou</strong> a saúde 12 . Do<br />

ponto de vista <strong>da</strong> garantia de uma ren<strong>da</strong> mínima e de uma atuação preventiva para anular<br />

riscos e reduzir sua incidência nos grupos vulneráveis, o sistema de proteção brasileiro<br />

continua i<strong>na</strong>cabado, razão pela qual convivemos com níveis elevados de exclusão.<br />

Esses programas de transferência de ren<strong>da</strong> integram o orçamento <strong>da</strong> função “assistência”,<br />

que conheceu no período pós-<strong>20</strong>00 um crescimento bastante expressivo – 167,5%, contra<br />

25% do gasto anual com previdência e 8,1%, com saúde, conforme tabela 2. O valor per<br />

capita do gasto com assistência sobe, assim, de R$ 42 em <strong>20</strong>00 para R$ 1<strong>20</strong> 13 em <strong>20</strong>06,<br />

progressão essa que ganha força a partir de <strong>20</strong>04. Se tomarmos como denomi<strong>na</strong>dor ape<strong>na</strong>s<br />

os pobres, o per capita passaria de R$ 150 anuais em <strong>20</strong>01 para R$ 564,00 em <strong>20</strong>06. Isso<br />

aconteceria em teoria, caso o público-alvo fosse integralmente atendido, sem que h<strong>ou</strong>vesse<br />

evasão <strong>ou</strong> erro de focalização, o que não ocorre <strong>na</strong> prática.<br />

Com isso, os programas focalizados de combate à pobreza dobraram, em seis <strong>anos</strong>, sua<br />

participação no PIB (de 0,45% para 0,96%) e no orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social (de 4,58%<br />

para 9,39%), conforme tabela 3. O Brasil detém hoje os maiores percentuais de PIB com<br />

gasto assistencial <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong>, segundo estudo feito pela CEPAL 14 .<br />

Função <strong>20</strong>00 <strong>20</strong>01<br />

(12) As razões para a universalização <strong>da</strong> saúde com bem público são conheci<strong>da</strong>s: assimetrias de informação podem compro-<br />

meter a saúde e a autonomia dos indivíduos, nota<strong>da</strong>mente os mais velhos e os menos instruídos, elevando o gasto público;<br />

um serviço de saúde dualizado (duplo padrão) favorece os afl uentes e aumenta exter<strong>na</strong>li<strong>da</strong>des negativas; barreiras discrimi-<br />

<strong>na</strong>tórias estigmatizam e excluem; seguros privados não atendem a todos <strong>ou</strong> a to<strong>da</strong>s as necessi<strong>da</strong>des, pois implicariam custos<br />

proibitivos, anulando a possibili<strong>da</strong>de de haver seguro, etc...<br />

(13) Valores constantes de setembro de <strong>20</strong>07.<br />

(14) CEPAL, <strong>20</strong>06, Estudo inédito de Villatoro. México e Chile vêem em segundo lugar no que tange o gasto com programas<br />

de ren<strong>da</strong> focalizados e seu gasto chega a 0,3% do PIB.<br />

TABELA 2<br />

Evolução dos Gastos Sociais Federais por Função (<strong>20</strong>00-<strong>20</strong>07)<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

<strong>20</strong>02 <strong>20</strong>03 <strong>20</strong>04 <strong>20</strong>05 <strong>20</strong>06 <strong>20</strong>06/<strong>20</strong>00<br />

Assistência Social 8.392.<strong>20</strong>8.323 9.070.573.148 9.823.464.609 10.338.295.396 15.566.143.737 16.748.240.289 22.447.346.221<br />

Previdência Social 176.489.5<strong>20</strong>.460 184.114.610.526 185.843.769.134 178.698.523.669 185.839.<strong>20</strong>5.<strong>20</strong>8 199.741.760.944 221.326.793.980<br />

Saúde<br />

38.299.508.053 40.460.910.529 38.361.812.431 33.376.759.293 37.022.993.534 38.657.923.062 41.388.658.685<br />

<strong>20</strong>00<br />

<strong>20</strong>01<br />

<strong>20</strong>02<br />

<strong>20</strong>03<br />

<strong>20</strong>04<br />

<strong>20</strong>05<br />

<strong>20</strong>06<br />

TABELA 3<br />

Gasto com Assistência<br />

ANO % do PIB<br />

0,45 %<br />

0,45 %<br />

0,48 %<br />

0,50 %<br />

0,71 %<br />

0,74 %<br />

0,96 %<br />

Fonte: SIAFI - STN/CCONT/GEINC e IPEA (PIB)<br />

% do OSS<br />

4,58 %<br />

4,72 %<br />

5,07 %<br />

5,49 %<br />

7,60 %<br />

5,63 %<br />

9,39 %<br />

167,5<br />

25,41<br />

8,1<br />

37


38<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Diante <strong>da</strong> inexistência de uma política de proteção à família e às crianças, de<br />

modo a reverter riscos decorrentes de situação de vulnerabili<strong>da</strong>de, não chega a ser<br />

surpresa constatar que a desproteção no Brasil é mais alta entre crianças e adultos<br />

em i<strong>da</strong>de de trabalhar (seus pais) do que entre idosos. A tabela 4 indica a proporção<br />

de crianças e adolescentes entre os pobres, e sua evolução recente, tomando como<br />

linha de pobreza a adota<strong>da</strong> pelo Programa Bolsa-Família. Escapam à condição de<br />

pobres entre <strong>20</strong>01 e <strong>20</strong>06 8,2 milhões de crianças e jovens com menos de 16 <strong>anos</strong>.<br />

Apesar dessa retração importante, estes ain<strong>da</strong> constituem 47% dos pobres em <strong>20</strong>06.<br />

Isto é, permanecem pobres quase 18 milhões de crianças e adolescentes (1/3 de to<strong>da</strong>s<br />

as nossas crianças). E isso, apesar de estarmos considerando nesta redistribuição a<br />

integrali<strong>da</strong>de dos rendimentos familiares, inclusive as transferências fiscais de cunho<br />

assistencial. Assim, apesar de ter havido uma diminuição considerável do número de<br />

pobres em ape<strong>na</strong>s 5 <strong>anos</strong> – praticamente 21 milhões de pessoas saíram <strong>da</strong> pobreza<br />

– a destituição continua afetando e comprometendo o desenvolvimento de 1/5 <strong>da</strong><br />

população brasileira (contra 1/3 em <strong>20</strong>01 e ¼ em <strong>20</strong>04), mormente a população em<br />

i<strong>da</strong>de ativa e seus dependentes.<br />

TABELA 4<br />

Pobres* antes e após transferências<br />

Faixa Etária <strong>20</strong>01 <strong>20</strong>04 <strong>20</strong>06<br />

<strong>20</strong>01 <strong>20</strong>04 <strong>20</strong>06<br />

De zero a 15 <strong>anos</strong> 26.980.356 <strong>20</strong>.577.259 18.770.777<br />

44,65% 47,21% 47,16%<br />

De 16 a 64 <strong>anos</strong> 31.963.363 22.473.619 <strong>20</strong>.608.963<br />

52,89% 51,56% 51,78%<br />

Maiores de 65 <strong>anos</strong> 1.482.164 535.935 417.4<strong>20</strong><br />

2,45% 1,23% 1,04%<br />

Total** 60.425.883 43.586.813<br />

39.797.160<br />

Fonte: PNAD <strong>20</strong>01, <strong>20</strong>04, <strong>20</strong>06<br />

*Ren<strong>da</strong> familiar per capita abaixo de R$100,00 (nomi<strong>na</strong>l) para <strong>20</strong>01 e <strong>20</strong>04 e R$1<strong>20</strong>,00 (nomi<strong>na</strong>l) para <strong>20</strong>06<br />

**Após transferências fiscais do governo e contributivas<br />

Não por acaso, constatamos, pela tabela 4, que pessoas com mais de 65 <strong>anos</strong> somam<br />

ape<strong>na</strong>s 1% dos pobres, o que signifi ca dizer que o modelo de proteção <strong>social</strong> vigente garante<br />

cobertura efi caz contra a pobreza para os seniors. Esse percentual já baixo (2,5% dos pobres<br />

eram idosos em <strong>20</strong>01) registra que<strong>da</strong> no período observado, apesar de o número de idosos<br />

estar aumentando no país, em razão do incremento <strong>da</strong> longevi<strong>da</strong>de.<br />

A tabela 5 traz informações complementares relevantes, pois além do decréscimo em<br />

termos absolutos do número de pobres, sua proporção também cai signifi cativamente:<br />

passam a representar 21% <strong>da</strong> população em <strong>20</strong>06, contra 36% em <strong>20</strong>01.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

100% 100% 100%


To<strong>da</strong>s as fontes de ren<strong>da</strong><br />

(trabalho, aposentadorias e<br />

<strong>ou</strong>tras fontes)<br />

Ape<strong>na</strong>s rendimentos do<br />

trabalho e de<br />

aposentadorias/pensões<br />

Ape<strong>na</strong>s rendimentos do<br />

trabalho<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Fonte: PNAD <strong>20</strong>01, <strong>20</strong>04, <strong>20</strong>06<br />

*Ren<strong>da</strong> familiar per capita abaixo de R$100,00 (nomi<strong>na</strong>l) para <strong>20</strong>01 e <strong>20</strong>04 e R$1<strong>20</strong>,00 (nomi<strong>na</strong>l) para <strong>20</strong>06<br />

Ao decompor os tipos de rendimentos que constituem a ren<strong>da</strong> familiar <strong>da</strong> população<br />

pobre, observamos, pela tabela 5, que o aumento dos rendimentos do trabalho e as novas<br />

oportuni<strong>da</strong>des de emprego entre <strong>20</strong>01 e <strong>20</strong>06 permitiram reduzir o número de pobres (antes<br />

<strong>da</strong>s transferências fi scais) em cerca de 12,7 milhões, fazendo com que o percentual que<br />

alcançava praticamente 50% <strong>da</strong> população recuasse para 37%. Esse recuo de 12 pontos<br />

percentuais foi fun<strong>da</strong>mental para que as transferências diretas de ren<strong>da</strong> via aposentadorias<br />

e pensões e <strong>ou</strong>tras transferências fi scais (tipo Bolsa-Família) fossem igualmente efetivas em<br />

reduzir ain<strong>da</strong> mais o estoque de pobres no período.<br />

Contudo, dentre as ren<strong>da</strong>s não-diretamente provenientes de trabalho, verifi ca-se que<br />

o impacto <strong>da</strong>s aposentadorias e pensões 15 em dirimir a pobreza mostra-se muito superior<br />

ao <strong>da</strong>s demais transferências de cunho assistencial 16 (assimila<strong>da</strong>s como “<strong>ou</strong>tras fontes”).<br />

Enquanto estas contribuem para reduzir em mais 5 pontos percentuais o número de pobres<br />

(que<strong>da</strong> de 26% para 21% em <strong>20</strong>06), as aposentadorias e pensões provocam que<strong>da</strong> de 11<br />

pontos percentuais, em <strong>20</strong>06. Em termos líquidos saem <strong>da</strong> pobreza, em <strong>20</strong>06, por força<br />

<strong>da</strong>s transferências de valor vinculado ao piso previdenciário 21 milhões de pessoas, contra<br />

8,3 milhões benefi cia<strong>da</strong>s com programas de transferência de ren<strong>da</strong> focalizados (benefícios<br />

cujo valor é uma fração bem menor do salário mínimo). O saldo é positivo em 30 milhões. A<br />

conjugação desses dois tipos de transferências reduz a pobreza em 42% em <strong>20</strong>06, contra<br />

26% em <strong>20</strong>01 e 39% em <strong>20</strong>04.<br />

Portanto, desvincular as aposentadorias <strong>ou</strong> <strong>ou</strong>tros benefícios como o BPC do salário<br />

mínimo provocará fatalmente aumento <strong>da</strong> pobreza em alguns milhões, agravando também<br />

sua intensi<strong>da</strong>de. Essa constatação não é nova 17 , mas deve ser recorrentemente lembra<strong>da</strong>.<br />

Embora alvissareiros, esses <strong>da</strong>dos encobrem uma reali<strong>da</strong>de dramática: para além<br />

(15) Aqui assimila<strong>da</strong>s aos benefícios contributivos <strong>ou</strong> não-contributivos no valor de um salário mínimo.<br />

(16) Assimila<strong>da</strong>s sob a rubrica “<strong>ou</strong>tras fontes”.<br />

(17) Outros autores já identifi caram que a contribuição <strong>da</strong> previdência rural, <strong>da</strong>s aposentadorias em geral e do o BPC (Veras et<br />

alii, <strong>20</strong>06; Dias, <strong>20</strong>05; Lavi<strong>na</strong>s, <strong>20</strong>06; etc....) à redução <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> pobreza é muito superior ao de programas como<br />

o Bolsa-Família.<br />

Pobres* antes e após transferências Percentual <strong>da</strong> População<br />

<strong>20</strong>01<br />

60.425.883<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

TABELA 5<br />

<strong>20</strong>04 <strong>20</strong>06<br />

43.586.813 39.797.160<br />

64.579.965 50.555.999 48.176.997<br />

82.527.348 71.789.618 69.778.313<br />

<strong>20</strong>01<br />

36%<br />

<strong>20</strong>04 <strong>20</strong>06<br />

24% 21%<br />

38% 28% 26%<br />

49% 39% 37%<br />

39


40<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

do fato de ain<strong>da</strong> termos 40 milhões de famílias abaixo de uma linha de pobreza de valor<br />

relativamente baixo para o exercício de uma vi<strong>da</strong> dig<strong>na</strong>, temos, segundo a PNAD <strong>20</strong>06,<br />

1,46 milhão de famílias que vivem com ren<strong>da</strong> zero, o que signifi ca dizer que não percebem<br />

rendimentos do trabalho, nem são alcança<strong>da</strong>s pela rede mínima de proteção <strong>social</strong>. São<br />

3,5 milhões de pessoas excluí<strong>da</strong>s <strong>da</strong> rede assistencial e expostas à pobreza extrema.<br />

Praticamente 10 % <strong>da</strong> população pobre não foi alcança<strong>da</strong> por nenhum tipo de benefício<br />

assistencial. Quem são essas famílias? Menos de 10% são constituí<strong>da</strong>s por casais sem fi lhos<br />

e 91% registram a presença de crianças e jovens. 51% delas são famílias monoparentais 18<br />

chefi a<strong>da</strong>s por mulheres com crianças menores de 14 <strong>anos</strong>. Um total aproximado de 9<strong>20</strong><br />

mil famílias (62%) com crianças menores de 14 <strong>anos</strong>, vivem sem ren<strong>da</strong> monetária regular<br />

e no mês de referência <strong>da</strong> PNAD <strong>20</strong>06 registraram ren<strong>da</strong> zero, apesar de os gestores do<br />

Programa Bolsa-Família considerarem já ter realizado a meta de cobertura do programa.<br />

Deste universo de 3,5 milhões de pessoas, somente 0,84% têm mais de 65 <strong>anos</strong>. A i<strong>da</strong>de<br />

média dos adultos dessas famílias, de tamanho padrão (3 membros em média) é de 30 <strong>anos</strong>.<br />

Trata-se, portanto, de famílias jovens que incorrem em despesas eleva<strong>da</strong>s, em decorrência<br />

<strong>da</strong> presença de crianças, e dispõem de baixas dotações.<br />

Se retirarmos o foco exclusivamente <strong>da</strong> pobreza, e o ampliarmos para situações<br />

de risco e vulnerabili<strong>da</strong>de que podem ferir dotações e comprometer o desenvolvimento<br />

sadio e produtivo <strong>da</strong> população, o quadro é, no agregado, igualmente preocupante.<br />

Estimativas 19 realiza<strong>da</strong>s mais uma vez com base <strong>na</strong> PNAD (<strong>20</strong>05) indicam que<br />

32,2% <strong>da</strong>s crianças brasileiras de até 15 <strong>anos</strong> vivem em famílias sem nenhum tipo<br />

de proteção previdenciária. Isso soma cerca de 18 milhões de menores. Nem to<strong>da</strong>s<br />

vivem <strong>na</strong> pobreza, mas o risco de cair <strong>na</strong> pobreza tem probabili<strong>da</strong>de eleva<strong>da</strong> para<br />

muitas dessas crianças. Grau de desproteção semelhante foi observado para adultos<br />

<strong>na</strong> faixa 16-64 <strong>anos</strong>, pois 36% destes não se beneficiam de nenhuma cobertura, seja<br />

ela direta (como contribuintes) <strong>ou</strong> indireta (como dependentes). Já no caso dos idosos,<br />

a cobertura previdenciária direta e indireta é bem mais eficaz, pois menos de 10%<br />

estariam desprotegidos. Isso explica porque a participação de idosos (65 <strong>anos</strong> e mais)<br />

entre os pobres, em <strong>20</strong>06, cai para 1% após as transferências fiscais, contra perto de<br />

2% antes <strong>da</strong> imputação.<br />

Isso signifi ca que nem pelo lado <strong>da</strong> regra contributiva, nem pelo lado <strong>da</strong> política assistencial<br />

logramos garantir, de facto <strong>ou</strong> de jure (em caso de risco consumado), o acesso a uma ren<strong>da</strong><br />

monetária regular, um mínimo de sobrevivência, que possa prevenir contra a miséria e níveis<br />

alarmantes de exclusão <strong>social</strong>.<br />

(18) Lavi<strong>na</strong>s e Nicoll (<strong>20</strong>06b) assi<strong>na</strong>laram, com base nos <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> PNAD <strong>20</strong>04, essa falha de focalização, que gera graves<br />

inefi ciências horizontais e muito possivelmente, verticais (recebe quem não deveria).<br />

(19) Ver a este respeito Lavi<strong>na</strong>s, Matijascic e Nicoll (<strong>20</strong>06).<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Neste artigo, pretendemos esclarecer os vieses de um debate que escamoteia a questão<br />

redistributiva ao insistir, equivoca<strong>da</strong>mente, no mérito <strong>ou</strong>, no <strong>ou</strong>tro extremo, <strong>na</strong> necessi<strong>da</strong>de<br />

comprova<strong>da</strong>, como fonte de acesso a um mínimo <strong>social</strong>, o que acaba por descartar a universalização<br />

do sistema de proteção <strong>social</strong> <strong>da</strong> agen<strong>da</strong> brasileira. Em um país onde a inclusão previdenciária<br />

é meta de alcance remoto, tal a permanência dos nossos níveis elevados de informali<strong>da</strong>de<br />

e precarie<strong>da</strong>de do emprego, insiste-se <strong>na</strong> tecla do aumento <strong>da</strong> densi<strong>da</strong>de contributiva – o que<br />

deve ser, sem dúvi<strong>da</strong>, objetivo perseguido com afi nco e efi cácia -, porém, omite-se a relevância<br />

de <strong>ou</strong>tros mecanismos universais <strong>na</strong> promoção <strong>da</strong> eqüi<strong>da</strong>de e do bem-estar. Ou seja, insiste-<br />

se em reconhecer tão-somente o bem-estar ocupacio<strong>na</strong>l (Titmuss, 1964), aquele derivado <strong>da</strong><br />

condição de empregado contribuinte, status ocupacio<strong>na</strong>l esse que alcança os dependentes dos<br />

contribuintes, mas deixa de fora grande parte <strong>da</strong> população, sobretudo em países como o Brasil<br />

onde a heterogenei<strong>da</strong>de estrutural do mercado de trabalho discrimi<strong>na</strong> os ci<strong>da</strong>dãos. O bem-estar<br />

fi scal mostra-se dissociado, no Brasil, do enfoque <strong>da</strong> proteção <strong>social</strong>, pois o sistema tributário e<br />

sua efetivi<strong>da</strong>de em redistribuir bem-estar e elimi<strong>na</strong>r a destituição extrema fi ca à margem do debate.<br />

Essa dissociação fi cará ain<strong>da</strong> mais evidente quando se demonstrar de que forma a política <strong>social</strong><br />

vem sendo abor<strong>da</strong><strong>da</strong> no contexto <strong>da</strong> política macroeconômica brasileira no período recente.<br />

Essa concepção compartimenta<strong>da</strong> <strong>da</strong> proteção <strong>social</strong> é francamente hostil – se considera<strong>da</strong><br />

isola<strong>da</strong>mente <strong>20</strong> - à redistribuição vertical, tendendo a favorecer a distribuição horizontal ao longo<br />

do ciclo de vi<strong>da</strong> 21 ., dentro de um viés, além de tudo, regressivo. É, portanto, avessa ao avanço e à<br />

generalização de mecanismos universais capazes de assegurar patamares de inclusão efi cazes,<br />

elevados e constantes, equalizando padrões de acesso e de consumo de determi<strong>na</strong>dos bens e<br />

serviços e combatendo com efi cácia a desigual<strong>da</strong>de.<br />

Este artigo vai tratar desta contradição e para tanto encontra-se estruturado em cinco seções.<br />

Na que se segue a esta primeira parte, recor<strong>da</strong>mos os grandes aportes <strong>da</strong> visão beveridgia<strong>na</strong><br />

revolucionária <strong>da</strong> proteção <strong>social</strong> e por que universalizar acessos e direitos torn<strong>ou</strong>-se a peça-<br />

mestre do sistema de inclusão e promoção <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia vigente <strong>na</strong>s democracias européias. Nesta<br />

seção, vamos apontar a relevância <strong>da</strong> prevenção contra o risco e a incerteza no pensamento de<br />

Beveridge e sua concepção origi<strong>na</strong>l. A terceira seção mostra elementos deste pensamento que<br />

geraram frutos <strong>na</strong> Constituição de 88 e como vem se comportando ao longo dos últimos <strong>anos</strong>.<br />

O último capítulo busca novos elementos para ampliar a cobertura do que já foi proposto pela<br />

Constituição e ir além dela.<br />

(<strong>20</strong>) Titmuss (1964) classifi c<strong>ou</strong> três tipos de fontes de bem-estar <strong>social</strong>: o bem-estar ocupacio<strong>na</strong>l, o bem-estar fi scal (isenções,<br />

deduções no imposto de ren<strong>da</strong> que permitam elevar a ren<strong>da</strong> disponível de indivíduos e famílias em função de algumas de<br />

suas características) e a política <strong>social</strong> propriamente dita, que se expressa através dos serviços públicos e <strong>da</strong>s transferências<br />

diretas de ren<strong>da</strong>.<br />

(21) Vale registrar que estudos realizados <strong>na</strong> Inglaterra por Glennester (<strong>20</strong>03) reconheceram que ¾ <strong>da</strong> receita previdenciária<br />

acaba sendo apropria<strong>da</strong> pelos contribuintes ao longo do seu ciclo de vi<strong>da</strong>, ¼ ape<strong>na</strong>s servindo a redistribuição vertical. Ou seja,<br />

a proteção previdenciária é sobretudo uma questão de redistribuição horizontal, transferindo ren<strong>da</strong> <strong>da</strong> fase ativa para a i<strong>na</strong>tiva<br />

e <strong>da</strong>s fases de altos ganhos para a de ganhos menores <strong>ou</strong> despesas familiares eleva<strong>da</strong>s.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

41


42<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

2. Beveridge, inovação institucio<strong>na</strong>l pela integração <strong>da</strong> política <strong>social</strong> e<br />

econômica<br />

Há 65 <strong>anos</strong> atrás, no fi m do ano de 1942, em meio ao cenário de devastação provocado<br />

pela Segun<strong>da</strong> Guerra e de mobilização para a reconstrução, <strong>da</strong>va-se publici<strong>da</strong>de extensiva<br />

a um dos documentos que teria maior impacto <strong>na</strong> estruturação e conformação dos sistemas<br />

de proteção <strong>social</strong> dos países <strong>da</strong> Europa e que, posteriormente, iria infl uenciar de forma<br />

defi nitiva a construção destes sistemas em <strong>ou</strong>tros continentes. O documento “Social<br />

Insurance and Allied Services” <strong>ou</strong> Relatório Beveridge, que incluiria uma proposta de Plano<br />

de Seguri<strong>da</strong>de Social (Beveridge Plan), como viria a ser conhecido posteriormente, traduzia<br />

uma visão sobre o sistema de proteção <strong>social</strong> integra<strong>da</strong> e universal, centra<strong>da</strong> no conceito<br />

de necessi<strong>da</strong>de (Want). A libertação <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de era o objetivo central do esquema de<br />

proteção proposto no relatório, associado a <strong>ou</strong>tros quatro obstáculos gigantes no “caminho<br />

<strong>da</strong> reconstrução”: a doença, a ignorância, a miséria e a desocupação.<br />

Em meados de 1941, o governo britânico encarreg<strong>ou</strong> o “liberal” William Beveridge de<br />

chefi ar um comitê que tinha como objetivo diagnosticar possíveis anomalias do sistema<br />

de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> construído de forma assistemática nos cinqüenta <strong>anos</strong> anteriores.<br />

O Committee on Social Insurance and Allied Services seria formado por componentes de<br />

diversos órgãos, inclusive do gabinete de guerra (War Cabinet Offi ce), mas manteria um perfi l<br />

essencialmente técnico. Entre as principais atribuições do comitê estariam o diagnóstico <strong>da</strong><br />

situação <strong>social</strong> <strong>da</strong>s famílias frente à proteção ofereci<strong>da</strong> pelo sistema de proteção vigente e a<br />

identifi cação de sobreposições entre os diferentes tipos de benefícios e atores responsáveis<br />

pela sua administração. Como o próprio relatório indic<strong>ou</strong>, havia um conjunto esparso e<br />

desarticulado de políticas e benefícios que deixava a desejar no atendimento às famílias em<br />

suas necessi<strong>da</strong>des específi cas. Da mesma forma, o fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong>s políticas, embora já<br />

demonstrasse diversifi cação de fontes, carecia de um arranjo integrado e coerente.<br />

Fonte: Harris, 1997.<br />

Benefício<br />

Indenização aos trabalhadores<br />

Seguro Desemprego<br />

Seguro Saúde<br />

Aposentadorias não contributivas<br />

Aposentadorias contributivas<br />

Aposentadorias Suplementares<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

QUADRO 1<br />

Tipos de Benefícios, Órgãos Responsáveis e Forma de<br />

Fi<strong>na</strong>nciamento <strong>na</strong> Grã-Bretanha antes do Relatório Beveridge<br />

Órgão Responsável pela<br />

Administração<br />

Home Office<br />

Ministry of Lab<strong>ou</strong>r<br />

Ministry of Health e Department of<br />

Health of Scotland<br />

Customs and Excise;<br />

Ministry of Health;<br />

Unemployment Assistance Board<br />

Fi<strong>na</strong>nciamento<br />

Pagas pelos empregadores<br />

Contribuição tripartite<br />

Contribuição tripartite<br />

Contribuinte<br />

Contribuição tripartite<br />

Contribuinte Individual


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

A reorganização administrativa, com a criação de um Ministério <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

que unifi casse a administração dos benefícios para racio<strong>na</strong>lizar a sua gestão, embora<br />

fi zesse parte <strong>da</strong> encomen<strong>da</strong> gover<strong>na</strong>mental ao Comitê, era ape<strong>na</strong>s uma derivação gerencial<br />

de uma mu<strong>da</strong>nça conceitual não trivial <strong>na</strong> direção de uma concepção mais ampla de sistema<br />

de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> britânico. O conceito de seguro <strong>social</strong> - segundo o qual o princípio<br />

contributivo se mantém não ape<strong>na</strong>s pelo seu caráter compulsório (o que já se verifi cava<br />

nos sistemas de inspiração bismarckia<strong>na</strong>), mas sob a égide do compartilhamento de riscos<br />

(pooling risks) - deveria prevalecer sobre a lógica do seguro voluntário, isto é, de ajuste<br />

estrito entre prêmios e riscos individuais.<br />

Esquemas tais como o que já havia vigorado no país anteriormente, em que os seguros<br />

eram organizados por categoria econômica <strong>ou</strong> sócio-ocupacio<strong>na</strong>l 22 , mostravam-se, sob<br />

certas circunstâncias, menos efi cientes, tendo em vista o desemprego em massa de longo<br />

prazo. Longos períodos de duração do desemprego em uma ativi<strong>da</strong>de econômica se<br />

relacio<strong>na</strong>va aos <strong>da</strong>s demais: “hoje o argumento comum é que o volume de desemprego em<br />

uma ativi<strong>da</strong>de não está em qualquer circunstância efetiva sob seu controle; que to<strong>da</strong>s as<br />

ativi<strong>da</strong>des dependem umas <strong>da</strong>s <strong>ou</strong>tras, e que aquelas que são afortu<strong>na</strong><strong>da</strong>mente regulares<br />

devem compartilhar os custos do desemprego com aquelas que são menos regulares”<br />

(Beveridge, 1942). Este tipo de constatação seria sufi ciente para justifi car em grande parte<br />

esta mu<strong>da</strong>nça de concepção.<br />

Acopla<strong>da</strong> a esta mu<strong>da</strong>nça no conceito de seguro estava a integração à assistência<br />

<strong>social</strong> e aos serviços <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is de saúde, que deveria complementar o sistema para torná-<br />

lo acessível a qualquer ci<strong>da</strong>dão, independente de sua condição <strong>social</strong> específi ca <strong>ou</strong> de sua<br />

capaci<strong>da</strong>de contributiva. A abor<strong>da</strong>gem universal do sistema de proteção <strong>social</strong> seria uma<br />

<strong>da</strong>s características mais marcantes do sistema proposto no relatório, visto que implicava<br />

em um enfoque preventivo em relação à situação <strong>social</strong> dos ci<strong>da</strong>dãos, em contraste com<br />

a abor<strong>da</strong>gem puramente atuarial que atuava somente sobre as conseqüências <strong>da</strong> per<strong>da</strong><br />

temporária de capaci<strong>da</strong>de de auferir rendimentos. Ademais, o conceito de necessi<strong>da</strong>de<br />

deveria orientar as políticas de assistência e deveria responder a fatores técnicos relativos às<br />

condições mínimas de vi<strong>da</strong> dig<strong>na</strong>. Estas condições, dizia Beveridge com base em diversas<br />

pesquisas realiza<strong>da</strong>s à época nos principais centros urb<strong>anos</strong> britânicos, variam de acordo<br />

com as regiões e com o tempo. A introdução de parâmetros relativos às necessi<strong>da</strong>des<br />

mínimas e a sua generalização no território seria uma <strong>da</strong>s características mais relevantes <strong>na</strong><br />

concepção do sistema.<br />

O Plano consistiu, em termos de propostas práticas, <strong>na</strong> extensão, consoli<strong>da</strong>ção e<br />

reestruturação de seguros já existentes bem como <strong>na</strong> proposição de novos benefícios.<br />

Entre os benefícios abor<strong>da</strong>dos pelo Plano se destacam:<br />

(22) Esse foi igualmente o modelo (CAPs e IAPS) que por cerca de 6 déca<strong>da</strong>s precedeu à criação do nosso Sistema de Se-<br />

guri<strong>da</strong>de Social<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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44<br />

- o seguro desemprego,<br />

- o auxílio às famílias,<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

- o auxílio em caso de acidentes de trabalho,<br />

- o auxílio funeral,<br />

- o auxílio materni<strong>da</strong>de,<br />

- o abono por casamento,<br />

- benefícios para esposas abando<strong>na</strong><strong>da</strong>s,<br />

- assistência às do<strong>na</strong>s de casa enfermas e<br />

- auxílio-capacitação para os que trabalhavam por conta própria (trabalhadores autônomos).<br />

A diversi<strong>da</strong>de de tipos de benefícios é consistente com o princípio de classifi cação,<br />

onde diferentes tipos de necessi<strong>da</strong>des devem ser atendi<strong>da</strong>s por diferentes mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de<br />

benefícios, em particular no tocante às mulheres, cuja relação no âmbito dos sistemas de<br />

proteção <strong>social</strong> sempre foi de dependência (modelo male breadwinner). O Relatório apresenta<br />

ain<strong>da</strong> um orçamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, que prevê receitas e despesas específi cas para<br />

o sistema.<br />

Três elementos fun<strong>da</strong>mentais orientaram a elaboração do Plano para a Seguri<strong>da</strong>de<br />

Social 23 de Beveridge: 1) a criação de um auxílio às crianças até 15 <strong>anos</strong> de i<strong>da</strong>de <strong>ou</strong> até<br />

16, se engaja<strong>da</strong>s em ativi<strong>da</strong>de de ensino integral; 2) um sistema integrado de saúde e 3) a<br />

manutenção do pleno emprego. A preocupação com a assistência às crianças se relacio<strong>na</strong>va<br />

essencialmente aos diagnósticos que embasaram o Relatório e que <strong>da</strong>vam conta de que, entre<br />

as principais causas <strong>da</strong> pobreza, estava a extensão <strong>da</strong>s famílias 24 . A pobreza <strong>da</strong>s grandes<br />

famílias não poderia ser enfrenta<strong>da</strong> por um sistema de seguro privado, <strong>da</strong>í a necessi<strong>da</strong>de de<br />

se estabelecer um patamar de subsistência para os benefícios, pelo conceito de “necessi<strong>da</strong>des<br />

huma<strong>na</strong>s”. O tratamento médico e de reabilitação com todos os seus requisitos deveria ser<br />

assegurado por meio de um sistema universal administrado pelo Estado, de forma separa<strong>da</strong><br />

do pagamento de benefícios em dinheiro, e deveria ser fi <strong>na</strong>nciado basicamente por tributos.<br />

A manutenção do pleno emprego, embora ocupasse algum destaque no Relatório, era<br />

vista até então mais como condição para o bom funcio<strong>na</strong>mento do sistema de seguri<strong>da</strong>de<br />

do que propriamente como objeto próprio de propostas de política. A experiência vivi<strong>da</strong> nos<br />

<strong>anos</strong> trinta em decorrência <strong>da</strong> Grande Depressão faria com que o temor do desemprego<br />

justifi casse estas preocupações. As ferramentas para atacar o problema econômico do<br />

desemprego, entretanto, não poderiam se restringir ao sistema de seguri<strong>da</strong>de e por isto não<br />

(23) O termo origi<strong>na</strong>l do inglês é Social Security, que <strong>na</strong> versão traduzi<strong>da</strong> para o português foi utiliza<strong>da</strong> a expressão Segurança<br />

Social (Boschetti, <strong>20</strong>03). O termo Seguri<strong>da</strong>de Social só seria introduzido institucio<strong>na</strong>lmente no Brasil com a Constituição de<br />

1988.<br />

(24) Beveridge, baseado nos estudos de Rowntree e Llwellyn Smith, citava o mito <strong>da</strong> família média como uma <strong>da</strong>s razões para<br />

a falha do sistema de proteção <strong>social</strong> em elimi<strong>na</strong>r a pobreza, visto que famílias de maior tamanho teriam necessi<strong>da</strong>des maiores<br />

e a utilização <strong>da</strong> família média como referência para defi nição de benefícios poderia gerar distorções.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

foram incluí<strong>da</strong>s neste documento. Havia necessi<strong>da</strong>de de <strong>ou</strong>tros instrumentos, teóricos e<br />

práticos, ligados à política econômica, para avançar <strong>na</strong> luta contra o desemprego.<br />

Após o lançamento e as discussões do Relatório, Beveridge se voltaria para construção de<br />

um novo relatório, desti<strong>na</strong>do a avaliar exclusivamente o problema do desemprego. Desta nova<br />

pesquisa resultaria o relatório “Full Empoyment in a Free Society” de 1944, cujas bases keynesia<strong>na</strong>s<br />

se mostrariam evidentes, a começar pela composição do comitê de pesquisa que incluía nomes<br />

como Joan Robinson e Nicholas Kaldor, economistas notoriamente simpáticos às teses keynesia<strong>na</strong>s<br />

de funcio<strong>na</strong>mento <strong>da</strong>s economias capitalistas. A noção de que não havia tendência inerente <strong>da</strong>s<br />

economias capitalistas ao pleno emprego não foi de fácil assimilação para Beveridge, um economista<br />

com raízes teóricas fortemente liga<strong>da</strong>s a Marshall e Jevons. Uma política ativa do governo, de acordo<br />

com o pensamento keynesiano, poderia compensar a defi ciência do sistema capitalista em sustentar<br />

o pleno emprego.<br />

Além disto, o perfi l redistributivista do sistema também encontrava amparo do ponto de vista<br />

macroeconômico no corpo teórico construído por Keynes. A concentração de ren<strong>da</strong> e <strong>da</strong> riqueza<br />

seria não ape<strong>na</strong>s injusta do ponto de vista <strong>social</strong>, mas também disfuncio<strong>na</strong>l à efi ciência do próprio<br />

sistema capitalista. Esta disfuncio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de, como implicação decorrente de um corpo teórico,<br />

estaria relacio<strong>na</strong><strong>da</strong> à teoria <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> efetiva: “A partir de hipóteses que podem ser considera<strong>da</strong>s<br />

realistas a respeito <strong>da</strong> propensão a consumir de indivíduos de diferentes faixas de ren<strong>da</strong>, propõe-<br />

se que o ponto de deman<strong>da</strong> efetiva tem sua posição dependente do perfi l de distribuição de ren<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> economia. Alterações neste perfi l podem, assim, afetar o nível de emprego agregado tanto<br />

quanto <strong>ou</strong>tros instrumentos mais imediatamente relacio<strong>na</strong>dos com a administração <strong>da</strong> deman<strong>da</strong><br />

agrega<strong>da</strong>, como a política fi scal e a política monetária” (Carvalho, <strong>20</strong>06, p.47). Não por acaso<br />

Keynes teria recebido de forma entusiástica as propostas do Plano Beveridge, discutindo-as com<br />

o próprio Beveridge e no âmbito do Departamento do Tes<strong>ou</strong>ro onde trabalh<strong>ou</strong> <strong>na</strong> construção de<br />

propostas para reconstrução no pós-guerra <strong>na</strong> direção do pleno emprego 25 .<br />

A integração entre um esquema de planejamento <strong>social</strong> centrado num sistema de<br />

seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, com forte caráter redistributivo, e uma política econômica, monetária e<br />

fi scal, volta<strong>da</strong> para a expansão <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de econômica e manutenção do pleno emprego seria<br />

a base fun<strong>da</strong>mental que sustentaria o período de expansão do capitalismo europeu ocidental e<br />

a universalização dos sistemas de proteção <strong>social</strong> no continente. De fato, como aponta Harris<br />

(1997), as pretensões de Beveridge de um planejamento <strong>social</strong> mais amplo, já presentes no<br />

Beveridge Report ao lançar os cinco gigantes <strong>na</strong> estra<strong>da</strong> <strong>da</strong> reconstrução, se materializariam<br />

de forma mais concreta <strong>na</strong> sua integração <strong>da</strong> política econômica ativa em favor do emprego.<br />

(25) Entre as propostas para reconstrução se destaca o documento “How to Pay for the War” <strong>na</strong> qual monta esquema de<br />

fi <strong>na</strong>nciamento do Estado em seu contexto de guerra a partir de taxação progressiva e <strong>constituição</strong> de fundos para resgate no<br />

período pós-guerra. Para um debate sobre esta proposta ver Carvalho (<strong>20</strong>06).<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

45


3. O viés beveridgiano <strong>da</strong> Constituição<br />

46<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Vários foram os componentes do Relatório Beveridge que podem ser identifi cados,<br />

direta <strong>ou</strong> indiretamente, como referências relevantes para a Constituição Federal de 1988,<br />

principalmente <strong>na</strong> elaboração do capítulo de Direitos Sociais, no capítulo <strong>da</strong>s fi <strong>na</strong>nças<br />

públicas e no título <strong>da</strong> Ordem Social, em particular no capítulo <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. Entre<br />

os preceitos constitucio<strong>na</strong>is, destacam-se, no presente contexto, os seguintes temas: 1)<br />

o salário-mínimo não ape<strong>na</strong>s como direito do trabalhador, mas tendo como referência<br />

suas necessi<strong>da</strong>des vitais básicas, e de sua família, expressas num conjunto de atributos<br />

essenciais: moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e<br />

previdência <strong>social</strong>, salário cujo poder aquisitivo deve ser preservado ao longo do tempo; 2)<br />

dos princípios que regem a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, o principio <strong>da</strong> universali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> cobertura e<br />

do atendimento, e <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de de fontes de fi <strong>na</strong>nciamento, pontos que serão detalhados<br />

no próximo capítulo; 3) um orçamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> separado do orçamento fi scal e<br />

<strong>da</strong>s empresas estatais.<br />

O salário-mínimo foi instituído no Brasil em 1940, tendo como referência uma cesta de<br />

produtos alimentares. A partir de 88 se referencia a conjunto básico de despesas para uma<br />

vi<strong>da</strong> dig<strong>na</strong> que dizem respeito a uma situação histórica <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> já presente <strong>na</strong> déca<strong>da</strong> de 80<br />

no padrão de consumo brasileiro. Estimativa do Departamento Intersindical de Estatística e<br />

Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE) é realiza<strong>da</strong> para saber qual seria o valor do salário<br />

mínimo necessário para garantir o consumo de uma família, composta por dois adultos e<br />

duas crianças, frente a este conjunto básico de despesas. O gráfi co 1 mostra a evolução<br />

do valor do salário mínimo estabelecido pela legislação e aquele calculado pelo DIEESE.<br />

O processo infl acionário crônico vivido pelo país ao longo <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 80 e <strong>na</strong> primeira<br />

metade dos <strong>anos</strong> 90 fez com que o valor do salário mínimo variasse ao sabor <strong>da</strong>s oscilações<br />

de preços e de regras varia<strong>da</strong>s conforme a política anti-infl acionária do momento. De 1995<br />

até os dias atuais o mínimo sofre um processo de lenta e gradual recuperação de seu poder<br />

de compra, embora tenha se acelerado especialmente de <strong>20</strong>00 para cá. Em todo caso, e<br />

como é facilmente constatado a partir do gráfi co, o valor praticado só supera <strong>20</strong>% do valor<br />

calculado como necessário em dois pontos <strong>da</strong> série, mostrando que seu valor médio ain<strong>da</strong><br />

se mantém muito aquém <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des básicas <strong>da</strong>s famílias brasileiras. Desta forma,<br />

pode-se dizer que embora o princípio de referência às necessi<strong>da</strong>des tenha sido incluído <strong>na</strong><br />

Constituição ele não é contemplado de fato.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Razão entre Salário Mínimo Nomi<strong>na</strong>l e Salário Mínimo Necessário<br />

para satisfazer preceito <strong>da</strong> <strong>constituição</strong> de 88<br />

Fonte: DIEESE e Banco Central. Elaboração Própria.<br />

O Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social foi concebido no artigo 165, no capítulo <strong>da</strong>s Fi<strong>na</strong>nças<br />

Públicas, de forma separa<strong>da</strong> do Orçamento Fiscal. Embora seja possível a<strong>na</strong>lisar os dois<br />

Orçamentos nos documentos contábeis do Balanço Geral <strong>da</strong> União, a divulgação de resultados<br />

fi scais não tem privilegiado esta forma de apresentação dos Orçamentos, priorizando os <strong>da</strong>dos<br />

<strong>da</strong> previdência <strong>social</strong> e considerando ape<strong>na</strong>s parte <strong>da</strong>s receitas, a despeito do conjunto completo<br />

previsto no artigo 195, que contempla as contribuições sobre a folha de pagamento, sobre o<br />

faturamento e sobre o lucro <strong>da</strong>s empresas. As implicações desta composição de fontes do<br />

orçamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> e sua atual situação serão a<strong>na</strong>lisa<strong>da</strong>s no item seguinte.<br />

Além <strong>da</strong>s infl uências mais diretas, parece ain<strong>da</strong> mais relevante ressaltar que parte importante<br />

do esquema de planejamento <strong>social</strong> vislumbrado por Beveridge dependia <strong>da</strong> integração entre<br />

o sistema de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> e uma política econômica volta<strong>da</strong> para a expansão <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de<br />

produtiva e do emprego. A Constituição de 88 faz menção explícita à busca pelo pleno emprego<br />

ape<strong>na</strong>s no título sobre a Ordem Econômica e Fi<strong>na</strong>nceira, colocando-a como princípio básico e<br />

defi nindo o Estado como agente normativo e regulador <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de econômica. De fato, o que<br />

se assiste ao longo <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90 é a progressiva redução <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des gover<strong>na</strong>mentais no<br />

setor produtivo, inclusive por meio de revisões constitucio<strong>na</strong>is, mas principalmente à condução de<br />

uma política macroeconômica desfavorável ao crescimento, com redução dos investimentos do<br />

setor público e taxas de juros eleva<strong>da</strong>s, comprometendo os níveis de emprego.<br />

A política econômica desde 88 pode ser caracteriza<strong>da</strong> por três momentos que se relacio<strong>na</strong>m a<br />

mu<strong>da</strong>nças institucio<strong>na</strong>is distintas do sistema de planejamento <strong>social</strong> visto de forma abrangente: 1)<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

47


48<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Até 1995: política anti-infl acionária, privatização e desregulamentação; 2) 1995-1998: estabilização<br />

com desequilíbrio externo, desregulamentação e reformas paramétricas, com forte elevação <strong>da</strong><br />

taxa de desemprego; 3) sistema de metas de infl ação e nova ro<strong>da</strong><strong>da</strong> de reformas paramétricas.<br />

O primeiro período pode ser caracterizado como aquele em que se vivencia a transição de<br />

hegemonia <strong>da</strong> convenção de um modelo baseado no crescimento liderado pelo Estado, que<br />

mobiliz<strong>ou</strong> o processo de crescimento brasileiro desde os <strong>anos</strong> 40, para a chama<strong>da</strong> convenção<br />

neoliberal, fortemente atrela<strong>da</strong> ao decálogo prescrito pelo Consenso de Washington. A convenção<br />

“desenvolvimentista”, que teria ocupado um espaço hegemônico no período <strong>da</strong>s quatro déca<strong>da</strong>s<br />

anteriores, manteve traços importantes <strong>na</strong> Constituição de 88, ao ver no Estado uma enti<strong>da</strong>de<br />

central <strong>na</strong> condução <strong>da</strong> ordem econômica e <strong>social</strong> do País. Não por acaso, é neste período em que<br />

se materializam as quebras dos monopólios <strong>da</strong> União <strong>na</strong>s áreas de petróleo, telecomunicações<br />

e liberalização fi <strong>na</strong>nceira e abertura <strong>da</strong> conta de capitais, que são refl exos visíveis <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça<br />

de convenção.<br />

A política macroeconômica seria fun<strong>da</strong>mentalmente marca<strong>da</strong> pela obsessão em reverter<br />

o processo infl acionário crônico que marc<strong>ou</strong> a déca<strong>da</strong> de 80. Já no âmbito <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> fase,<br />

<strong>na</strong> concepção precoce do Plano Real, a política fi scal deveria se manter supostamente<br />

contracionista, com vistas a controlar a deman<strong>da</strong> agrega<strong>da</strong> e evitar pressões infl acionárias no<br />

período de estabilização. Após um primeiro momento de ajuste fi scal, promovido pelo Plano<br />

de Ação Imediata de 93, com a criação do Imposto Provisório sobre Movimentação Fi<strong>na</strong>nceira,<br />

ampliação <strong>da</strong>s privatizações e do programa de saneamento dos bancos públicos estaduais,<br />

se implementa o Fundo Social de Emergência em fevereiro de 94, que desvincularia parte <strong>da</strong>s<br />

receitas desti<strong>na</strong><strong>da</strong>s aos Estados e Municípios e à Seguri<strong>da</strong>de Social. O FSE se transformaria no<br />

Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e teria sua vigência manti<strong>da</strong> até 1999, e posteriormente <strong>na</strong><br />

Desvinculação <strong>da</strong>s Receitas <strong>da</strong> União (DRU), que cumpriria o mesmo papel. A política econômica,<br />

assim, adentrava sobre a concepção do modelo de proteção <strong>social</strong> concebido pela Constituição.<br />

Esse segundo período foi marcado por um processo de ultra-abertura <strong>da</strong> economia e ampliação<br />

<strong>da</strong> liberalização fi <strong>na</strong>nceira, e pela desaceleração do nível de preços com a consoli<strong>da</strong>ção do Real.<br />

A combi<strong>na</strong>ção de uma política de sobrevalorização cambial e redução tarifária promovi<strong>da</strong> com o<br />

objetivo de manter a pressão competitiva sobre preços internos, e a manutenção de taxas de juros<br />

eleva<strong>da</strong>s para atrair capitais externos para fi <strong>na</strong>nciar o défi cit em transações correntes, comporiam<br />

a base <strong>da</strong> política macro do período. Com claros desequilíbrios no setor externo e monetário,<br />

cresceu a pressão dos formuladores <strong>da</strong> política econômica <strong>da</strong> época para realização de reformas<br />

<strong>na</strong> área fi scal, tendo como principal alvo o sistema de previdência <strong>social</strong>. Esta pressão levaria à<br />

reforma paramétrica de 1998, que restringiu o acesso à concessão de benefícios e remeteu a regra<br />

de cálculo dos benefícios de aposentadorias à legislação infra-constitucio<strong>na</strong>l. Como amplamente<br />

documentado <strong>na</strong> literatura, o processo de abertura comercial teve, ain<strong>da</strong>, efeitos diretos sobre o<br />

nível de emprego e precarização <strong>da</strong>s relações de trabalho, particularmente <strong>na</strong> indústria.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

A partir de 1999 o governo abando<strong>na</strong>ria a âncora cambial e passaria a operar sob o regime<br />

de câmbio fl utuante; paralelamente, introduz-se o sistema de metas infl acionárias, que passam<br />

a servir como âncoras nomi<strong>na</strong>is do sistema e se estabelece a utilização <strong>da</strong> política monetária<br />

como instrumento único de controle <strong>da</strong> infl ação; a política fi scal passa a ser opera<strong>da</strong> com vistas<br />

a compensar movimentos <strong>da</strong> política monetária, de forma a garantir a sustentabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

relação dívi<strong>da</strong>/PIB, gerando superávits primários crescentes e superiores a 3% do PIB. Estes<br />

três componentes - câmbio fl utuante, política monetária restritiva e política fi scal subordi<strong>na</strong><strong>da</strong> -<br />

passam a compor o quadro básico de política macroeconômica <strong>da</strong> terceira fase, que vigora até<br />

o presente.<br />

A política fi scal é identifi ca<strong>da</strong> como a raiz dos problemas econômicos enfrentados pelo país.<br />

Por exemplo, “Gustavo Franco consider<strong>ou</strong> que a forte deterioração <strong>da</strong>s contas públicas, verifi ca<strong>da</strong><br />

entre os <strong>anos</strong> de 1995 e 1998, foi o calcanhar de Aquiles do Plano Real: ’A coisa peg<strong>ou</strong> foi <strong>na</strong><br />

situação fi scal’” (citado em Modenesi, <strong>20</strong>05, p.380). Após o ajuste implementado em 1999, com<br />

forte ampliação dos resultados primários, novas modifi cações institucio<strong>na</strong>is são propostas no<br />

sentido de garantir uma mu<strong>da</strong>nça no padrão de condução <strong>da</strong> política fi scal, particularmente com<br />

a Lei de Responsabili<strong>da</strong>de Fiscal que é aprova<strong>da</strong> em <strong>20</strong>00. A partir desta são defi ni<strong>da</strong>s metas<br />

trie<strong>na</strong>is de resultado primário estabeleci<strong>da</strong>s <strong>na</strong> Lei de Diretrizes Orçamentárias que devem ser<br />

adequa<strong>da</strong>s às metas <strong>da</strong> política monetária.<br />

É neste contexto em que a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>,<br />

órgão de assessoria ao Ministro <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> para coorde<strong>na</strong>ção e formulação <strong>da</strong> política econômica<br />

do país lança em dezembro de <strong>20</strong>00 o documento em que procura discrimi<strong>na</strong>r o chamado “gasto<br />

<strong>social</strong>” do Governo Federal para os <strong>anos</strong> de 1998 e 1999. Seu intento era “apurar o gasto <strong>social</strong><br />

federal, no intuito de dimensio<strong>na</strong>r a magnitude dos dispêndios empreendidos pela União, direta<br />

<strong>ou</strong> indiretamente, e a participação dos diferentes campos de atuação no gasto total” e parte do<br />

diagnóstico prévio de que “Se o volume do gasto é signifi cativo e crescente em áreas cruciais,<br />

não menos ver<strong>da</strong>de é que a regressivi<strong>da</strong>de persiste como um traço marcante do gasto <strong>social</strong> no<br />

Brasil. Nessa perspectiva, a Previdência Social surge como uma questão central, certamente<br />

não a única, pela magnitude <strong>da</strong>s transferências que se operam por seu intermédio e pela direção<br />

regressiva que alguns de seus componentes apresentam” (Brasil, <strong>20</strong>00, p.4-5).<br />

Este documento i<strong>na</strong>ugura uma série de <strong>ou</strong>tros 3 que a<strong>na</strong>lisam os gastos, respectivamente,<br />

de <strong>20</strong>00, <strong>20</strong>01-<strong>20</strong>02, <strong>20</strong>01-<strong>20</strong>04; os dois últimos já sob a orientação do novo governo do<br />

presidente Lula. Suas duas primeiras abor<strong>da</strong>gens consistem basicamente <strong>da</strong> discrimi<strong>na</strong>ção dos<br />

principais programas e políticas públicas, agrupados por grandes áreas de atuação (Previdência,<br />

Saúde, Educação, etc.) a partir <strong>da</strong>s classifi cações orçamentárias <strong>da</strong> despesa, que poderiam ser<br />

considerados como “gastos sociais”, procurando evidenciar sempre que possível o público-alvo<br />

e os benefi ciários dos mesmos. Em <strong>ou</strong>tros termos, em que pese a preocupação e empenho<br />

legítimos com a efetivi<strong>da</strong>de e efi ciência do gasto público, a pressão fi scal é a base de ligação<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

49


50<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

entre as políticas sociais e o orde<strong>na</strong>mento macroeconômico. É neste contexto em que, para os<br />

defensores <strong>da</strong> política econômica em vigor, abre-se o espaço necessário para o debate sobre as<br />

chama<strong>da</strong>s “reformas de segun<strong>da</strong> geração” 26 .<br />

O resultado conhecido desta combi<strong>na</strong>ção de políticas foi a manutenção de patamar elevado<br />

de desemprego e <strong>da</strong>s relações de trabalho com alta participação <strong>da</strong> informali<strong>da</strong>de <strong>na</strong> ocupação,<br />

além de um comportamento errático <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> economia, com baixo investimento e carga<br />

tributária em elevação, comportamento que pode ser observado a partir de <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> nova série<br />

<strong>da</strong>s Contas Nacio<strong>na</strong>is do IBGE entre 1995 e <strong>20</strong>05. A taxa de crescimento oscil<strong>ou</strong> fortemente,<br />

alter<strong>na</strong>ndo picos de crescimento (<strong>20</strong>00;<strong>20</strong>04) com períodos de semi-estag<strong>na</strong>ção, num clássico<br />

movimento de stop-and-go relacio<strong>na</strong>dos aos movimentos cambiais. Segundo <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> PNAD,<br />

que tem abrangência <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, a taxa de desocupação pass<strong>ou</strong> de um patamar de cerca de 6%<br />

entre 1992 e 1995 para taxas superiores a 9% entre <strong>20</strong>00 e <strong>20</strong>05 (e também <strong>20</strong>06). A taxa de<br />

investimento manteve uma média inferior a 17%, mas o que mais se destaca é a baixa capaci<strong>da</strong>de<br />

de investimento dos governos, que se situ<strong>ou</strong> num patamar inferior a 2% do PIB no período.<br />

Período<br />

1995<br />

1996<br />

1997<br />

1998<br />

1999<br />

<strong>20</strong>00<br />

<strong>20</strong>01<br />

<strong>20</strong>02<br />

<strong>20</strong>03<br />

<strong>20</strong>04<br />

<strong>20</strong>05<br />

Fonte: Sistema de Contas Nacio<strong>na</strong>is e PNAD - IBGE. Elaboração Própria.<br />

(1) Série de referência <strong>20</strong>00.<br />

A situação não foi pior em virtude <strong>da</strong> ampliação dos gastos sociais do governo, que<br />

contribuiu diretamente para manutenção de um piso de deman<strong>da</strong> agrega<strong>da</strong> e de nível de<br />

ocupação (Pochmann, <strong>20</strong>07). Parte desta ampliação dos gastos encontra amparo direto <strong>na</strong>s<br />

(26) Na visão autores ligados à convenção neoliberal as reformas implementa<strong>da</strong>s até o momento teriam sido insufi cientes, o<br />

que estaria <strong>na</strong> raiz do fraco desempenho <strong>da</strong> convenção neo-liberal <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong>; a solução seria, então, uma nova ro<strong>da</strong><strong>da</strong><br />

de reformas (Erber, <strong>20</strong>06, p.15)<br />

TABELA 6<br />

Indicadores Macroeconômicos (1995 - <strong>20</strong>05)<br />

Taxa de<br />

Crescimento<br />

Real do PIB<br />

(1)<br />

-<br />

2,2<br />

3,4<br />

0,0<br />

0,3<br />

4,3<br />

1,3<br />

2,7<br />

1,1<br />

5,7<br />

3,2<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

Taxa de<br />

Desocupação<br />

(% <strong>da</strong> PEA)<br />

6,1<br />

7,0<br />

7,8<br />

9,0<br />

9,6<br />

-<br />

9,4<br />

9,2<br />

9,7<br />

9,0<br />

9,4<br />

Formação<br />

Bruta de<br />

Capital Fixo<br />

(% do PIB) (1)<br />

18,3<br />

16,9<br />

17,4<br />

17,0<br />

15,7<br />

16,8<br />

17,0<br />

16,4<br />

15,3<br />

16.1<br />

15.9<br />

Formação<br />

Bruta de<br />

Capital Fixo<br />

<strong>da</strong> Adm. Pública<br />

(% do PIB) (1)<br />

18,3<br />

16,9<br />

17,4<br />

17,0<br />

15,7<br />

16,8<br />

17,0<br />

16,4<br />

15,3<br />

16.1<br />

15.9


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

determi<strong>na</strong>ções constitucio<strong>na</strong>is, particularmente <strong>na</strong>s áreas de saúde e educação. Embora esta<br />

elevação tenha sido importante para manutenção de um patamar mínimo de sustentação <strong>da</strong><br />

deman<strong>da</strong>, ela não se deu no mesmo ritmo de elevação <strong>da</strong> carga tributária. Esta cresceu<br />

cerca de 5,4 pontos percentuais em relação ao PIB em todo o período (tabela 7). Os <strong>da</strong>dos<br />

do Gasto Social Federal, conforme a metodologia <strong>da</strong> própria SPE/MF, estão disponíveis<br />

ape<strong>na</strong>s para o período de 1998 a <strong>20</strong>04, mostrando um crescimento de cerca de 10,7% em<br />

relação ao PIB; a carga tributária neste período cresceu cerca de 11,9% como proporção do<br />

PIB. Estes resultados mostram que a carga tributária tem crescido com fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>des <strong>ou</strong>tras<br />

que o fi <strong>na</strong>nciamento dos gastos sociais. Isto fi ca mais evidente quando se observa a série<br />

<strong>da</strong> carga tributária líqui<strong>da</strong>, que exclui as transferências, benefícios e subsídios. Entre 1995<br />

e <strong>20</strong>05 a carga líqui<strong>da</strong> cresceu cerca de 4,4 pontos percentuais do PIB, um crescimento de<br />

quase 30%. O comportamento <strong>da</strong> carga líqui<strong>da</strong> de juros é completamente distinto, oscilando<br />

fortemente com o pagamento de juros associados às desvalorizações cambiais, mas pode-<br />

se observar que a média 1995-1999 é aproxima<strong>da</strong>mente a mesma que entre <strong>20</strong>00-<strong>20</strong>05,<br />

cerca de 11%. Em <strong>ou</strong>tros termos, a carga tributária tem se elevado para fi <strong>na</strong>nciar <strong>ou</strong>tros<br />

gastos que não os sociais <strong>ou</strong> transferências sociais, subsídios <strong>ou</strong> mesmo os investimentos<br />

<strong>da</strong> administração pública que constam <strong>da</strong> tabela anterior.<br />

Além disto há indícios de que a ampliação do gasto <strong>social</strong> não ocorreu <strong>na</strong> veloci<strong>da</strong>de<br />

deseja<strong>da</strong> para ampliar o acesso <strong>da</strong> população aos serviços essenciais básicos. Como<br />

mostram Pochmann (<strong>20</strong>07) e Lavi<strong>na</strong>s (<strong>20</strong>07), o gasto <strong>social</strong> per capita praticamente não teria<br />

crescido em termos reais entre <strong>20</strong>01 e <strong>20</strong>05, <strong>ou</strong> até mesmo decrescido em algumas funções<br />

vitais para a redução <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des como habitação e saneamento. O mesmo ocorreu<br />

nos níveis sub<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, onde estados e municípios registraram crescimento negativo <strong>da</strong>s<br />

despesas per capita em funções como educação, urbanismo, saneamento básico, moradia<br />

(Lavi<strong>na</strong>s, <strong>20</strong>07). A saúde escap<strong>ou</strong> relativamente ilesa dessa evolução desfavorável, em<br />

razão <strong>da</strong> vinculação compulsória de 12% e 15% <strong>da</strong> receita corrente líqui<strong>da</strong> de estados e<br />

municípios (EC 29/<strong>20</strong>00).<br />

Signifi ca dizer que as transferências diretas de ren<strong>da</strong> tor<strong>na</strong>ram-se o núcleo domi<strong>na</strong>nte<br />

do sistema de proteção <strong>social</strong> brasileiro, num quadro de forte restrição fi scal, com<br />

comprometimento <strong>da</strong> provisão de serviços públicos essenciais. Em <strong>20</strong>06, transferências<br />

monetárias contributivas e não contributivas soma<strong>da</strong>s representam 82% de todo o orçamento<br />

realizado <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de. O peso <strong>da</strong>s contributivas no âmbito de to<strong>da</strong>s as transferências<br />

monetárias de ren<strong>da</strong> supera 90%, indício de que a capaci<strong>da</strong>de de redistribuir <strong>da</strong> política<br />

<strong>social</strong> brasileira continua anêmica 27 .<br />

(27) A título de ilustração e comparação, cabe registrar que os <strong>da</strong>dos para a Grande Bretanha(<strong>20</strong>03-4) indicam que 56% de<br />

to<strong>da</strong>s as transferências monetárias diretas são de cunho não-contributivo, portanto, têm impacto redistributivo. Distribuição<br />

vertical.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

51


52<br />

1995<br />

1996<br />

1997<br />

1998<br />

1999<br />

<strong>20</strong>00<br />

<strong>20</strong>01<br />

<strong>20</strong>02<br />

<strong>20</strong>03<br />

<strong>20</strong>04<br />

<strong>20</strong>05<br />

28,4<br />

28,6<br />

28,6<br />

29,3<br />

31,1<br />

30,4<br />

31,9<br />

32,4<br />

31,9<br />

32,8<br />

33,8<br />

Sistema de Contas Nacio<strong>na</strong>is e SPE/MF. Elaboração Própria.<br />

(1) Até 1999, inclusive, considera a série de referência 1985.<br />

(2) Inclui Serviços Fi<strong>na</strong>nceiros Indiretamente Medidos.<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

14,9<br />

15,3<br />

15,3<br />

14,4<br />

16,1<br />

17,0<br />

18,2<br />

18,3<br />

17,3<br />

18,7<br />

19,3<br />

Em síntese, o que se observa ao longo destes <strong>anos</strong> de vigência <strong>da</strong> Constituição de 88 foi<br />

um movimento persistente de tentativas de desconstrução <strong>da</strong>s suas raízes Beveridgea<strong>na</strong>s,<br />

e mesmo de confronto com elas quando se a<strong>na</strong>lisa a condução <strong>da</strong> política macroeconômica<br />

predomi<strong>na</strong>nte em todo o período. Não obstante, a sua estrutura relativamente consistente<br />

mantém íntegra importante parcela do sistema de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> ao garantir recursos<br />

mínimos para áreas como saúde e assistência. A superação <strong>da</strong> incongruência entre o<br />

arcab<strong>ou</strong>ço de política macroeconômica institucio<strong>na</strong>l atual e a promoção de um sistema de<br />

proteção abrangente parece, entretanto, mais complexa.<br />

4. Resgatando Beveridge em uma conjuntura de fl exibilização e incerteza<br />

Resta, ao complementar e ir além dos preceitos constitucio<strong>na</strong>is para garantir a inclusão<br />

<strong>social</strong>, resgatar os conceitos beveridgi<strong>anos</strong> de universali<strong>da</strong>de e prevenção: o primeiro, porque<br />

garante o acesso de qualquer ci<strong>da</strong>dão ao sistema de proteção <strong>social</strong> independentemente<br />

de sua contribuição <strong>ou</strong> condição <strong>social</strong> específi ca; e o segundo, porque reduz o risco <strong>da</strong><br />

pobreza, <strong>da</strong> per<strong>da</strong> de dotações e <strong>da</strong> exclusão e promove a eqüi<strong>da</strong>de.<br />

Nosso intento nessa seção é demonstrar que inclusão e progressivi<strong>da</strong>de são as duas<br />

dimensões ain<strong>da</strong> ausentes no nosso sistema de proteção <strong>social</strong> e que é possível consolidá-<br />

las sem prejuízo dos contribuintes e sem irresponsabili<strong>da</strong>de. Para isso, há que proceder a<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

2,5<br />

3,1<br />

4,3<br />

5,5<br />

8,8<br />

6,3<br />

7,2<br />

8,3<br />

7,6<br />

6,2<br />

6,7<br />

12,3<br />

12,2<br />

11,0<br />

8,9<br />

7,3<br />

10,7<br />

11,1<br />

10.0<br />

9.7<br />

12.5<br />

12.6<br />

Em % do PIB<br />

-<br />

-<br />

-<br />

11.6<br />

11.6<br />

11,6<br />

12,3<br />

12.3<br />

12.5<br />

12.8<br />

-


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

reformas do sistema fi scal-tributário mais do que propriamente do sistema previdenciário, se<br />

o objetivo for elevar o grau de inclusão <strong>social</strong> e bem-estar.<br />

Constata-se que o sistema atual não contempla nenhum benefício de acesso<br />

universal. No que se refere ao tratamento <strong>da</strong>s crianças, verifi ca-se a existência de dois<br />

grupos sociais principais contemplados pelo Estado hoje: 1) de um lado, famílias que se<br />

benefi ciam de créditos tributários em favor de suas crianças. No caso, trata-se de famílias<br />

tributa<strong>da</strong>s pelo IR, e benefi cia<strong>da</strong>s por deduções fi scais; 2) De <strong>ou</strong>tro, famílias pobres, que<br />

são contempla<strong>da</strong>s com transferências de ren<strong>da</strong> diretas tipo Bolsa Família; realocação de<br />

recursos para gastos mais progressivos. Pelas nossas estimativas, um p<strong>ou</strong>co mais de <strong>20</strong><br />

milhões de crianças estão fora de ambos os grupos acima citados, pois nem são alcança<strong>da</strong>s<br />

pelos programas compensatórios, nem por crédito tributários.<br />

Neste sentido, propõe-se um exercício considerando a implantação de um benefício<br />

universal a famílias com crianças até 16 <strong>anos</strong>, garantido como direito de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. Se<br />

avaliado em R$ 40 por mês por criança, tomando por base os <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> PNAD <strong>20</strong>06 para<br />

estimativa, a concessão desse benefício de apoio às famílias totalizaria cerca de R$ 26,256<br />

bilhões por ano, que poderiam ser fi <strong>na</strong>nciados, por exemplo, via supressão de créditos<br />

tributários concedidos a pessoas físicas <strong>na</strong> forma de isenções para dependentes 28 . Em<br />

<strong>20</strong>03, estas deduções somaram cerca de 14,7 bilhões, que, corrigi<strong>da</strong>s pela variação do<br />

Imposto de Ren<strong>da</strong> de Pessoa Física no mesmo período, chegariam para algo próximo a R$<br />

23 bilhões em <strong>20</strong>06, mais do que sufi ciente para fi <strong>na</strong>nciar o novo benefício 29 , juntamente com<br />

o dispêndio já existente com o Bolsa-Família (R$ 7,8 bilhões em <strong>20</strong>06). Numa visão mais<br />

conservadora, ape<strong>na</strong>s defl acio<strong>na</strong>ndo estes valores pelo IGP-DI obter-se-iam 17,3 bilhões.<br />

Somando-os ao orçamento do Bolsa-Família, teríamos o equivalente a 95,6% do orçamento<br />

requerido. Elimi<strong>na</strong>ndo um benefício previdenciário de baixa incidência <strong>na</strong>s famílias mais<br />

vulneráveis, o salário família, cujo gasto estimado em <strong>20</strong>06 30 foi de R$ 2,1 bilhões, seria<br />

igualmente possível fi <strong>na</strong>nciar integralmente um benefício universal de R$ 40,00 mensais<br />

para 54,7 milhões de crianças e jovens.<br />

4.1. Simulação de impacto deste benefício <strong>na</strong> redução <strong>da</strong> pobreza<br />

A tabela 8 mostra como se dá a distribuição <strong>da</strong>s crianças de até 16 <strong>anos</strong> entre décimos<br />

<strong>da</strong> distribuição (segundo a ren<strong>da</strong> familiar per capita de to<strong>da</strong>s as fontes). Observa-se que<br />

69% estão concentra<strong>da</strong>s nos cinco primeiros décimos, ao passo que 31% encontram-se<br />

(28) Há também as deduções com instrução no IR, mas essas seriam manti<strong>da</strong>s, mantendo-se o incentivo. Se se considerarem<br />

os valores de <strong>20</strong>03 (R$ 7,76 bilhões, segundo a Receita Federal), atualizando-os, tem-se em valores de <strong>20</strong>06, pelo IGP-DI, R$<br />

9,2 bilhões <strong>ou</strong> 12,1 bilhões, com base <strong>na</strong> variação do IR.<br />

(29) Valor que não considera qualquer variação real relativa à efi ciência <strong>ou</strong> crescimento real <strong>da</strong> receita.<br />

(30) SPE-Ministério <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>, valores defl acio<strong>na</strong>dos pelo IGP-DI para <strong>20</strong>06.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

53


54<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

<strong>na</strong> metade superior <strong>da</strong> distribuição de ren<strong>da</strong>. Por isso mesmo, como é amplamente sabido,<br />

qualquer transferência fi scal dirigi<strong>da</strong> às crianças tem impacto progressivo, pois vai incidir<br />

sobremaneira nos 50% mais pobres <strong>da</strong> população.<br />

Na tabela 9, temos uma simulação que revela o efeito <strong>da</strong> transferência universal de<br />

ren<strong>da</strong> para crianças ao longo <strong>da</strong> curva de distribuição. Na primeira colu<strong>na</strong>, temos a ren<strong>da</strong><br />

familiar per capita média calcula<strong>da</strong> para o ano de <strong>20</strong>06, por décimo. Esta ren<strong>da</strong> considera<br />

to<strong>da</strong>s as fontes de rendimentos de ca<strong>da</strong> família, inclusive as compensatórias, assimila<strong>da</strong>s a<br />

“<strong>ou</strong>tras fontes”. No primeiro decil, a RFPC (ren<strong>da</strong> familiar per capita) média é de R$ 34,77;<br />

no segundo, de R$ 92,98, e assim por diante. A colu<strong>na</strong> dois <strong>da</strong> mesma tabela 9 mostra qual<br />

o valor médio <strong>da</strong> YFPC antes <strong>da</strong> imputação dos valores declarados <strong>na</strong> PNAD no item “<strong>ou</strong>tras<br />

fontes”. Constata-se, assim que a RFPC média do primeiro décimo aumenta em cerca de<br />

97% após imputação <strong>da</strong>s “<strong>ou</strong>tras ren<strong>da</strong>s”., impacto esse extremamente signifi cativo.<br />

Se o Estado brasileiro transferir a ca<strong>da</strong> criança R$ 40/mês <strong>ou</strong> cerca de R$ 480,00<br />

anuais, colu<strong>na</strong> 3 <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> tabela, o aumento <strong>da</strong> RFPC média do primeiro décimo será<br />

ligeiramente maior, <strong>da</strong> ordem de 110%. Um ganho líquido de ren<strong>da</strong> de 6%, o que não é<br />

desprezível para quem vive em média mensalmente com rendimentos tão baixos. Além<br />

disso, como se pode ver ao longo <strong>da</strong> distribuição, os ganhos seriam vantajosos para os<br />

décimos inferiores, mostrando progressivi<strong>da</strong>de. O incremento <strong>da</strong> RFPC cai à medi<strong>da</strong> que se<br />

sobe <strong>na</strong> distribuição.<br />

Distribuição <strong>da</strong>s Crianças Segundo Decis <strong>da</strong><br />

Ren<strong>da</strong> Familiar Per Capita Modifica<strong>da</strong><br />

Decis <strong>da</strong> RFPC Modifica<strong>da</strong><br />

TOTAL<br />

Fonte: PNAD <strong>20</strong>06<br />

Ren<strong>da</strong> Per Capita" Modifica<strong>da</strong>" exclui os rendimentos de "<strong>ou</strong>tras fontes"<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

1<br />

2<br />

3<br />

4<br />

5<br />

6<br />

7<br />

8<br />

9<br />

10<br />

TABELA 8<br />

9.034.516<br />

8.867.742<br />

7.645.765<br />

6.277.563<br />

5.658.176<br />

5.019.034<br />

3.306.241<br />

3.347.619<br />

2.980.038<br />

2.557.925<br />

54.694.619<br />

17%<br />

16%<br />

14%<br />

11%<br />

10%<br />

9%<br />

6%<br />

6%<br />

5%<br />

5%<br />

100%


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Ao se comparar a colu<strong>na</strong> três com a dois (tabela 9), percebe-se que – <strong>na</strong> ausência de<br />

<strong>ou</strong>tras fontes de rendimentos que não as transferências fi scais – do sexto décimo em diante<br />

esse benefício universal, se fosse fonte exclusiva, reduziria a YFPC total <strong>da</strong>s parcelas <strong>da</strong><br />

população situa<strong>da</strong>s entre os 50% mais ricos.<br />

Decis<br />

1º<br />

2º<br />

3º<br />

4º<br />

5º<br />

6º<br />

7º<br />

8º<br />

9º<br />

10º<br />

TABELA 9<br />

Valores Médios** dos Decis <strong>da</strong> Distribuição <strong>da</strong> Ren<strong>da</strong> Familiar<br />

Per Capita , antes e após imputação de R$ 40,00<br />

Ren<strong>da</strong> Familiar<br />

Per Capita<br />

34,77<br />

92,98<br />

136,94<br />

184,33<br />

239,69<br />

310,02<br />

388,30<br />

523,70<br />

787,46<br />

2.196,33<br />

Fonte: PNAD <strong>20</strong>06<br />

* Somente rendimentos do trabalho, aposentadorias e pensões<br />

**Preços de setembro, <strong>20</strong>06<br />

Para se medir a eficácia dessa política <strong>na</strong> redução <strong>da</strong> pobreza, basta olhar a tabela<br />

10. Ela indica que o número de pessoas que deixariam a pobreza seria muito próximo<br />

àquele estimado como resultado do chamado “efeito Bolsa-Família” 31 . Ou seja, a<br />

política universal leva o índice de pobreza a decli<strong>na</strong>r para 22% em lugar de 21%, o que<br />

significa que, em tese, permaneceriam pobres cerca de 523,8 mil pessoas. Na prática,<br />

a conta não é essa. Primeiramente, como não haverá ineficiências horizontais, nem<br />

risco de evasão, estar-se-á contemplando, por conseguinte, também aquele 1,4 milhão<br />

de famílias “cegas” - 3,54 milhões de pessoas - que permaneceram com ren<strong>da</strong> zero<br />

em <strong>20</strong>06, segundo <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> PNAD promovendo, assim, uma real inclusão. O saldo<br />

é positivo em três milhões de pessoas incluí<strong>da</strong>s no sistema de proteção <strong>social</strong>. Em<br />

paralelo, os custos com controles e gestão de ca<strong>da</strong>stros de baixíssima eficácia (Januzzi,<br />

<strong>20</strong>06) seriam quase elimi<strong>na</strong>dos, utilizando-se recursos públicos para despesas fim e<br />

não meio. Certamente, os custos <strong>da</strong> universalização seriam menores que os custos<br />

<strong>da</strong> focalização. Só isso já geraria por si só uma melhora importante do gasto <strong>social</strong>,<br />

tor<strong>na</strong>ndo-o mais eficiente e sua gestão, transparente e monitorável.<br />

(31) Desig<strong>na</strong>ndo aqui todos os mais variados programas de transferência de ren<strong>da</strong> condicio<strong>na</strong><strong>da</strong>.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

Ren<strong>da</strong> Familiar<br />

Per Capita modifica<strong>da</strong>*<br />

17,63<br />

76,62<br />

122,40<br />

172,04<br />

226,77<br />

296,50<br />

377,65<br />

508,62<br />

766,08<br />

2.119,49<br />

RFPCM após Simulação<br />

com R$ 40,00<br />

36,83<br />

95,85<br />

139,24<br />

185,68<br />

239,51<br />

307,65<br />

384,91<br />

515,96<br />

772,65<br />

2.125,31<br />

55


56<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Em segundo lugar, estar-se-ia resolvendo ex-ante um dilema que tende a ganhar<br />

destaque à medi<strong>da</strong> que cresça a economia, surjam novas oportuni<strong>da</strong>des de trabalho e<br />

aumentem os salários. A PNAD <strong>20</strong>06, <strong>na</strong> tabela 11, indica que a taxa de ativi<strong>da</strong>de dos<br />

pobres aument<strong>ou</strong> juntamente com a taxa média <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l: subiu para 77% em <strong>20</strong>06,<br />

contra 74% em <strong>20</strong>01. Cresceu a ocupação e a procura por trabalho para os pobres e<br />

os não-pobres. No que tange a taxa de ocupação total, embora ela tenha se mantido<br />

em 86% no período, em média, registra um ligeiro declínio no caso <strong>da</strong> população<br />

pobre. Ora, se o benefício compensatório é condicio<strong>na</strong>do a um déficit de ren<strong>da</strong> e se a<br />

retoma<strong>da</strong> do crescimento econômico tende a elevar a taxa de ocupação, é saudável<br />

que os menos favorecidos possam recusar ocupações e remunerações indig<strong>na</strong>s,<br />

extremamente precariza<strong>da</strong>s, pois com um p<strong>ou</strong>co mais de segurança econômica devem<br />

vir a conquistar algum poder de barganha, antes inexistente. Contudo, se tiverem de<br />

escolher entre trabalhar <strong>ou</strong> receber um benefício do governo, o desestímulo pode<br />

instalar-se, ampliando fraudes e reduzindo oportuni<strong>da</strong>des reais. O único modo de<br />

evitar tamanha disfunção é universalizar. Só assim se reduz o desperdício (impactado<br />

por fraudes) e controles ineficientes, e se promove a equi<strong>da</strong>de, desvinculando-se o<br />

direito à proteção básica do trabalho e <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia regula<strong>da</strong>). Para que um mínimo<br />

vital não se transforme em desincentivo ao trabalho ele deve ser universalizado, já que<br />

nossa informali<strong>da</strong>de não nos permite introduzir mecanismos do tipo imposto de ren<strong>da</strong><br />

negativo.<br />

Fonte: PNAD <strong>20</strong>06<br />

* Ren<strong>da</strong> Familiar Per Capita abaixo de R$1<strong>20</strong>,00<br />

**Menor <strong>ou</strong> igual a 16 <strong>anos</strong><br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

TABELA 10<br />

Número de<br />

Pobres*<br />

Proporção do Total<br />

<strong>da</strong> População <strong>na</strong> Pobreza<br />

Rendimentos do Trabalho e Aposentadorias - antes<br />

<strong>da</strong>s transferências fiscais 48.176.997 26%<br />

Após imputação <strong>da</strong> categoria "<strong>ou</strong>tras fontes" à<br />

RFPC de <strong>20</strong>06 39.797.160 21%<br />

Simulação - Após benefício de R$ 40,00 para ca<strong>da</strong><br />

criança** 40.3<strong>20</strong>.976 22%


Taxa de Ativi<strong>da</strong>de<br />

Taxa de ocupação<br />

Fonte: PNAD <strong>20</strong>01, <strong>20</strong>04, <strong>20</strong>06<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Qual o custo-equivalente entre as duas políticas, a atual, residual e restritiva,<br />

que vai provavelmente promover desincentivos ao trabalho, nos segmentos<br />

menos favorecidos, à medi<strong>da</strong> que a retoma<strong>da</strong> do crescimento econômico ampliar<br />

oportuni<strong>da</strong>des, e a que propomos, universal? Não é factível pensar que ganhos<br />

salariais <strong>na</strong>s cama<strong>da</strong>s mais pobres, decorrentes do crescimento econômica eliminem<br />

o riso <strong>ou</strong> a vulnerabili<strong>da</strong>de, razão pela qual, seria contraproducente extinguir a<br />

garantia de uma ren<strong>da</strong> às famílias com crianças, utilizando o argumento <strong>da</strong> “porta<br />

de saí<strong>da</strong>”.<br />

4.2. O fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> universali<strong>da</strong>de no âmbito do OSS.<br />

Para se ter noção do impacto de um benefício como este no Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de<br />

Social (OSS), deve-se considerar a sua composição de receitas e despesas no nível mais<br />

agregado e a integração entre as fontes de fi <strong>na</strong>nciamento de caráter contributivo com as<br />

de caráter fi scal vis-à-vis benefícios contributivos e benefícios não contributivos. Com base<br />

em Gentil (<strong>20</strong>07), a tabela 12 mostra os <strong>da</strong>dos de receita <strong>da</strong>s três principais contribuições<br />

sociais fora do INSS (COFINS, CPMF e CSLL) e despesa conforme o destino para o ano de<br />

<strong>20</strong>06. Sabe-se, tal como previsto pela própria Constituição, que as receitas de contribuições<br />

de empregados e empregadores devem ser complementa<strong>da</strong>s por <strong>ou</strong>tras fontes para o<br />

pagamento integral de benefícios, inclusive aqueles do INSS de caráter contributivo. No<br />

entanto, esta integração, no caso brasileiro, apresenta uma composição concentra<strong>da</strong> no que<br />

diz respeito à utilização de recursos <strong>da</strong>s contribuições sociais para aplicação em benefícios<br />

não contributivos: cerca de 34% <strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s três principais contribuições fora do<br />

INSS que fi <strong>na</strong>nciam o OSS são desti<strong>na</strong><strong>da</strong>s ao fi <strong>na</strong>nciamento de benefícios contributivos,<br />

o que caracteriza uma dupla regressivi<strong>da</strong>de; segui<strong>da</strong>s por 27% de livre aplicação para o<br />

governo, inclusive para geração de resultado primário; <strong>ou</strong>tros 26% aplicados em <strong>ou</strong>tras áreas<br />

<strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, como saúde; e os 12,7% restantes em benefícios não contributivos.<br />

Essa distribuição refl ete por si só o perfi l regressivo do gasto de baixíssimo impacto<br />

redistributivo.<br />

TABELA 11<br />

Taxa de Ativi<strong>da</strong>de/Ocupação<br />

<strong>20</strong>06<br />

total pobres<br />

80%<br />

86%<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

77%<br />

71%<br />

79%<br />

86%<br />

<strong>20</strong>04<br />

total pobres<br />

76%<br />

73%<br />

77%<br />

85%<br />

<strong>20</strong>01<br />

total pobres<br />

74%<br />

74%<br />

57


58<br />

Categoria<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Há indicações claras de que a tributação indireta, especialmente a COFINS que representa<br />

mais de 60% <strong>da</strong>s contribuições sociais principais, incidem de forma regressiva sobre a ren<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong>s famílias. Estudo <strong>da</strong> FIPE 32 com base <strong>na</strong> POF <strong>20</strong>02-<strong>20</strong>03 identifi c<strong>ou</strong> que para as famílias<br />

com rendimento até 2 salários mínimos os tributos indiretos podem comprometer cerca de 45%<br />

<strong>da</strong> ren<strong>da</strong>, contra ape<strong>na</strong>s 16% <strong>da</strong>s famílias com ren<strong>da</strong> superior a 30 salários mínimos. Outros<br />

estudos como o de Immervoll et al. (<strong>20</strong>06), ain<strong>da</strong> com base em <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> POF 1995-1996 e<br />

PNAD 1999, dão conta de que somente a COFINS representa mais de 6% <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> disponível<br />

dos primeiros quatro décimos de ren<strong>da</strong>, e menos de 4% <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> disponível do décimo de<br />

ren<strong>da</strong> mais eleva<strong>da</strong>, e total de impostos indiretos soma cerca de um quarto do consumo <strong>da</strong>s<br />

famílias do primeiro décimo. Afonso et al. (<strong>20</strong>04) estimam, com base <strong>na</strong> mesma POF, que<br />

a carga dos tributos indiretos (COFINS, PIS, ICMS, IPI, CPMF entre <strong>ou</strong>tros) <strong>da</strong>s famílias do<br />

primeiro décimo <strong>da</strong> distribuição de ren<strong>da</strong> familiar seja 8 vezes maior do que a do topo.<br />

Ou seja, parte expressiva <strong>da</strong>s transferências realiza<strong>da</strong>s pelos benefícios do exercício retor<strong>na</strong><br />

ao governo <strong>na</strong> forma de impostos. Utilizando esta participação dos impostos indiretos <strong>na</strong> ren<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong>s famílias por décimo estima<strong>da</strong> por Afonso et al. (<strong>20</strong>04), e distribuindo o valor do benefício<br />

proposto por décimo segundo a distribuição de crianças, chegamos a um valor estimado de R$<br />

1,7 bilhão somente com a arreca<strong>da</strong>ção de impostos indiretos, o que representa perto de 7%<br />

do valor total do gasto com benefício. O custo total líquido de impostos indiretos seria de cerca<br />

de R$ 24,7 bilhões, p<strong>ou</strong>co mais do que 16% <strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s três principais contribuições<br />

sociais do OSS, um custo relativamente baixo considerando o potencial preventivo e distributivo<br />

do benefício.<br />

(32) Zockun (<strong>20</strong>07)<br />

Arreca<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s principais Contribuições Sociais e Destino em <strong>20</strong>06<br />

Arreca<strong>da</strong>ção de Contribuições Sociais (COFINS, CPMF, CSLL)<br />

Destino<br />

Cobertura de Benefícios Contributivos<br />

Cobertura do RGPS<br />

Cobertura do RPPS<br />

Cobertura de Benefícios Não Contributivos<br />

BPC/LOAS<br />

Demais Transferências de Ren<strong>da</strong> (Bolsa Família)<br />

Outras Aplicações <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social (Saúde e <strong>ou</strong>tros)<br />

Demais destinos fora <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

DRU<br />

Não Identificados<br />

Outras áreas (Educação)<br />

Fonte: GENTIL (<strong>20</strong>06) e <strong>ANFIP</strong> (<strong>20</strong>07). Elaboração Própria.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

TABELA 12<br />

R$ Correntes %<br />

152.681<br />

51.942<br />

23.242<br />

28.700<br />

19.370<br />

11.570<br />

7.800<br />

39.785<br />

41.584<br />

30.537<br />

10.942<br />

105<br />

100,0%<br />

34,0%<br />

15,2%<br />

18,8%<br />

12,7%<br />

7,6%<br />

5,1%<br />

26,1%<br />

27,2%<br />

<strong>20</strong>,0%<br />

7,2%<br />

0,1%


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Em tese, as contribuições sociais seriam orienta<strong>da</strong>s para fi ns redistributivos, provisão de<br />

bens e serviços universais, como a saúde, e também, evidentemente, para cobrir benefícios<br />

não contributivos. Na prática, estes recursos fi <strong>na</strong>nciam <strong>ou</strong>tras despesas como benefícios<br />

contributivos e despesas de livre alocação do governo, como juros <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> pública. No<br />

caso dos benefícios contributivos, sabe-se que parte deles tem impacto redistributivo<br />

progressivo signifi cativo, como as aposentadorias rurais. Mas não é o caso quando estes<br />

recursos cobrem, por exemplo, aposentadorias e pensões do RPPS. Os juros, como se<br />

sabe, são regressivos, de forma que se gera uma dupla pressão regressiva ao se fi <strong>na</strong>nciar<br />

estes gastos com recursos de contribuições desta <strong>na</strong>tureza que incidem sobre o conjunto <strong>da</strong><br />

população sem p<strong>ou</strong>par os pobres. O mais curioso é a idéia lugar comum de que os idosos<br />

pobres recebem sem contribuir e que isso seria impeditivo a um combate mais efetivo <strong>da</strong><br />

pobreza, por desperdício. O obstáculo para se vencer a pobreza não são os brasileiros pobres<br />

e idosos, mas a regressivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> política fi scal, que compromete o efeito redistributivo <strong>da</strong><br />

política <strong>social</strong>.<br />

4.3 É possível realocar receitas para um benefício universal a to<strong>da</strong>s as crian-<br />

ças?<br />

O exercício abaixo busca identifi car receitas que poderiam vir a fi <strong>na</strong>nciar esse benefício<br />

universal no âmbito do orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social. Certamente, um aumento <strong>da</strong><br />

densi<strong>da</strong>de contributiva, mediante redução <strong>da</strong> informali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> rotativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> mão-de-<br />

obra, poderia contribuir para reduzir a participação <strong>da</strong> receita oriun<strong>da</strong> <strong>da</strong>s contribuições<br />

sociais no fi <strong>na</strong>nciamento dos benefícios previdenciários, que somam R$ 51,9 bilhões em<br />

<strong>20</strong>06, conforme tabela 12 acima. Ganhos de efi ciência <strong>na</strong> arreca<strong>da</strong>ção, o combate contra a<br />

evasão previdenciária são igualmente um fator importante de gestão que podem disponibilizar<br />

recursos para aplicação em benefícios universais. Mas nem um, nem <strong>ou</strong>tro, são sufi cientes<br />

para modifi car substantivamente o padrão de fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social. Desvincular<br />

os benefícios previdenciários e assistenciais do salário mínimo <strong>na</strong> expectativa de que isso<br />

“estimule” as cama<strong>da</strong>s de baixo potencial contributivo vai antes de mais <strong>na</strong><strong>da</strong> tor<strong>na</strong>r ain<strong>da</strong><br />

mais regressivo o padrão de fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de. Como ratifi ca a tabela 7, <strong>na</strong><br />

colu<strong>na</strong> relativa à ren<strong>da</strong> familiar per capita modifi ca<strong>da</strong>, os rendimentos médios <strong>da</strong>s famílias<br />

brasileiras até o sexto décimo <strong>da</strong> distribuição são inferiores a um salário mínimo de referência<br />

em <strong>20</strong>06, e, portanto, quase proibitivos a uma contribuição previdenciária regular. Somente<br />

uma recuperação massiva <strong>da</strong> massa salarial, elevando signifi cativamente a remuneração do<br />

trabalho, poderia provocar uma infl exão importante nesta tendência à contribuição.<br />

A tabela 12 amealha distintas fontes de fi <strong>na</strong>nciamento para garantir um benefício<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

59


60<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

universal a to<strong>da</strong>s as crianças. É possível dispor de receita para implementar um benefício como<br />

esse, embora não seja trivial. Ain<strong>da</strong> assim, a melhora no perfi l redistributivo <strong>da</strong> orçamento<br />

<strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de seria peque<strong>na</strong>: cerca de 24,6% <strong>da</strong> receita do OSS não-previdenciária teriam<br />

destino mais universal, contra 12,7% no presente. No âmbito <strong>da</strong>s transferências diretas de<br />

ren<strong>da</strong> do OSS <strong>na</strong> sua integrali<strong>da</strong>de, essa participação subiria de 6,1% para 12,4%. Ou seja,<br />

é difícil universalizar.<br />

Portanto, a grande reforma ain<strong>da</strong> não debati<strong>da</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de é menos a dita<br />

reforma previdenciária do que uma ampla reforma do nosso sistema fi scal, que reproduz<br />

desigual<strong>da</strong>des e inclui milhões de brasileiros ape<strong>na</strong>s margi<strong>na</strong>lmente. Essa reforma está<br />

fora <strong>da</strong> pauta e aparentemente carece de representação política. Ao contrário do que<br />

pensam alguns cientistas brasileiros, não falta proteção às crianças porque estas não são<br />

votantes, mas porque o debate redistributivo no Brasil continua fora <strong>da</strong> agen<strong>da</strong> <strong>da</strong>s nossas<br />

priori<strong>da</strong>des.<br />

Breves conclusões<br />

Fi<strong>na</strong>nciamento Benefício Universal para Crianças e Jovens (<strong>20</strong>06)<br />

Fonte<br />

Elimi<strong>na</strong>ção Salário Família<br />

COFINS Arreca<strong>da</strong><strong>da</strong>*<br />

Dispêndio Bolsa-Família<br />

Recursos Não-identificados**<br />

SUB-TOTAL<br />

redução 0,5% taxa de juros<br />

TOTAL<br />

Fonte: Gentil (<strong>20</strong>07), Receita Federal <strong>20</strong>07, Simulações<br />

Em síntese, o trabalho procur<strong>ou</strong> evidenciar a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> universalização como<br />

instrumento <strong>da</strong> inclusão <strong>social</strong> ao resgatar as raízes Beveridgea<strong>na</strong>s <strong>da</strong> Constituição de 88,<br />

focalizando essencialmente quatro pontos: 1) a universalização do sistema de seguri<strong>da</strong>de<br />

<strong>social</strong>, que no Brasil, em que pese o acesso aos serviços de saúde pública, ain<strong>da</strong> está longe<br />

de se tor<strong>na</strong>r uma reali<strong>da</strong>de como sistema de proteção <strong>social</strong>; 2) a estrutura diversifi ca<strong>da</strong> de<br />

fontes de fi <strong>na</strong>nciamento, que embora tenha se consagrado <strong>na</strong> CF 88 freqüentemente, não<br />

é abor<strong>da</strong><strong>da</strong> de forma adequa<strong>da</strong> no debate, além do fato de o crescimento <strong>da</strong>s contribuições<br />

sociais não previdenciárias, tem apresentado viés regressivo, comprometendo a efi cácia e a<br />

efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s ações de transferência direta de ren<strong>da</strong>; 3) este crescimento de contribuições<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

TABELA 13<br />

Valor (R$ Bilhões )<br />

2,1<br />

1,7<br />

7,8<br />

10,9<br />

22,5<br />

3,7<br />

26,2


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

não previdenciárias não tem se traduzido em mu<strong>da</strong>nça <strong>na</strong> composição de gasto <strong>na</strong> direção<br />

de um sistema de seguri<strong>da</strong>de diversifi cado e de caráter preventivo, que integra e equilibra<br />

benefícios contributivos e não contributivos para garantir a prevenção aos diversos riscos<br />

de vulnerabili<strong>da</strong>de frente a situações adversas; 4) conformação de um planejamento<br />

<strong>social</strong> abrangente, que integre política econômica e política <strong>social</strong> num mesmo contexto e<br />

potencializa suas interações, em particular <strong>na</strong> orientação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de econômica em direção<br />

ao pleno emprego.<br />

Temas que devem entrar <strong>na</strong> pauta <strong>da</strong> discussão do sistema de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>: 1)<br />

reforma fi scal ampla, incluindo revisão <strong>da</strong>s fontes de fi <strong>na</strong>nciamento basea<strong>da</strong>s em impostos<br />

indiretos, progressivi<strong>da</strong>de do imposto de ren<strong>da</strong> e desoneração tributária integral dos alimentos<br />

e segmenta<strong>da</strong> (tarifas sociais) para os serviços consumidos pelos décimos de ren<strong>da</strong> inferiores;<br />

2) revisão <strong>da</strong> composição de benefícios, entre contributivos e não-contributivos, vis-à-vis o<br />

padrão de fi <strong>na</strong>nciamento do sistema. Com o tratamento destes dois temas será possível<br />

enfrentar de forma conseqüente a dupla regressivi<strong>da</strong>de e reduzir o escopo do seguro <strong>social</strong><br />

no âmbito do nosso sistema de proteção, garantindo a universalização do bem-estar.<br />

Referências Bibliográfi cas<br />

AFONSO, J. R et al (<strong>20</strong>04) . Carga Tributária Indireta no Brasil: Análise <strong>da</strong> Incidência Efetiva sobre as<br />

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F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

61


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MODENESI, A.M. (<strong>20</strong>05) Regimes monetários:teoria e a experiência do real. Barueri, Ed. Manole.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

PAES DE BARROS R. (<strong>20</strong>07). Apresentação sem título, feita <strong>na</strong> mesa-redon<strong>da</strong><br />

POCHMANN, M. (<strong>20</strong>07). Gasto <strong>social</strong> e seus efeitos recentes no nível de emprego e <strong>na</strong> desigual<strong>da</strong>de<br />

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F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

63


64<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

3. Política Pública de Saúde no Brasil: encruzilha<strong>da</strong>,<br />

buscas e escolhas de rumos<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

Nelson Rodrigues dos Santos*<br />

Resumo: Ao lado do reconhecimento dos avanços do SUS e irreversibili<strong>da</strong>de dos mesmos,<br />

o autor identifi ca questões estruturais pendentes nos 17 <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Lei Orgânica <strong>da</strong> Saúde,<br />

nos modelos de gestão do sistema e dos serviços, nos modelos de atenção à saúde e<br />

<strong>na</strong> participação democrática, desvelando pressupostamente a encruzilha<strong>da</strong>. São avaliados<br />

cenários <strong>da</strong> conjuntura atual, do Pacto pela Vi<strong>da</strong>, em Defesa do SUS e de Gestão, <strong>da</strong><br />

Regulamentação <strong>da</strong> EC-29 e do PAC - Saúde e suas intersecções. São apontados alguns<br />

equacio<strong>na</strong>mentos e ao fi <strong>na</strong>l, uma lembrança <strong>da</strong> sucessão <strong>da</strong>s três conjunturas: dos <strong>anos</strong> 80,<br />

dos 90 e dos 00, visando contribuir para as buscas e escolhas de rumos. Este texto pass<strong>ou</strong> por<br />

versões anteriores que receberam importantes correções e aprimoramentos, com destaque<br />

os de Emerson Merhy, Gastão W. de S. Campos, Gilson Carvalho, Isabela S. Santos, Jurandi<br />

Frutuoso, Marco Antonio Teixeira e Paulo Puccini. As incorreções permanecem obviamente<br />

por exclusiva conta do autor.<br />

(*) Nelson Rodrigues dos Santos, Professor colaborador <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Estadual de Campi<strong>na</strong>s e presidente do Instituto de<br />

Direito Sanitário Aplicado ( IDISA), atuando principalmente <strong>na</strong>s seguintes áreas: Desenvolvimento do Sus, do controle <strong>social</strong> e<br />

<strong>da</strong>s Políticas Públicas <strong>na</strong> área <strong>social</strong>.


TÓPICOS<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

I - Avanços do SUS<br />

II - Os Modelos de Gestão e Atenção à Saúde: Seu Desenvolvimento<br />

III - Os Modelos de Gestão e Atenção à Saúde e a Participação Democrática.<br />

IV - A Questão <strong>da</strong> Regulamentação <strong>da</strong> EC-29<br />

V - A Retração Federal no Fi<strong>na</strong>nciamento do SUS<br />

VI - O Cenário <strong>da</strong>s Propostas<br />

VII - O Cenário <strong>da</strong> Vitória <strong>da</strong> Proposta dos 10% <strong>da</strong> RCB <strong>ou</strong> Similar<br />

VIII - O Cenário <strong>da</strong> Derrota dos 10% <strong>da</strong> RCB <strong>ou</strong> Similar<br />

IX - A Grande Negociação<br />

X - Os Três Pactos que Sustentam o SUS e o Desafi o <strong>da</strong> Política Pública Referências Bibliográfi cas<br />

SIGLAS<br />

- ABRASCO – Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva<br />

- ADCT – Ato <strong>da</strong>s Disposições Constitucio<strong>na</strong>is Transitórias<br />

- ABrES – Associação Brasileira de Economia em Saúde<br />

- BNDES – Banco Nacio<strong>na</strong>l de Desenvolvimento Econômico e Social<br />

- CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde<br />

- CAS – Comissão de Assuntos Sociais (Se<strong>na</strong>do)<br />

- CDU – Comissão de Desenvolvimento Urbano (Câmara)<br />

- CIB – Comissão Intergestores Bipartite<br />

- CIT – Comissão Intergestores Tripartite<br />

- CNS – Conselho Nacio<strong>na</strong>l de Saúde<br />

- COFINS – Contribuição sobre o Fi<strong>na</strong>nciamento Social<br />

- CONASEMS – Conselho Nacio<strong>na</strong>l de Secretários Municipais de Saúde<br />

- CONASS – Conselho Nacio<strong>na</strong>l de Secretários de Saúde<br />

- CPMF – Contribuição Provisória Sobre Movimentação Fi<strong>na</strong>nceira<br />

- CSLL – Contribuição sobre o Lucro Líquido<br />

- CSSF – Comissão de Seguri<strong>da</strong>de Social e Família (Câmara)<br />

- DRU – Desvinculação de Receitas <strong>da</strong> União<br />

- EC-29 – Emen<strong>da</strong> Constitucio<strong>na</strong>l – 29<br />

- FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador<br />

- FINEP – Fi<strong>na</strong>nciadora de Estudos e Projetos<br />

- INAMPS – Instituto Nacio<strong>na</strong>l de Assistência Médica <strong>da</strong> Previdência Social<br />

- LDO – Lei <strong>da</strong>s Diretrizes Orçamentárias<br />

- LO – Lei Orçamentária<br />

- MS – Ministério <strong>da</strong> Saúde<br />

- NOB – Norma Operacio<strong>na</strong>l Básica<br />

- OS – Organização Social<br />

- OSS – Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

- PAC – Programa de Aceleração do Crescimento<br />

- PCCS – Plano de Cargos, Carreiras e Salários<br />

- PIB – Produto Interno Bruto<br />

- PPA – Plano Pluri-Anual<br />

- RCB – Receita Corrente Bruta<br />

- SUS – Sistema Único de Saúde<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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I. AVANÇOS DO SUS<br />

66<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

O SUS transform<strong>ou</strong>-se no maior projeto público de inclusão <strong>social</strong> em menos de duas<br />

déca<strong>da</strong>s: 110 milhões de pessoas atendi<strong>da</strong>s por agentes comunitários, de saúde em 95% dos<br />

municípios e 87 milhões atendidos por 27 mil equipes de saúde de família. Em 2.007: 2,7 bilhões de<br />

procedimentos ambulatoriais, 610 milhões de consultas, 10,8 milhões de inter<strong>na</strong>ções, 212 milhões<br />

de atendimentos odontológicos, 403 milhões de exames laboratoriais, 2,1 milhões de partos,<br />

13,4 milhões de Ultrasons, Tomografi as e Ressonâncias, 55 milhões de seções de fi sioterapia,<br />

23 milhões de ações de vigilância sanitária, 150 milhões de vaci<strong>na</strong>s, 12 mil transplantes, 3,1<br />

milhões de cirurgias, 215 mil cirurgias cardíacas, 9 milhões de seções de radioquimioterapia, 9,7<br />

milhões de seções de hemodiálise e o controle mais avançado <strong>da</strong> AIDS no terceiro mundo. Estes<br />

avanços foram possíveis graças a profun<strong>da</strong> descentralização de competências com ênfase <strong>na</strong><br />

municipalização, com a criação e funcio<strong>na</strong>mento <strong>da</strong>s comissões Intergestores (Tripartite <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

e Bipartites estaduais), dos fundos de saúde com repasses fundo a fundo, com a extinção do<br />

INAMPS unifi cando a direção em ca<strong>da</strong> esfera de governo, com a criação e funcio<strong>na</strong>mento dos<br />

conselhos de saúde, e fun<strong>da</strong>mentalmente, com o belo contágio e a infl uência dos valores éticos<br />

e sociais <strong>da</strong> política pública do SUS perante a população usuária, os trabalhadores de saúde,<br />

os gestores públicos e os conselhos de saúde, levando às grandes expectativas de alcançar os<br />

direitos sociais e decorrente força e pressão <strong>social</strong>.<br />

Que valores são esses? – São substancialmente os princípios e diretrizes Constitucio<strong>na</strong>is<br />

<strong>da</strong> Universali<strong>da</strong>de, Igual<strong>da</strong>de/ Equi<strong>da</strong>de, Integrali<strong>da</strong>de, Descentralização, Regio<strong>na</strong>lização<br />

e Participação <strong>da</strong> Comuni<strong>da</strong>de, todos apontando para o resgate <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e <strong>da</strong><br />

responsabili<strong>da</strong>de <strong>social</strong> do Estado por meio do modelo de desenvolvimento sócio – econômico<br />

realmente republicano. Inclui aí a prática <strong>da</strong> “Equi<strong>da</strong>de nivela<strong>da</strong> por cima” por meio de<br />

investimentos estratégicos, isto é, dotação de recursos adicio<strong>na</strong>is direcio<strong>na</strong>dos para assegurar<br />

ple<strong>na</strong> acessibili<strong>da</strong>de de todos os níveis de atenção à saúde aos grupos e pessoas excluídos e<br />

p<strong>ou</strong>co incluídos, em contraposição à atual “Equi<strong>da</strong>de nivela<strong>da</strong> por baixo” que vem sub-fi <strong>na</strong>nciando<br />

e sub-ofertando serviços aos incluídos, “gerando recursos” para transferir aos excluídos o que<br />

leva as cama<strong>da</strong>s médias e os servidores públicos à adesão aos pl<strong>anos</strong> privados. Se esta adesão<br />

fosse ao SUS agregaria forças sociais e políticas capazes de vencer as gigantescas difi cul<strong>da</strong>des<br />

do fi <strong>na</strong>nciamento, <strong>da</strong> precarização <strong>da</strong>s relações de trabalho e <strong>da</strong>s inovações no modelo de<br />

gestão volta<strong>da</strong>s para a quali<strong>da</strong>de, efi ciência, desempenho e resultados. No entanto, nestes 17<br />

<strong>anos</strong>, estes e <strong>ou</strong>tros avanços vêm se respal<strong>da</strong>ndo em exaustivos esforços, permeando as graves<br />

difi cul<strong>da</strong>des e obstáculos oriundos <strong>na</strong> estrutura do modelo de gestão.<br />

Momentos empolgantes e emocio<strong>na</strong>ntes dos avanços vêm sendo vividos <strong>na</strong> realização <strong>da</strong>s<br />

mostras <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e estaduais de experiências exitosas do SUS, concentra<strong>da</strong>s ao nível local,<br />

nos usuários, nos trabalhadores de saúde, nos conselhos e <strong>na</strong> gestão descentraliza<strong>da</strong>.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

II. OS MODELOS DE GESTÃO E ATENÇÃO À SAÚDE: SEU DESENVOLVIMENTO<br />

Os avanços do SUS sobrevivem ao modelo de gestão ain<strong>da</strong> caracterizado por:<br />

–<br />

–<br />

–<br />

não interação com os setores responsáveis pelos determi<strong>na</strong>ntes sociais <strong>da</strong> saúde.<br />

drástico sub-fi <strong>na</strong>nciamento público,<br />

participação substancial de recursos públicos no crescimento do mercado de pl<strong>anos</strong> e<br />

seguros privados e <strong>da</strong>s práticas liberais de assistência à saúde.<br />

–<br />

–<br />

fragmentação dos repasses federais,<br />

largo predomínio do pagamento de serviços por produção em regra com valores<br />

inferiores aos custos,<br />

–<br />

–<br />

do SUS,<br />

–<br />

–<br />

planejamento/orçamentação centralizado e hermético<br />

desastrosa precarização <strong>da</strong>s relações e gestão do trabalho <strong>na</strong> prestação dos serviços<br />

descolamento dos hospitais do SUS <strong>da</strong>s redes hierarquiza<strong>da</strong>s/regio<strong>na</strong>liza<strong>da</strong>s,<br />

baixíssima implementação dessas redes <strong>na</strong> lógica <strong>da</strong> diretriz Constitucio<strong>na</strong>l <strong>da</strong><br />

Regio<strong>na</strong>lização/Integrali<strong>da</strong>de,ausência de autonomia gerencial <strong>na</strong> prestação de serviços,<br />

–<br />

–<br />

ausência <strong>da</strong>s práticas de metas, desempenho e resultados,<br />

desregulação <strong>da</strong> deman<strong>da</strong> dos pl<strong>anos</strong> privados de saúde aos serviços do SUS a luz<br />

dos princípios e diretrizes Constitucio<strong>na</strong>is, (hoje com porta de entra<strong>da</strong> privilegia<strong>da</strong>),<br />

–<br />

desregulação <strong>da</strong> produção de insumos, bens e tecnologias em saúde a luz dos mesmos<br />

princípios e diretrizes,<br />

–<br />

o articulado e poderoso sinergismo entre essas e <strong>ou</strong>tras características, que mantém<br />

o modelo de gestão com base nos interesses <strong>da</strong> oferta de serviços, sobrepondo-se às<br />

mu<strong>da</strong>nças a serem realiza<strong>da</strong>s com base <strong>na</strong>s necessi<strong>da</strong>des e direitos <strong>da</strong> população.<br />

Estas características referem-se aos “pilares” <strong>ou</strong> “vigas mestras” <strong>da</strong> construção do SUS<br />

sob o ângulo do modelo de gestão, em <strong>ou</strong>tras palavras, ao “atacado” que produz e induz um<br />

“varejo” de milhões de ações e serviços diariamente.<br />

Nos 17 <strong>anos</strong> de vigência <strong>da</strong>s Leis 8080/90 e 8142/90, o modelo de gestão ain<strong>da</strong><br />

hegemônico induz o modelo de atenção p<strong>ou</strong>co mu<strong>da</strong>do:<br />

a) a atenção básica expande-se às maiorias pobres <strong>da</strong> população, mas <strong>na</strong> media <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

estabiliza-se <strong>na</strong> baixa quali<strong>da</strong>de e resolutivi<strong>da</strong>de não consegue constituir-se <strong>na</strong> porta de<br />

entra<strong>da</strong> preferencial do sistema, nem reunir potência transformadora <strong>na</strong> estruturação do<br />

novo modelo de atenção preconizado pelos princípios Constitucio<strong>na</strong>is,<br />

b) os serviços assistenciais de media e alta complexi<strong>da</strong>de ca<strong>da</strong> vez mais congestio<strong>na</strong>dos<br />

reprimem as ofertas e deman<strong>da</strong>s (repressão em regra iatrogênica e freqüentemente letal),<br />

c) os gestores municipais complementam valores defasados <strong>da</strong> tabela <strong>na</strong> tentativa de<br />

aliviar a repressão <strong>da</strong> deman<strong>da</strong>,<br />

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<strong>ANFIP</strong><br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

d) a soma dos valores <strong>da</strong> dedução no Imposto de Ren<strong>da</strong> dos serviços de saúde consumidos<br />

no mercado, <strong>da</strong> contraparti<strong>da</strong> pública nos pl<strong>anos</strong> privados dos servidores públicos, do não<br />

ressarcimento ao SUS de serviços prestados às empresas de pl<strong>anos</strong> e seguros privados,<br />

os gastos <strong>da</strong>s estatais com saúde e <strong>ou</strong>tras, signifi cam fi <strong>na</strong>nciamento público perto de 10<br />

bilhões anuais, próximo a <strong>20</strong>% do faturamento do sistema privado suplementar.<br />

e) com o enorme crescimento <strong>da</strong>s empresas de pl<strong>anos</strong> privados, as cama<strong>da</strong>s médias <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de, incluindo os servidores públicos justifi cam e reforçam sua opção pelos pl<strong>anos</strong><br />

privados de saúde,<br />

f)<br />

as diretrizes <strong>da</strong> Integrali<strong>da</strong>de e Equi<strong>da</strong>de p<strong>ou</strong>co <strong>ou</strong> <strong>na</strong><strong>da</strong> avançam,<br />

g) a judicialização do acesso a procedimentos assistenciais de médio e alto custo às<br />

cama<strong>da</strong>s média-média e média-alta aprofun<strong>da</strong>m a iniqüi<strong>da</strong>de e a fragmentação do sistema,<br />

h) o modelo de atenção à saúde vai se estabilizando em pobre aos 80% pobres e em<br />

complementar e menos pobre aos <strong>20</strong>% compradores de pl<strong>anos</strong> privados, e<br />

i)<br />

o modo de produzir serviços e práticas de saúde permanece centrado nos procedimentos<br />

médicos de diagnose e terapia, e grande parte dos avanços citados constituem elevações de<br />

cobertura possíveis já no período “pré-SUS” nos <strong>anos</strong> 80.<br />

Ao lado dos inestimáveis avanços <strong>da</strong> inclusão, com a expansão dos serviços públicos,<br />

atendendo necessi<strong>da</strong>des e direitos <strong>da</strong> população, permanecem enormes e i<strong>na</strong>ceitáveis<br />

porcentagens de ações e serviços evitáveis <strong>ou</strong> desnecessários, e de esperas para<br />

procedimentos mais sofi sticados geradoras de profundos sofrimentos com agravamento de<br />

doenças e mortes evitáveis. Só de hipertensos temos 13 milhões e de diabéticos 4,5 milhões<br />

<strong>na</strong> espera de agravamento com insufi ciência re<strong>na</strong>l, AVC, doenças vasculares e <strong>ou</strong>tras, mais<br />

de 90 mil portadores de câncer sem acesso oportuno à radioterapia, 25% dos portadores<br />

de Tuberculose, Hanseni<strong>anos</strong> e de Malaria sem acesso oportuno e sistemático ao sistema,<br />

incidências anuais de <strong>20</strong> mil casos novos de câncer ginecológico e 33 mil casos novos de<br />

AIDS, entre deze<strong>na</strong>s de exemplos de repressão de deman<strong>da</strong>s.<br />

Os gestores municipais e estaduais do SUS, os trabalhadores de saúde e os prestadores<br />

de serviços encontram-se no sufoco e angústia de atender os sofrimentos e urgências<br />

de “hoje e ontem”, obrigados a reprimir deman<strong>da</strong>s sabendo penosamente que ações<br />

preventivas e de diagnósticos precoces impediriam o surgimento <strong>da</strong> maior parte de casos<br />

graves e urgentes, mas obrigados a priorizar os maiores sofrimentos e urgências devido a<br />

insufi ciência de recursos. Os casos de corporativismos anti-sociais e até de prevaricações<br />

e corrupções encontram terreno fértil nesse sufoco. Este contexto extremamente adverso<br />

e desgastante não justifi ca, contudo passivi<strong>da</strong>des e conivências com irresponsabili<strong>da</strong>des<br />

sanitárias perante os princípios e diretrizes Constitucio<strong>na</strong>is, <strong>na</strong> gestão descentraliza<strong>da</strong> do<br />

SUS nem ao nível central. O modo de fi <strong>na</strong>nciar e institucio<strong>na</strong>lizar a política pública com base<br />

no direito à igual<strong>da</strong>de e à vi<strong>da</strong> é ain<strong>da</strong> margi<strong>na</strong>l, e muito cui<strong>da</strong>do e dedicação devem ser<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

tomados para que as imprescindíveis inovações de gestão permaneçam vincula<strong>da</strong>s à visão<br />

e compromisso de futuro e de socie<strong>da</strong>de pautados por esse direito. É o caso <strong>da</strong>s Fun<strong>da</strong>ções<br />

Estatais e <strong>ou</strong>tros, com rico potencial de reproduzir e superar os índices de quali<strong>da</strong>de e<br />

efi ciência <strong>da</strong>s OS, ao mesmo tempo que prescinde dos entes privados para gerir hospitais<br />

públicos e assegura o rumo <strong>da</strong> construção <strong>da</strong>s redes regio<strong>na</strong>liza<strong>da</strong>s de atenção integral<br />

à saúde com ple<strong>na</strong> inserção dos hospitais públicos. Contudo, o “choque de gestão” tão<br />

desejado e i<strong>na</strong>diável requer disposições de apoio, engajamento e remanejamento, que sem<br />

recursos adicio<strong>na</strong>is para aliviar o sufoco, p<strong>ou</strong>co <strong>ou</strong> nenhum efeito conseguirá, a não ser<br />

que haja opção para casos pontuais e limitados de inovação <strong>da</strong> gestão com mais recursos<br />

e efi ciência (“vitrines”) sem atingir a estrutura do modelo de gestão do sistema. Até o<br />

Pacto pela Vi<strong>da</strong>, em Defesa do SUS e de Gestão, discutido, formulado e aprovado em<br />

to<strong>da</strong>s as instâncias do SUS em 2.005 e 2.006, com notável competência e coerência com<br />

as diretrizes Constitucio<strong>na</strong>is, encontra-se hoje ameaçado pelo sub-fi <strong>na</strong>nciamento, com o<br />

MS mantendo no espaço deixado pela ausência de aportes de recursos imprescindíveis à<br />

implementação <strong>da</strong>s pactuações regio<strong>na</strong>is e locais, a mera continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> fragmentação<br />

dos repasses federais, premiações e incentivos. Lembramos que esse Pacto tem signifi cado<br />

histórico comparável à reação contra a “quebra” do SUS em 1.993 com a aprovação pelo<br />

MS, CONASS, CONASEMS e CNS do documento “A Ousadia de Cumprir e Fazer Cumprir<br />

a Lei”, e a criação <strong>da</strong> Tripartite e Bipartites.<br />

As questões do fi <strong>na</strong>nciamento do SUS e regulamentação <strong>da</strong> EC-29 são expostas do IVº<br />

ao IXº tópico não com o mero objetivo descritivo/informativo e sim, para facilitar a refl exão<br />

sobre o sinergismo e interdependência estratégicos entre a persistência de manter o sub-<br />

fi <strong>na</strong>nciamento, e a persistência de manter os “pilares” <strong>ou</strong> “vigas mestras”, voltados para o<br />

modelo <strong>da</strong> oferta, agora reciclado no “SUS pobre para os pobres e complementar para os<br />

afi liados aos pl<strong>anos</strong> privados.” Em <strong>ou</strong>tras palavras: o estímulo ofi cial ao mercado dos pl<strong>anos</strong><br />

privados, a fragmentação dos repasses federais, o predomínio do pagamento por produção,<br />

a precarização <strong>da</strong>s relações de trabalho, a não implementação <strong>da</strong>s redes regio<strong>na</strong>liza<strong>da</strong>s e<br />

<strong>da</strong> Integrali<strong>da</strong>de, a não implementação do planejamento e orçamentação ascendentes, etc.,<br />

tem tudo a ver com o subfi <strong>na</strong>nciamento e vice-versa, alimentam-se mutuamente.<br />

Em nossa observação e percepção a partir de 2.000 torn<strong>ou</strong>-se inequívoca a imperiosa<br />

necessi<strong>da</strong>de do “casamento” entre signifi cativos saltos <strong>na</strong> elevação do fi <strong>na</strong>nciamento, e <strong>na</strong><br />

inovação no modelo de gestão para assegurar o rumo Constitucio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> construção do SUS.<br />

Hoje isto nos parece evidente, em especial, sob o ângulo <strong>da</strong> formulação de estratégias<br />

no CNS, <strong>na</strong> CIT, nos CES e <strong>na</strong>s CIBs, tarefa i<strong>na</strong>bdicável e i<strong>na</strong>diável junto à mobilização<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Os avanços em separado, ora no fi <strong>na</strong>nciamento, ora <strong>na</strong> gestão, também<br />

i<strong>na</strong>bdicáveis no cotidiano, já não acumulam a potência necessária às transformações dos<br />

modelos de gestão e de atenção à saúde.<br />

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<strong>ANFIP</strong><br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

III. A PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA E OS MODELOS DE GESTÃO E ATENÇÃO À SAÚDE<br />

Nas atribuições <strong>da</strong>s conferências de saúde de propor diretrizes para a formulação <strong>da</strong><br />

política de saúde, e dos conselhos de saúde de atuar <strong>na</strong> formulação de estratégias, quais<br />

as priori<strong>da</strong>des, direcio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>des e forças acumula<strong>da</strong>s para a compreensão, apropriação e<br />

mu<strong>da</strong>nça dos “pilares” <strong>ou</strong> “vigas mestras” anti-SUS para “pilares” <strong>ou</strong> “vigas mestras” pró-<br />

SUS? Desde 1.993, como se desenvolvem os gestores em relação a esses pilares, em<br />

especial, <strong>na</strong>s Bipartites e <strong>na</strong> Tripartite? Como vem se desenvolvendo as relações entre os<br />

conselhos de saúde e os gestores frente o desafi o de identifi car e mu<strong>da</strong>r esses pilares? Com<br />

que freqüência, persistência e competência esse desafi o vem constando <strong>na</strong>s deliberações<br />

dos conselhos de saúde, nos relatórios <strong>da</strong>s conferências, e basicamente, <strong>na</strong> atuação dos<br />

conselheiros e delegados perante as enti<strong>da</strong>des e movimentos sociais que representam, com<br />

vistas à sua informação, politização e mobilização?<br />

Após a histórica 8ª Conferencia Nacio<strong>na</strong>l de Saúde, a Comissão Nacio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> Reforma<br />

Sanitária composta por representantes de todos os segmentos públicos, privados, sociais e<br />

partidários envolvidos com a saúde e reconheci<strong>da</strong> por portaria interministerial, debateu por<br />

mais de um ano a formulação <strong>da</strong> proposta do que viria a ser o SUS, e que transform<strong>ou</strong>-se <strong>na</strong><br />

base <strong>da</strong> discussão e aprovação <strong>na</strong> Assembléia Nacio<strong>na</strong>l Constituinte. Essa formulação foi<br />

acompanha<strong>da</strong> e monitora<strong>da</strong> pela Plenária Nacio<strong>na</strong>l de Saúde, fórum dinâmico integrado por<br />

enti<strong>da</strong>des sindicais, movimentos sociais, enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Reforma Sanitária, parlamentares e<br />

<strong>ou</strong>tros. Por fi <strong>na</strong>l, o histórico Simpósio de Política Nacio<strong>na</strong>l de Saúde de 1.989, que super<strong>ou</strong><br />

a resistência conservadora contra a apresentação e tramitação <strong>da</strong> Lei Orgânica <strong>da</strong> Saúde no<br />

Congresso Nacio<strong>na</strong>l. Todos estes eventos dos <strong>anos</strong> 80 só foram viáveis com mobilização,<br />

organização e força política provenientes <strong>da</strong> condução fortemente progressista <strong>da</strong> ampla<br />

frente política pelas liber<strong>da</strong>des democráticas e democratização do Estado, que articul<strong>ou</strong> o<br />

pluralismo partidário, as diferentes matizes ideológicas e os corporativismos <strong>da</strong> época em<br />

torno do ideário republicano (coisa pública) dos direitos sociais e papel do Estado. H<strong>ou</strong>ve<br />

consciência sufi ciente de quais eram os principais interesses e setores contra a criação do<br />

SUS, e obviamente, <strong>da</strong>s alianças capazes de superá-los.<br />

A partir dos <strong>anos</strong> 90, a complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> composição partidária, corporativa e mercantil<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e do Estado muito aument<strong>ou</strong>, mas será que a ponto de ofuscar <strong>ou</strong> impedir a<br />

consciência de onde estão os principais interesses e setores contra o SUS, e quais os aliados?<br />

Alguns avanços <strong>ou</strong> resistências ain<strong>da</strong> que pontuais foram exemplares: foi o pluralismo<br />

“republicano” que reuniu forças sociais e políticas <strong>na</strong> 9ª Conferência de Saúde em 1.992,<br />

capazes de impulsio<strong>na</strong>r a grande descentralização com ênfase <strong>na</strong> municipalização, incluindo<br />

fun<strong>da</strong>mental aliança com a Confederação <strong>da</strong>s Misericórdias do Brasil, que desemboc<strong>ou</strong> <strong>na</strong><br />

histórica NOB-93 no ano seguinte. Foi esta força plural que também pression<strong>ou</strong> a esfera<br />

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<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

federal durante a 10ª Conferência em 1.996, a implementar a NOB-96 já pactua<strong>da</strong> mas<br />

reti<strong>da</strong> com medo de provocar a elevação dos gastos federais. Esta mesma força plural<br />

mobiliz<strong>ou</strong> o Congresso Nacio<strong>na</strong>l, super<strong>ou</strong> o “rolo compressor” do Governo, e conquist<strong>ou</strong> a<br />

aprovação <strong>da</strong> CPMF em 1.996 e <strong>da</strong> EC-29 em 2.000, com papel determi<strong>na</strong>nte <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des<br />

representa<strong>da</strong>s no CNS.<br />

Na indeclinável busca de soluções por mais efi ciência e resultados <strong>na</strong> gestão dos serviços<br />

públicos de saúde, além do fi <strong>na</strong>nciamento e <strong>da</strong> política de pessoal, tor<strong>na</strong>m-se imperiosas,<br />

inovações no modelo de gestão. Nessa busca, assim como <strong>na</strong>s grandes questões do sub-<br />

fi <strong>na</strong>nciamento e <strong>da</strong> desastrosa precarização <strong>da</strong>s relações de trabalho, não só o governo, mas<br />

todos os movimentos sociais devem ser irredutíveis. Nas inovações do modelo de gestão<br />

tor<strong>na</strong>-se evidente que a busca de soluções não é circunscrita ao PLP nº92/<strong>20</strong>07 que dispõe<br />

sobre a criação de Fun<strong>da</strong>ções Estatais, que é vago e vulnerável a distorções, nem mesmo<br />

à Emen<strong>da</strong> Substitutiva do Dep. Pepe Vargas, que é volta<strong>da</strong> às diretrizes do SUS, devendo<br />

abranger mais alter<strong>na</strong>tivas.<br />

Quais são as fun<strong>da</strong>mentações e atuais encaminhamentos legislativos e de gestão<br />

pública, e os interesses e tendências em jogo, <strong>da</strong> proposta de Fun<strong>da</strong>ções Estatais? – Quais<br />

as alter<strong>na</strong>tivas de alterações, aprimoramentos e de evolução do processo? – Inclusive com a<br />

assimilação dos doze pontos <strong>ou</strong> condições aprovados pelo CNS para qualquer inovação de<br />

modelo de gestão? – Quais os vícios pendentes <strong>na</strong> atual administração direta e autárquica,<br />

antisociais, e suas raízes seculares do Estado cartorial, patrimonialista e burocratizado?<br />

– Quais os novos parâmetros <strong>da</strong> gestão e relações de trabalho capazes de atrair e fi xar<br />

as equipes multiprofi ssio<strong>na</strong>is junto a população, com quali<strong>da</strong>de e resolutivi<strong>da</strong>de, sem<br />

descontinui<strong>da</strong>de, e sem abdicar de processos seletivos e concursos públicos ágeis e PCCS? –<br />

Quais as possibili<strong>da</strong>des <strong>da</strong> estabili<strong>da</strong>de empregatícia estatutária ser requalifi ca<strong>da</strong>, adequa<strong>da</strong><br />

e delimita<strong>da</strong> por modelos de gestão efetivamente publicizados em função <strong>da</strong> centrali<strong>da</strong>de<br />

nos direitos dos usuários? Estas e <strong>ou</strong>tras questões de inescapável responsabili<strong>da</strong>de<br />

permanecem deman<strong>da</strong>ndo o imprescindível debate democrático e participativo, tanto no<br />

âmbito dos gestores como dos conselhos de saúde, do Legislativo, <strong>da</strong> 13ª Conferência de<br />

Saúde e <strong>da</strong> própria Socie<strong>da</strong>de.<br />

Se h<strong>ou</strong>ve equivoco até o momento é o desse debate amplo e conseqüente ter sido <strong>da</strong>do<br />

como realizado, esgotado, com posições polares cristaliza<strong>da</strong>s desde já, seja entre os gestores,<br />

seja nos conselhos de saúde, seja entre os milhares de delegados <strong>da</strong>s conferências. E h<strong>ou</strong>ve<br />

o equívoco. Ao reconhecê-lo fi ca claro o amplo e profundo espaço político que temos pela<br />

frente, e o dever cívico de superar estes equívocos, a começar pelo crédito de que nem se<br />

está querendo inovações no modelo de gestão para piorar para os usuários e trabalhadores<br />

de saúde, e nem também se está contra as pretendi<strong>da</strong>s inovações para permanecer o pior<br />

que já vem acontecendo aos usuários e trabalhadores de saúde.<br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Por fi <strong>na</strong>l, o que a participação democrática <strong>na</strong> mu<strong>da</strong>nça dos modelos de gestão e atenção<br />

à saúde, deve para si mesma perante os papéis e responsabili<strong>da</strong>des dos “pilares” <strong>ou</strong> “vigas<br />

mestras” referidos, por exemplo. a) <strong>na</strong> retoma<strong>da</strong> do rumo <strong>da</strong> Atenção Básica elevar sua<br />

quali<strong>da</strong>de e resolutivi<strong>da</strong>de até por volta de 80/85%, com atenção integral à saúde <strong>na</strong>s reali<strong>da</strong>des<br />

e necessi<strong>da</strong>des de ca<strong>da</strong> região, constituir-se <strong>da</strong> porta de entra<strong>da</strong> preferencial do sistema,<br />

estender-se às cama<strong>da</strong>s médias <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e estruturar o conjunto do sistema? e b) <strong>na</strong><br />

implantação e implementação <strong>da</strong> diretriz Constitucio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> Integrali<strong>da</strong>de e Regio<strong>na</strong>lização/<br />

Hierarquização, isto é, <strong>da</strong>s redes regio<strong>na</strong>liza<strong>da</strong>s de ações e serviços de todos os níveis<br />

de complexi<strong>da</strong>de, desde a equipe de Saúde de Família aos ambulatórios e hospitais mais<br />

especializados, incluindo a promoção, proteção e recuperação <strong>da</strong> saúde, com acolhimento,<br />

vínculo à população, quali<strong>da</strong>de, resolutivi<strong>da</strong>de e extensão às cama<strong>da</strong>s médias <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de?<br />

Estamos no rumo dessa construção, ain<strong>da</strong> que lentamente, <strong>ou</strong> o rumo já é <strong>ou</strong>tro?<br />

IV. A QUESTÃO DA REGULAMENTAÇÃO DA EC-29<br />

O esforço do Se<strong>na</strong>do Federal por meio do PLS nº 121/<strong>20</strong>07 do Se<strong>na</strong>dor Tião Via<strong>na</strong><br />

e do PLP nº 01/<strong>20</strong>03 do Deputado Roberto G<strong>ou</strong>veia, este, tramitado e aprovado <strong>na</strong>s três<br />

comissões obrigatórias <strong>da</strong> Câmara dos Deputados <strong>na</strong> forma do substitutivo Guilherme<br />

Menezes, visando a regulamentação <strong>da</strong> EC-29, assim como o marcante seminário “Saúde<br />

e Seguri<strong>da</strong>de Social” realizado <strong>na</strong> Câmara dos Deputados nos dias 8 e 9 de Maio de <strong>20</strong>07,<br />

organizado pela Frente Parlamentar de Saúde, pela Comissão de Seguri<strong>da</strong>de Social e<br />

Família e pelas enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Reforma Sanitária Brasileira, com participação relevante do<br />

CONASS, CONASEMS, CNS e MS, revelam o potencial do Congresso Nacio<strong>na</strong>l assumir<br />

suas prerrogativas Constitucio<strong>na</strong>is com autonomia.<br />

No aspecto <strong>da</strong> adequação <strong>da</strong> contraparti<strong>da</strong> federal às necessi<strong>da</strong>des amplamente<br />

reconheci<strong>da</strong>s, a expectativa que empolg<strong>ou</strong> e aglutin<strong>ou</strong> essa participação, foi a de 10% <strong>da</strong> RCB,<br />

a guiza dos 12% e 15% dos impostos respectivamente estaduais e municipais já contemplados<br />

<strong>na</strong> EC-29. É fun<strong>da</strong>mental ter presente que a atualização do fi <strong>na</strong>nciamento federal segundo a<br />

variação nomi<strong>na</strong>l do PIB não vem sequer acompanhado o crescimento populacio<strong>na</strong>l, a infl ação<br />

<strong>na</strong> saúde e a incorporação de tecnologias. Mantém o fi <strong>na</strong>nciamento público anual per-capita<br />

(ao dólar <strong>da</strong> média anual do câmbio) abaixo do verifi cado no Uruguai, Argenti<strong>na</strong>, Chile e Costa<br />

Rica, (US$246 em <strong>20</strong>04), e quatorze vezes menor que a média do Ca<strong>na</strong>dá, países europeus,<br />

Austrália e <strong>ou</strong>tros (US$3.450 em <strong>20</strong>04). Ao dólar inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l corrigido pelo poder de compra,<br />

o per-capita brasileiro estava em <strong>20</strong>04, quatro vezes menor que a média desses países (590<br />

para 2.300). Os aspectos normativos <strong>da</strong> regulamentação aprovados em primeira votação <strong>na</strong><br />

Câmara dos Deputados no dia 31 de Outubro corresponderam à expectativa e participação<br />

nos esforços, em especial a defi nição incontrastável do que são ações e serviços de saúde e<br />

a dos gastos e prestação de contas transparentes.<br />

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<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Um avanço recente é o “Mais Saúde” <strong>ou</strong> “PAC <strong>da</strong> Saúde”, onde o Governo Federal<br />

assume publicamente o quadro estimado <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des de saúde <strong>da</strong> população<br />

do país, assim como as metas também estima<strong>da</strong>s, <strong>da</strong>s ações de prevenção e cura, de<br />

promoção <strong>da</strong> saúde, <strong>da</strong> gestão do trabalho incluindo a formação, qualifi cação e valorização,<br />

<strong>da</strong> qualifi cação <strong>da</strong> gestão do sistema, <strong>da</strong> participação <strong>social</strong> e cooperação inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l,<br />

a maior parte contempla<strong>da</strong> do Plano Plurianual (PPA). Cabe aqui o destaque de que esta<br />

iniciativa encontra-se ple<strong>na</strong>mente prevista no âmbito do Pacto pela Vi<strong>da</strong>, em Defesa do<br />

SUS e de Gestão, que responsabiliza as instâncias descentraliza<strong>da</strong>s <strong>da</strong> gestão do SUS,<br />

pela adequação, formulação, planejamento e execução <strong>da</strong>s metas, às reali<strong>da</strong>des regio<strong>na</strong>is<br />

e locais, sob os ângulos <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des, custos, priori<strong>da</strong>des e etapas. Outra meta do<br />

PAC <strong>da</strong> Saúde, esta sim, com grande potencial inovador, refere-se a intervenção positiva<br />

do Governo no “Complexo Industrial <strong>da</strong> Saúde”, referente a produção de farmoquímicos,<br />

medicamentos, equipamentos, materiais médico-odontológicos e <strong>ou</strong>tros, com vistas a<br />

investimentos fi <strong>na</strong>nciados pelo BNDES e FINEP, à utilização estratégica do poder de compra<br />

do Estado, ao desenvolvimento de ciência e tecnologia <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> área e à produção<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, e conseqüente impacto no PIB, no modelo de desenvolvimento e no emprego <strong>na</strong><br />

área.<br />

V. A RETRAÇÃO FEDERAL NO FINANCIAMENTO DO SUS<br />

De 1.980 a 2.004: Que<strong>da</strong> federal de 75% para 49,6% e aumento <strong>da</strong> soma estadual/<br />

municipal de 25% para 50,4%, de todos os recursos públicos de saúde.<br />

De 2.000 a 2.006: Estabilização <strong>da</strong> contraparti<strong>da</strong> federal em relação ao PIB em 1,73% e<br />

aumento <strong>da</strong> soma <strong>da</strong>s contraparti<strong>da</strong>s estadual/municipal de 1,17 para 1,74%.<br />

De 1.995 a 2.004: Que<strong>da</strong> federal de U$ 85,71 por habitante-ano para U$ 62,39. A soma<br />

estadual/municipal aument<strong>ou</strong> entre 2.000 e 2.004, de U$ 44,15 para U$ 75,51.<br />

De 1.995 a 2.004: Aumento <strong>da</strong> Receita Corrente <strong>da</strong> União perante o PIB: 19,7 para<br />

26,7%. Que<strong>da</strong> dos gastos do Ministério <strong>da</strong> Saúde perante a Receita Corrente: 8,9% para<br />

7,2%.<br />

VI. O CENÁRIO DAS PROPOSTAS<br />

I-<br />

A proposta dos 10% <strong>da</strong> RCB integra a lógica do Pacto pela Vi<strong>da</strong>, em Defesa do SUS<br />

e de Gestão, exaustivamente discutido por mais de um ano e em início de implementação<br />

com metas, etapas e fi <strong>na</strong>nciamentos realistas. Absorve a aceitação penosa, mas realista<br />

do descumprimento dos 30% do OSS indicados no ADCT <strong>da</strong> Constituição, que colocaria no<br />

SUS, hoje, R$ 105,6 bilhões de origem federal e não os R$ 47,8 bilhões previstos para o<br />

orçamento de <strong>20</strong>08. Os 10% <strong>da</strong> RCB correspondem a aproxima<strong>da</strong>mente <strong>20</strong>% do OSS.<br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

II- Com os recursos federais correspondentes a 10% <strong>da</strong> RCB, os legisladores não<br />

encontrarão resistências entre os gover<strong>na</strong>ntes para que parte dos repasses federais aos<br />

Estados (25% <strong>ou</strong> mais <strong>ou</strong> menos) seja ratea<strong>da</strong> de modo a privilegiar mais aqueles com<br />

menor ren<strong>da</strong> per-capita, ao lado de <strong>ou</strong>tras medi<strong>da</strong>s para redução <strong>da</strong>s grandes desigual<strong>da</strong>des<br />

sociais e regio<strong>na</strong>is. A permanecer o critério <strong>da</strong> contraparti<strong>da</strong> federal ser corrigi<strong>da</strong> somente<br />

com a variação nomi<strong>na</strong>l do PIB, o fi <strong>na</strong>nciamento do SUS continuará nivelado por baixo<br />

e exacerbando confl itos autofágicos entre Estados, entre Estados e Municípios, entre<br />

Municípios e entre a União e Estados/Municípios, o que bloqueará o rateio redistributivo.<br />

III-<br />

O PLP nº01/<strong>20</strong>03 <strong>da</strong> Câmara dos Deputados e o PLS nº 121/<strong>20</strong>07 do Se<strong>na</strong>do<br />

proporcio<strong>na</strong>m passarmos <strong>da</strong> faixa de 150/<strong>20</strong>0 dólares per-capita para a de <strong>20</strong>0/250, ain<strong>da</strong><br />

extremamente insufi ciente, mas sufi ciente para a retoma<strong>da</strong> do rumo: devido aos recursos<br />

adicio<strong>na</strong>is imediatos, e principalmente à perspectiva de evoluir de acordo com a evolução <strong>da</strong><br />

arreca<strong>da</strong>ção. O PLP 01/2.003, além do fi <strong>na</strong>nciamento, trata com conseqüência e detalhe, as<br />

questões do que são <strong>ou</strong> não ações e serviços de saúde, <strong>da</strong>s diretrizes dos<br />

gastos e <strong>da</strong>s prestações de contas. Será a retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong> esperança e segurança de<br />

futuro, <strong>da</strong> construção <strong>da</strong>s redes regio<strong>na</strong>liza<strong>da</strong>s de atenção integral à saúde, com equi<strong>da</strong>de.<br />

IV- A proposta de escalo<strong>na</strong>mento <strong>da</strong> aplicação dos 10% <strong>da</strong> RCB foi apresenta<strong>da</strong> pelos<br />

defensores do PLS nº 121/<strong>20</strong>07 e do PLP nº 01/<strong>20</strong>03, <strong>na</strong>s negociações, constando para<br />

2.008 de 8,5% (59,9 bilhões), para 2.009 de 9% (69,5 bilhões), para 2.010 de 9,5% (80,5<br />

bilhões) e para 2.011 de 10% (92,9 bilhões).<br />

VII. O CENÁRIO DA VITÓRIA DA PROPOSTA DOS 10% DA RCB OU SIMILAR<br />

–<br />

Se forem aprovados os 10% <strong>da</strong> RCB, <strong>na</strong><strong>da</strong> mais justo. Há alter<strong>na</strong>tivas com diferentes<br />

equivalências que podem ser considera<strong>da</strong>s, em aplicação simultânea <strong>ou</strong> não. Exemplo: <strong>20</strong>%<br />

do OSS.<br />

–<br />

Foi aventa<strong>da</strong> também a alter<strong>na</strong>tiva <strong>da</strong> criação de contribuição permanente sobre a<br />

movimentação fi <strong>na</strong>nceira (CPMF), integra<strong>da</strong> no OSS, com alíquota inferior aos atuais 0,38%,<br />

(por volta de 0,<strong>20</strong>%) incidente acima de determi<strong>na</strong>do valor de movimentação, em caráter<br />

permanente, que possibilite a desti<strong>na</strong>ção à saúde um valor mínimo com base em porcentual<br />

do OSS, correspondente a aproxima<strong>da</strong>mente R$ 93 bilhões para 2.011, com transição<br />

escalo<strong>na</strong><strong>da</strong> de aproxima<strong>da</strong>mente R$ 60 bilhões em 2.008, R$ 70 bilhões em 2.009 e R$ 80<br />

bilhões em 2.010. (Valores similares à proposta de escalo<strong>na</strong>mento dos 10% <strong>da</strong> RCB).<br />

–<br />

Outra alter<strong>na</strong>tiva seria estender a isenção <strong>da</strong> DRU além <strong>da</strong>s partes do OSS desti<strong>na</strong><strong>da</strong>s<br />

à Previdência e Assistência Social, e se necessário vincular parcela <strong>da</strong> COFINS e <strong>da</strong> CSLL<br />

para a saúde, de tal sorte que a parte desti<strong>na</strong><strong>da</strong> à Saúde será um porcentual do OSS com<br />

as mesmas características expostas <strong>na</strong> alter<strong>na</strong>tiva anterior.<br />

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<strong>ANFIP</strong>


–<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Especifi camente para <strong>20</strong>08, representações ofi ciais <strong>da</strong> ABRASCO, ABrES, CONASS,<br />

CONASEMS, CNS, CEBES, IDISA e CT/SIOPS trabalharam nos dias 16 e 19 de Janeiro de<br />

<strong>20</strong>08, o valor do mínimo necessário para este ano, com base <strong>na</strong> variação nomi<strong>na</strong>l do PIB, no<br />

calculo pelo CONASS e CONASEMS do adicio<strong>na</strong>l de 6 bilhões para serviços de média e alta<br />

complexi<strong>da</strong>de, medicamentos excepcio<strong>na</strong>is, atenção pré-hospitalar de urgências e PAB fi xo,<br />

e 4 bilhões vinculados ao “Mais Saúde” (PAC <strong>da</strong> Saúde) lançado pelo Presidente <strong>da</strong> Republica,<br />

totalizando 58 bilhões, tudo em função <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de e efi ciência em situações cruciais para<br />

a população e para a gover<strong>na</strong>bili<strong>da</strong>de dos gestores públicos descentralizados.<br />

Este valor total está por coincidência muito próximo <strong>da</strong> proposta <strong>da</strong> aplicação escalo<strong>na</strong><strong>da</strong><br />

dos 10% <strong>da</strong> RCB.<br />

A partir de um patamar mínimo de construção, e de esperança/confi ança para o futuro,<br />

as representações <strong>da</strong> população usuária, dos trabalhadores de saúde, dos prestadores de<br />

serviços, do governo, <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong> reforma sanitária e <strong>ou</strong>tras, terão condições ain<strong>da</strong> que<br />

no sufoco, de transformar em regra o que hoje é exceção: reunir a energia e a competência<br />

necessárias para inovar modelos de gestão em prazo curto e médio, com vistas à efi ciência,<br />

desempenho e resultados signifi cativos e sob controle <strong>social</strong> e democrático.<br />

Garantindo, inclusive, a realização efetiva do recém lançado “Mais Saúde” <strong>ou</strong> “PAC <strong>da</strong> Saúde”.<br />

VIII. O CENÁRIO DA DERROTA DA PROPOSTA DOS 10% RCB OU SIMILAR<br />

I-<br />

O refrão “ceder anéis para não perder os dedos” já caduc<strong>ou</strong> de tantos anéis e dedos<br />

perdidos, <strong>na</strong>s negociações <strong>da</strong> EC-29, <strong>da</strong> CPMF, do Fundo Previdenciário e dos 30% do<br />

OSS. Que dedos restam a perder? Caso não passem os 10% <strong>da</strong> RCB <strong>ou</strong> equivalente, os<br />

perdedores ao assumirem-se como tal perante si mesmos e a população, permanecerão no<br />

patamar <strong>da</strong>s boas lutas por políticas de Estado, junto à socie<strong>da</strong>de e fazendo história. Aos<br />

“ganhadores” restarão os inesgotáveis sofi smas e explicações ininteligíveis inclusive para<br />

eles mesmos, e a participação, consciente <strong>ou</strong> não, no desmanche do rumo Constitucio<strong>na</strong>l<br />

do SUS, desviando-o para <strong>ou</strong>tro sistema.<br />

II- O pacto <strong>social</strong> e federado entre 1.987 a 1.990 gerador do SUS e <strong>da</strong>s Leis 8080/90<br />

e 8142/90 ger<strong>ou</strong> também expectativas positivas para a evolução do fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> nova<br />

política pública, inclusive a contraparti<strong>da</strong> federal. Essas expectativas vêm passando nestes<br />

17 <strong>anos</strong> por frustração ca<strong>da</strong> vez mais indisfarçável, devido a persistência e conseqüência dos<br />

atos de todos os governos, não somente de manter o baixíssimo fi <strong>na</strong>nciamento como também<br />

propiciar desvios de rumo. Tamanha persistência e conseqüência revelam mais uma política<br />

de Estado do que de Governo, cujo rumo está apontado mais para o “SUS pobre para os 80%<br />

pobres, e complementar menos pobre para os <strong>20</strong>% clientes de pl<strong>anos</strong> privados”, do que para o<br />

SUS universal equitativo com adesão <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s médias e dos servidores de saúde, tal qual<br />

já vem ocorrendo em socie<strong>da</strong>des com maior desenvolvimento <strong>social</strong> e civilizatório.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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III-<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

A Lei Orçamentária <strong>da</strong> União aprova<strong>da</strong> em Março/<strong>20</strong>08 manteve o critério <strong>da</strong> variação<br />

nomi<strong>na</strong>l do PIB, sob a espera<strong>da</strong> e inclemente pressão <strong>da</strong> área econômica, e destin<strong>ou</strong> ao<br />

MS, R$ 48,5 bilhões, por volta de R$ 10 bilhões a menos <strong>da</strong> proposta escalo<strong>na</strong><strong>da</strong>, com o<br />

inexorável colapso nos “gargalos” assistenciais apontados pelo CONASS e CONASEMS, mais<br />

sofrimento <strong>da</strong> população usuária, tensão dos gestores e pressão por recursos emergenciais<br />

a partir do segundo semestre de <strong>20</strong>08, caso mantido esse critério <strong>na</strong> Regulamentação <strong>da</strong><br />

EC-29.<br />

IX. A GRANDE NEGOCIAÇÃO<br />

I-<br />

A esfera federal deveria assumir a grandeza histórica de seguir o critério de porcentual<br />

sobre base orçamentária, interrompendo a retração <strong>da</strong> sua contraparti<strong>da</strong> e permitindo a<br />

retoma<strong>da</strong> do rumo <strong>da</strong> construção universalista e equitativa do SUS, ain<strong>da</strong> que essa construção<br />

perdure por <strong>anos</strong> e mesmo déca<strong>da</strong>s.<br />

II- A esfera federal deveria contribuir para que o Congresso Nacio<strong>na</strong>l aprove a interrupção<br />

<strong>da</strong> retração federal no fi <strong>na</strong>nciamento do SUS, por meio <strong>da</strong> sua vinculação à evolução <strong>da</strong><br />

arreca<strong>da</strong>ção, tal qual já ocorre com os Estados e Municípios. Será o exercício altaneiro<br />

<strong>da</strong>s prerrogativas Constitucio<strong>na</strong>is do Legislativo, e a oportuni<strong>da</strong>de dos governos <strong>na</strong>s três<br />

esferas, assumirem-se estadistas.<br />

III-<br />

O PLS nº 121/<strong>20</strong>07 e o PLP nº 01/<strong>20</strong>03 permanecem no Congresso Nacio<strong>na</strong>l no<br />

aguardo do prosseguimento de mobilizações e negociações, ain<strong>da</strong> em <strong>20</strong>08. Preferentemente<br />

a salvo dos sofi smas e distorções do signifi cado <strong>da</strong> extinção <strong>da</strong> CPMF e dos “humores” do<br />

monetarismo do sistema fi <strong>na</strong>nceiro.<br />

X. OS TRÊS PACTOS QUE SUSTENTAM O SUS E O DESAFIO DA POLÍTICA<br />

PÚBLICA DE SAÚDE<br />

a) Pacto Social – Federado: 1986/1990<br />

Abrangeu a 8ª Conferência Nacio<strong>na</strong>l de Saúde, a Comissão Nacio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> Reforma<br />

Sanitária, a Assembléia Nacio<strong>na</strong>l Constituinte (CF de 1988), o Simpósio sobre Política<br />

Nacio<strong>na</strong>l de Saúde <strong>na</strong> Câmara dos Deputados em 1989 e a Lei Orgânica <strong>da</strong> Saúde em 1990.<br />

Defi niu e pactu<strong>ou</strong> a política pública de Saúde e Seguri<strong>da</strong>de Social, a Relevância Pública, o<br />

Direito de Todos e Dever do Estado, os Determi<strong>na</strong>ntes Sociais <strong>da</strong> Saúde, e a Universali<strong>da</strong>de,<br />

Igual<strong>da</strong>de, Integrali<strong>da</strong>de, Descentralização, Hierarquização/Regio<strong>na</strong>lização e Participação.<br />

b) Pacto Federado-Social: 1993<br />

Após a quebra do SUS com a retira<strong>da</strong> <strong>da</strong> fonte previdenciária, os gestores <strong>da</strong>s três esferas<br />

de Governo (CONASEMS, CONASS e MS) retomaram e aprofun<strong>da</strong>ram o pacto federado,<br />

criando as comissões intergestores de pactuação permanente (CIT e CIBs), aliando-se ao<br />

Legislativo para efetivar a direção única com a extinção do INAMPS e aos conselhos de<br />

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<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

saúde e ao movimento <strong>da</strong> reforma sanitária com a discussão e aprovação do documento “A<br />

Ousadia de Cumprir e Fazer Cumprir a Lei”. Esta repactuação soma<strong>da</strong> ao empréstimo do<br />

MS perante o FAT possibilit<strong>ou</strong> prosseguir a construção do SUS.<br />

c) Pacto Federado: <strong>20</strong>05/<strong>20</strong>06<br />

Após os revezes do caráter substitutivo <strong>da</strong> CPMF, do critério parcial de cálculo <strong>da</strong><br />

contraparti<strong>da</strong> federal <strong>na</strong> EC-29 e <strong>da</strong> postergação <strong>da</strong> votação <strong>da</strong> regulamentação <strong>da</strong> EC-<br />

29 (completando mais de 5 <strong>anos</strong>), a CIT (Tripartite) atualiz<strong>ou</strong> os pactos anteriores à atual<br />

conjuntura, aprofund<strong>ou</strong> e avanç<strong>ou</strong> as pactuações <strong>na</strong> direção do modelo com base <strong>na</strong>s<br />

necessi<strong>da</strong>des e direitos <strong>da</strong> população, e lanç<strong>ou</strong> o “Pacto pela Vi<strong>da</strong>, em Defesa do SUS e de<br />

Gestão”, a seguir discutido e aprovado no Conselho Nacio<strong>na</strong>l de Saúde, com alto potencial<br />

agregador e construtor do SUS.<br />

d) A política pública de saúde – SUS ilustra concepção avança<strong>da</strong> de política socioeconômica<br />

e de democratização do Estado, ao contrário do discurso sofi smado <strong>da</strong> corrente monetarista<br />

de que há política econômica e há a política <strong>social</strong> separa<strong>da</strong>s e autônomas entre si. Na<br />

ver<strong>da</strong>de essa corrente é portadora de um projeto socioeconômico para a socie<strong>da</strong>de incluindo<br />

a saúde: um SUS pobre para os 80% pobres, de baixo custo e resolutivi<strong>da</strong>de, focalizado<br />

nesta população, e simultaneamente complementar para os <strong>20</strong>% que consomem pl<strong>anos</strong><br />

privados de saúde, com foco nos bens e serviços mais especializados e de maior custo,<br />

passando por um festival de terceirizações e desvios de deman<strong>da</strong> para o mercado.<br />

Cabe uma refl exão e discussão sobre o caráter “<strong>social</strong>-federado” do primeiro pacto,<br />

“federado-<strong>social</strong>” do segundo e quase somente “federado” do terceiro, até o momento.<br />

E <strong>ou</strong>tra refl exão acerca <strong>da</strong> secular promiscui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> relação público-privado no Estado<br />

brasileiro, que não reconhece, não enxerga <strong>ou</strong> distorce a priori<strong>da</strong>de e imprescindibili<strong>da</strong>de de<br />

políticas públicas de proteção <strong>social</strong> aos direitos básicos (ren<strong>da</strong> indireta) simultaneamente<br />

à também imprescindível transferência direta de ren<strong>da</strong> aos segmentos mais excluídos.<br />

Eis aí um acerto de contas ensaiado pela socie<strong>da</strong>de civil <strong>na</strong> sua relação com o Estado<br />

no processo Constituinte dos <strong>anos</strong> 80. Apesar de conquistar o capítulo <strong>da</strong> Ordem Social<br />

<strong>na</strong> Constituição, ain<strong>da</strong> dessa vez não logr<strong>ou</strong> potência e continui<strong>da</strong>de sufi cientes perante a<br />

avalanche neoliberal monetarista que a partir de 1.989 retom<strong>ou</strong> clara hegemonia. A história<br />

parirá certamente a necessária repolitização e mobilização <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil, porque a luta<br />

continua.<br />

Referências Bibliográfi cas<br />

1. Câmara dos Deputados – 8º Simpósio sobre Política Nacio<strong>na</strong>l de Saúde – 800 participantes –<br />

“Carta de Brasília” – Rev. Saúde em Debate – v.29 – nº 70 – <strong>20</strong>06<br />

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<strong>ANFIP</strong><br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

2. Carvalho, G. – “Saúde: o Tudo para Todos que Sonhamos e o Tudo que nos Impigem os que com<br />

Ela lucram” – Rev. Saúde em Debate – v.29 – nº 69 – 2.006<br />

3. CEBES, Diretoria Nacio<strong>na</strong>l – Editorial: “Refun<strong>da</strong>ção do CEBES” – Rev. Saúde em Debate – v.30<br />

– nº 71, <strong>20</strong>06.<br />

4. Fleury, S. – “Proteção Social em um Mundo Globalizado” – Rev. Saúde em Debate – v.29 – nº 71<br />

– 2.006<br />

5. Fórum <strong>da</strong> Reforma Sanitária Brasileira: ABRASCO – CEBES – ABrES – AMPASA – Rede UNIDA –<br />

“O SUS pra Valer: Universalizado, Humanizado e de Quali<strong>da</strong>de” – Rev. Saúde em Debate – v.29 – nº<br />

71 – 2.006<br />

6. Rizzotto, M.L.F. – “As Propostas do Banco Mundial para as Reformas do Setor Saúde no Brasil nos<br />

Anos 90” – Rev. Saúde em Debate – v.29 – nº 70 – 2.006<br />

7. Campos, G.W.S. – “Reforma Política e Sanitária: a Sustentabili<strong>da</strong>de do SUS em Questão?” – Rev.<br />

Ciência e Saúde Coletiva – v.12 – nº 2 – 2.007<br />

8. CEBES, Diretoria Nacio<strong>na</strong>l – Editorial – Rev. Saúde em Debate – v.30 – nº 72 – 2.007<br />

9. CEBES, Diretoria Nacio<strong>na</strong>l – “O CEBES <strong>na</strong> 13ª Conferência Nacio<strong>na</strong>l de Saúde”, Rev. Saúde em<br />

Debate – v.30 – nº 72 – 2.007<br />

10. Fleury, S. – “O PAC e a Saúde” – Boletim CEBES – nº 3 – 2.007<br />

11. Santos, N. R. – “O Desenvolvimento do SUS sob o Ângulo dos Rumos Estratégicos e <strong>da</strong>s<br />

Estratégias para a Visualização dos Rumos: a Necessi<strong>da</strong>de de Acompanhamento” – Rev. Ciência e<br />

Saúde Coletiva – v.12 – nº 2 – 2.007<br />

12. Ministério <strong>da</strong> Saúde/ Comissão Intergestores Tripartite/ Conselho Nacio<strong>na</strong>l de Saúde – “Pacto<br />

pela Vi<strong>da</strong>, em Defesa do SUS e de Gestão” – Março/<strong>20</strong>06<br />

13. Ministério <strong>da</strong> Saúde – “Mais Saúde” (PAC <strong>da</strong> Saúde) – metas para <strong>20</strong>08 – <strong>20</strong>11 – Outubro/<strong>20</strong>07<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

4. Práticas orçamentárias a esvaziar a Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

Floriano José Martins*<br />

Flávio Tonelli Vaz**<br />

Resumo:Os defensores <strong>da</strong> reforma <strong>da</strong> previdência têm evitado muitas questões e fazem<br />

um enfoque parcial, para se dizer o mínimo. Excluem todos os elementos políticos, eletivos,<br />

envolvidos nesse sistemático e continuado processo de corte de direitos sociais. Apresentam<br />

as mu<strong>da</strong>nças como eminentemente técnicas e inevitáveis, para inibir a resistência dos<br />

segmentos atingidos. Esse artigo apresenta um enfoque diferenciado: uma análise do<br />

Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social para descorti<strong>na</strong>r as questões políticas envolvi<strong>da</strong>s nesse<br />

temário <strong>da</strong> reforma <strong>da</strong> previdência e as opções que têm sido adota<strong>da</strong>s, seus interesses e<br />

seus benefi ciários e, assim, contribuindo para que a socie<strong>da</strong>de possa vislumbrar a inclusão<br />

previdenciária como saí<strong>da</strong> para ampliar a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia num modelo de desenvolvimento<br />

econômico e <strong>social</strong>. Esse Orçamento concentra a maior parte dos programas e ações<br />

de cunho <strong>social</strong> desenvolvi<strong>da</strong>s pelo governo federal; fi <strong>na</strong>ncia ações de mesma <strong>na</strong>tureza<br />

desenvolvi<strong>da</strong>s por estados e municípios e padece de um processo que o descaracteriza:<br />

com subtração de recursos e alocação de despesas estranhas, com o objetivo de legitimar<br />

mais os diversos cortes de direitos.<br />

Introdução<br />

A disputa pela apropriação <strong>da</strong> riqueza é muito mais ampla do que vislumbra o senso<br />

comum. É fácil reconhecê-la no enfrentamento de <strong>na</strong>tureza sindical, por salários e melhores<br />

condições de trabalho. Mas, essa disputa está presente em <strong>ou</strong>tros palcos de luta. Está<br />

mascara<strong>da</strong>, por exemplo, em embates de <strong>na</strong>tureza política, <strong>na</strong> defi nição sobre o papel do<br />

Estado, <strong>na</strong> garantia dos direitos sociais e dos programas de governo, em resumo, <strong>na</strong> defi nição<br />

de quais interesses vão determi<strong>na</strong>r o fl uxo do dinheiro público. A disputa pela apropriação <strong>da</strong><br />

riqueza também se materializa em questões tributárias e <strong>na</strong> execução do orçamento público,<br />

<strong>na</strong> defi nição, respectivamente <strong>da</strong> origem e do destino dos recursos públicos.<br />

É dentro do contexto dessa disputa que devemos a<strong>na</strong>lisar quem fi <strong>na</strong>ncia o Estado, que<br />

segmentos sociais e econômicos são efetivamente tributados, no seu patrimônio, <strong>na</strong> sua<br />

ren<strong>da</strong> e no seu consumo; e quem se benefi cia desses recursos, verifi cando o destino e a<br />

<strong>na</strong>tureza <strong>da</strong>s despesas públicas.<br />

(*) Floriano José Martins, é formado em administração pela UFSC, com especialização em gestão previdenciária pela ESAG/<br />

SC. É Diretor-Presidente <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção <strong>ANFIP</strong> de Estudos <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social;<br />

(**) Flávio Tonelli Vaz, bacharel em Direito pela UnB e assessor técnico <strong>na</strong> Câmara dos Deputados atuando <strong>na</strong>s áreas de<br />

orçamentos, contas públicas e seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>.<br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Este artigo a<strong>na</strong>lisa o Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social quase vinte <strong>anos</strong> depois de estar<br />

consagrado no texto constitucio<strong>na</strong>l. Se for importante identifi car <strong>na</strong> sua execução, de receitas<br />

e de despesas, desvios que o afastam <strong>da</strong>s fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>des para as quais foi concebido, mais<br />

ain<strong>da</strong> é compreender os interesses que sustentam essa reali<strong>da</strong>de.<br />

Entendemos que o constante movimento de desconstrução <strong>da</strong> rede pública de proteção<br />

<strong>social</strong> e dos mecanismos de efetivação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e dos direitos sociais e coletivos está<br />

identifi cado com esses desvios do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social. Afi <strong>na</strong>l, esse Orçamento<br />

é uma base importante para materializar essa rede de proteção <strong>social</strong>.<br />

Esses mesmos interesses movem essas sucessivas reformas <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong><br />

que ampliam requisitos e carências e ain<strong>da</strong> assim afastam <strong>ou</strong> impedem o trabalhador dos<br />

benefícios. Essas reformas representam interesses de classe. Está evidente que elas<br />

integram essa disputa pela apropriação <strong>da</strong> riqueza e <strong>da</strong> ren<strong>da</strong>, tendo como foco o papel<br />

do Estado <strong>na</strong> garantia de direitos e no volume de recursos que estão a sustentar essas<br />

transferências de recursos para o trabalhador.<br />

A Seguri<strong>da</strong>de Social e o seu Orçamento, construções históricas ain<strong>da</strong> pen-<br />

dentes de implementação<br />

O processo constituinte produziu grandes avanços no campo <strong>social</strong>. Mas, a não<br />

implementação de várias dessas decisões coloca em risco a efetivi<strong>da</strong>de de muitos desses<br />

direitos, especialmente os relacio<strong>na</strong>dos à Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

Pontualmente, poderíamos citar, como grandes avanços dentro <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, o<br />

conceito, um conjunto de ações desti<strong>na</strong><strong>da</strong>s a assegurar direitos relativos à saúde, previdência e<br />

assistência <strong>social</strong>; os princípios e a identifi cação com a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, com uniformi<strong>da</strong>de, equi<strong>da</strong>de<br />

e universali<strong>da</strong>de; e o seu Orçamento próprio, o principal instrumento de efetivação desses<br />

direitos, com plurali<strong>da</strong>de de fontes de fi <strong>na</strong>nciamento e programações de despesas dos órgãos<br />

responsáveis pela prestação dessas funções públicas. Nesse aspecto, a não efetivação do<br />

Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, separando-o do Orçamento Fiscal, a subtração de suas<br />

receitas exclusivas e o inchaço com despesas estranhas à Seguri<strong>da</strong>de, não refl ete o seu<br />

conceito constitucio<strong>na</strong>l e põem em risco os direitos que a Seguri<strong>da</strong>de deveria assegurar.<br />

Como veremos nos capítulos seguintes, esses desvios envolvem anualmente subtração<br />

de receitas que superam a marca de R$ 34,5 bilhões e um desvio em programações estranhas,<br />

que estão classifi ca<strong>da</strong>s como <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, de R$ 49 bilhões. Não é de se estranhar<br />

que, com essa construção, esse Orçamento seja apontado como defi citário, que precise<br />

ser complementado com recursos fi scais e, portanto, responsabilizado pela incapaci<strong>da</strong>de<br />

estatal de realizar os investimentos em infra-estrutura que o país deman<strong>da</strong> <strong>ou</strong> permitir um<br />

maior desembolso em áreas como educação, um investimento no futuro, fun<strong>da</strong>mental para<br />

ampliar a capaci<strong>da</strong>de de produção <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

No entanto, uma análise correta dos números do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

permitiria concluir que quase a totali<strong>da</strong>de de superávit primário realizado pelo Governo<br />

Federal (excluindo estatais) advém dessa subtração de receitas e desvio de fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>de <strong>na</strong>s<br />

despesas com recursos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de.<br />

Infelizmente, esses abusos não derivam de um processo que possa ser caracterizado<br />

como exceção – um período onde pressões sobre as contas públicas deman<strong>da</strong>m um sacrifício<br />

temporário para esses programas e para a socie<strong>da</strong>de.<br />

A permanência <strong>da</strong> atual política econômica impõe seu preço sobre o conjunto de direitos<br />

dos trabalhadores. As desvinculações de receitas <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social são ape<strong>na</strong>s uma<br />

dessas exigências. Nasceram como disposição temporária em 1994, como a primeira Emen<strong>da</strong><br />

Constitucio<strong>na</strong>l de Revisão 33 para durar por dois exercícios. Mas vigorará, sob as mais diversas<br />

formas, por pelo menos vinte <strong>anos</strong>, a se confi rmar a renovação <strong>da</strong> Desvinculação <strong>da</strong>s Receitas<br />

<strong>da</strong> União pelo Se<strong>na</strong>do Federal neste fi <strong>na</strong>l do ano. Essa “poderosa e perversa alquimia”,<br />

como apontaram Ivanete Boschetti e Evilásio Salvador (BOSCHETTI e SALVADOR, <strong>20</strong>06),<br />

“transforma os recursos desti<strong>na</strong>dos ao fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social em recursos<br />

fi scais para a composição do superávit primário”.<br />

Além de deman<strong>da</strong>r mais e mais recursos para a produção de superávits, ser um empecilho<br />

à devi<strong>da</strong> prestação de serviços públicos e determi<strong>na</strong>r sucessivas reformas para desobrigar<br />

ca<strong>da</strong> vez mais o Estado <strong>da</strong> garantia de direitos ao ci<strong>da</strong>dão, essa política econômica aponta<br />

para uma direção completamente oposta à que permeia o Capítulo “Dos Direitos Sociais” <strong>da</strong><br />

Constituição Federal. Pelas palavras de André Azevedo Sette, está presente nesse texto, um<br />

“soli<strong>da</strong>rismo constitucio<strong>na</strong>l” que se contrapõe ao individualismo; há a busca de efetivi<strong>da</strong>de de<br />

direitos e não ape<strong>na</strong>s a sua previsão; e, <strong>na</strong> prática dos direitos sociais, uma conscientização<br />

<strong>da</strong>s exigências de um Estado de Justiça Social (SETTE, <strong>20</strong>06).<br />

Quando os defensores desse modelo econômico estão a exigir mais uma reforma<br />

previdenciária, quando subtraem a capaci<strong>da</strong>de estatal de efetivar direitos, estão a aprofun<strong>da</strong>r<br />

raízes de <strong>ou</strong>tros interesses que primam pelo individualismo, em contraposição à construção<br />

<strong>social</strong> e coletiva dos serviços públicos. A construção desse Estado mínimo, que viabiliza a<br />

produção de superávits primários crescentes, também tem o papel fun<strong>da</strong>mental de assegurar<br />

resultados positivos a <strong>ou</strong>tros segmentos do capital, pois disponibiliza vários setores sociais<br />

para o consumo de serviços que deveriam ser prestados pelo Estado.<br />

Na saúde, por exemplo, a quali<strong>da</strong>de dos serviços muito aquém do desejado, a falta de<br />

pessoal, as condições de instalação e funcio<strong>na</strong>mento, a incerteza decorrente <strong>da</strong>s fi las etc.,<br />

não dão <strong>ou</strong>tra alter<strong>na</strong>tiva senão a fi liação a pl<strong>anos</strong> de saúde suplementar. Dados <strong>da</strong> ANS 34 ,<br />

de junho de <strong>20</strong>07, informam que 46,2 milhões de brasileiros são hoje consumidores desses<br />

(33) Depois do fracasso <strong>da</strong>s emen<strong>da</strong>s apresenta<strong>da</strong>s pelo Governo Collor, o processo revisio<strong>na</strong>l, mesmo sem ter produzido<br />

grandes alterações no texto, foi o início de um longo período de desconstrução dos avanços alcançados <strong>na</strong> Constituinte.<br />

(34) www.ans.gov.br/portal/upload/informacoesss/caderno_informaca_09_<strong>20</strong>07.pdf<br />

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<strong>ANFIP</strong><br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

produtos. Somente a partir de <strong>20</strong>01, foram doze milhões de novos contratados.<br />

Na previdência, as sucessivas reformas, a falta de estabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s regras, o discurso<br />

<strong>da</strong> falência, a instituição de teto para o valor dos benefícios previdenciários etc. também<br />

reservam uma parcela grande <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira para os fundos privados. Dados<br />

<strong>da</strong> Abrapp (Associação Brasileira de Enti<strong>da</strong>des Fecha<strong>da</strong>s de Previdência Priva<strong>da</strong>) e <strong>da</strong><br />

Fe<strong>na</strong>prev (Federação Nacio<strong>na</strong>l de Previdência Priva<strong>da</strong> e Vi<strong>da</strong>) indicam que a captação<br />

desses produtos vem crescendo a mais de <strong>20</strong>% ao ano há vários exercícios, chegando a<br />

26,8% no comparativo entre o primeiro semestre de <strong>20</strong>07 com igual período de <strong>20</strong>06 35 .<br />

A introdução no texto constitucio<strong>na</strong>l de um teto para o valor dos benefícios em valores<br />

nomi<strong>na</strong>is (corrigido anualmente pela infl ação) é um fator importante a reservar mercado para a<br />

previdência complementar priva<strong>da</strong>. Quando foi proposto, no valor de R$ 1.<strong>20</strong>0 36 , signifi cava dez<br />

mínimos; mas, <strong>na</strong> <strong>da</strong>ta de promulgação <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucio<strong>na</strong>l valia tão somente 9,2 salários.<br />

Esse valor veio caindo até dezembro de <strong>20</strong>03, quando foi novamente alterado por <strong>ou</strong>tra Emen<strong>da</strong><br />

(EC 41) para R$ 2.400. Em novembro de <strong>20</strong>07, já correspondia a 7,6 salários mínimos.<br />

O salário mínimo continuará crescendo acima <strong>da</strong> infl ação até <strong>20</strong>11 (para um crescimento<br />

real médio do PIB muito provável de 4% entre <strong>20</strong>06 e <strong>20</strong>08, portanto, até <strong>20</strong>11 o salário<br />

mínimo crescerá em torno de 17% acima <strong>da</strong> infl ação37). Assim, No primeiro ano do man<strong>da</strong>to<br />

do próximo presidente, o teto <strong>da</strong> previdência deve estar situado entre 6 e 6,5 salários mínimos.<br />

Para o trabalhador resta a certeza de que, <strong>na</strong> melhor <strong>da</strong>s hipóteses, mesmo que tenha<br />

contribuído em valores mais elevados, esse será o teto do seu benefício. Para benefícios<br />

maiores, resta tão somente contratá-los no mercado.<br />

Esse teto somente não vem caindo também em relação à remuneração habitual paga<br />

pelo setor privado, porque a geração de empregos formais, embora em expansão, não foi<br />

ain<strong>da</strong> capaz de recuperar a formalização existente no começo dos <strong>anos</strong> 90, nem muito<br />

menos os salários pagos no setor privado do período 1996/1997 38 .<br />

Se esse dispositivo não for alterado, em p<strong>ou</strong>co tempo teremos implantado no Brasil, por<br />

vias transversas, uma velha proposta dos organismos inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, e de muitos adeptos<br />

no Brasil, de restringir a previdência <strong>social</strong> a uma cesta básica com benefícios de até<br />

três salários mínimos, reserva<strong>da</strong> to<strong>da</strong> a deman<strong>da</strong> por maiores benefícios aos regimes de<br />

capitalização privados, com tudo o que isto representa de risco para o participante e de lucro<br />

para o mercado fi <strong>na</strong>nceiro.<br />

(35) respectivamente www.abrapp.org.br e Ca<strong>na</strong>l Executivo (19-09-<strong>20</strong>07). ‘Captação <strong>da</strong> previdência priva<strong>da</strong> cresceu 31%<br />

em julho. Em http://www2.uol.com.br/ca<strong>na</strong>lexecutivo/notas07/1909<strong>20</strong>075.htm<br />

(36) Valor constante <strong>da</strong> EC <strong>20</strong>, de dezembro de 1998.<br />

(37) A Câmara dos Deputados aprov<strong>ou</strong> o PL 01/<strong>20</strong>07, em maio deste ano. A proposição está em tramitação no Se<strong>na</strong>do.<br />

(38) Em março de <strong>20</strong>07, a Anfi p e a Fun<strong>da</strong>ção Anfi p lançaram uma publicação “Previdência Social e Salário Mínimo”, disponível<br />

em www.anfi p.org.br onde a<strong>na</strong>lisam, dentre <strong>ou</strong>tras questões, a evolução de rendimentos do trabalho, grau de formalização do<br />

trabalho e <strong>da</strong> cobertura previdenciária e as repercussões desses <strong>da</strong>dos <strong>na</strong>s contas <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong>, bem como o papel do<br />

salário mínimo, <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong> e dos benefícios assistenciais <strong>na</strong> distribuição e interiorização <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> em nosso país.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Em suma, os desvios do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social cumprem importantes<br />

papéis: para a política fi scal, viabiliza superávit; para a saúde, é o principal instrumento<br />

de precarização dos serviços; para a previdência <strong>social</strong>, viabiliza o principal elemento do<br />

discurso de falência do sistema e de inevitabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s reformas; e, para os interesses dos<br />

mais diversos setores econômicos, oportuni<strong>da</strong>de de grandes negócios.<br />

Um dos principais instrumentos a acobertar esses desvios é a não separação dos<br />

orçamentos Fiscal e <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social. Essa falta de transparência esconde os fl uxos<br />

fi <strong>na</strong>nceiros e de programações de despesas entre esses orçamentos.<br />

Fruto inclusive dessa não separação, no Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, ao<br />

invés de atender às programações relativas à saúde, assistência e previdência <strong>social</strong>,<br />

constam despesas de praticamente todos os órgãos e enti<strong>da</strong>des do governo federal,<br />

independentemente <strong>da</strong>s suas áreas de atuação. Não é de se estranhar que também seja<br />

reitera<strong>da</strong>mente descumprido o man<strong>da</strong>mento constitucio<strong>na</strong>l (art. 195, § 2º), que determi<strong>na</strong><br />

ser de competência dos órgãos responsáveis pela saúde, previdência e assistência <strong>social</strong> a<br />

elaboração <strong>da</strong> proposta orçamentária <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de. Esse dispositivo somente foi cumprido<br />

no breve período do governo Itamar, conforme pode ser visto pelas mensagens presidenciais<br />

que encaminham anualmente a proposta de lei orçamentária para tramitação no Congresso<br />

Nacio<strong>na</strong>l.<br />

Outra conseqüência, já no campo <strong>da</strong>s receitas, é uma grande confusão, que pode ser<br />

vista, por exemplo, até mesmo no Balanço Geral <strong>da</strong> União 39 . Nele consta como receita do<br />

Orçamento Fiscal uma parcela muito grande de recursos oriundos de contribuições sociais,<br />

muito além do resultado <strong>da</strong>s desvinculações produzi<strong>da</strong>s pela DRU – Desvinculação <strong>da</strong>s<br />

Receitas <strong>da</strong> União.<br />

Ao arrepio do disposto no art. 27, inciso I, <strong>da</strong> Lei n.º 8.212, de 1991 40 , parte <strong>da</strong>s receitas<br />

provenientes de juros, multas, correção monetária e até mesmo <strong>da</strong> recuperação <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong><br />

ativa de contribuições sociais, que são fontes do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, constam<br />

como receitas do Orçamento Fiscal. É importante ressaltar que não se trata <strong>da</strong> parcela desses<br />

encargos moratórios que integram as receitas do Fun<strong>da</strong>f (um fundo para aparelhamento <strong>da</strong><br />

receita federal, composto por parcela <strong>da</strong> receita de juros e multas). As receitas do Fun<strong>da</strong>f já<br />

estão classifi ca<strong>da</strong>s em separado. Na prática, são recursos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> que acabam<br />

sendo classifi cados junto com os recursos desvinculados pela DRU, como recursos livres (a<br />

chama<strong>da</strong> fonte 100).<br />

Há situações ain<strong>da</strong> mais inusita<strong>da</strong>s: no Balanço, até mesmo a parcela <strong>da</strong> CPMF<br />

relativa ao fundo <strong>da</strong> pobreza é classifi ca<strong>da</strong> como receita do Orçamento Fiscal. Também há<br />

(39) Os Balanços Gerais <strong>da</strong> União podem ser acessados em http://www.stn.fazen<strong>da</strong>.gov.br/contabili<strong>da</strong>de_gover<strong>na</strong>mental/<br />

gestao_orcamentaria.asp<br />

(40) Lei n.º 8.212, de 1991. Art. 27. Constituem <strong>ou</strong>tras receitas <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social: I - as multas, a atualização<br />

monetária e os juros moratórios; (...)<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

83


84<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

confusão <strong>na</strong>s receitas deriva<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s taxas por poder de política relativa a serviços e ações<br />

do Ministério <strong>da</strong> Saúde (vigilância sanitária e saúde suplementar), cuja previsão também<br />

consta do Orçamento Fiscal. Na mesma situação estão as receitas <strong>da</strong>s contribuições sociais<br />

instituí<strong>da</strong>s para custear a correção do FGTS.<br />

A aplicação desses recursos é feita no Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, já que se dá<br />

em despesas que integram este Orçamento, mas situações em que as receitas integram o<br />

Orçamento Fiscal e as despesas o <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de resultam em “transferências” do Orçamento<br />

Fiscal para a Seguri<strong>da</strong>de Social. A “devolução” desses recursos para a Seguri<strong>da</strong>de engrossa<br />

as estatísticas do défi cit coberto com recursos fi scais. Em sentido oposto, a parcela <strong>na</strong><strong>da</strong><br />

desprezível de recursos desvinculados <strong>da</strong>s contribuições sociais pela DRU não é classifi ca<strong>da</strong><br />

enquanto transferência <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de para o Orçamento Fiscal. É simplesmente trata<strong>da</strong><br />

como recurso próprio do Orçamento Fiscal.<br />

Assim, as leis orçamentárias traduzem esse “retorno” como recursos fi scais a custearem<br />

despesas do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, como podem ser visto no art. 3º, do projeto<br />

de lei orçamentária para <strong>20</strong>08 (PL 30/<strong>20</strong>07 – CN):<br />

Art. 3º A despesa total fi xa<strong>da</strong> nos Orçamentos Fiscal e <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social é de R$<br />

1.352.543.609.047,00 (...), <strong>na</strong> forma detalha<strong>da</strong> entre os órgãos orçamentários no Anexo<br />

II e assim distribuí<strong>da</strong>:<br />

I - Orçamento Fiscal: R$ 576.009.472.737,00 (...);<br />

II - Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social: R$ 365.243.434.911,00 (...); e<br />

III - Refi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> pública federal: R$ 411.290.701.399,00 (...).<br />

Parágrafo único. Do montante fi xado no inciso II deste artigo, a parcela de R$<br />

23.533.642.410,00 (...) será custea<strong>da</strong> com recursos do Orçamento Fiscal. (grifamos)<br />

Há um silêncio absoluto sobre a parcela de receitas do Orçamento Fiscal que tem como<br />

origem recursos desvinculados do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

Inusita<strong>da</strong> é também a receita relativa ao Fundo de Saúde Militar. Essa receita consta como<br />

do Orçamento Fiscal, no entanto, to<strong>da</strong>s as despesas relativas a essas programações estão<br />

classifi ca<strong>da</strong>s como sendo do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social e, nesse caso em particular,<br />

como será discutido em capítulos posteriores, nem deveria constar <strong>da</strong> programação <strong>da</strong><br />

Seguri<strong>da</strong>de, posto que não é uma despesa do Sistema Único de Saúde, mas um encargo<br />

estatal em benefício dos militares.<br />

A tabela a seguir mostra como foram classifi ca<strong>da</strong>s as receitas <strong>da</strong>s contribuições sociais.<br />

Além dos valores totais arreca<strong>da</strong>dos (que inclui para ca<strong>da</strong> contribuição, o valor do principal<br />

acrescido dos acréscimos relativos a juros, multas e correções), estão discrimi<strong>na</strong><strong>da</strong>s a parcela<br />

devi<strong>da</strong> ao Fun<strong>da</strong>f e o volume de recursos dessas contribuições que foram desvinculados e<br />

classifi cados como recursos livres. Os <strong>da</strong>dos mostram que essas desvinculações superaram<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

até mesmo os efeitos <strong>da</strong> DRU. Os números são relativos a <strong>20</strong>06, extraídos do SIAFI.<br />

Dos p<strong>ou</strong>co mais de R$ 301 bilhões de receitas realiza<strong>da</strong>s, uma peque<strong>na</strong> parcela foi<br />

desti<strong>na</strong><strong>da</strong> ao Fun<strong>da</strong>f. Considerando-se que há previsão legal para essa desti<strong>na</strong>ção e que<br />

se aplicados, esses recursos contribuem para a melhoria <strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s contribuições<br />

sociais, deveriam ser classifi cados como recursos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de R$ 300,5 bilhões. No entanto,<br />

ape<strong>na</strong>s R$ 266 bilhões estão associados a essas fontes. Foram portanto desvinculados mais<br />

de R$ 34,5 bilhões, um valor R$ 168,8 milhões acima do que determi<strong>na</strong>do pela DRU.<br />

Contribuição Social<br />

Previdenciárias<br />

COFINS<br />

CPMF<br />

Cont. Social Lucro<br />

PIS/PASEP<br />

Correção do FGTS<br />

Conc. Prognósticos<br />

Outras contribuições sociais<br />

SOMA<br />

TABELA 1<br />

Receitas de contribuições sociais arreca<strong>da</strong><strong>da</strong>s em <strong>20</strong>06 e o efeitos <strong>da</strong>s<br />

desvinculações <strong>da</strong> DRU e de <strong>ou</strong>tros desvios<br />

R$ milhões<br />

Total Global<br />

(a)<br />

122.466,3<br />

90.422,7<br />

32.019,5<br />

27.291,1<br />

23.890,7<br />

2.831,3<br />

1.533,6<br />

627,2<br />

301.082,3<br />

Fun<strong>da</strong>f<br />

(b)<br />

Diante de tamanha confusão de números e conceitos, não é de se estranhar que<br />

sempre apareçam <strong>da</strong>dos tão díspares a tumultuar os debates sobre a Seguri<strong>da</strong>de Social 41 .<br />

A não separação dos orçamentos e a confusão que se cria quanto à origem <strong>da</strong>s fontes de<br />

fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de permitem os variados discursos.<br />

O instrumento <strong>da</strong> desvinculação, que mistura os recursos desvinculados a <strong>ou</strong>tros que<br />

têm os impostos como origem, também não contribui para uma análise do fl uxo dos recursos<br />

entre os orçamentos, nem mesmo permite identifi car o destino fi <strong>na</strong>l dos recursos que por<br />

um dispositivo transitório foram subtraídos do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social. É fato que<br />

o governo tem autorização constitucio<strong>na</strong>l para retirar parcela dos recursos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de<br />

por meio <strong>da</strong> DRU. Mas, não é correto esconder esses efeitos do debate público. Não é<br />

<strong>na</strong><strong>da</strong> transparente, subtrair mais de R$ 34,5 bilhões de receitas que foram arreca<strong>da</strong><strong>da</strong>s para<br />

(41) Atém mesmo os números apresentados pelo Governo no Fórum <strong>da</strong> Previdência, em contraposição aos <strong>da</strong> Anfi p, em Aná-<br />

lise <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social em <strong>20</strong>06, estão diferentes dos que constam do Siafi .<br />

0,0<br />

<strong>20</strong>8,7<br />

5,6<br />

190,8<br />

109,8<br />

0,0<br />

0,0<br />

0,0<br />

514,9<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

Líquido <strong>da</strong><br />

Seguri<strong>da</strong>de<br />

(a) - (b)<br />

122.466,3<br />

90.214,1<br />

32.013,9<br />

27.100,3<br />

23.780,8<br />

2.831,3<br />

1.533,6<br />

627,2<br />

300.567,4<br />

Classificados<br />

como seguri<strong>da</strong>de<br />

(c)<br />

122.466,3<br />

72.063,8<br />

26.938,5<br />

21.621,8<br />

18.942,2<br />

2.265,1<br />

1.227,0<br />

497,7<br />

266.022,4<br />

Total<br />

desvinculado<br />

(d) = (a)-(b)-(c)<br />

0,0<br />

18.150,2<br />

5.075,3<br />

5.478,5<br />

4.838,7<br />

566,3<br />

306,6<br />

129,5<br />

34.545,0<br />

Desvinculação<br />

DRU<br />

(e)<br />

0,0<br />

18.084,5<br />

5.057,0<br />

5.458,2<br />

4.778,1<br />

566,3<br />

306,7<br />

125,4<br />

34.376,3<br />

Notas: Total Global, inclui receita do principal, juros, multas e encargos. Fun<strong>da</strong>f: parcela de juros e multas desti<strong>na</strong><strong>da</strong>s ao aparelhamento <strong>da</strong> Receita. Total<br />

desvinculado: parcela <strong>da</strong>s receitas <strong>da</strong>s contribuições sociais classifica<strong>da</strong> como recursos livres. Outros desvios: diferença entre o total desvinculado por fonte<br />

e o permitido pela DRU<br />

Fonte: SIAFI<br />

Outros<br />

desvios<br />

(d) - (e)<br />

0,0<br />

65,7<br />

18,4<br />

<strong>20</strong>,3<br />

60,5<br />

0,0<br />

-0,2<br />

4,1<br />

168,8<br />

85


86<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

atender a ações e programas <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social e, ain<strong>da</strong> assim, dissemi<strong>na</strong>r aos quatro<br />

ventos que há défi cits <strong>na</strong> seguri<strong>da</strong>de como justifi cativa para impor mais per<strong>da</strong>s de direitos<br />

aos trabalhadores.<br />

O fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

Desde o acordo com o FMI, ao fi <strong>na</strong>l de 1998, o governo federal promoveu um aumento<br />

<strong>da</strong> carga tributária baseado <strong>na</strong>s receitas <strong>da</strong>s contribuições sociais e econômicas (como a<br />

CIDE-Combustíveis) e <strong>da</strong>s mais diversas taxas. Estudos <strong>da</strong> Receita Federal 42 indicam que<br />

em 1998, a arreca<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> União situava-se em <strong>20</strong>,73% do PIB; ao fi <strong>na</strong>l de <strong>20</strong>06, esse valor<br />

já representava 23,75%. Embora tenha aumentado a receita total, a parcela proveniente a<br />

tributos (impostos e taxas) caiu de 8,28% para 7,85% e, em contraparti<strong>da</strong>, as receitas de<br />

contribuições sociais aumentaram de 9,93% para 13,37% do PIB. A tabela abaixo mostra<br />

essas mu<strong>da</strong>nças ocorri<strong>da</strong>s dentro do projeto de ajuste fi scal brasileiro.<br />

Os números indicam que a carga tributária avanç<strong>ou</strong> 4,3 pontos percentuais do PIB e<br />

que a União fi c<strong>ou</strong> com dois terços desse aumento. E mais, que as receitas de contribuições<br />

sociais cresceram relativamente mais do que o dobro do aumento verifi cado <strong>na</strong> carga<br />

tributária total.<br />

Evolução <strong>da</strong> carga tributária brasileira e a sua distribuição por esfera<br />

após as transferências, em percentual do PIB<br />

União<br />

Impostos e taxas<br />

Contribuições sociais<br />

<strong>ou</strong>tras<br />

Estados<br />

Municípios<br />

Total<br />

Fonte: estudos tributários <strong>da</strong> SRF<br />

Como esse processo se deu diante <strong>da</strong> opção política de ampliar substantivamente as<br />

metas de superávit primário, a ela deveria ter correspondido um aumento <strong>da</strong>s receitas do<br />

Orçamento Fiscal, responsável pelos encargos <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> e <strong>ou</strong>tras despesas fi <strong>na</strong>nceiras.<br />

Não foi essa a opção adota<strong>da</strong> pelo governo federal. A receita de impostos caiu. Então<br />

o aumento <strong>da</strong>s receitas <strong>da</strong>s receitas de contribuições sociais e, portanto, do Orçamento <strong>da</strong><br />

Seguri<strong>da</strong>de Social, não poderia corresponder a um incremento de igual monta <strong>na</strong>s despesas<br />

(42) http://www.receita.fazen<strong>da</strong>.gov.br/Historico/EstTributarios/Estatisticas/default.htm<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

TABELA 2<br />

1998<br />

<strong>20</strong>,7<br />

8,3<br />

9,9<br />

2,5<br />

7,9<br />

1,3<br />

29,9<br />

<strong>20</strong>06 Diferença<br />

23,8<br />

7,9<br />

13,4<br />

2,5<br />

9,0<br />

1,5<br />

34,2<br />

3,0<br />

-0,4<br />

3,4<br />

0,0<br />

1,1<br />

0,2<br />

4,3<br />

14,6%<br />

-5,2%<br />

34,6%<br />

0,8%<br />

14,3%<br />

14,1%<br />

14,5%<br />

% PIB


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

desse Orçamento. O aumento <strong>da</strong>s receitas <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social viabiliz<strong>ou</strong> a produção de<br />

superávits primários porque, pela ação <strong>da</strong>s desvinculações, o governo não estava obrigado<br />

a ampliar gastos em saúde, previdência e assistência <strong>social</strong>.<br />

Isto não signifi ca que não tenha ocorrido aumento nessas programações. Em resposta a<br />

diversos movimentos políticos, a partir de <strong>20</strong>00, cresceram as despesas com saúde; desde<br />

<strong>20</strong>03, crescem despesas <strong>da</strong> assistência <strong>social</strong>; a partir de <strong>20</strong>04, sucessivos aumentos<br />

reais concedidos ao salário mínimo impactam a previdência e as despesas com benefícios<br />

assistenciais. Mas, não se alter<strong>ou</strong> o eixo <strong>da</strong> política econômica e <strong>da</strong>s metas fi scais de<br />

superávit primário.<br />

Ain<strong>da</strong> assim, a plurali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s fontes de fi <strong>na</strong>nciamento do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de<br />

Social garantiu recursos para to<strong>da</strong>s essas ações e manteve-se superavitário durante todo<br />

esse período mesmo com os desvios de recursos praticados pela DRU.<br />

O Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de não foi concebido para ser superavitário, ain<strong>da</strong> mais à custa<br />

<strong>da</strong> precarização de serviços, a sonegação de direitos e aos baixos valores disponibilizados<br />

para as famílias de baixa ren<strong>da</strong>. Mas, podemos utilizar essa situação em prol de objetivos<br />

importantes de resgate aos direitos e à melhoria dos serviços de saúde, previdência e<br />

assistência <strong>social</strong>.<br />

É preciso ressaltar ain<strong>da</strong>, que as receitas de contribuições sociais resultam de um processo<br />

tributário que faz recair direta (sobre os salários) <strong>ou</strong> indiretamente (sobre a folha de salários<br />

e o consumo) os seus efeitos sobre a população de baixa ren<strong>da</strong>. Excelentes trabalhos,<br />

como os de Ivanete Boschetti e de Evilázio Salvador (BOSCHETTI, Ivanete e SALVADOR,<br />

Evilázio. <strong>20</strong>06), a<strong>na</strong>lisando <strong>da</strong>dos do IBGE sobre o orçamento familiar, apresentam números<br />

que indicam como cresceu a tributação indireta sobre o consumo para as famílias de menor<br />

ren<strong>da</strong>. Os <strong>da</strong>dos indicam que em 1996, “quem ganha até 2 salários mínimos gasta 26%<br />

de sua ren<strong>da</strong> no pagamento de tributos indiretos”. Esse percentual, em <strong>20</strong>03 já alcançava<br />

46%. Para as faixas de maiores ren<strong>da</strong>s, o aumento foi bem menor, de 7% para 16%. Esse<br />

crescimento não se deu exclusivamente pelo aumento <strong>da</strong>s contribuições sociais, pois o<br />

consumo, e não a proprie<strong>da</strong>de e a ren<strong>da</strong> é à base do nosso injusto sistema tributário. Mas,<br />

signifi ca que devemos ter atenção especial sobre a utilização desses recursos. Agravaremos<br />

a injustiça produzi<strong>da</strong> pelo nosso sistema tributário se depois de reduzirmos a capaci<strong>da</strong>de<br />

de consumo e <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> desses segmentos sociais para aumentarmos a fatia do<br />

Orçamento a ser disponibiliza<strong>da</strong> exatamente para os que estão a se locupletar <strong>da</strong>s despesas<br />

fi <strong>na</strong>nceiras do Estado.<br />

Outra questão importante relativa ao fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de diz respeito à<br />

execução fi <strong>na</strong>nceira desse Orçamento. No texto promulgado <strong>da</strong> Lei n.º 8.212, em seu art. 19,<br />

estava estabelecido que os recursos desti<strong>na</strong>dos à execução do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de<br />

Social seriam entregues aos órgãos responsáveis nos mesmos prazos estabelecidos para<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

87


88<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

os repasses dos Fundos de Participação, <strong>ou</strong> seja, a ca<strong>da</strong> dez dias. Partia-se do pressuposto<br />

que esses recursos não se prestavam ao entes<strong>ou</strong>ramento, <strong>na</strong> prática não pertenciam ao<br />

Tes<strong>ou</strong>ro, mas aos órgãos responsáveis pela Seguri<strong>da</strong>de. No início do Governo FHC a MP 935<br />

(de 07/03/1995) revog<strong>ou</strong> esse dispositivo. Desde então fi c<strong>ou</strong> estabelecido, genericamente,<br />

repasses mensais. E, com a Lei de Responsabili<strong>da</strong>de Fiscal (LC n.º 101, de <strong>20</strong>00), os repasses<br />

passaram a privilegiar a consecução dos resultados primários. Ca<strong>da</strong> órgão tem estabelecido<br />

um cronograma de limites para movimentação e emprenho <strong>da</strong>s dotações orçamentárias<br />

e para execução fi <strong>na</strong>nceira. Na imensa maioria <strong>da</strong>s vezes, os limites constantes desses<br />

decretos sequer permitem aos órgãos e enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de a execução integral dos<br />

limites constantes <strong>da</strong> lei orçamentária anual.<br />

Como conseqüência <strong>da</strong> involução de todo esse processo, além <strong>da</strong> desvinculação <strong>da</strong><br />

DRU e de <strong>ou</strong>tros desvios que subtraem recursos <strong>da</strong>s contribuições sociais, a parcela restante<br />

(que sobreviveu à desvinculação) arreca<strong>da</strong><strong>da</strong> com essas contribuições pass<strong>ou</strong> a fi car retido<br />

<strong>na</strong> Conta Única do Tes<strong>ou</strong>ro, engrossando a produção do superávit primário.<br />

A próxima dá uma dimensão dessas retenções em <strong>20</strong>07. Além do valor acumulado ao<br />

longo dos exercícios anteriores, tem-se o valor médio mensal que fi c<strong>ou</strong> retido ao longo<br />

desse ano. Ao fi <strong>na</strong>l de <strong>ou</strong>tubro, mais de R$ 25 bilhões estavam rep<strong>ou</strong>sando <strong>na</strong> conta única<br />

a observar a precarie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> saúde, a exclusão previdenciária etc.<br />

Disponibili<strong>da</strong>des de recursos por fonte, valor existente ao fi<strong>na</strong>l de <strong>20</strong>06, em <strong>ou</strong>tubro de <strong>20</strong>07<br />

e o valor médio mensal, para o total <strong>da</strong>s disponibili<strong>da</strong>des e fontes selecio<strong>na</strong><strong>da</strong>s<br />

R$ milhões<br />

Valor médio<br />

Fonte Selecio<strong>na</strong><strong>da</strong>s<br />

Fi<strong>na</strong>l de <strong>20</strong>06 Outubro <strong>20</strong>07<br />

mensal<br />

Contribuições sobre concursos de prognósticos<br />

Contribuições para os programas PIS/PASEP<br />

Contr. Social sobre o Lucro <strong>da</strong>s Pessoas Jurídicas<br />

COFINS<br />

CPMF<br />

Fundo de combate e erradicação <strong>da</strong> pobreza<br />

Soma dos itens acima<br />

Valor total de disponibili<strong>da</strong>des<br />

Fonte: SIAFI<br />

Além dessas retenções verifi ca<strong>da</strong>s <strong>na</strong>s receitas de contribuições sociais, até mesmo recursos<br />

próprios dos diversos órgãos são estocados. Somente no âmbito do Ministério <strong>da</strong> Saúde, em<br />

novembro, havia R$ 622 milhões de disponibili<strong>da</strong>des em recursos dessa <strong>na</strong>tureza.<br />

Devem ain<strong>da</strong> merecer a atenção dos defensores <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de as movimentações sobre<br />

a reforma tributária. Se for importante melhorarmos a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> política tributária em<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

TABELA 3<br />

1.064,5<br />

290,0<br />

2.070,1<br />

2.409,4<br />

7.365,1<br />

3.034,7<br />

16.233,7<br />

257.312,2<br />

1.486,3<br />

986,1<br />

11.285,8<br />

4.442,2<br />

1.872,3<br />

3.394,1<br />

23.466,8<br />

333.707,4<br />

1.358,3<br />

871,3<br />

7.033,7<br />

9.1<strong>20</strong>,2<br />

2.948,4<br />

2.867,9<br />

24.199,9<br />

313.633,0


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

nosso país, equalizar a sua distribuição em relação à capaci<strong>da</strong>de econômica dos agentes,<br />

simplifi car todo o sistema, não podemos perder nem a capaci<strong>da</strong>de econômica do Orçamento<br />

<strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social nem a plurali<strong>da</strong>de de suas fontes.<br />

A programação de despesas a cargo do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

A análise <strong>da</strong>s despesas do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social exige que sejam agrupa<strong>da</strong>s<br />

dentre os grandes grupos <strong>da</strong> saúde, previdência e assistência <strong>social</strong>. Assim procedido, é<br />

preciso identifi car os gastos que não se enquadram nos limites constitucio<strong>na</strong>is e legais.<br />

As despesas previdenciárias<br />

Os gastos previdenciários são aqueles correspondentes ao Regime Geral de Previdência<br />

Social, pois esse é o modo de organização <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong>, nos termos constitucio<strong>na</strong>is.<br />

Para melhor compreensão desses números, eles podem ser diferenciados em razão dos<br />

segurados (em urb<strong>anos</strong> e rurais). É preciso ain<strong>da</strong> separar as despesas que derivam de<br />

precatórios e requisições de pequeno valor.<br />

A diferenciação entre urb<strong>anos</strong> e rurais é meramente acadêmica: ambos são benefícios<br />

previdenciários, substitutivos <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> do trabalho, compreendidos no mesmo regime geral,<br />

fi <strong>na</strong>nciados pela mesma plurali<strong>da</strong>de de fontes, respeita<strong>da</strong>, no regime de repartição, a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de<br />

entre ci<strong>da</strong>de e campo. Por esse motivo, não é correto dizer que os benefícios rurais têm <strong>na</strong>tureza<br />

assistencial. Se há modelos contributivos diferenciados, é para atender à capaci<strong>da</strong>de econômica<br />

– inclusive quanto ao princípio de equi<strong>da</strong>de <strong>na</strong> forma de participação de custeio - e à ren<strong>da</strong><br />

dos diversos tipos de segurados e ain<strong>da</strong> ponderar o efeito <strong>da</strong>s múltiplas renúncias, isenções e<br />

imuni<strong>da</strong>des tributárias, que afetam diretamente as receitas previdenciárias.<br />

Diferenciar os pagamentos relativos às ações judiciais é importante, pois esses pagamentos<br />

incluem parcelas referentes a atrasados, <strong>ou</strong> seja, a diversos exercícios anteriores. A não<br />

diferenciação dessas parcelas difi culta a análise <strong>da</strong>s contas previdenciárias. E, ain<strong>da</strong>, esses<br />

pagamentos confundem benefícios urb<strong>anos</strong> e rurais.<br />

É preciso ain<strong>da</strong> separar os benefícios instituídos por legislação especial. São pagos pelo<br />

INSS, porém, desig<strong>na</strong>dos por lei específi ca - atendem à <strong>na</strong>tureza indenizatória <strong>ou</strong> meritória –<br />

como no caso do acidente <strong>da</strong> base espacial de Alcântara e <strong>da</strong> Hemodiálise de Caruaru, dos<br />

anistiados, dos atingidos pelo problema do Césio 137 em Goiânia, <strong>da</strong>s vítimas <strong>da</strong> Talidomi<strong>da</strong>,<br />

<strong>da</strong>s reclusões compulsórias <strong>da</strong> hanseníase). Esses benefícios têm o Tes<strong>ou</strong>ro Nacio<strong>na</strong>l como<br />

fonte de fi <strong>na</strong>nciamento. Assim, é preciso, para fi ns de apuração do resultado <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de,<br />

contabilizar repasses do Orçamento Fiscal correspondentes a essas despesas.<br />

Com relação aos pagamentos dos Encargos Previdenciários <strong>da</strong> União, é preciso explicitar<br />

que não são despesas previdenciárias <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de, mas derivam de um encargo patro<strong>na</strong>l<br />

do setor público. Atendem a um público específi co, têm requisitos, critérios, contribuições,<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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90<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

exigências diferenciados. É importante a análise dessas despesas, como, aliás, de to<strong>da</strong>s<br />

elas. Mas, a confusão dessas despesas com as do RGPS não se presta ao entendimento dos<br />

problemas. Sequer é possível proceder a uma boa avaliação se não tomarmos em separado<br />

as deriva<strong>da</strong>s dos servidores, dos membros dos Poderes e do Militares. Em bom exemplo<br />

dessa confusão pôde ser visto durante as discussões <strong>da</strong>s últimas reformas, especialmente a<br />

ocorri<strong>da</strong> no atual governo. As necessi<strong>da</strong>des de fi <strong>na</strong>nciamento dos Encargos Previdenciários<br />

<strong>da</strong> União foram apresenta<strong>da</strong>s sem diferenciarmos as despesas relativas aos militares, por<br />

exemplo. No entanto, nenhuma medi<strong>da</strong> foi efetiva<strong>da</strong> para abor<strong>da</strong>gem dessas despesas.<br />

Todo o alarde provocado pelo anúncio dos grandes números envolvidos foi utilizado para<br />

promover mu<strong>da</strong>nças no regime próprio dos servidores.<br />

É legal o uso dos recursos <strong>da</strong>s contribuições sociais para pagamento desses encargos?<br />

A modifi cação introduzi<strong>da</strong> durante o governo FHC no art. 17 <strong>da</strong> Lei n.º 8.212 admite essa<br />

hipótese, desde que estejam satisfeitas to<strong>da</strong>s as obrigações com a saúde e a assistência<br />

<strong>social</strong>. O governo já é obrigado a cobrir qualquer insufi ciência de recursos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de<br />

para o pagamento dos benefícios previdenciários e os de <strong>na</strong>tureza continua<strong>da</strong> (LOAS e<br />

RMV).<br />

Isto signifi ca que a utilização dos recursos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de para o pagamento dos Encargos<br />

Previdenciários <strong>da</strong> União é o reconhecimento, por parte do governo, de que o Orçamento <strong>da</strong><br />

Seguri<strong>da</strong>de é superavitário.<br />

Embora legal duas ressalvas precisam ser feitas. Primeiro, as deman<strong>da</strong>s <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de<br />

<strong>social</strong> não estão ple<strong>na</strong>mente atendi<strong>da</strong>s, há carências e precarie<strong>da</strong>des a serem enfrenta<strong>da</strong>s.<br />

A utilização desses recursos não pode ser feita em detrimento <strong>da</strong>s priori<strong>da</strong>des <strong>da</strong> própria<br />

seguri<strong>da</strong>de. Segundo, porque não se pode utilizar esses recursos para o atendimento<br />

dessas despesas para concluir que o orçamento é defi citário, que são necessários cortes<br />

nos programas, ações e serviços <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de.<br />

As despesas com assistência <strong>social</strong><br />

A programação assistencial <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de é muito ampla e dispersa. Há ações e<br />

programas espalhados nos diversos órgãos. Nos termos constitucio<strong>na</strong>is, a assistência <strong>social</strong><br />

em nosso país, e inclusive seus benefícios, atendem ao pressuposto <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de. Há<br />

critérios objetivos que focalizam os segmentos sociais que deman<strong>da</strong>m ações específi cas do<br />

Estado.<br />

Com relação aos benefícios assistenciais, separamos os decorrentes <strong>da</strong> LOAS 43 (Lei<br />

(43) Os benefícios <strong>da</strong> LOAS são deferidos aos idosos e portadores de necessi<strong>da</strong>des especiais que se enquadram num critério<br />

de necessi<strong>da</strong>de calculado a partir <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> familiar per capita .<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Orgânica <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social), <strong>da</strong> Ren<strong>da</strong> Mensal Vitalícia (RMV) 44 e para os demais<br />

benefícios de transferência de ren<strong>da</strong>, que compõem o conjunto do Bolsa Família 45 .<br />

Há ain<strong>da</strong> ações de assistência <strong>social</strong> e programações do Fome Zero, as despesas com<br />

asilos, creches, ações de geração de emprego e ren<strong>da</strong>, do programa de Erradicação do<br />

Trabalho Infantil, há ações presta<strong>da</strong>s pelo Ministério <strong>da</strong> Justiça, a assistência ao estu<strong>da</strong>nte<br />

(no MEC), as ações de defesa civil etc.<br />

O que não pode ser computado dentro do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social são as<br />

despesas com “assistência ao servidor”. Essas despesas não derivam do critério universal<br />

<strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de, mas de uma relação patro<strong>na</strong>l. Hoje essas despesas estão a inchar as<br />

despesas <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de, consumindo quase um bilhão de reais ao ano. No limite, pode-<br />

se considerar essas despesas quando relativas aos servidores que prestam os serviços<br />

relativos à Seguri<strong>da</strong>de Social, pois nesse caso seriam uma despesa inerente ao serviço,<br />

uma despesa operacio<strong>na</strong>l dos órgãos e enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de.<br />

As despesas <strong>da</strong> Saúde<br />

As despesas com as ações e programas de saúde são as realiza<strong>da</strong>s no âmbito exclusivo<br />

do SUS - Sistema Único de Saúde – sob a coorde<strong>na</strong>ção do Conselho Nacio<strong>na</strong>l de Saúde e<br />

compreende ain<strong>da</strong> as demais despesas de custeio e de pessoal ativo do Ministério. Essas<br />

despesas estão abriga<strong>da</strong>s pelas determi<strong>na</strong>ções <strong>da</strong> EC n.º 29 e, com a regulamentação<br />

dessa Emen<strong>da</strong> (PLP n.º 1, de <strong>20</strong>03), já aprova<strong>da</strong> pela Câmara dos Deputados e tramita no<br />

Se<strong>na</strong>do.<br />

Com essa regulamentação, fi cará mais uniforme o critério a distinguir o que pode ser<br />

considerado como despesas <strong>da</strong> saúde.<br />

Nos termos como vota<strong>da</strong>, não podem ser computa<strong>da</strong>s como saúde, despesas com<br />

assistência <strong>social</strong> 46 , com ações de saneamento relativo a serviços tarifados etc.<br />

Temos ain<strong>da</strong> <strong>ou</strong>tras ações de saúde, como as desenvolvi<strong>da</strong>s nos hospitais universitários,<br />

que por estarem vinculados ao SUS podem e devem ser considera<strong>da</strong>s como despesas <strong>da</strong><br />

Seguri<strong>da</strong>de. No entanto, estão em situação diversa, as despesas relativas à prestação dos<br />

serviços de saúde aos servidores e militares. Novamente, o critério dessa prestação não<br />

(44) A RMV corresponde a um salário mínimo mensal, deriva de disposição legal e visa reconhecer situação fática anterior<br />

à Constituição de 1988, sendo hoje considera<strong>da</strong> um benefício em extinção. Seu público alvo vem sendo atendido por <strong>ou</strong>tros<br />

benefícios<br />

(45) Os benefícios <strong>da</strong> Bolsa Família são deferidos a grupos sociais como: jovens em situação de vulnerabili<strong>da</strong>de e/<strong>ou</strong> risco<br />

<strong>social</strong>; famílias em condição de extrema pobreza, no intuito de garantir a segurança alimentar e combater as carências nutri-<br />

cio<strong>na</strong>is; crianças e adolescentes em situação de trocar a escola pelo trabalho; crianças, adolescentes e familiares vítimas de<br />

violência, abuso e exploração sexual; além de famílias que necessitam de proteção <strong>social</strong> especial.<br />

(46) Historicamente, foram incluí<strong>da</strong>s <strong>na</strong> programação do Ministério <strong>da</strong> Saúde despesas assistenciais que subtraíam recursos<br />

<strong>da</strong> saúde. Em <strong>20</strong>05, por exemplo, foram mais de R$ 2 bilhões, computados para fi ns do mínimo constitucio<strong>na</strong>l, que ver<strong>da</strong>-<br />

deiramente não atendiam às ações de saúde. Somente a subtração dessa programação assistencial permitiu, em <strong>20</strong>06, uma<br />

ampliação substancial dos recursos que efetivamente fi <strong>na</strong>nciam ações de saúde pública<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

91


92<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

é a universali<strong>da</strong>de que caracteriza a saúde pública, mas diferentes vínculos funcio<strong>na</strong>is. A<br />

regulamentação aprova<strong>da</strong> <strong>na</strong> Câmara também considera que essa programação não deve<br />

ser considera<strong>da</strong> como saúde pública.<br />

Outras programações admissíveis<br />

As despesas relativas aos programas do FAT (são custea<strong>da</strong>s com recursos do PIS/<br />

PASEP) também integram o Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social. Vale lembrar que a CF<br />

considera que a incapaci<strong>da</strong>de laboral resultante do desemprego voluntário tem <strong>na</strong>tureza<br />

previdenciária (CF, art. <strong>20</strong>1, III). Em benefícios do FAT, separamos as despesas relativas a<br />

transferências diretas às pessoas, como seguro desemprego e abono salarial (incluem também<br />

os trabalhadores em situação de incapaci<strong>da</strong>de temporal de trabalho como, por exemplo,<br />

pescadores em período de defeso e em situações anômalas, como a dos trabalhadores<br />

resgatados <strong>da</strong> condição semelhante a escravo). Há ain<strong>da</strong> bolsas para qualifi cação e as<br />

despesas relacio<strong>na</strong><strong>da</strong>s a <strong>ou</strong>tros programas, igualmente fi <strong>na</strong>nciados com recursos do Fundo,<br />

como capacitação, geração de emprego e ren<strong>da</strong> etc. Há ain<strong>da</strong> despesas transitórias, como<br />

as relativas à correção do FGTS, empréstimos realizados para liqui<strong>da</strong>ção de pl<strong>anos</strong> privados<br />

de saúde e o cumprimento de sentenças relativas à Aeros-Previdência.<br />

Outras programações não admissíveis<br />

Além do que foi apresentado, não devem ser computa<strong>da</strong>s despesas como os pagamentos<br />

<strong>da</strong> dívi<strong>da</strong>. Embora sejam encargos devidos por órgãos e enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de, eles<br />

não correspondem a despesas com saúde, previdência e assistência <strong>social</strong>, mesmo<br />

quando o endivi<strong>da</strong>mento se prest<strong>ou</strong> à execução desses serviços. Desconsiderar<br />

essas despesas é importante para evitar dupla contagem que infla a seguri<strong>da</strong>de,<br />

sem a correspondência dos serviços públicos. Quando, por exemplo, o Ministério<br />

<strong>da</strong> Saúde se endivid<strong>ou</strong> junto ao FAT <strong>ou</strong> ao BIRD para ampliar a infra-estrutura dos<br />

serviços públicos de saúde, a compra de equipamentos, as construções realiza<strong>da</strong>s<br />

etc. constaram do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de porque eram despesas típicas. Quando<br />

o Ministério vai pagar essas dívi<strong>da</strong>s, essas despesas também precisam constar<br />

do Orçamento, mas esse pagamento não corresponde a um novo equipamento <strong>ou</strong><br />

uma nova instalação, portanto, nessa segun<strong>da</strong> vez que esses valores constam dos<br />

Orçamentos não se trata mais de despesa típica <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de, mas de um Encargo<br />

Fi<strong>na</strong>nceiro <strong>da</strong> União.<br />

Há ain<strong>da</strong> programações que por erro crasso acabam incluí<strong>da</strong>s <strong>na</strong> seguri<strong>da</strong>de e ao<br />

proceder à análise devemos extirpar essas despesas.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

O resultado <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social em <strong>20</strong>06<br />

Como resultado de to<strong>da</strong> essa metodologia identifi ca<strong>da</strong> nos capítulos anteriores, podemos<br />

a<strong>na</strong>lisar o resultado <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social em <strong>20</strong>06.<br />

Para fi ns de avaliação <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, consideramos que devam ser utilizados<br />

os valores que incluem a receita realiza<strong>da</strong> do principal <strong>da</strong>s contribuições sociais, e ain<strong>da</strong><br />

juros, multas, correções monetárias de valores pagos em atraso, receitas de parcelamentos<br />

e de recuperação <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> ativa, subtraídos dos valores devidos ao Fun<strong>da</strong>f. Os números<br />

correspondem ao que <strong>na</strong> Tabela 1 está identifi cado como “Líquido <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de”.<br />

A Tabela a seguir apresenta a contabilização do que compreende o fi <strong>na</strong>nciamento<br />

<strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social a partir de suas fontes exclusivas, como a contribuições sociais, os<br />

recursos próprios dos órgãos e enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de e a contraparti<strong>da</strong> <strong>da</strong> União para os<br />

encargos previdenciários que não são cobertos com recursos <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

Receitas exclusivas do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social em <strong>20</strong>06<br />

R$ milhões<br />

Itens de Receita<br />

Receitas de Contribuições sociais<br />

Previdenciárias<br />

COFINS<br />

CPMF<br />

Cont. Social Lucro<br />

PIS/PASEP<br />

Correção do FGTS<br />

Conc. Prognósticos<br />

Outras contribuições sociais<br />

Receitas próprias do Órgãos<br />

Ministério <strong>da</strong> Saúde<br />

Ministério <strong>da</strong> Previdência Social<br />

Ministério do Desenvolvimento Social<br />

Taxas por poder de política<br />

Contraparti<strong>da</strong> do Orçamento Fiscal para EPU<br />

Receitas do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

Fonte: SIAFI e MPS e STN para as despesas previdenciárias<br />

Com relação aos <strong>da</strong>dos anteriormente divulgados, que constaram <strong>da</strong> Análise <strong>da</strong><br />

Seguri<strong>da</strong>de Social de <strong>20</strong>06, há algumas diferenças que derivam de uma melhor apuração<br />

<strong>da</strong>s receitas <strong>da</strong>s contribuições sociais, especialmente quanto aos acréscimos legais e as<br />

taxas de poder de vigilância sanitária e saúde complementar que não integravam esses<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

TABELA 4<br />

Valores<br />

301.621,4<br />

123.5<strong>20</strong>,2<br />

90.214,1<br />

32.013,9<br />

27.100,3<br />

23.780,8<br />

2.831,3<br />

1.533,6<br />

627,2<br />

1.947,3<br />

1.463,4<br />

374,3<br />

109,6<br />

556,8<br />

1.2<strong>20</strong>,8<br />

305.346,3<br />

93


<strong>da</strong>dos.<br />

94<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

A tabela a abaixor identifi ca e agrupa as despesas <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

Com relação aos <strong>da</strong>dos anteriormente divulgados, a grande diferença é a subtração<br />

<strong>da</strong>s despesas relativas à saúde militar, que antes eram considera<strong>da</strong>s como despesas <strong>da</strong><br />

Seguri<strong>da</strong>de.<br />

Dos valores apurados, vemos que a Seguri<strong>da</strong>de Social apresent<strong>ou</strong> em <strong>20</strong>06 um superávit<br />

p<strong>ou</strong>co superior a R$ 51 bilhões. Um valor superior ao resultado primário promovido pelo<br />

governo federal, que foi de R$ 49,8 bilhões.<br />

Somente para registro, a tabela a seguir identifi ca as programações de despesas que<br />

foram desconsidera<strong>da</strong>s nessa análise.<br />

Despesas do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social em <strong>20</strong>06<br />

R$ milhões<br />

Itens <strong>da</strong>s despesas<br />

Benefícios previdenciários<br />

previdenciários urb<strong>anos</strong><br />

previdenciários rurais<br />

pagamentos judiciais<br />

Benefícios assistenciais<br />

assistenciais – LOAS<br />

assistenciais – RMV<br />

Despesas <strong>da</strong> SAÚDE<br />

Outras despesas assistenciais<br />

assistência <strong>social</strong> geral<br />

transferências de ren<strong>da</strong><br />

Outras ações <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong><br />

Pessoal ativo e <strong>ou</strong>tras despesas <strong>da</strong> previdência<br />

Benefícios FAT<br />

Outras ações do FAT<br />

Complementação FGTS<br />

EPU – especiais<br />

Cumprimento de sentenças - AEROS - PREV<br />

Total Global<br />

Fonte: SIAFI e MPS e STN para as despesas previdenciárias<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

TABELA 5<br />

Valores<br />

165.585,3<br />

128.904,7<br />

32.368,9<br />

4.311,7<br />

11.570,7<br />

9.678,7<br />

1.892,0<br />

40.745,9<br />

9.983,9<br />

2.183,0<br />

7.800,9<br />

2.065,4<br />

4.542,1<br />

14.904,0<br />

683,6<br />

3.001,9<br />

1.2<strong>20</strong>,8<br />

5,8<br />

254.309,4


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

TABELA 6<br />

Despesas constantes do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social em <strong>20</strong>06 que<br />

não envolvem programações <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de<br />

R$ milhões<br />

A título de conclusão<br />

A análise do Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social em <strong>20</strong>06 demonstr<strong>ou</strong> a existência de<br />

um volume considerável de superávit, superior inclusive ao que foi apurado no âmbito do<br />

governo federal (excluí<strong>da</strong>s as empresas estatais).<br />

No entanto, a forma com que é apresentado o Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, com<br />

uma subtração de receitas de R$ 34,5 bilhões e desvio de fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>de em suas programações<br />

de despesas <strong>da</strong> ordem de R$ 49 bilhões, faz parecer que esse Orçamento é altamente<br />

defi citário, que deman<strong>da</strong> aportes bilionários de recursos, que inviabilizam <strong>ou</strong>tras despesas<br />

públicas, como investimentos em infra-estrutura <strong>ou</strong> <strong>ou</strong>tros gastos fun<strong>da</strong>mentais para o<br />

desenvolvimento <strong>da</strong> Nação.<br />

Itens de despesa constantes do<br />

orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

Assistência ao servidor<br />

Assistência ao militar<br />

EPU - poderes e civis<br />

EPU – militares<br />

EPU – transferências<br />

Serviços <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong><br />

Erros de classificação<br />

TOTAL GLOBAL<br />

Transformar superávits dessa monta em gigantescos défi cits não é obra de um erro<br />

desproposital. Há interesses que se sustentam exatamente nesse processo. É preciso<br />

um grande esforço <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de organiza<strong>da</strong> para desmistifi car esses números. Essa<br />

transparência é fun<strong>da</strong>mental para que a socie<strong>da</strong>de possa fazer suas escolhas.<br />

No entanto, é preciso deixar claro que o Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social não foi criado<br />

para produção de superávits dessa <strong>na</strong>tureza. Ain<strong>da</strong> mais porque esses recursos que estão<br />

a sobrar correspondem a serviços não prestados, a direitos de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia não assegurados.<br />

A socie<strong>da</strong>de deve optar por ampliar a Seguri<strong>da</strong>de Social, melhorar a prestação dos serviços<br />

de saúde, assegurar ações de assistência <strong>social</strong> em volume sufi cientes para transformar<br />

permanentemente a miséria e a pobreza em digni<strong>da</strong>de, fi <strong>na</strong>nciar programas de inclusão<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

Valores<br />

8<strong>20</strong>,0<br />

855,5<br />

28.604,9<br />

16.315,8<br />

2.066,5<br />

305,5<br />

4,0<br />

48.972,3<br />

95


previdenciária.<br />

96<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Há uma grande dívi<strong>da</strong> com os trabalhadores em nosso país, ain<strong>da</strong> hoje a previdência<br />

<strong>social</strong>, em que pese se constituir no nosso maior programa de distribuição e interiorização<br />

<strong>da</strong> ren<strong>da</strong>, não assegura direitos <strong>da</strong> maioria dos trabalhadores. Ain<strong>da</strong> está organiza<strong>da</strong> numa<br />

forma de contribuição direta, desconhecendo uma reali<strong>da</strong>de onde a maioria <strong>da</strong>s pessoas<br />

não possui relações de emprego e uma imensa maioria sequer é assalaria<strong>da</strong>.<br />

Há recursos sufi cientes no Orçamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social para equacio<strong>na</strong>r to<strong>da</strong>s<br />

essas questões. Mas esses recursos estão em disputa. Podemos recuperar as disposições<br />

desse Orçamento, colocá-lo a serviços dos direitos a que ele deveria assegurar e permitir<br />

que continue a ser desvirtuado, facilitando a produção de superávits primários para garantia<br />

dos credores fi <strong>na</strong>nceiros. Há muitos interesses que deman<strong>da</strong>m reservar esses recursos para<br />

enriquecer ain<strong>da</strong> mais os que se benefi ciam dos ganhos fi <strong>na</strong>nceiros. É importante ressaltar<br />

que com a extinção <strong>da</strong> CPMF novos cenários serão traçados. Porém, esse é o dilema a ser<br />

enfrentado: decidir para onde vai o dinheiro público, a que fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>de ele se desti<strong>na</strong>, a quem<br />

serve.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

5. Quem fi <strong>na</strong>ncia e qual o destino dos recursos <strong>da</strong><br />

Seguri<strong>da</strong>de Social no Brasil?<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

Evilásio Salvador*<br />

Resumo:Este artigo tem por objetivo investigar as características do fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong><br />

seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> no Brasil do ponto de vista <strong>da</strong> avaliação dos recursos, <strong>da</strong> magnitude e <strong>da</strong><br />

alocação dos gastos e <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza <strong>da</strong>s fontes de fi <strong>na</strong>nciamento, problematizando relação<br />

do orçamento do setor com as opções de política econômica e <strong>social</strong> adota<strong>da</strong>s. O texto<br />

também resgata a origem <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> e sua importância como instrumento de<br />

desenvolvimento econômico e <strong>social</strong>. Além disso, apresenta propostas de agen<strong>da</strong> e de<br />

possibili<strong>da</strong>des para afi rmação e ampliação dos direitos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> no Brasil.<br />

As reivindicações e pressões organiza<strong>da</strong>s pela classe trabalhadora <strong>na</strong> déca<strong>da</strong> de 1980,<br />

no período de redemocratização do país, provocaram a incorporação, pela Constituição<br />

Federal, de muitas deman<strong>da</strong>s sociais de expansão dos direitos sociais e políticos. Um dos<br />

maiores avanços em termos de política <strong>social</strong> foi a adoção do conceito de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>,<br />

englobando, em um mesmo sistema, as políticas de saúde, previdência e assistência <strong>social</strong>.<br />

Para viabilizar as inovações propostas e permitir a efetiva implementação de um sistema<br />

de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> no Brasil, a Carta Mag<strong>na</strong> estabeleceu uma ampliação <strong>da</strong>s bases de<br />

fi <strong>na</strong>nciamento para além <strong>da</strong> folha de pagamento, que passaria a ser composta também<br />

pelos impostos pagos pela socie<strong>da</strong>de e por contribuições sociais vincula<strong>da</strong>s.<br />

Histórico<br />

No Brasil, o vocábulo “seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>” pass<strong>ou</strong> a integrar os dicionários <strong>da</strong> língua<br />

portuguesa a partir de 1988. Porém, o termo é adotado, desde 1935, nos Estados Unidos e,<br />

desde a déca<strong>da</strong> de 1940, <strong>na</strong> Europa capitalista para desig<strong>na</strong>r uma miríade de programas e<br />

serviços sociais. A conferência de 1944 <strong>da</strong> Organização Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do Trabalho (OIT) já<br />

reconhecia a obrigação <strong>da</strong> instituição de apoiar to<strong>da</strong>s as <strong>na</strong>ções do mundo <strong>na</strong> aplicação “de<br />

programas próprios que visem [...] a extensão de medi<strong>da</strong>s de segurança <strong>social</strong> de forma a<br />

assegurar um rendimento de base a to<strong>da</strong>s as pessoas que necessitem desse tipo de proteção<br />

bem como de cui<strong>da</strong>dos médicos completos” (Organização Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do Trabalho, <strong>20</strong>02,<br />

p. 1).<br />

A sessão de <strong>20</strong>01 <strong>da</strong> OIT reafi rma que o momento atual é propício para a organização<br />

lançar uma nova campanha com intuito de estender a cobertura <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> a to<strong>da</strong>s<br />

as pessoas que dela necessitam.<br />

97


98<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Segundo a OIT, a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> é fun<strong>da</strong>mental para a garantia do bem-estar <strong>da</strong> classe<br />

trabalhadora e de suas famílias, assim como de to<strong>da</strong> a coletivi<strong>da</strong>de. Para a organização,<br />

trata-se de um direito essencial do ser humano, importante para promover a paz e a inserção<br />

<strong>social</strong>. Quando bem geri<strong>da</strong>, a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> favorece a produtivi<strong>da</strong>de via política de saúde,<br />

a garantia de ren<strong>da</strong> e o acesso aos serviços sociais. Quando associa<strong>da</strong> às políticas ativas<br />

do mercado de trabalho, tor<strong>na</strong>-se instrumento poderoso de desenvolvimento econômico e<br />

<strong>social</strong> sustentável, sobretudo <strong>na</strong> atual conjuntura (Organização Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do Trabalho,<br />

<strong>20</strong>02).<br />

A rede de proteção <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> permite a manutenção do padrão de ren<strong>da</strong> e<br />

protege o ci<strong>da</strong>dão e a ci<strong>da</strong>dã <strong>ou</strong> sua família contra as situações de incapaci<strong>da</strong>de de trabalhar<br />

<strong>ou</strong> de diminuição <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de laboral deriva<strong>da</strong> dos ciclos vitais.<br />

Quando a inserção no mercado de trabalho não é mais possível, são as redes de<br />

seguri<strong>da</strong>de que se confi guram como “emadeiramentos institucio<strong>na</strong>is que plasmam o grau de<br />

civilização e desenvolvimento alcançados por suas respectivas socie<strong>da</strong>des e são expoentes<br />

do grau de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de comprometi<strong>da</strong> por seus ci<strong>da</strong>dãos” (Moreno, <strong>20</strong>04, p. 51).<br />

O marco <strong>da</strong> institucio<strong>na</strong>lização <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> no mundo é a publicação, em 1942,<br />

<strong>na</strong> Inglaterra, do Relatório de Beveridge, que tr<strong>ou</strong>xe mu<strong>da</strong>nças signifi cativas no âmbito dos<br />

seguros sociais até então predomi<strong>na</strong>ntes. A proposta result<strong>ou</strong> em aumento <strong>da</strong>s despesas<br />

com proteção <strong>social</strong>, objetivando o combate à pobreza e tendo por fun<strong>da</strong>mento os direitos<br />

universais a todos os ci<strong>da</strong>dãos e to<strong>da</strong>s as ci<strong>da</strong>dãs.<br />

O fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> no modelo beveridgiano é proveniente dos tributos<br />

e é estatal à gestão do sistema. Elaine Behring e Ivanete Boschetti (<strong>20</strong>06) destacam que<br />

o Plano Beveridge padroniz<strong>ou</strong> os benefícios existentes <strong>na</strong> Inglaterra e incluiu novos, como<br />

seguro de acidente de trabalho, abono familiar (salário-família), seguro-desemprego e<br />

<strong>ou</strong>tros seis auxílios sociais: funeral, materni<strong>da</strong>de, abono nupcial, benefícios para esposas<br />

abando<strong>na</strong><strong>da</strong>s, assistência às do<strong>na</strong>s de casa enfermas e auxílio-trei<strong>na</strong>mento para quem<br />

trabalhava por conta própria.<br />

De acordo com Paul Durand (1991), o Plano Beveridge teve profun<strong>da</strong> infl uência no<br />

continente europeu, onde diversos países reformaram seus sistemas de proteção <strong>social</strong>,<br />

anteriormente limitados à cobertura de riscos sociais no modelo de seguro <strong>social</strong> contributivo.<br />

O plano aponta para um modelo de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> oposto à lógica de seguro <strong>social</strong>, que<br />

entende a previdência <strong>social</strong> limita<strong>da</strong>, por exemplo, a um seguro e com funcio<strong>na</strong>mento igual<br />

a de um plano privado.<br />

(*) Evilásio Salvador - Economista, Mestre em Política Social e d<strong>ou</strong>torando em Política Social <strong>na</strong> Universi<strong>da</strong>de de Brasília. As-<br />

sessor de política fi scal e orçamentária do Instituto de Estudos Socieconômicos. e-mail: evilasio@inesc.org.br. Divulgação do<br />

texto autorizado pelo Autor<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

No período do apogeu do Estado Social, os países capitalistas desenvolvidos coorde<strong>na</strong>ram<br />

e expandiram os sistemas de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> com incremento de benefícios. A Europa<br />

ocidental ampli<strong>ou</strong> a cobertura <strong>social</strong> de forma integral e universal, enquanto nos Estados<br />

Unidos a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> foi expandi<strong>da</strong> de forma gradual. Em quase todos os países, os<br />

gastos com educação e saúde cresceram tanto em termos absolutos como em proporção do<br />

Produto Interno Bruto (PIB). Assim, também ocorreu a expansão dos programas habitacio<strong>na</strong>is,<br />

com os governos intervindo mediante subsídios, créditos e aju<strong>da</strong> (Johnson, 1990).<br />

Josep Calvet (1995) destaca quatro razões econômicas para justifi car a existência e a<br />

instituição de políticas sociais públicas: falha do mercado capitalista; distribuição de ren<strong>da</strong><br />

pelo sistema de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>; redução <strong>da</strong> fl utuação e <strong>da</strong>s instabili<strong>da</strong>des econômicas;<br />

a melhoria <strong>da</strong> efi ciência do sistema econômico. Nesse último elemento, o autor observa a<br />

importância <strong>da</strong> proteção <strong>social</strong> para estabilização anticíclica automática em momento de<br />

desemprego. Isso acontece porque a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> permite manter eleva<strong>da</strong> deman<strong>da</strong><br />

efetiva por meio do pagamento de pensões, aposentadorias, ren<strong>da</strong>s mínimas e programas<br />

<strong>da</strong> assistência <strong>social</strong> que promovam maior estabili<strong>da</strong>de ao sistema capitalista.<br />

Caso brasileiro<br />

Em que pese a infl uência do Plano Beveridge sobre os teóricos <strong>da</strong> previdência e o<br />

aparecimento de algumas dessas idéias em documentos ofi ciais do Ministério do Trabalho<br />

e Emprego (responsável, à época, pela previdência <strong>social</strong>), jamais essas teses foram<br />

integralmente incorpora<strong>da</strong>s no Brasil.<br />

A perspectiva e a intencio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de de transfi gurar a previdência em seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> não se<br />

iniciaram <strong>na</strong> Constituição de 1988. Pelo contrário,essas idéias já existiam, há bastante tempo,<br />

no debate de especialistas e técnicos(as) vinculados(as) à área previdenciária. Nesse sentido,<br />

a infl uência <strong>da</strong>s idéias de Beveridge foi parcial, lenta, gradual e limita<strong>da</strong>, permanecendo, ain<strong>da</strong><br />

hoje, a tensão entre consoli<strong>da</strong>r uma seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> pública, ampla e universal <strong>ou</strong> restringir<br />

sua função pública às cama<strong>da</strong>s mais pobres <strong>da</strong> população (Boschetti, <strong>20</strong>03; <strong>20</strong>06).<br />

Na Constituição brasileira, seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> é um conjunto integrado de ações do<br />

Estado e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, volta<strong>da</strong>s para assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência<br />

e à assistência <strong>social</strong>, incluindo, também, a proteção ao trabalhador e à trabalhadora<br />

desemprega<strong>da</strong> via seguro-desemprego.<br />

Pela lei, o fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> compreende, além <strong>da</strong>s contribuições<br />

previdenciárias, recursos orçamentários desti<strong>na</strong>dos a esse fi m e organizados em um único<br />

orçamento.<br />

O desenho <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> brasileira, ain<strong>da</strong> que de forma limita<strong>da</strong>, guar<strong>da</strong> alguma<br />

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<strong>ANFIP</strong><br />

99


100<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

semelhança com o conteúdo e com a orientação <strong>da</strong>s políticas do Estado Social dos países<br />

centrais.<br />

Porém, as características do nosso mercado de trabalho – com o predomínio de relações<br />

informais de trabalho a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1980 e a eleva<strong>da</strong> concentração de ren<strong>da</strong> –<br />

tor<strong>na</strong>ram mais difíceis a universalização dos benefícios sociais (Salvador; Boschetti, <strong>20</strong>03).<br />

As políticas sociais não transitaram para o âmbito de um contrato <strong>social</strong> nos moldes do<br />

Estado Social dos países desenvolvidos, materializando os princípios e meios para assegurar<br />

amplos direitos fun<strong>da</strong>dos <strong>na</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia (Mota, <strong>20</strong>00a).<br />

A implementação do conceito de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, previsto no artigo 194 <strong>da</strong> Constituição<br />

Federal, já seria um enorme desafi o em condições mais favoráveis aos movimentos <strong>da</strong><br />

classe trabalhadora e à socie<strong>da</strong>de organiza<strong>da</strong>. A situação tor<strong>na</strong>-se desfavorável para quem<br />

defende os direitos sociais a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990, com nova hegemonia burguesa, de<br />

cunho neoliberal, que potencializa novas e antigas difi cul<strong>da</strong>des para consoli<strong>da</strong>r a seguri<strong>da</strong>de<br />

<strong>social</strong> no Brasil.<br />

No tocante à questão previdenciária, as alterações realiza<strong>da</strong>s pela Constituição de<br />

1988, embora tenham mantido a lógica do seguro previdenciário, representaram ver<strong>da</strong>deira<br />

reforma <strong>da</strong> previdência, no sentido de sua ampliação e generalização para um número<br />

maior de trabalhadores e trabalhadoras. A reforma que se materializa, em 1998, por meio <strong>da</strong><br />

Emen<strong>da</strong> Constitucio<strong>na</strong>l <strong>20</strong> 47 , pôde ser identifi ca<strong>da</strong> como uma contra-reforma do movimento<br />

consoli<strong>da</strong>do <strong>na</strong> Constituição de 1988, visto que aponta um caminho inverso para a previdência<br />

(Salvador; Boschetti, <strong>20</strong>02).<br />

Tal reforma foi encara<strong>da</strong> como uma necessi<strong>da</strong>de de equilibrar as contas públicas e<br />

solucio<strong>na</strong>r a “crise fi scal” do Estado, limitando-se a uma visão míope de equilíbrio <strong>da</strong>s contas<br />

públicas, muito mais volta<strong>da</strong> para a realização de superávit primário. Constituiu um elemento<br />

importante de justifi cativa <strong>da</strong> reforma <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong>, em 1998, o fato de o governo, a<br />

imprensa e muitos a<strong>na</strong>listas apontarem o sistema previdenciário brasileiro como defi citário<br />

e causador do défi cit público. Tais alegações se fun<strong>da</strong>mentam nos valores previstos no<br />

Orçamento Geral <strong>da</strong> União (OGU), nos últimos <strong>anos</strong>, para as despesas previdenciárias, mas<br />

são controversos diante dos ditados constitucio<strong>na</strong>is sobre o assunto.<br />

Do ponto de vista orçamentário, 48 a Constituição brasileira defi niu, no seu artigo 165,<br />

para as três esferas de governo, que a Lei Orçamentária Anual (LOA) será composta<br />

pelo Orçamento Fiscal, pelo Orçamento de Investimentos <strong>da</strong>s Empresas Estatais e pelo<br />

orçamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> – não havendo, no âmbito constitucio<strong>na</strong>l, qualquer referência<br />

a um orçamento específi co para a previdência <strong>social</strong>. O que tradicio<strong>na</strong>lmente os dirigentes<br />

<strong>da</strong> previdência <strong>social</strong> brasileira divulgam é o resultado fi <strong>na</strong>nceiro do Regime Geral <strong>da</strong><br />

(47) Emen<strong>da</strong> Constitucio<strong>na</strong>l <strong>20</strong>, de 15 de dezembro de 1998, que modifi ca o sistema de previdência <strong>social</strong>, estabelece normas<br />

de transição e dá <strong>ou</strong>tras providências.<br />

(48) Sobre orçamento público no Brasil, consultar Roberto Piscitelli, Maria Timbó e Maria Rosa (<strong>20</strong>02)<br />

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<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Previdência Social (RGPS), por meio do contraste entre a arreca<strong>da</strong>ção líqui<strong>da</strong> e as despesas<br />

com benefícios previdenciários do Instituto Nacio<strong>na</strong>l de Seguri<strong>da</strong>de Social (INSS).<br />

De forma inovadora, o legislador determin<strong>ou</strong> a criação de um orçamento com recursos<br />

próprios e exclusivos para as políticas <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> (saúde, previdência e assistência<br />

<strong>social</strong>), distinto <strong>da</strong>quele que fi <strong>na</strong>ncia as demais políticas de governo.<br />

Entretanto, o orçamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> torn<strong>ou</strong>-se “letra morta” <strong>na</strong> <strong>constituição</strong>.<br />

Todos os governos que passaram pelo Palácio do Pla<strong>na</strong>lto desde 1988 não transformaram o<br />

dito constitucio<strong>na</strong>l em ação efetiva. Pelo contrário, apropriaram-se <strong>da</strong>s contribuições sociais<br />

desti<strong>na</strong><strong>da</strong>s para fi ns <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, utilizando-as para <strong>ou</strong>tras políticas de cunho fi scal,<br />

até mesmo para o pagamento dos encargos fi <strong>na</strong>nceiros <strong>da</strong> União (amortização e juros <strong>da</strong><br />

dívi<strong>da</strong>) e para realização de “caixa”, visando garantir o superávit primário, principalmente<br />

nos <strong>anos</strong> recentes.<br />

Orçamento e política fi scal<br />

A compreensão mais ampla do orçamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> deve considerar<br />

o quadro tributário e fi scal constituído no país <strong>na</strong> última déca<strong>da</strong>. No bojo <strong>da</strong>s políticas<br />

macroeconômicas que deram sustentação ao Plano Real, a política fi scal foi determi<strong>na</strong>nte<br />

e seguiu à risca as recomen<strong>da</strong>ções de organismos multilaterais, como o Fundo Monetário<br />

Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l (FMI). Em 1993, os economistas formuladores do Plano Real, com a pretensa<br />

defesa dos equilíbrios <strong>da</strong>s contas públicas brasileiras, defenderam a criação do Fundo Social<br />

de Emergência (FSE), instituído por meio <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucio<strong>na</strong>l de Revisão 1, de 1994,<br />

que permitiu a desvinculação de <strong>20</strong>% dos recursos desti<strong>na</strong>dos às políticas <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de<br />

<strong>social</strong>.<br />

Nos exercícios fi <strong>na</strong>nceiros de 1994 e 1995, por meio do Fundo de Estabilização Fiscal<br />

(FEF) – Emen<strong>da</strong>s Constitucio<strong>na</strong>is 10 e 17 e, posteriormente, Emen<strong>da</strong> Constitucio<strong>na</strong>l 27, que<br />

cri<strong>ou</strong> a Desvinculação <strong>da</strong>s Receitas <strong>da</strong> União (DRU) –, garante-se a desvinculação de <strong>20</strong>%<br />

<strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção de impostos e contribuições sociais até o fi m deste ano. Dando seqüência<br />

à mesma política fi scal do governo anterior, a equipe econômica do governo do Presidente<br />

Lula, sob alegação de que a “economia brasileira ain<strong>da</strong> requer cui<strong>da</strong>dos”, manteve, no âmbito<br />

<strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucio<strong>na</strong>l 42 (reforma tributária), a prorrogação <strong>da</strong> DRU 49 até <strong>20</strong>07.<br />

O orçamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> cheg<strong>ou</strong> a ser elaborado nos primeiros <strong>anos</strong> após a<br />

regulamentação <strong>da</strong>s leis de custeio e de benefício <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong>. Em 1993 e 1994,<br />

apareceu como proposta do Conselho Nacio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, mas essa orientação<br />

(49) A DRU apresenta algumas modifi cações com relação ao FSE, pois não afeta a base de cálculo <strong>da</strong>s transferências a<br />

estados, Distrito Federal e municípios, nem a <strong>da</strong>s aplicações em programa de fi <strong>na</strong>nciamento ao setor produtivo <strong>da</strong>s regiões<br />

Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Também não estão sujeitas à DRU: as contribuições sociais do empregador incidente sobre<br />

a folha de salários; as contribuições de trabalhadores(as) e dos demais segurados(as) <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong>; a parte <strong>da</strong> CPMF<br />

desti<strong>na</strong><strong>da</strong> ao Fundo de Combate e Erradicação <strong>da</strong> Pobreza; e a arreca<strong>da</strong>ção do salário-educação.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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102<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

não prevaleceu. O conselho tinha a missão de articular e sistematizar um orçamento<br />

previamente debatido com as áreas responsáveis pela previdência <strong>social</strong>, pela saúde e pela<br />

assistência <strong>social</strong>. Porém, perdeu, paulati<strong>na</strong>mente, as atribuições e acab<strong>ou</strong> sendo extinto<br />

pela Medi<strong>da</strong> Provisória (MP) 1.799-5 de 1999.<br />

Os balanços <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> vêm sendo pesquisados e divulgados pela Associação<br />

Nacio<strong>na</strong>l dos Fiscais de Contribuições Previdenciárias (Anfi p), pelo Instituto de Pesquisa<br />

Econômica Aplica<strong>da</strong> (Ipea) e pelo Tribu<strong>na</strong>l de Contas <strong>da</strong> União (TCU). A Anfi p e o Ipea<br />

consideram como receitas: Contribuição para o Fi<strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

(Cofi ns), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição Provisória sobre a<br />

Movimentação <strong>ou</strong> Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Fi<strong>na</strong>nceira<br />

(CPMF), as contribuições de pessoas emprega<strong>da</strong>s e empregadores sobre a folha de salários<br />

e mais o Simples. 50<br />

Nesse balanço, o Ipea inclui, ain<strong>da</strong>, como despesas, a parte do Programa de Integração<br />

Social (PIS) que fi <strong>na</strong>ncia o seguro-desemprego e o Plano de Seguri<strong>da</strong>de Social do Servidor<br />

Público (CSSP), considerando o pagamento dos benefícios previdenciários urb<strong>anos</strong> e rurais,<br />

os benefícios assistenciais e as ações do Sistema Único de Saúde (SUS), saneamento<br />

e custeio do Ministério <strong>da</strong> Saúde. Com ressalvas, considera, também, os gastos com a<br />

previdência de i<strong>na</strong>tivos e pensionistas <strong>da</strong> União.<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

IPEA<br />

TCU<br />

Enti<strong>da</strong>de<br />

TESOURO NACIONAL<br />

TABELA 1<br />

Orçamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> (R$ bilhões)<br />

<strong>20</strong>04<br />

Saldo com DRU Saldo sem DRU<br />

17,63<br />

0,27<br />

-18,3<br />

-<br />

Fonte: Anfip, Ipea, TCU e STN. Elaboração: Departamento de Estudos Técnicos do U<strong>na</strong>fisco Sindical. Nota: a conta do Ipea de <strong>20</strong>05<br />

refere-se aos valores executados até 9 de julho de <strong>20</strong>05. Além disso, os <strong>da</strong>dos do Ipea de <strong>20</strong>04 estão deflacio<strong>na</strong>dos pelo IPCA. Na conta<br />

<strong>da</strong> Anfip, não estão considerados os pagamentos <strong>da</strong>s aposentadorias de servidores(as) públicos.<br />

O TCU limita-se a a<strong>na</strong>lisar a execução orçamentária ofi cial, fazendo ape<strong>na</strong>s alguns<br />

ajustes. Salienta, porém, que se não h<strong>ou</strong>vesse a DRU, a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> teria um resultado<br />

positivo de (3)A DRU apresenta algumas modifi cações com relação ao FSE, pois não afeta<br />

a base de cálculo <strong>da</strong>s transferências a estados, Distrito Federal e municípios, nem a <strong>da</strong>s<br />

aplicações em programa de fi <strong>na</strong>nciamento ao setor produtivo <strong>da</strong>s regiões Norte, Nordeste e<br />

Centro-Oeste. Também não estão sujeitas à DRU: as contribuições sociais do empregador<br />

(50) Sistema Integrado de Imposto e Contribuições <strong>da</strong>s Microempresas e <strong>da</strong>s Empresas de Pequeno Porte.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

42,53<br />

27,73<br />

12,2<br />

-<br />

<strong>20</strong>05<br />

Saldo com DRU Saldo sem DRU<br />

24,7<br />

0,49<br />

-14,1<br />

-14,4<br />

56,8<br />

13,79<br />

19,1<br />

17,6


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

incidente sobre a folha de salários; as contribuições de trabalhadores(as) e dos demais<br />

segurados(as) <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong>; a parte <strong>da</strong> CPMF desti<strong>na</strong><strong>da</strong> ao Fundo de Combate e<br />

Erradicação <strong>da</strong> Pobreza; e a arreca<strong>da</strong>ção do salário-educação.<br />

R$ 19,1 bilhões, em <strong>20</strong>05, e de R$ 5,3 bilhões em <strong>20</strong>06. Após determi<strong>na</strong>ção <strong>da</strong> LDO<br />

<strong>20</strong>05, 51 a Secretaria do Tes<strong>ou</strong>ro Nacio<strong>na</strong>l (STN) pass<strong>ou</strong> a explicar o montante de recursos<br />

desvinculados <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. No entanto, permanecem a falta de discrimi<strong>na</strong>ção e<br />

de clareza <strong>na</strong> divulgação dos <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> execução orçamentária, pois <strong>na</strong> apresentação <strong>da</strong><br />

execução orçamentária compilam-se impostos e recursos oriundos <strong>da</strong> DRU.<br />

Em <strong>20</strong>05, foram desvinculados R$ 32 bilhões <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. Em <strong>20</strong>06, os <strong>da</strong>dos<br />

divulgados pela STN indicam que as receitas desvia<strong>da</strong>s <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, por meio<br />

<strong>da</strong> DRU, alcançaram R$ 33,8 bilhões. Portanto, em ape<strong>na</strong>s dois <strong>anos</strong> de existência <strong>da</strong><br />

legislação, foram retirados R$ 65,8 bilhões, que entraram nos cofres públicos para serem<br />

aplicados <strong>na</strong>s políticas de assistência <strong>social</strong>, previdência e saúde. Assim, se fossem<br />

incluí<strong>da</strong>s essas receitas desvia<strong>da</strong>s, teríamos, pelos <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> STN, um saldo superavitário<br />

<strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> de R$ 17,6 bilhões, em <strong>20</strong>05, e de R$ 4,4 bilhões em <strong>20</strong>06.<br />

Portanto, por meio <strong>da</strong> DRU, ocorre uma perversa alquimia que transforma os recursos<br />

desti<strong>na</strong>dos ao fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> em recursos fi scais para a composição<br />

do superávit primário e, por conseqüência, a sua utilização em pagamento de juros <strong>da</strong><br />

dívi<strong>da</strong> (Salvador; Boschetti, <strong>20</strong>06). A Tabela 1 apresenta os resultados <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de<br />

<strong>social</strong>. Seja qual for o critério, ao desconsiderar os recursos desviados por meio <strong>da</strong> DRU,<br />

o saldo é positivo, variando, conforme o órgão <strong>ou</strong> a enti<strong>da</strong>de, de R$ 17 bilhões a R$ 57<br />

bilhões.<br />

A DRU é peça-chave <strong>na</strong> estratégia <strong>da</strong> política fi scal para a composição do superávit<br />

primário. Isso signifi ca que “por meio desse expediente, processa-se, então, uma<br />

transferência não desprezível de recursos do lado real <strong>da</strong> economia, e mais explicitamente,<br />

<strong>da</strong> área <strong>social</strong>, para a gestão fi <strong>na</strong>nceiriza<strong>da</strong> <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> pública” (Cardoso Jr.; Castro, <strong>20</strong>05,<br />

p. 14).<br />

Na visão de Francisco de Oliveira (1998), a formação do sistema capitalista é<br />

historicamente dependente de recursos públicos. A diferença no Welfare State é que<br />

essa dependência deixa de ser provisória e passa a ser, no capitalismo contemporâneo<br />

abrangente, estável e marca<strong>da</strong> por regras pactua<strong>da</strong>s pelos principais grupos sociais e<br />

políticos. Ocorre um “deslocamento <strong>da</strong> luta de classes <strong>da</strong> esfera <strong>da</strong> produção, do chão <strong>da</strong><br />

fábrica <strong>ou</strong> <strong>da</strong>s ofi ci<strong>na</strong>s <strong>ou</strong> ain<strong>da</strong> dos escritórios, para o orçamento do Estado” (Oliveira,<br />

Francisco, 1998, p. 53).<br />

De acordo com Jorge Castro, Manuel Moraes, Francisco Sadeck, Bruno Duarte e<br />

Helenne Simões (<strong>20</strong>06), a engenharia macroeconômica que permitiu o controle relativo<br />

(51) Lei 10.934, de 11 de agosto de <strong>20</strong>04.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

103


104<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

<strong>da</strong> infl ação pass<strong>ou</strong> pelo crescente endivi<strong>da</strong>mento fi <strong>na</strong>nceiro do país, pelo corte de gastos<br />

reais e pelo incremento de receitas próprias (apropriação maior de recursos por parte do<br />

governo central), sobretudo no segundo man<strong>da</strong>to de Fer<strong>na</strong>ndo Henrique Cardoso (1999–<br />

<strong>20</strong>02). A estratégia é manti<strong>da</strong> no governo Lula, que aprofun<strong>da</strong> o ajuste econômico em<br />

curso desde 1995, adotando políticas monetárias e fi scais restritivas.<br />

Fabrício de Oliveira (<strong>20</strong>06) destaca a função realiza<strong>da</strong> pelo sistema tributário brasileiro<br />

<strong>na</strong> déca<strong>da</strong> de 1990, observando que, ironicamente, a brutal elevação <strong>da</strong> carga tributária<br />

tenha acontecido exatamente em governos que aderiram às fórmulas mágicas conti<strong>da</strong>s<br />

<strong>na</strong>s recomen<strong>da</strong>ções do “Consenso de Washington” para “retirar” o Estado <strong>da</strong> economia. O<br />

caso brasileiro mostra que não se tratava ape<strong>na</strong>s de “retirar” o Estado <strong>da</strong> participação <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong> econômica, mas de: transformá-lo em instrumento de valorização do capital fi <strong>na</strong>nceiro,<br />

para ele garantindo a desti<strong>na</strong>ção de parcela substancial e crescente <strong>da</strong> riqueza produzi<strong>da</strong>,<br />

e que, inter alia, o sistema tributário desempenharia papel fun<strong>da</strong>mental nesse processo.<br />

(Oliveira, <strong>20</strong>06, p. 35)<br />

A Teoria <strong>da</strong>s Fi<strong>na</strong>nças Públicas preconiza que os tributos, em função <strong>da</strong> incidência<br />

e do comportamento com relação à ren<strong>da</strong> dos(as) contribuintes, podem ser regressivos,<br />

progressivos e proporcio<strong>na</strong>is. Um tributo é regressivo se tem relação inversa com o padrão<br />

de ren<strong>da</strong> do(a) contribuinte. A regressão ocorre porque pe<strong>na</strong>liza mais os(as) contribuintes<br />

de menor poder aquisitivo. O inverso ocorre quando o imposto é progressivo, pois aumenta<br />

a participação do(a) contribuinte à proporção que cresce sua ren<strong>da</strong>, “o que lhe imprime<br />

o caráter de progressivi<strong>da</strong>de e de justiça fi scal: arcam com maior ônus <strong>da</strong> tributação os<br />

indivíduos em melhores condições de suportá-la, <strong>ou</strong> seja, aqueles que obtêm maiores<br />

rendimentos” (Oliveira, <strong>20</strong>01, p. 72).<br />

Ao a<strong>na</strong>lisar a evolução <strong>da</strong> Carga Tributária no Brasil (CTB), um conjunto de estudos<br />

tem demonstrado seu forte aumento nos últimos <strong>anos</strong>, saltando de 29% para 36% do PIB 52<br />

de 1994 a <strong>20</strong>05 – mais alta que a de muitos países centrais.<br />

Mas ao contrário dos países desenvolvidos, o Brasil tira a maior parte de sua receita<br />

de tributos indiretos e cumulativos, que oneram mais a classe trabalhadora e a classe<br />

média, pois têm alta carga tributária sobre o consumo – mais <strong>da</strong> metade <strong>da</strong> carga provém<br />

de tributos que incidem sobre bens e serviços – e uma baixa tributação sobre a ren<strong>da</strong>: 25%<br />

<strong>da</strong> tributação total (Salvador, <strong>20</strong>07).<br />

Situação inversa é a estrutura tributária dos países <strong>da</strong> Organização para a Cooperação<br />

Econômica e o Desenvolvimento (OCDE): os impostos sobre consumo representam 32,1%<br />

<strong>da</strong> tributação total, em média; o imposto sobre a ren<strong>da</strong> representa 35,4% <strong>da</strong> tributação<br />

total. 53<br />

(52) Ver, nesse sentido: Secretaria <strong>da</strong> Receita Federal (<strong>20</strong>04)<br />

(53) Dados <strong>da</strong> OCDE disponíveis em: . Acesso em: 7 nov. <strong>20</strong>07.<br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Estudo de 1996, realizado com base <strong>na</strong> Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do<br />

Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE), revela que, no Brasil, quem ganha<br />

até dois salários mínimos gasta 26% de sua ren<strong>da</strong> no pagamento de tributos indiretos,<br />

enquanto o peso <strong>da</strong> carga tributária para as famílias com ren<strong>da</strong> superior a 30 salários<br />

mínimos corresponde ape<strong>na</strong>s a 7% (Vian<strong>na</strong>; Magalhães; Siveira; Tomich, <strong>20</strong>01). A POF<br />

<strong>20</strong>02–<strong>20</strong>03 mostra que essa regressivi<strong>da</strong>de vem aumentando: as famílias com ren<strong>da</strong><br />

de até dois salários mínimos passaram a ter carga tributária indireta de 46% <strong>da</strong> ren<strong>da</strong><br />

familiar enquanto aquelas com ren<strong>da</strong> superior a 30 salários mínimos gastam 16% <strong>da</strong> ren<strong>da</strong><br />

em tributos indiretos (Zockun, <strong>20</strong>05). Nesse sentido, merece destaque a observação de<br />

Fer<strong>na</strong>ndo Cardim de Carvalho no relatório <strong>20</strong>05 do Observatório <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia:<br />

O Estado brasileiro torn<strong>ou</strong>-se ca<strong>da</strong> vez mais um Robin Hood às avessas, dependendo<br />

pesa<strong>da</strong>mente dos chamados impostos indiretos (sobre produtos) que incidem, também,<br />

sobre produtos de consumo popular, utilizando uma proporção excepcio<strong>na</strong>lmente alta<br />

dessas receitas para transferir ren<strong>da</strong>s às classes médias e altas sob a forma de pagamento<br />

de juros. (Carvalho, OC <strong>20</strong>05, p. 34) Ricardo Varsano et al (1998) e José Afonso e Érika<br />

Araújo (<strong>20</strong>04).<br />

O aumento <strong>da</strong> carga tributária indireta ocorreu, principalmente, por causa <strong>da</strong>s<br />

modifi cações <strong>na</strong> legislação <strong>da</strong> Cofi ns. Em 1998, diante do agravamento <strong>da</strong> crise fi <strong>na</strong>nceira<br />

no Brasil, que nos lev<strong>ou</strong> a fi rmar um acordo com o FMI, o governo federal lanç<strong>ou</strong> um “pacote<br />

fi scal”, incluindo um conjunto de medi<strong>da</strong>s com o objetivo de aumentar a arreca<strong>da</strong>ção e<br />

assegurar superávit primário fi scal, em 1999, de R$ 31 bilhões (3,1% PIB).<br />

Entre as muitas medi<strong>da</strong>s anuncia<strong>da</strong>s no “Pacote 51” – que permitiu ao governo de<br />

Fer<strong>na</strong>ndo Henrique Cardoso assegurar as chama<strong>da</strong>s “receitas extraordinárias” –, destaca-<br />

se a alteração <strong>da</strong> legislação <strong>da</strong> contribuição para o PIS e a Cofi ns.<br />

No governo Lula, a Lei 10.833/<strong>20</strong>04 instituiu a não-cumulativi<strong>da</strong>de e elev<strong>ou</strong> a alíquota<br />

<strong>da</strong> contribuição de 3% para 7,6% (Salvador, <strong>20</strong>07).<br />

As alterações realiza<strong>da</strong>s <strong>na</strong> legislação tributária após 1996 agravam a regressivi<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> carga tributária brasileira. Com isso, vem aumentando a incidência tributária sobre<br />

bens e serviços (consumo), saltando de 17,2% do PIB, em 1996, para <strong>20</strong>,8% em <strong>20</strong>05<br />

(Hickmann; Salvador, <strong>20</strong>06).<br />

Entre os motivos do crescente aumento <strong>da</strong>s contribuições sociais <strong>na</strong> carga tributária<br />

brasileira, o principal é que as contribuições não são partilha<strong>da</strong>s com estados e municípios,<br />

sendo uma forma de o governo produzir folga de caixa, mesmo durante períodos de<br />

retração <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de econômica. Assim, nos últimos <strong>anos</strong>, vem ocorrendo redução <strong>da</strong><br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

participação <strong>da</strong>s esferas sub<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is 54 no total <strong>da</strong> Receita Tributária Disponível (Afonso;<br />

Araújo, <strong>20</strong>04).<br />

Érika Araújo (<strong>20</strong>05) destaca que o aumento <strong>da</strong> participação <strong>da</strong>s contribuições sociais<br />

<strong>na</strong> arreca<strong>da</strong>ção tributária <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l – embora tenha como justifi cativa o fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong><br />

seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> – está intimamente vincula<strong>da</strong> ao ajuste fi scal a que todo o setor público<br />

foi submetido a partir de 1999. Por meio de medi<strong>da</strong>s de desvinculação tributária, parte <strong>da</strong><br />

receita dessas contribuições são desvia<strong>da</strong>s de sua fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>de. Com isso, passam a auxiliar<br />

a obtenção de metas ca<strong>da</strong> vez mais eleva<strong>da</strong>s de superávit fi scal. A autora questio<strong>na</strong> a<br />

estratégia e o interesse do governo federal, diante <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de recursos fi scais para<br />

ajustar as receitas às despesas, em arreca<strong>da</strong>r contribuições sociais em vez de impostos.<br />

Outra questão relevante é a ausência de repasse imediato e <strong>da</strong> gestão própria <strong>da</strong>s<br />

contribuições sociais desti<strong>na</strong><strong>da</strong>s à seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, conferindo ao governo federal<br />

eleva<strong>da</strong> autonomia para aplicação de recursos de acordo com suas necessi<strong>da</strong>des fi scais.<br />

Nesse sentido, Érika Araújo (<strong>20</strong>05) enfatiza a utilização de dois artifícios.<br />

O primeiro é o contingenciamento <strong>da</strong>s dotações orçamentárias, possibilitado pela<br />

centralização dos recursos <strong>na</strong> Conta Única do Tes<strong>ou</strong>ro Nacio<strong>na</strong>l. Isso assegura ao poder<br />

Executivo a opção de que as despesas autoriza<strong>da</strong>s <strong>na</strong> lei orçamentária sejam adia<strong>da</strong>s <strong>ou</strong><br />

simplesmente não executa<strong>da</strong>s porque dependem <strong>da</strong> liberação dos recursos. Assim, em<br />

nome <strong>da</strong> fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, são instituí<strong>da</strong>s contribuições para custear as despesas, mas<br />

por meio do seu entes<strong>ou</strong>ramento nos cofres <strong>da</strong> União, as contribuições sociais termi<strong>na</strong>m<br />

servindo para elevar o superávit primário. O segundo expediente consiste em se apropriar<br />

dos recursos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> por meio <strong>da</strong> conversão em recursos ordinários de livre<br />

aplicação orçamentária.<br />

Fi<strong>na</strong>nciamento e controvérsias 55<br />

O debate sobre as formas de fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> no Brasil, a partir <strong>da</strong><br />

Constituição de 1988, revela as divergências entre quem defende o princípio <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> Carta Mag<strong>na</strong> e quem defende a separação <strong>da</strong>s fontes de custeio <strong>da</strong>s políticas de<br />

previdência, assistência <strong>social</strong> e saúde.<br />

Essas controvérsias entre especialistas sobre o fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong><br />

fi caram evidentes durante os debates sobre a Revisão Constitucio<strong>na</strong>l (1993 e 1994). Em<br />

defesa <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de, Sulamis Dain, Laura Tavares e Marta Castilho (1993) relatam que,<br />

(54) Esse fenômeno traz implicações consideráveis para a discussão do federalismo no Brasil. Sobre essa problemática, ver<br />

o livro, publicado em <strong>20</strong>03, Descentralização e federalismo fi scal no Brasil, organizado por Fer<strong>na</strong>ndo Rezende e Fabrício de<br />

Oliveira. Os autores abor<strong>da</strong>m o i<strong>na</strong>dequado fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> federação, discutindo a partilha de recursos e de distribuição de<br />

encargos entre as uni<strong>da</strong>des de governo, em seus três níveis.<br />

(55) Essa seção reproduz partes e argumentos desenvolvidos por Ivante Boschetti e Evilásio Salvador (<strong>20</strong>06), com atualiza-<br />

ções estatísticas para <strong>20</strong>06.<br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

<strong>na</strong> experiência inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, o fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> é baseado, de forma<br />

crescente, em mix de receitas tributárias e contribuições sobre a folha de salários, com<br />

o objetivo de contemplar uma concepção de benefícios desti<strong>na</strong>dos tanto a contribuintes<br />

diretos dos programas, como também aqueles desti<strong>na</strong>dos a ci<strong>da</strong>dãos e ci<strong>da</strong>dãs, nos<br />

casos de cobertura universal dos programas. O movimento de diversifi cação <strong>da</strong>s bases<br />

de fi <strong>na</strong>nciamento tem como corolário a vinculação dos recursos e a <strong>constituição</strong> de um<br />

orçamento próprio para institucio<strong>na</strong>lizar a precedência de seus compromissos de cobertura<br />

sobre os demais gastos do governo.<br />

No sentido oposto, Kaisô Beltrão, Ber<strong>na</strong>rdo Lustosa, Francisco de Oliveira e Maria<br />

Pasi<strong>na</strong>to (1993) defendem que o “conceito de Seguri<strong>da</strong>de Social” seja mantido, mas com a<br />

separação efetiva de seus componentes: seguro <strong>social</strong> (previdência), saúde e assistência<br />

<strong>social</strong> – nos pl<strong>anos</strong> dos conceitos, de custeio e operacio<strong>na</strong>l. Os autores são contrários à<br />

existência de um orçamento único para a seguri<strong>da</strong>de, defendendo a separação <strong>da</strong>s fontes<br />

de custeios com três orçamentos independentes e com o fi <strong>na</strong>nciamento de ca<strong>da</strong> programa<br />

por uma lógica própria em termos de regime fi <strong>na</strong>nceiro, tipo de estrutura do plano de<br />

benefícios, base de incidência e agente econômico. Infelizmente, essa visão foi reforça<strong>da</strong><br />

a partir <strong>da</strong> reforma <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong> de 1998.<br />

De acordo com Eduardo Fag<strong>na</strong>ni (<strong>20</strong>01), o estudo sobre o fi <strong>na</strong>nciamento e os gastos<br />

sociais traz pistas sobre o alcance, os limites e o caráter redistributivo <strong>da</strong>s políticas sociais.<br />

No plano geral, o estudo dos mecanismos de fi <strong>na</strong>nciamento e gasto revela as relações<br />

existentes entre a política <strong>social</strong> avalia<strong>da</strong> e a política econômica geral do governo.<br />

A <strong>na</strong>tureza <strong>da</strong>s fontes de fi <strong>na</strong>nciamento é importante indicador <strong>na</strong> avaliação <strong>da</strong>s políticas<br />

sociais. Os recursos fi scais que advêm <strong>da</strong>s receitas de impostos e taxas apresentam maior<br />

potencial redistributivo, mas são os menos utilizados no fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de<br />

<strong>social</strong>. As contribuições sociais são recursos parafi scais custeados por empresas e pela<br />

classe trabalhadora e se constituem, no Brasil, <strong>na</strong> principal fonte de fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong><br />

seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. Essa base de custeio não atende ple<strong>na</strong>mente ao objetivo <strong>da</strong> eqüi<strong>da</strong>de<br />

e tem caráter regressivo. Quando o acesso ao benefício depende <strong>da</strong> contribuição (por<br />

exemplo, <strong>na</strong> previdência <strong>social</strong>), uma parcela signifi cativa de pessoas fi ca excluí<strong>da</strong> do<br />

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sistema.<br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Do ponto de vista metodológico, o conceito de fonte de fi <strong>na</strong>nciamento adotado neste<br />

artigo é o mesmo utilizado <strong>na</strong> elaboração e <strong>na</strong> execução orçamentária <strong>da</strong> União, referindo-<br />

se à desti<strong>na</strong>ção dos recursos durante a execução do orçamento e não especifi camente à<br />

sua arreca<strong>da</strong>ção.<br />

Para tanto, adota-se o conceito de despesa liqui<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>na</strong>s funções: assistência <strong>social</strong>,<br />

previdência <strong>social</strong> e saúde dos orçamentos fi scal e <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> dos <strong>anos</strong> <strong>20</strong>00 a<br />

<strong>20</strong>06, que seguem classifi cação funcio<strong>na</strong>l defi ni<strong>da</strong> <strong>na</strong> Portaria/SOF 42, de 14 de abril de<br />

1999. 56 Ca<strong>da</strong> uma dessas funções possui subfunções que abrangem diversos programas<br />

e diversas ações, conforme a concepção assumi<strong>da</strong> pelo poder Executivo para essas<br />

políticas.<br />

A Tabela 2 apresenta os <strong>da</strong>dos referentes à importância relativa de ca<strong>da</strong> fonte no<br />

fi <strong>na</strong>nciamento dos gastos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> no período de 1999 a <strong>20</strong>06. As fontes<br />

de recursos que predomi<strong>na</strong>m nos <strong>anos</strong> estu<strong>da</strong>dos são as contribuições sociais, 57 em<br />

contraste com os recursos advindos de impostos.<br />

As contribuições obrigam o Estado a aplicar os recursos no destino estabelecido<br />

quando <strong>da</strong> criação do tributo – sua instituição deve atender a uma fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>de específi ca.<br />

Assim, as contribuições têm um caráter parafi scal no sentido de que seu objetivo<br />

não é arreca<strong>da</strong>r para responder às despesas fi scais do governo. As contribuições<br />

são arreca<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelo poder público em nome de enti<strong>da</strong>des com atribuições específi cas e<br />

que possuem orçamento próprio, destacando-se aquelas desti<strong>na</strong><strong>da</strong>s ao fi <strong>na</strong>nciamento do<br />

sistema de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> (Araújo, <strong>20</strong>05; Revista Abop, 1998/1999).<br />

Os recursos provenientes dos impostos representaram, <strong>na</strong> média do período a<strong>na</strong>lisado,<br />

ape<strong>na</strong>s a quarta fonte de custeio <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> – 6,7% do total, com decréscimo<br />

de 44,1%. Em <strong>20</strong>06, os recursos ordinários (impostos) representaram somente 3,8% do<br />

total <strong>da</strong>s fontes de fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong>s políticas de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, indicando a menor<br />

participação no período (Tabela 2). Esse fato revela que a participação <strong>da</strong> fonte de recursos<br />

ordinários, aqueles advindos de impostos federais – o Imposto de Ren<strong>da</strong> e o Imposto sobre<br />

Produtos Industrializados (IPI) – e dos próprios recursos desvinculados <strong>da</strong>s contribuições<br />

(56) Por causa <strong>da</strong> <strong>ou</strong>tra estrutura orçamentária, os <strong>da</strong>dos de 1999 para as fontes de fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> saúde referem-se ao<br />

programa “saúde” <strong>da</strong> função saúde e saneamento e aos programas “previdência” e “assistência <strong>social</strong>” <strong>da</strong> função previdência<br />

e assistência.<br />

(57) Informações detalha<strong>da</strong>s sobre as contribuições sociais podem ser encontra<strong>da</strong>s <strong>na</strong> edição especial <strong>da</strong> Revista Abop, <strong>da</strong><br />

Associação Brasileira de Orçamento Público. A Abop defi ne que, a partir <strong>da</strong> Constituição Federal (CF), as contribuições sociais<br />

são considera<strong>da</strong>s tributos (art. 195 <strong>da</strong> CF), instituí<strong>da</strong>s em lei, com base no poder fi scal do Estado. “Como espécie tributária<br />

autônoma e específi ca, a contribuição se caracteriza por possuir um pressuposto de fato defi nido em lei, de forma típica,<br />

consistindo-se numa ativi<strong>da</strong>de estatal dirigi<strong>da</strong> à coletivi<strong>da</strong>de, que atinge determi<strong>na</strong>do grupo de pessoas. Essa contribuição dis-<br />

tingue-se dos tributos fi scais por estar vincula<strong>da</strong> e por ser delega<strong>da</strong> a um órgão público favorecido” (Revista Abop, 1998/1999,<br />

p. 30-31).<br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

sociais, está deixando de fi <strong>na</strong>nciar a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> e, nesse caso, não retor<strong>na</strong>ndo para<br />

as fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>des para as quais foi arreca<strong>da</strong><strong>da</strong>.<br />

Em 1999, os recursos desvinculados representaram, por meio do Fundo de Estabilização<br />

Fiscal, o custeio de ape<strong>na</strong>s 4,3% dos gastos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> (Tabela 2). Somente<br />

a desvinculação dos recursos arreca<strong>da</strong>dos com a Cofi ns e a CSLL, em 1999, totaliz<strong>ou</strong><br />

o montante de R$ 7,9 bilhões, retor<strong>na</strong>ndo para a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, por meio do FEF,<br />

somente 56% desse valor. Com aprovação <strong>da</strong> DRU, a partir de <strong>20</strong>00, não é mais possível<br />

visualizar os recursos desvinculados no fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. A DRU não<br />

está vincula<strong>da</strong> a qualquer fundo, ain<strong>da</strong> que somente contábil, como era o FEF. Essa<br />

regra impossibilita a distinção, <strong>na</strong> execução orçamentária, de qual parcela de recursos<br />

é originária de impostos gerais e qual é referente à desvinculação de recursos, já que<br />

ambas, agora, compõem a mesma fonte de recursos ordinários (Boletim Políticas Sociais<br />

– acompanhamento e análise, <strong>20</strong>04). Essa alteração fere os princípios orçamentários <strong>da</strong><br />

discrimi<strong>na</strong>ção e <strong>da</strong> clareza. 58<br />

Além disso, essa modifi cação signifi ca que os recursos desvinculados <strong>da</strong>s contribuições<br />

sociais, por meio <strong>da</strong> DRU, retor<strong>na</strong>m, ape<strong>na</strong>s em parte, sob a forma de recursos ordinários<br />

(conhecido como “fonte 100” <strong>na</strong> execução orçamentária) para o fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong>s<br />

políticas que integram a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. Portanto, os recursos provenientes de impostos<br />

apresentados <strong>na</strong> Tabela 2 podem ser, <strong>na</strong> reali<strong>da</strong>de, oriundos <strong>da</strong> desvinculação orçamentária<br />

que – graças à alquimia possibilita<strong>da</strong> pela DRU – se transformam em recursos ordinários,<br />

reforçando a tese <strong>da</strong> insignifi cante participação do orçamento fi scal no fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong><br />

seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> no Brasil.<br />

As contribuições sociais representaram, em média, 89,5% <strong>da</strong>s fontes de fi <strong>na</strong>nciamento<br />

<strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> no período de 1999 a <strong>20</strong>06. Entre as contribuições mais signifi cativas<br />

do período, destacam-se a Contribuição dos Empregadores e Trabalhadores para a<br />

Seguri<strong>da</strong>de Social (CETSS), 45,9%; a Cofi ns, 26,1%; e a CPMF, 8,1%.<br />

A análise <strong>da</strong>s principais fontes de fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong> no período de<br />

1999 a <strong>20</strong>06, revela que, em média, 58,1% dos recursos para custeio <strong>da</strong>s políticas do<br />

Sistema Previdenciário Brasileiro advêm <strong>da</strong> CETSS – <strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Contribuição<br />

Previdenciária do Regime Geral <strong>da</strong> Previdência Social. Em <strong>20</strong>06, esse tributo represent<strong>ou</strong><br />

46% do fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> (Tabela 2).<br />

Quem recebe menos, paga mais<br />

A contribuição do empregador corresponde a <strong>20</strong>% sobre o total <strong>da</strong>s remunerações pagas<br />

<strong>ou</strong> credita<strong>da</strong>s, a qualquer título, no decorrer do mês, às pessoas segura<strong>da</strong>s emprega<strong>da</strong>s<br />

(58) De acordo com Roberto Piscitelli, Maria Timbó e Maria Rosa: “O princípio <strong>da</strong> discrimi<strong>na</strong>ção [...] preconiza a identifi cação<br />

de ca<strong>da</strong> rubrica de receita e despesa, de modo que não fi gurem de forma engloba<strong>da</strong>” [...]. E o princípio <strong>da</strong> clareza signifi ca o<br />

óbvio: a evidenciação <strong>da</strong> contabili<strong>da</strong>de. “Por esse princípio, dever-se-ia priorizar o interesse dos usuários <strong>da</strong>s informações,<br />

sobretudo porque se está tratando de fi <strong>na</strong>nças públicas” (Piscitelli; Timbó; Rosa, <strong>20</strong>02, p. 46-47).<br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

que lhes prestam serviços, acrescidos de alíquota de 1% a 3% para o fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong>s<br />

prestações por acidente do trabalho, conforme o índice de risco.<br />

Já a contribuição de trabalhadores(as) é calcula<strong>da</strong> mediante a aplicação <strong>da</strong><br />

correspondente alíquota sobre o seu salário-de-contribuição mensal, limitado ao teto de<br />

R$ 318,37. 59 Cerca de dois terços do montante arreca<strong>da</strong>do advêm <strong>da</strong> contribuição de<br />

quem emprega e um terço de pessoas emprega<strong>da</strong>s (Ministério <strong>da</strong> Previdência Social,<br />

<strong>20</strong>06).<br />

No caso de quem emprega, a contribuição previdenciária compõe os encargos sociais<br />

<strong>da</strong>s empresas que, geralmente, são repassados aos preços dos bens e serviços vendidos,<br />

podendo-se constituir em um tributo sobre o consumo.<br />

A regressivi<strong>da</strong>de existe também no lado <strong>da</strong>s contribuições <strong>da</strong> classe trabalhadora, por<br />

causa <strong>da</strong> existência do teto de contribuição, signifi cando que contribuintes que recebem<br />

rendimentos abaixo do teto estão pagando proporcio<strong>na</strong>lmente mais sobre sua ren<strong>da</strong>.<br />

A título de exemplo, em agosto de <strong>20</strong>07, um trabalhador <strong>ou</strong> trabalhadora com ren<strong>da</strong><br />

mensal de R$ 4.160 pag<strong>ou</strong>, efetivamente, a título de contribuição previdenciária, o<br />

equivalente a 7,65% <strong>da</strong> sua ren<strong>da</strong>, <strong>ou</strong> seja, exatamente o mesmo percentual que um<br />

trabalhador <strong>ou</strong> trabalhadora que recebeu o salário mínimo (R$ 380). Acima de R$ 4.160,<br />

a regressivi<strong>da</strong>de se agrava.<br />

O baixo crescimento <strong>da</strong>s contribuições de quem emprega e de quem trabalha para<br />

a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> decorre do crescimento medíocre <strong>da</strong> economia nesse período, <strong>da</strong>s<br />

eleva<strong>da</strong>s taxas de desemprego e do aumento <strong>da</strong>s relações informais de trabalho.<br />

No período de 1999 a <strong>20</strong>06, as contribuições sociais representaram, em média, 81,4%<br />

<strong>da</strong>s fontes de fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> saúde <strong>na</strong> esfera federal. Entre as contribuições sociais<br />

destacam-se a CPMF, 33,6%, e a CSLL, 25,3%. Nos <strong>anos</strong> a<strong>na</strong>lisados, observa-se que<br />

a CSLL, que tinha participação relativa de ape<strong>na</strong>s 4,2%, em 1999, pass<strong>ou</strong> a representar<br />

44%, em <strong>20</strong>06 – um patamar superior ao fi <strong>na</strong>nciamento obtido por meio <strong>da</strong> CPMF (33,6%),<br />

que se constituiu, até <strong>20</strong>03, <strong>na</strong> principal fonte de fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> saúde.<br />

Convém fazer duas importantes observações sobre essas contribuições. A CSSL é<br />

o único tributo a fi <strong>na</strong>nciar a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> com base de cálculo no lucro líquido <strong>da</strong>s<br />

empresas, ajustado antes <strong>da</strong> provisão para o Imposto de Ren<strong>da</strong>. A partir de <strong>20</strong>05, a CSSL<br />

vem apresentando crescimento expressivo de arreca<strong>da</strong>ção. Tal crescimento não se deve a<br />

uma tributação maior dos grandes lucros, pois a legislação não foi modifi ca<strong>da</strong>. A explicação<br />

(59) Equivale à alíquota de 11% aplica<strong>da</strong> ao salário-de-contribuição máximo, R$ 2.894,28. Em agosto de <strong>20</strong>07, as faixas<br />

dos salários-de-contribuição eram: até R$ 868,29, alíquota de 7,65%; de R$ 868,30 até R$ 1.140, alíquota de 8,65%; de R$<br />

1.140,01 até R$ 1.447,14, alíquota de 9%; de R$ 1447,15 até R$ 2.894,28, alíquota de 11%.<br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

está <strong>na</strong> extraordinária multiplicação dos lucros <strong>da</strong>s empresas nos últimos <strong>anos</strong>. 60<br />

Fontes<br />

1. Recursos provenientes de impostos<br />

2. Contribuições sociais<br />

2.1 Contribuições dos Empregadores<br />

e dos Trabalhadores para a<br />

Seguri<strong>da</strong>de Social (CETSS)<br />

2.2 Contribuição sobre o Lucro (CSLL)<br />

2.3 Contribuição para Fi<strong>na</strong>nciamento<br />

<strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social (Cofins)<br />

2.4 Contribuição para o Plano de<br />

Seguri<strong>da</strong>de do Servidor<br />

2.5 Contribuição para o Custeio de<br />

Pensões Militares<br />

2.6 Contribuição Provisória sobre<br />

Movimentação Fi<strong>na</strong>nceira (CPMF)<br />

2.7 Ren<strong>da</strong> de loteria e concursos de<br />

prognósticos<br />

3. Outras fontes<br />

3.1 Recursos próprios fi<strong>na</strong>nceiros<br />

3.2 Recursos próprios não-fi<strong>na</strong>nceiros<br />

3.3 Recursos próprios<br />

3.4 Operação de crédito<br />

3.5 Outros<br />

4. Fundo de combate e erradicação à<br />

pobreza<br />

5. Fundo de Estabilização Fiscal (FEF)<br />

Total<br />

Total em R$ milhões correntes<br />

Fonte: Fontes: Sistema Integrado de Administração Fi<strong>na</strong>nceira do Governo Federal / Sistema Integrado de Dados (Siafi/Sidor).<br />

Disponíveis em: / . Acesso em: 7 nov.<br />

<strong>20</strong>07 Elaboração Própria.<br />

Com relação à CPMF, destaca-se que, a partir de 1999, deix<strong>ou</strong> de ser uma fonte<br />

de fi <strong>na</strong>nciamento exclusiva <strong>da</strong> saúde, passando, também, a compor o fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong>s<br />

despesas previdenciárias e, após <strong>20</strong>01, do Fundo de Combate à Pobreza. Uma análise<br />

<strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> CPMF e do seu destino evidencia que, do montante de R$ 185,9<br />

bilhões arreca<strong>da</strong>dos com esse tributo, no período de 1997 a <strong>20</strong>06, aproxima<strong>da</strong>mente<br />

18%, equivalentes a R$ 33,5 bilhões, não foram aplicados <strong>na</strong>s políticas de previdência<br />

(60) Ver, nesse sentido, o livro 10 <strong>anos</strong> de derrama: a distribuição <strong>da</strong> carga tributária no Brasil, organizado por Clair Hickmann<br />

e Evilásio Salvador (<strong>20</strong>06).<br />

Seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>: distribuição do percentual <strong>da</strong>s<br />

fontes de recursos 1999–<strong>20</strong>06<br />

1999<br />

6,8%<br />

86,2%<br />

47,9%<br />

4,9%<br />

23,5%<br />

2,5%<br />

0,0%<br />

7,4%<br />

0,0%<br />

2,7%<br />

0,3%<br />

0,7%<br />

1,0%<br />

0,3%<br />

1,3%<br />

0,0%<br />

4,3%<br />

100%<br />

<strong>20</strong>00<br />

3,7%<br />

91,0%<br />

47,5%<br />

6,1%<br />

25,3%<br />

2,0%<br />

0,0%<br />

10,1%<br />

0,0%<br />

5,2%<br />

0,3%<br />

1,0%<br />

1,3%<br />

0,5%<br />

3,4%<br />

0,0%<br />

0,0%<br />

100%<br />

102.022 118.119 136.476 155.166 181.066 212.346 240.089 240.089<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

TABELA 2<br />

<strong>20</strong>01<br />

9,2%<br />

88,0%<br />

46,6%<br />

4,8%<br />

26,1%<br />

2,4%<br />

0,0%<br />

8,0%<br />

0,0%<br />

1,9%<br />

0,3%<br />

0,9%<br />

1,2%<br />

0,4%<br />

0,2%<br />

0,9%<br />

0,0%<br />

100%<br />

<strong>20</strong>02<br />

8,9%<br />

88,4%<br />

45,5%<br />

6,4%<br />

26,0%<br />

2,3%<br />

0,0%<br />

8,2%<br />

0,0%<br />

1,7%<br />

0,4%<br />

0,8%<br />

1,3%<br />

0,4%<br />

0,1%<br />

1,1%<br />

0,0%<br />

100%<br />

<strong>20</strong>03<br />

9,4%<br />

88,8%<br />

44,6%<br />

6,8%<br />

27,2%<br />

2,0%<br />

0,0%<br />

8,2%<br />

0,0%<br />

1,2%<br />

0,2%<br />

0,8%<br />

0,9%<br />

0,2%<br />

0,1%<br />

0,6%<br />

0,0%<br />

100%<br />

<strong>20</strong>04<br />

6,3%<br />

90,1%<br />

44,3%<br />

7,0%<br />

28,3%<br />

2,4%<br />

0,4%<br />

7,6%<br />

0,1%<br />

1,3%<br />

0,4%<br />

0,7%<br />

1,1%<br />

0,1%<br />

0,1%<br />

2,3%<br />

0,0%<br />

100%<br />

<strong>20</strong>05<br />

5,6%<br />

91,1%<br />

44,9%<br />

7,4%<br />

26,7%<br />

4,4%<br />

0,4%<br />

7,3%<br />

0,0%<br />

1,3%<br />

0,0%<br />

0,6%<br />

0,7%<br />

0,1%<br />

0,5%<br />

2,1%<br />

0,0%<br />

100%<br />

<strong>20</strong>06<br />

3,8%<br />

92,5%<br />

46,2%<br />

8,4%<br />

25,6%<br />

4,3%<br />

0,4%<br />

7,7%<br />

0,0%<br />

1,3%<br />

0,4%<br />

0,7%<br />

1,1%<br />

0,1%<br />

0,1%<br />

2,4%<br />

0,0%<br />

100%<br />

Média sobre<br />

total<br />

6,7%<br />

89,5%<br />

45,9%<br />

6,5%<br />

26,1%<br />

2,8%<br />

0,1%<br />

8,1%<br />

0,0%<br />

2,1%<br />

0,3%<br />

0,8%<br />

1,1%<br />

0,3%<br />

0,7%<br />

1,2%<br />

0,5%<br />

100%<br />

-<br />

Variação<br />

99/<strong>20</strong>06<br />

-44,1%<br />

7,4%<br />

-3,4%<br />

69,5%<br />

8,8%<br />

68,4%<br />

-<br />

4,0%<br />

-<br />

-51,1%<br />

61,1%<br />

-8,5%<br />

9,7%<br />

-73,2%<br />

-91,7%<br />

-<br />

-<br />

-<br />

-<br />

111


112<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

<strong>social</strong>, saúde <strong>ou</strong> desti<strong>na</strong>dos ao Fundo de Combate e Erradicação <strong>da</strong> Pobreza (Hickmann;<br />

Salvador, <strong>20</strong>07). Esses recursos não aplicados <strong>na</strong>s políticas sociais foram desvinculados<br />

por meio do FEF <strong>ou</strong> <strong>da</strong> DRU e não retor<strong>na</strong>ram para aplicação <strong>na</strong>s políticas que justifi caram<br />

sua arreca<strong>da</strong>ção.<br />

O fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> política de saúde enfrenta problemas desde o início do Sistema<br />

Único de Saúde (SUS), cujo ápice foi a crise em 1993, quando o Ministério <strong>da</strong> Saúde<br />

teve que tomar recursos emprestados no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). A<br />

aprovação <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucio<strong>na</strong>l (EC) 29, em <strong>20</strong>00, foi um avanço para regularizar a<br />

aplicação de maneira estável de recursos no setor. Porém, a demora <strong>na</strong> regulamentação<br />

tem gerado um conjunto de questões de interpretação que prejudica a implementação <strong>da</strong><br />

emen<strong>da</strong>. A EC 29 estabeleceu a vinculação de recursos orçamentários <strong>da</strong> União, estados<br />

e municípios para as despesas de saúde, tendo como ponto de parti<strong>da</strong> o valor executado<br />

em 1999 acrescido de 5%.<br />

Para os <strong>anos</strong> seguintes, o valor apurado deve ser corrigido pela variação do PIB nomi<strong>na</strong>l.<br />

Rosa Marques e Áquilas Mendes (<strong>20</strong>05) destacam o não-cumprimento <strong>da</strong> EC 29, no período<br />

de <strong>20</strong>00 a <strong>20</strong>05, com aporte de recursos orçamentários inferior ao dito constitucio<strong>na</strong>l. De<br />

acordo com esses autores, o descumprimento <strong>da</strong> EC 29 pela União e estados alcança o<br />

montante de R$ 5,4 bilhões (R$ 1,8 bilhão <strong>da</strong> União e R$ 3,6 bilhões dos estados).<br />

No tocante ao fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> política de assistência <strong>social</strong>, observa-se que, no período<br />

de 1999 a <strong>20</strong>06, as contribuições sociais apresentaram variação negativa de 22%.<br />

Uma observação relevante diz respeito ao Fundo de Combate e Erradicação à Pobreza,<br />

criado pela Lei Complementar 111/<strong>20</strong>01, responsável, em <strong>20</strong>06, por 30,1% <strong>da</strong> função<br />

orçamentária <strong>da</strong> assistência <strong>social</strong>.<br />

Em que pese a classifi cação orçamentária do fundo aparecer <strong>na</strong> esfera <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de<br />

<strong>social</strong>, seus recursos podem ser aplicados em políticas que não compõem o sistema de<br />

seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> brasileiro, além de contrariar as determi<strong>na</strong>ções <strong>da</strong> Lei Orgânica <strong>da</strong><br />

Assistência Social (Loas) e do Fundo Nacio<strong>na</strong>l de Assistência Social (FNAS) (Boschetti,<br />

<strong>20</strong>03).<br />

A arreca<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Cofi ns represent<strong>ou</strong> 25,6% <strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> em<br />

<strong>20</strong>06 (Tabela 2). Porém, destaca-se que as instituições fi <strong>na</strong>nceiras têm aproveitado to<strong>da</strong>s as<br />

brechas legais, fazendo até mesmo interpretações próprias <strong>da</strong> legislação, 61 para escaparem<br />

do dever tributário, mesmo que isso implique postergar o pagamento usando o expediente<br />

do depósito em juízo, como ocorreu em <strong>20</strong>05.<br />

(61) Com isso, as instituições fi <strong>na</strong>nceiras reduziram a base de cálculo <strong>da</strong>s contribuições do PIS e <strong>da</strong> Cofi ns, deduzindo as<br />

despesas incorri<strong>da</strong>s <strong>na</strong>s operações de intermediação fi <strong>na</strong>nceira, as despesas de obrigações por empréstimos, o deságio <strong>na</strong><br />

colocação de títulos, as per<strong>da</strong>s com títulos de ren<strong>da</strong> fi xa e variável e per<strong>da</strong>s com ativos fi <strong>na</strong>nceiros e mercadorias, entre <strong>ou</strong>tras<br />

despesas. Assim sendo, a base de cálculo para incidência no recolhimento do PIS e <strong>da</strong> Cofi ns, <strong>na</strong> prática, não é o faturamento,<br />

e sim o lucro operacio<strong>na</strong>l, o que implica redução <strong>da</strong> base tributável de até 80% (Luchiezi Júnior; Hickmann; Salvador, <strong>20</strong>07).<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Os bancos usam de muita criativi<strong>da</strong>de para reduzir o recolhimento <strong>da</strong> Cofi ns. O<br />

comportamento <strong>da</strong>s instituições fi <strong>na</strong>nceiras result<strong>ou</strong> em retração no recolhimento dessas<br />

contribuições em <strong>20</strong>06, quando compara<strong>da</strong> ao ano anterior. Em valores defl acio<strong>na</strong>dos pelo<br />

Índice Nacio<strong>na</strong>l de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ocorreu que<strong>da</strong> <strong>na</strong> arreca<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><br />

Cofi ns (13,08%). Isso signifi ca recolhimento menor para os cofres do governo, em termos<br />

reais, de R$ 886,06 milhões, comparativamente a <strong>20</strong>05.<br />

O fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> no Brasil permanece fracio<strong>na</strong>do com a separação<br />

<strong>da</strong>s fontes de recursos advindos <strong>da</strong> contribuição direta de pessoas emprega<strong>da</strong>s e de quem<br />

emprega para custear a previdência <strong>social</strong>, e as contribuições sociais incidentes sobre o<br />

faturamento, o lucro e a movimentação fi <strong>na</strong>nceira para as políticas de saúde e assistência.<br />

Essa conformação do fi <strong>na</strong>nciamento não fortalece o conceito de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> em sua<br />

totali<strong>da</strong>de.<br />

A atual estrutura do fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> aju<strong>da</strong> a compreender a<br />

confi guração do fundo público no Brasil, com participação irrisória de recursos oriundos<br />

<strong>da</strong> esfera fi scal para aplicação <strong>na</strong>s políticas de assistência <strong>social</strong>, previdência e saúde. A<br />

análise dos recursos que fi <strong>na</strong>nciaram as políticas <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> de 1999 a <strong>20</strong>06,<br />

revela a regressivi<strong>da</strong>de do seu custeio: quem sustenta é a classe trabalhadora e as pessoas<br />

mais pobres. Não há, portanto, redistribuição de ren<strong>da</strong>. Isso signifi ca que são as próprias<br />

pessoas benefi ciárias <strong>da</strong>s políticas <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> que arcam com o seu fi <strong>na</strong>nciamento,<br />

seja por meio <strong>da</strong> contribuição direta para acesso aos benefícios <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong>, seja<br />

no pagamento de tributos indiretos embutidos nos preços dos bens e serviços, desti<strong>na</strong>dos<br />

ape<strong>na</strong>s em parte para as políticas de saúde e assistência <strong>social</strong>.<br />

Destino dos recursos<br />

As Tabelas 3 e 4 fornecem pistas <strong>da</strong> aplicação dos recursos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> <strong>na</strong>s<br />

políticas de assistência <strong>social</strong>, previdência e saúde. A Tabela 3 mostra o destino desses<br />

recursos no período de 1999 a <strong>20</strong>06 para ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s políticas. Os <strong>da</strong>dos revelam que a<br />

previdência <strong>social</strong> recebeu a maior parcela de recursos em todos os <strong>anos</strong>, sendo que, em<br />

<strong>20</strong>06, essa política absorveu 77% do orçamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. A partir de <strong>20</strong>01, ocorre<br />

redução <strong>da</strong> participação proporcio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> saúde no total do orçamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong><br />

e ampliação dos gastos com a assistência <strong>social</strong>, principalmente a partir de <strong>20</strong>04, graças<br />

à redução <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de <strong>da</strong> população idosa (de 67 <strong>anos</strong> para 65) para acesso ao Benefício de<br />

Prestação Continua<strong>da</strong> (BPC).<br />

No período, ocorreu pequeno crescimento dos recursos desti<strong>na</strong>dos à seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong><br />

em termos de participação no PIB brasileiro, evoluindo de 9,58% (1999) para 11,18% (<strong>20</strong>06).<br />

Isso revel<strong>ou</strong> que, apesar do aumento <strong>da</strong> carga tributária, do envelhecimento populacio<strong>na</strong>l<br />

e de maior deman<strong>da</strong> <strong>social</strong>, o crescimento do orçamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> é vegetativo<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

113


(Behring; Boschetti, <strong>20</strong>06).<br />

114<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

O Boletim Políticas Sociais – acompanhamento e análise do Ipea (edição especial, n.<br />

13), divulgado em abril de <strong>20</strong>07, revela que os gastos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> insusceptíveis a<br />

corte, porque correspondem a direitos sociais previstos <strong>na</strong> Constituição, e exercitáveis por<br />

iniciativa <strong>da</strong>s pessoas benefi ciárias, representam 87% do orçamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. A<br />

Tabela 4 mostra o principal destino dos recursos aplicados no setor com relação ao PIB.<br />

O principal destino dos recursos, em <strong>20</strong>06, foi o pagamento dos benefícios do Regime<br />

Geral <strong>da</strong> Previdência Social, que represent<strong>ou</strong> 58,8% dos gastos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. Em<br />

segui<strong>da</strong>, estão os gastos com aposentadorias e pensões de servidores(as) públicos federais<br />

(16,3%); o programa de atendimento hospitalar do SUS (6,8%); e o pagamento do Benefício<br />

de Prestação Continua<strong>da</strong> e <strong>da</strong> Ren<strong>da</strong> Mensal Vitalícia (4,2%).<br />

O RGPS paga benefícios a 21 milhões de brasileiros(as), entre aposentadorias, pensões<br />

e auxílios. De 1999 a <strong>20</strong>06, os benefícios concedidos pelo sistema evoluíram de 5,21% do<br />

PIB para 6,96%, <strong>ou</strong> R$ 161,8 bilhões. Essa evolução é explica<strong>da</strong>, basicamente, por dois<br />

fatores: a dinâmica de maturação do sistema, por conta do direito adquirido <strong>da</strong>s pessoas<br />

que entraram no mercado de trabalho <strong>na</strong> déca<strong>da</strong> de 1970, e a trajetória <strong>da</strong> evolução real do<br />

salário mínimo acima <strong>da</strong> infl ação, uma vez que o piso previdenciário obedece ao reajuste do<br />

salário mínimo (Boletim Políticas Sociais – acompanhamento e análise, <strong>20</strong>07, p. 45-76).<br />

Mais exigências para quem trabalha<br />

Após a reforma <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong> realiza<strong>da</strong> em 1998 (Emen<strong>da</strong> Constitucio<strong>na</strong>l <strong>20</strong>),<br />

importantes e perversas modifi cações foram feitas para a classe trabalhadora vincula<strong>da</strong><br />

ao RGPS, entre elas, a redução dos benefícios, as restrições de acesso às aposentadorias<br />

e a indução a maior permanência de trabalhadores(as) em ativi<strong>da</strong>de. Uma <strong>da</strong>s primeiras<br />

conseqüências dessa reforma é a redução drástica <strong>na</strong> concessão <strong>da</strong>s aposentadorias por<br />

tempo de contribuição, implicando aumento <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de média no momento de concessão <strong>da</strong>s<br />

aposentadorias.<br />

Quando se a<strong>na</strong>lisa somente a soma <strong>da</strong>s aposentadorias concedi<strong>da</strong>s por i<strong>da</strong>de e por<br />

tempo de contribuição, os benefícios de aposentadoria por i<strong>da</strong>de representam 75% dos<br />

benefícios concedidos de 1999 a <strong>20</strong>06, conforme a base de <strong>da</strong>dos dos anuários estatísticos<br />

<strong>da</strong> previdência <strong>social</strong>. 62 Cerca de 66% dos benefícios concedidos nesse período equivalem<br />

a um salário mínimo.<br />

A i<strong>da</strong>de média de aposentadoria vem aumentando – os homens estão se aposentado<br />

com i<strong>da</strong>de média de 66 <strong>anos</strong> e as mulheres com 61 <strong>anos</strong> –, acima <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de prevista <strong>na</strong> Carta<br />

Mag<strong>na</strong> (65/homem e 60/mulher). Esses <strong>da</strong>dos revelam que o Brasil vem se tor<strong>na</strong>do um país<br />

de eleva<strong>da</strong> exigência para o gozo de benefício de aposentadoria (Salvador, <strong>20</strong>05). O fl uxo<br />

de concessão dos novos benefícios previdenciários, incluindo a aposentadoria por<br />

(62) Disponível em: . Acesso em: 7 nov. <strong>20</strong>07.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

tempo de contribuição (35/homem e 30/mulher) e por i<strong>da</strong>de, indica que a faixa etária<br />

média de aposentadoria no Brasil é semelhante à dos países <strong>da</strong> OCDE, apesar <strong>da</strong>s condições<br />

sociais, econômicas, demográfi cas e regio<strong>na</strong>is inferiores do nosso país (Fag<strong>na</strong>ni; Cardoso<br />

Jr., <strong>20</strong>07).<br />

Com relação aos recursos aplicados <strong>na</strong> assistência <strong>social</strong>, a análise feita por Ivanete<br />

Boschetti (<strong>20</strong>03), com base no estudo do fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> assistência <strong>social</strong> de 1994 a<br />

<strong>20</strong>02, revela que uma miríade de programas e projetos <strong>da</strong> função Assistência Social não<br />

seguiam e nem respondiam aos preceitos <strong>da</strong> Loas. Em <strong>20</strong>06, os <strong>da</strong>dos do Siafi revelam que<br />

dos R$ 21,9 bilhões aplicados nessa função do orçamento, somente 58,60% dos recursos<br />

foram aplicados pelo FNAS, a menor participação desde <strong>20</strong>00, fragilizando o controle <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de civil e <strong>da</strong> assistência <strong>social</strong> como política pública. A estrutura orçamentária do<br />

FNAS deveria contemplar as políticas e os programas anuais <strong>da</strong> assistência <strong>social</strong>, conforme<br />

determi<strong>na</strong> o art. 17 <strong>da</strong> Loas e o Decreto 1605/1995.<br />

No âmbito <strong>da</strong> política de assistência <strong>social</strong>, a soma do pagamento do BPC e <strong>da</strong> Ren<strong>da</strong><br />

Mensal Vitalícia (RMV) evoluiu de 0,14% do PIB (1999) para 0,50% (<strong>20</strong>06) – o equivalente<br />

a R$ 11,5 bilhões. O BPC, que substituiu a antiga RMV, 63 garantido pela Loas, tem por<br />

objetivo assegurar ren<strong>da</strong> equivalente a um salário mínimo para to<strong>da</strong>s as pessoas que, por<br />

situação de velhice <strong>ou</strong> de incapaci<strong>da</strong>de, não têm como manter sua subsistência. O benefício<br />

é pago às pessoas idosas e àquelas com defi ciência e incapacita<strong>da</strong>s para a vi<strong>da</strong> autônoma,<br />

cuja ren<strong>da</strong> familiar mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo, não importando a<br />

contribuição previdenciária.<br />

As razões para evolução dessa despesa de 1999 a <strong>20</strong>06 são: redução do limite de i<strong>da</strong>de<br />

para acesso ao benefício e evolução real do salário mínimo. O primeiro limite de i<strong>da</strong>de para<br />

acesso ao BPC foi fi xado em 70 <strong>anos</strong>, em 1996, sendo reduzido para 67 <strong>anos</strong>, em 1998. A<br />

partir de <strong>20</strong>03, com aprovação do Estatuto do Idoso, esse limite foi reduzido para 65 <strong>anos</strong>.<br />

Com recursos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, o governo também paga os benefícios previdenciários<br />

de servidores(as) públicos federais que, por princípios constitucio<strong>na</strong>is, não incluiriam esse<br />

tipo de gasto.<br />

Na opinião de Guilherme Delgado: Apesar de serem legítimas as despesas com i<strong>na</strong>tivos e<br />

com pensionistas <strong>da</strong> União, como de resto são legítimos tantos <strong>ou</strong>tros gastos do Orçamento<br />

<strong>da</strong> União, tais despesas devem pertencer ao Orçamento Geral, o qual é fi <strong>na</strong>nciado por<br />

tributos e não por recursos específi cos <strong>da</strong> política de proteção do conjunto <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

contra os riscos clássicos <strong>da</strong>s privações huma<strong>na</strong>s. (Delgado, <strong>20</strong>02, p. 114)<br />

(63) A RMV foi cria<strong>da</strong>, em 1974, para o atendimento de pessoas com 70 <strong>anos</strong> <strong>ou</strong> mais que tivessem efetuado 12 contribuições<br />

à previdência <strong>social</strong> ao longo de sua vi<strong>da</strong> e que não tivessem acesso à aposentadoria e nem condições de garantir sua so-<br />

brevivência. As despesas constantes <strong>na</strong> Tabela 4 referem-se ao estoque de benefi ciários existentes em 31 de dezembro de<br />

1995.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

115


116<br />

Políticas<br />

Previdência Social<br />

Saúde<br />

Assistência Social<br />

Total em R$ milhões<br />

PIB em R$ milhões<br />

Em % do PIB<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

A Constituição de 1988 não incluiu a previdência do(a) servidor público no capítulo<br />

específi co que trata <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. Ao contrário, o assunto encontra-se no Título III<br />

(Da Organização do Estado), principalmente em seu Capítulo VII (Da Administração Pública),<br />

Seção II (Dos Servidores Públicos). Com isso, a União transferiu para a responsabili<strong>da</strong>de<br />

do orçamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> um estoque de gastos com aposentadorias e pensões<br />

de servidores(as) públicos federais, que deveriam ser honrados pelo caixa do orçamento<br />

fi scal.<br />

Saúde defi citária<br />

TABELA 3<br />

Orçamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>: distribuição dos recursos entre as<br />

políticas sociais – 1999–<strong>20</strong>06 Valores em R$ milhões correntes<br />

1999<br />

83.305<br />

15.487<br />

3.231<br />

102.023<br />

1.065.000<br />

9,58%<br />

<strong>20</strong>00<br />

93.408<br />

<strong>20</strong>.270<br />

4.442<br />

118.1<strong>20</strong><br />

1.179.482<br />

10,01%<br />

Fonte: Siafi/Sidor Elaboração própria de <strong>da</strong>dos citados por Elaine Behring e Ivanete Boschetti (<strong>20</strong>06); Ivanete Boschetti<br />

e Evilásio Salvador (<strong>20</strong>06). Os <strong>da</strong>dos do PIB foram revisados, em <strong>20</strong>06, pelo IBGE. Disponível<br />

em:.<br />

Acesso em: 7 nov. <strong>20</strong>07.<br />

A Tabela 4 revela, também, que o programa de atendimento hospitalar do SUS sofreu<br />

declínio no recebimento de recursos orçamentários: de 1,06% do PIB, em 1999, para 0,81%,<br />

em <strong>20</strong>06, reduzindo a participação no montante orçamentário <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> de<br />

11,07% para 6,8%. Por <strong>ou</strong>tro lado, esse decréscimo foi compensado, ape<strong>na</strong>s em parte, pelo<br />

aumento dos gastos com demais programas <strong>na</strong> área de saúde que dependem de iniciativa<br />

anual do governo. Por exemplo, o programa Atenção Básica em Saúde.<br />

O patamar de gastos públicos em saúde no Brasil é claramente insufi ciente para cumprir<br />

a missão que a Constituição de 1988 se propôs: estabelecer um sistema de saúde público<br />

universal, integral e gratuito. De acordo com a Organização Mundial <strong>da</strong> Saúde (OMS), o<br />

Brasil gasta ape<strong>na</strong>s 3,45% do PIB com políticas públicas de saúde – patamar inferior aos<br />

5,1% <strong>da</strong> Argenti<strong>na</strong>, aos 6,9% <strong>da</strong> Inglaterra <strong>ou</strong> aos 7,2% <strong>da</strong> França. Como agravante, há o fato<br />

de a rede priva<strong>da</strong> de pl<strong>anos</strong> e seguros direcio<strong>na</strong>dos à saúde atender cerca de 43 milhões de<br />

pessoas, movimentando recursos que, somados ao gasto <strong>da</strong>s famílias com medicamentos,<br />

alcança 4,1% do PIB (Boletim Políticas Sociais – acompanhamento e análise, <strong>20</strong>07).<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

<strong>20</strong>01<br />

107.544<br />

23.634<br />

5.298<br />

136.476<br />

1.302.136<br />

10,48%<br />

<strong>20</strong>02<br />

123.218<br />

25.435<br />

6.513<br />

155.166<br />

1.477.822<br />

10,5%<br />

<strong>20</strong>03<br />

145.478<br />

27.172<br />

8.416<br />

181.066<br />

1.699.948<br />

10,65%<br />

<strong>20</strong>04<br />

165.509<br />

32.973<br />

13.863<br />

212.345<br />

1.941.498<br />

10,94%<br />

<strong>20</strong>05<br />

187.800<br />

36.483<br />

15.806<br />

240.089<br />

2.147.944<br />

11,18%<br />

<strong>20</strong>06<br />

212.965<br />

40.577<br />

21.555<br />

275.097<br />

2.322.818<br />

11,84%


Ano<br />

1999<br />

<strong>20</strong>00<br />

<strong>20</strong>01<br />

<strong>20</strong>02<br />

<strong>20</strong>03<br />

<strong>20</strong>04<br />

<strong>20</strong>05<br />

<strong>20</strong>06<br />

RGPS<br />

5,21%<br />

5,40%<br />

5,<strong>20</strong>%<br />

5,54%<br />

5,95%<br />

6,13%<br />

6,44%<br />

6,96%<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Fonte: Boletim Polítcas Sociais – acompanhamento e análise, <strong>20</strong>07, e Siafi/Secretaria do Tes<strong>ou</strong>ro Nacio<strong>na</strong>l (STN). Elaboração<br />

própria Nota: os <strong>da</strong>dos do Boletim Políticas Sociais – acompanhamento e análise, abril de <strong>20</strong>07, para o período de 1999 a <strong>20</strong>05,<br />

foram reagrupados e recalculados com base <strong>na</strong> nova série do IBGE <strong>da</strong>s Contas Nacio<strong>na</strong>is (PIB).<br />

Ain<strong>da</strong> <strong>na</strong> Tabela 4, observa-se, a partir de <strong>20</strong>00, o crescimento de programas voluntários<br />

de transferência de ren<strong>da</strong>, como o Bolsa Família – criado em <strong>ou</strong>tubro de <strong>20</strong>03, a partir <strong>da</strong><br />

unifi cação de programas não-constitucio<strong>na</strong>is de transferência de ren<strong>da</strong> até então vigentes:<br />

Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio Gás e Cartão Alimentação. 64<br />

Os gastos com o programa Bolsa Família sobem de 0,17% do PIB, em <strong>20</strong>03, para 0,32%<br />

em <strong>20</strong>06. Equivale a uma transferência de ren<strong>da</strong> diretamente às famílias em condição de<br />

pobreza e extrema pobreza e o auxílio à família <strong>na</strong> condição de pobreza extrema, com<br />

crianças entre 0 e 6 <strong>anos</strong>, no montante de R$ 7,4 bilhões em <strong>20</strong>06.<br />

Registra-se que os <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> execução orçamentária de <strong>20</strong>06 (Siafi /Sidor) revelam<br />

que 93% do orçamento do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome foi<br />

comprometido com o programa Bolsa Família.<br />

A Constituição Federal, no seu art. 145, III, § 1º, diz que, sempre que possível, os<br />

impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capaci<strong>da</strong>de econômica <strong>da</strong><br />

pessoa contribuinte.<br />

BPC e RMV<br />

0,14%<br />

0,29%<br />

0,29%<br />

0,37%<br />

0,36%<br />

0,38%<br />

0,42%<br />

0,50%<br />

TABELA 4<br />

Despesas <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> em % do PIB<br />

Atendimento<br />

hospitalar SUS<br />

1,06%<br />

0,89%<br />

0,87%<br />

0,83%<br />

0,79%<br />

0,81%<br />

0,78%<br />

0,81%<br />

Um país que tenha como objetivos a erradicação <strong>da</strong> pobreza, a redução <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des<br />

sociais e a construção de uma socie<strong>da</strong>de livre, justa e solidária deve utilizar o sistema<br />

tributário como instrumento de redistribuição de ren<strong>da</strong> e riqueza, cobrando mais impostos<br />

de quem tem mais capaci<strong>da</strong>de contributiva e aliviando a carga <strong>da</strong>s pessoas mais pobres.<br />

Para isso, é importante que as bases de fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> sejam<br />

reorde<strong>na</strong><strong>da</strong>s para características progressivas, via fi <strong>na</strong>nciamento por meio de tributos<br />

(64) Uma análise do programa Bolsa Família, partindo <strong>da</strong> discussão sobre pobreza e desigual<strong>da</strong>de, pode ser li<strong>da</strong> em texto de<br />

Amélia Cohn, intitulado “Para além <strong>da</strong> justiça distributiva”, publicado no Observatório <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia: relatório <strong>20</strong>05. Boschetti,<br />

Teixeira e Tomazelli (<strong>20</strong>04) relevam que os programas de transferência de ren<strong>da</strong> com ênfase <strong>na</strong>s ações focaliza<strong>da</strong>s no com-<br />

bate à fome e à pobreza absoluta, a exemplo do Bolsa Família, mostram a direção e a concepção <strong>da</strong> política de assistência<br />

<strong>social</strong> do governo do Presidente Lula, em detrimento a <strong>ou</strong>tras ações previstas <strong>na</strong> Loas.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

I<strong>na</strong>tivos e<br />

pensionistas<br />

<strong>da</strong> União<br />

2,10%<br />

1,76%<br />

2,19%<br />

2,17%<br />

1,99%<br />

1,97%<br />

1,93%<br />

1,93%<br />

Programa Voluntário<br />

Transferência de<br />

Ren<strong>da</strong><br />

-<br />

0,01%<br />

0,04%<br />

0,12%<br />

0,17%<br />

0,29%<br />

0,30%<br />

0,32%<br />

Outros<br />

1,07%<br />

1,67%<br />

1,88%<br />

1,47%<br />

1,57%<br />

1,36%<br />

1,30%<br />

1,32%<br />

Total<br />

9,58%<br />

10,01%<br />

10,48%<br />

10,50%<br />

10,84%<br />

10,94%<br />

11,18%|<br />

11,84%<br />

117


118<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

diretos incidentes sobre to<strong>da</strong>s as ren<strong>da</strong>s (lucros, juros, ren<strong>da</strong> fundiária e salários) e sobre o<br />

patrimônio.<br />

Uma Agen<strong>da</strong> para a Seguri<strong>da</strong>de<br />

Diante <strong>da</strong> análise realiza<strong>da</strong>, apresenta-se, a seguir, uma agen<strong>da</strong> de possibili<strong>da</strong>des para<br />

afi rmação e ampliação dos direitos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> no Brasil.<br />

Fontes de fi <strong>na</strong>nciamento – São regressivas, com base <strong>na</strong> tributação <strong>da</strong> classe<br />

trabalhadora e <strong>da</strong>s pessoas mais pobres, não fazendo, portanto, redistribuição de ren<strong>da</strong>.<br />

Devem ser substituí<strong>da</strong>s por tributos progressivos, observando os princípios constitucio<strong>na</strong>is<br />

<strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de contributiva e <strong>da</strong> isonomia.Hoje, as principais fontes de fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong><br />

seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> têm como incidência o faturamento <strong>da</strong>s empresas e a contribuição sobre a<br />

folha de pagamento. Na prática, esses tributos compõem os custos <strong>da</strong>s empresas repassados<br />

ao público consumidor nos preços de bens de serviços.<br />

Essas fontes guar<strong>da</strong>m uma relação inversa ao patamar de ren<strong>da</strong> <strong>da</strong> pessoa contribuinte.<br />

A regressão ocorre porque pe<strong>na</strong>liza mais contribuintes de menor poder aquisitivo. O inverso<br />

ocorre quando o tributo é progressivo, aumentando a participação <strong>da</strong> pessoa contribuinte à<br />

medi<strong>da</strong> que cresce sua ren<strong>da</strong>, assegurando a progressivi<strong>da</strong>de e a justiça fi scal, pois arcam<br />

com maior ônus <strong>da</strong> tributação os indivíduos em melhores condições de suportá-lo, <strong>ou</strong> seja,<br />

quem tem maior ren<strong>da</strong>.<br />

Integração entre as políticas – De assistência <strong>social</strong>, previdência e saúde, não<br />

separando as fontes de fi <strong>na</strong>nciamento e estabelecendo complementari<strong>da</strong>de por meio <strong>da</strong><br />

defi nição de funções e benefícios.<br />

As políticas que compõem a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> brasileira não podem ser pensa<strong>da</strong>s de forma<br />

isola<strong>da</strong>, como ocorre hoje. Historicamente, as políticas de previdência, saúde e assistência<br />

<strong>social</strong> estiveram imbrica<strong>da</strong>s <strong>na</strong> construção do sistema de previdência <strong>social</strong> brasileiro. Mas no<br />

passado, fi cavam restritas à classe trabalhadora do mercado formal de trabalho.<br />

Com os avanços registrados <strong>na</strong> Constituição de 1988 – entre eles, o reconhecimento <strong>da</strong><br />

saúde como direito universal e <strong>da</strong> assistência <strong>social</strong> como um direito –, a maior integração<br />

entre as políticas deveria começar pela integração <strong>da</strong>s fontes de fi <strong>na</strong>nciamento, com um único<br />

orçamento, contrariamente ao fracio<strong>na</strong>mento hoje existente, com tributos específi cos para<br />

ca<strong>da</strong> política. A integração do fi <strong>na</strong>nciamento poderá fortalecer e possibilitar a universalização<br />

<strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, evitando a disputa de recursos entre os três setores.<br />

Questão orçamentária – Estabelecer um orçamento com os recursos ca<strong>na</strong>lizados<br />

para um fundo específi co que servirá para o pagamento de benefícios, serviços, ações e<br />

programas no âmbito <strong>da</strong>s políticas que integram a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>.<br />

A conseqüência de estruturar o fi <strong>na</strong>nciamento de forma totalizadora visa garantir um<br />

orçamento próprio como forma de institucio<strong>na</strong>lização <strong>da</strong> precedência de seus compromissos<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

de cobertura sobre os demais gastos do governo.<br />

Para tanto, é importante a formação de um fundo único <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, não<br />

sujeito à política fi scal restritiva de qualquer governo, garantindo a seguri<strong>da</strong>de como política<br />

relevante e prioritária do Estado brasileiro. Além disso, os recursos ca<strong>na</strong>lizados para esse<br />

fundo seriam usados exclusivamente para o pagamento de benefícios, serviços, ações e<br />

programas <strong>da</strong> previdência, <strong>da</strong> saúde e <strong>da</strong> assistência <strong>social</strong>, sendo proibido o desvio para<br />

orçamento fi scal.<br />

Reformulação <strong>da</strong>s leis orgânicas – Da previdência <strong>social</strong>, <strong>da</strong> saúde e <strong>da</strong> assistência<br />

<strong>social</strong>, com o intuito de assegurar a universali<strong>da</strong>de dos direitos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>,<br />

garantindo a to<strong>da</strong>s as pessoas o acesso aos benefícios <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong>, o livre acesso<br />

à saúde e aos serviços sociais.<br />

A concretização dos direitos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> previstos <strong>na</strong> Carta Mag<strong>na</strong> deveria<br />

ser materializa<strong>da</strong> <strong>na</strong>s leis orgânicas em ca<strong>da</strong> setor (previdência, saúde, assistência <strong>social</strong>). Porém,<br />

as condições políticas que permitiram os avanços constitucio<strong>na</strong>is mu<strong>da</strong>ram, no início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de<br />

1990, com o ideário neoliberal. A começar ain<strong>da</strong> no governo do Presidente José Sarney, com o não<br />

envio ao Congresso Nacio<strong>na</strong>l dos projetos de lei de regulamentação <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>.<br />

A título de exemplo, a Loas foi aprova<strong>da</strong> somente em dezembro de 1993, no governo do<br />

Presidente Itamar Franco.<br />

Assim, a previdência, a saúde e a assistência <strong>social</strong> foram regulamenta<strong>da</strong>s por diferentes<br />

leis e institucio<strong>na</strong>liza<strong>da</strong>s em diferentes órgãos ministeriais. Tor<strong>na</strong>-se necessário retomar o<br />

princípio universalista que inspir<strong>ou</strong> a Constituição de 1988, reformando as leis orgânicas <strong>da</strong>s<br />

três políticas que integram a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> brasileira.<br />

Cons. Nacio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social – Extinto pelas Medi<strong>da</strong>s Provisórias (MP)<br />

1.799/1999 e 2.216-37/<strong>20</strong>01 (art. 33), o Conselho Nacio<strong>na</strong>l de Seguri<strong>da</strong>de Social deve ter<br />

composição paritária – governo, trabalhadores(as), aposentados(as) e empresários(as) –<br />

e a missão de articular e sistematizar um orçamento previamente debatido com as áreas<br />

responsáveis pela previdência <strong>social</strong>, saúde e assistência <strong>social</strong>.<br />

O conselho deve ser recriado com a fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>de principal de articular as políticas sociais<br />

<strong>na</strong>s áreas envolvi<strong>da</strong>s. Deve ter representação quadripartite, com representantes do governo<br />

federal <strong>da</strong> área de saúde, previdência <strong>social</strong> e assistencial <strong>social</strong>, além <strong>da</strong> representação<br />

dos governos estaduais e municipais. A representação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil seria garanti<strong>da</strong><br />

com o assento de aposentados(as), trabalhadores(as), empresários(as) e usuários(as).<br />

Além disso, seriam mantidos os conselhos setoriais <strong>da</strong>s áreas de saúde, previdência <strong>social</strong><br />

e assistência <strong>social</strong>.<br />

O conselho teria entre suas atribuições:estabelecer as diretrizes gerais e as políticas de<br />

integração entre as áreas; acompanhar e avaliar a gestão econômica, fi <strong>na</strong>nceira e <strong>social</strong><br />

dos recursos e o desempenho dos programas realizados, exigindo prestação de contas;<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

119


1<strong>20</strong><br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

apreciar e aprovar os termos dos convênios fi rmados entre a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> e a rede<br />

bancária para a prestação dos serviços; aprovar e submeter ao presidente <strong>da</strong> República os<br />

programas anuais e plurianuais <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>; aprovar e submeter ao órgão central<br />

do Sistema de Planejamento Federal e de Orçamentos a proposta orçamentária anual <strong>da</strong><br />

seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>.<br />

Não-renovação <strong>da</strong> DRU – Assegurando que to<strong>da</strong>s as fontes de fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong>s<br />

políticas de saúde, previdência e assistencial sejam integralmente desti<strong>na</strong><strong>da</strong>s para essas<br />

políticas.<br />

Desde 1993, os governos criam mecanismos de desvinculação de receitas no orçamento<br />

que, <strong>na</strong> prática, implicaram retira<strong>da</strong> de recursos <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, transferindo-os para o<br />

orçamento fi scal, particularmente após 1999, para composição do superávit primário.<br />

As fontes <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> estabeleci<strong>da</strong>s no art. 195 <strong>da</strong> Constituição Federal são<br />

um importante arranjo institucio<strong>na</strong>l e fi <strong>na</strong>nceiro de sustentabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s três políticas.<br />

Somente em <strong>20</strong>06, quase R$ 34 bilhões <strong>da</strong>s contribuições sociais para a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong><br />

foram ca<strong>na</strong>lizados para o orçamento fi scal. Dessa forma, as principais políticas sociais do<br />

governo fi cam pe<strong>na</strong>liza<strong>da</strong>s com ausência de recursos. A DRU, prevista para acabar em 31<br />

de dezembro de <strong>20</strong>07, não deveria ser renova<strong>da</strong>, assegurando, assim, o repasse integral<br />

dos recursos para as áreas de saúde, previdência e assistência <strong>social</strong>.<br />

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<strong>ANFIP</strong><br />

121


122<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

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F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

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F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

123


124<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

6. Constituição amplia direitos previdenciários e assistenciais*<br />

Previdência em Questão - Brasília, 1º a 15 de <strong>ou</strong>tubro de <strong>20</strong>08 - nº 06/08*<br />

Há <strong>20</strong> <strong>anos</strong>, a Constituição Federal garantiu direitos e defi niu deveres em to<strong>da</strong>s as áreas,<br />

principalmente <strong>na</strong> <strong>social</strong>. A Previdência Social recebeu especial atenção em quatro artigos:<br />

40, 195, <strong>20</strong>1 e <strong>20</strong>2, que, somados, totalizam 53 parágrafos.<br />

A Constituição defi ne a Previdência Social como um direito <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e que exige um<br />

sistema de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, no qual a geração que está hoje no mercado de trabalho fi <strong>na</strong>ncia<br />

a aposentadoria de quem já contribuiu com o desenvolvimento do país. É a equi<strong>da</strong>de, não<br />

ape<strong>na</strong>s <strong>na</strong> distribuição de benefícios, mas também no fi <strong>na</strong>nciamento.<br />

A partir de 1988, foi determi<strong>na</strong>do que o Regime Geral <strong>da</strong> Previdência Social deveria<br />

observar o equilíbrio fi <strong>na</strong>nceiro e atuarial, <strong>ou</strong> seja, que não se pode criar benefício, aumentar<br />

valores <strong>ou</strong> isentar contribuintes sem levar em consideração o impacto no regime.<br />

Outra conquista do trabalhador foi a mu<strong>da</strong>nça <strong>na</strong> correção dos salários-de-contribuições<br />

utilizados <strong>na</strong> apuração do valor do benefício. Antes <strong>da</strong> Constituição, só se corrigia os primeiros<br />

24 salários-de-contribuição, entre os últimos 36 meses. Depois de 1988, a correção é feita<br />

sobre todos os salários envolvidos no cálculo. Após 1999, pass<strong>ou</strong>-se a considerar os 80%<br />

melhores salários de contribuição existentes desde julho de 1994.<br />

A Constituição também estabeleceu igual<strong>da</strong>de de gênero, assegurando o direito à pensão<br />

por morte tanto à mulher como ao marido.<br />

Rurais se equiparam aos trabalhadores urb<strong>anos</strong><br />

O maior ganho <strong>na</strong> área <strong>da</strong> Previdência foi para o trabalhador rural. Antes não havia uma<br />

previdência para essa categoria. Muitos eram benefi ciados pelo extinto Funrural, que não<br />

conseguia abranger a totali<strong>da</strong>de de trabalhadores rurais, pois só era devido aos chefes de<br />

família e seu benefício não passava de meio salário mínimo.<br />

Com a nova Carta, h<strong>ou</strong>ve a equiparação dos direitos entre trabalhadores urb<strong>anos</strong> e rurais.<br />

A partir de então, os rurais dobraram o valor do benefício passando a receber, pelo menos, um<br />

salário mínimo. Além disso, passaram a ter direito a auxílio-doença previdenciário e acidentário,<br />

salário materni<strong>da</strong>de, aposentadoria por i<strong>da</strong>de e invalidez, pensão por morte e auxílio reclusão.<br />

A Constituição também determin<strong>ou</strong> que nenhum benefício pode ser menor que um salário mínimo e<br />

que o reajuste não poderia ficar atrelado a ele, mas a ca<strong>da</strong> ano deveria ser reposto o seu poder de compra.<br />

A Carta não permitiu a indexação de nenhum benefício ao salário mínimo para não afetar to<strong>da</strong> a economia.<br />

Outra modificação importante que a Constituição estabeleceu foi a alteração do benefício assistencial.<br />

(*) Previdência em Questão - Brasília, 1º a 15 de <strong>ou</strong>tubro de <strong>20</strong>08 - nº 06/08, Informativo Eletrônico do Ministério <strong>da</strong> Previdência<br />

Social - Editado pela Assessoria de Comunicação Social - email: previdenciaemquestao@previdencia.gov.br<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Antes, a Previdência concedia, a partir de 1971, ren<strong>da</strong> mensal vitalícia para o idoso<br />

acima de 70 <strong>anos</strong> de i<strong>da</strong>de <strong>ou</strong> à pessoa inváli<strong>da</strong>. Porém, era necessário ter contribuído<br />

por, no mínimo, 12 meses <strong>ou</strong> ter exercido ativi<strong>da</strong>de vincula<strong>da</strong> à Previdência Social por pelo<br />

menos cinco <strong>anos</strong>, o que excluía to<strong>da</strong>s as pessoas que nunca tinham conseguido ingressar<br />

formalmente no mercado de trabalho.<br />

A Constituição previu a substituição <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> mensal vitalícia por um benefício assistencial<br />

mais amplo, sem a necessi<strong>da</strong>de de contabilizar tempo de contribuição e incluindo as pessoas<br />

com defi ciência congênita e de baixa ren<strong>da</strong>.<br />

TABELA 1<br />

Principais conquistas para as mulheres<br />

- Com a Constituição, to<strong>da</strong>s as trabalhadoras rurais passaram a contar com aposentadoria<br />

e com todos os benefícios previdenciários, como a licença materni<strong>da</strong>de.<br />

- A duração do salário materni<strong>da</strong>de, que antes <strong>da</strong> Constituição de 1988 era de 84 dias<br />

(menos de três meses), pass<strong>ou</strong> a ser de 1<strong>20</strong> dias.<br />

- Os direitos <strong>da</strong>s domésticas foram ampliados, com a irredutibili<strong>da</strong>de do salário, 13º<br />

salário, rep<strong>ou</strong>so sema<strong>na</strong>l remunerado, férias remunera<strong>da</strong>s, licença materni<strong>da</strong>de, aviso<br />

prévio proporcio<strong>na</strong>l ao tempo de serviço e aposentadoria.<br />

Fonte: Ministério <strong>da</strong> Previdência Social<br />

Reformas impõem limites aos Regimes Próprios<br />

A grande mu<strong>da</strong>nça nos Regimes Próprios dos Servidores (RPPS) ocorreu dez <strong>anos</strong><br />

depois <strong>da</strong> promulgação <strong>da</strong> Constituição. E foi justamente para acabar com a dependência<br />

fi <strong>na</strong>nceira dos institutos de previdência, em relação aos orçamentos dos entes federados<br />

– União, Estados, Distrito Federal e Municípios –, que arcavam com todos os custos de<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

TABELA 2<br />

Servidores do RPPS <strong>da</strong> União, Estados e Municípios em <strong>20</strong>08<br />

Ente Ativos<br />

União<br />

Estados<br />

Municípios<br />

Total<br />

1.118,360<br />

2.793,050<br />

2.156,676<br />

6.068.086<br />

Fonte: Ministério <strong>da</strong> Previdência Social<br />

I<strong>na</strong>tivos<br />

529.563<br />

1.144,698<br />

401.793<br />

2.076,054<br />

Pensionistas<br />

448.376<br />

384.509<br />

151.111<br />

983.996<br />

Total<br />

2.096,299<br />

4.322,257<br />

2.709.580<br />

9.128,136<br />

125


126<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

seus respectivos sistemas previdenciários. O RPPS está instituído nos 26 Estados, Distrito<br />

Federal e em 1.900 municípios.<br />

Servidores do RPPS <strong>da</strong> União, Estados e Municípios em <strong>20</strong>08<br />

A primeira modifi cação no artigo 40 <strong>da</strong> Constituição, que detalha os direitos dos<br />

servidores, foi por meio <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucio<strong>na</strong>l n° <strong>20</strong>, de 1998. Esta emen<strong>da</strong> introduziu<br />

uma mu<strong>da</strong>nça fun<strong>da</strong>mental no Regime Próprio: o caráter contributivo e solidário, a exemplo<br />

do que já acontecia com o Regime Geral <strong>da</strong> Previdência Social desde a promulgação <strong>da</strong><br />

Carta. Os servidores passaram a contribuir com 11% do seu salário para a aposentadoria.<br />

Foi o primeiro passo para a sustentabili<strong>da</strong>de do Regime Próprio.<br />

A Previdência Complementar do Regime Próprio será fecha<strong>da</strong>, sem fi ns lucrativos e com gestão<br />

paritária para aposentadorias acima do teto. Até a instituição do fundo, está garantido o pagamento<br />

do benefício de aposentadoria com base no último salário do servidor e a pari<strong>da</strong>de dos reajustes.<br />

Carta abre oportuni<strong>da</strong>de para Previdência Complementar<br />

Ao ser promulga<strong>da</strong>, a Constituição de 1988 não fazia referência à Previdência<br />

Complementar. Sua inclusão no texto <strong>da</strong> Carta só ocorreria 10 <strong>anos</strong> depois, por meio <strong>da</strong><br />

Emen<strong>da</strong> Constitucio<strong>na</strong>l n° <strong>20</strong>, regulamenta<strong>da</strong> pelas leis complementares nº 108 e 109, que<br />

estabeleceram as regras básicas do sistema.<br />

O segmento se divide fun<strong>da</strong>mentalmente em três categorias: a previdência complementar<br />

fecha<strong>da</strong>, <strong>na</strong> qual o trabalhador e a empresa contribuem igualmente para um fundo, gerido por<br />

uma enti<strong>da</strong>de sem fi ns lucrativos e fi scaliza<strong>da</strong> pela Secretaria de Previdência Complementar<br />

(SPC) do Ministério <strong>da</strong> Previdência Social; a previdência aberta, comercializa<strong>da</strong> por<br />

instituições fi <strong>na</strong>nceiras priva<strong>da</strong>s e seguradoras e fi scaliza<strong>da</strong> pela Superintendência de<br />

Seguros Privados (Susep), do Ministério <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>; e a previdência associativa, também<br />

de caráter fechado.<br />

A previdência associativa é a novi<strong>da</strong>de mais recente <strong>da</strong> previdência complementar.<br />

Também funcio<strong>na</strong> em regime fechado e é dirigi<strong>da</strong> às enti<strong>da</strong>des de caráter classista,<br />

profi ssio<strong>na</strong>l <strong>ou</strong> setorial, e fi scaliza<strong>da</strong> pela SPC.<br />

O ingresso nos fundos de pensão ocorre por meio de organizações com as quais os<br />

trabalhadores têm vínculos, como sindicatos, cooperativas, associações, órgãos de classe e<br />

de profi ssões regulamenta<strong>da</strong>s.<br />

Números dos fundos de pensão<br />

→<br />

→<br />

→<br />

→<br />

371 enti<strong>da</strong>des fecha<strong>da</strong>s de Previdência Complementar<br />

1.021 pl<strong>anos</strong> de previdência<br />

2.<strong>20</strong>9 empresas patroci<strong>na</strong>doras<br />

R$ 472 bilhões de ativos garantidores de benefícios<br />

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<strong>ANFIP</strong>


→<br />

→<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

1,95 milhão de participantes ativos<br />

632 mil assistidos e benefi ciários<br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? Social <strong>20</strong> <strong>na</strong> <strong>anos</strong> Constituição <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

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7. O Direito de cui<strong>da</strong>r de si<br />

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<strong>ANFIP</strong><br />

<strong>ANFIP</strong><br />

Stephen Kanitz*<br />

“Por que somos obrigados a nos fi liar e permanecer associados ao INSS, se a livre<br />

associação é uma garantia fun<strong>da</strong>mental do brasileiro, assegura<strong>da</strong> pela Constituição?”<br />

Por que 50% <strong>da</strong>s pessoas estão preferindo trabalhar sem carteira assi<strong>na</strong><strong>da</strong>? Por que<br />

tantas pessoas preferem trabalhar no mercado informal? Leia este artigo se você tem entre<br />

15 e 25 <strong>anos</strong> e está prestes a iniciar uma carreira. Sua aposentadoria com digni<strong>da</strong>de está<br />

em jogo.<br />

O mercado sem carteira assi<strong>na</strong><strong>da</strong> pode signifi car 30% a mais em seu salário, os 30%<br />

do INSS não recolhidos ao Estado, mas acrescentados a sua nota fi scal de serviços.<br />

Vejamos um exemplo concreto, usando alíquotas de uma empresa média. Paulo ganha no<br />

mercado informal 1.<strong>20</strong>0 reais por mês. Os 100 reais que seriam descontados de INSS de<br />

seu salário, mais a contribuição do empregador de <strong>20</strong>0 reais, ele aplica todo mês num fundo<br />

de investimento. Depois de vinte <strong>anos</strong>, aplicando a 12% de juros ao ano, ele terá acumulado<br />

314.725 reais, o sufi ciente para se aposentar com uma ren<strong>da</strong> de 3.147 reais por mês. Quase<br />

o triplo do que ele ganha hoje.<br />

Como Paulo pretende trabalhar até os 60 <strong>anos</strong>, sua p<strong>ou</strong>pança acumula<strong>da</strong> deverá<br />

chegar a impressio<strong>na</strong>ntes 3,35 milhões de reais. I<strong>na</strong>creditável, mas é só fazer as contas,<br />

não esquecendo o décimo terceiro salário. Doze por cento é uma taxa de juros bem inferior<br />

à média de 25% ao ano que vigor<strong>ou</strong> nos últimos cinco <strong>anos</strong> e aos 125% ao ano cobrados<br />

pelos bancos para desconto de duplicatas. Doze por cento tem sido a média de retorno em<br />

ações no Brasil, e é também a taxa que se usa para alugar imóveis.<br />

O “erro” desse cálculo é <strong>ou</strong>tro. Se tivéssemos o direito de aplicar pessoalmente nosso<br />

INSS, o volume de investimentos novos seria tão colossal que reduziria rapi<strong>da</strong>mente a<br />

taxa de juros para 3% ao ano, nível dos países desenvolvidos. Desenvolvidos justamente<br />

porque os juros são baixos. E os juros são baixos justamente porque as aposentadorias são<br />

administra<strong>da</strong>s pelo povo, não por economistas do Estado.<br />

Ao contrário de Paulo, Raimundo acredita no Estado. Acredita em nossa Previdência por<br />

Repartição Social, em que os i<strong>na</strong>tivos recebem dos ativos, em que todos pagam para que<br />

<strong>ou</strong>tros possam aposentar-se. Ganha 1.000 reais com carteira assi<strong>na</strong><strong>da</strong>, só que descontam<br />

em torno de 10% de INSS. O patrão contribui com mais <strong>20</strong>%, só que seu saldo acumulado<br />

no decorrer dos <strong>anos</strong> é zero. Difi cilmente Raimundo se aposentará com 1.000 reais por mês.<br />

Meu palpite é que sua aposentadoria será mais próxima dos 650 reais.<br />

(*) Stephen Kanitz é administrador (www.kanitz.com.br), Ponto de vista (Revista Veja – Edição nº 1674/<strong>20</strong>00)


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> Sonho <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? Social <strong>na</strong> <strong>20</strong> Constituição <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Essa negação do direito i<strong>na</strong>lienável do brasileiro de p<strong>ou</strong>par por si é, em minha opinião,<br />

a questão número 1 <strong>na</strong> agen<strong>da</strong> econômica deste país. Muito mais importante que a reforma<br />

tributária <strong>ou</strong> a lei <strong>da</strong>s SAs. Será a única capaz de entusiasmar 70 milhões de jovens eleitores<br />

<strong>na</strong> campanha de <strong>20</strong>02, garantindo a eleição e a reeleição.<br />

Essa proibição de criar uma p<strong>ou</strong>pança para a velhice, mais o rombo anual <strong>da</strong> Previdência,<br />

explica a falta de recursos para investimentos e geração de empregos neste país. Explica<br />

também à des<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização <strong>da</strong> economia, os juros altos, o baixo crescimento, a falta de<br />

empregos, os sem-terra, a violência urba<strong>na</strong>, a crescente pobreza.<br />

Nosso problema é que a maioria <strong>da</strong>s pessoas não faz as contas de quanto esse dinheiro<br />

renderia se fosse aplicado pessoalmente. Trinta por cento do salário, mais o equivalente em<br />

termos de défi cit <strong>da</strong> Previdência, ain<strong>da</strong> não faz falta para a maioria <strong>da</strong>s pessoas. Mas, no dia<br />

<strong>da</strong> aposentadoria, fará.<br />

Nos Direitos e Garantias Fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> nossa Constituição, o título II, artigo 5,<br />

parágrafo <strong>20</strong> reza explicitamente: “Ninguém poderá ser compelido a associar-se <strong>ou</strong> a<br />

permanecer associado”. Por que somos obrigados a nos fi liar e a permanecer associados<br />

ao INSS, se é uma garantia fun<strong>da</strong>mental do brasileiro a livre associação? Associa-se quem<br />

quiser, como <strong>na</strong> economia informal.<br />

Se você tem entre 15 e 45 <strong>anos</strong> e pretende aposentar-se um dia com uma ren<strong>da</strong> dig<strong>na</strong>,<br />

sem depender dos <strong>ou</strong>tros, terá de lutar, com certa urgência, pelo direito fun<strong>da</strong>mental que<br />

todo brasileiro deveria ter: o de cui<strong>da</strong>r de si.<br />

No contraponto, observe o mesmo tema desenvolvido por <strong>ou</strong>tro ângulo.<br />

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<strong>ANFIP</strong><br />

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130<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

7.1.A estória que o Kanitz não cont<strong>ou</strong><br />

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<strong>ANFIP</strong><br />

Ivannildo de Barros e Silva Filho **<br />

Esta é a estória de dois Jovens, Paulo e Raimundo, ambos com aproxima<strong>da</strong>mente 23<br />

<strong>anos</strong>. Chegam ao Departamento de Pessoal <strong>da</strong> Visionários e Realistas Entregas Rápi<strong>da</strong>s<br />

- ME, para preencher suas fi chas de ca<strong>da</strong>stro, onde poderiam optar por “associar-se” à<br />

Previdência Social <strong>ou</strong> não. A remuneração dependeria desta opção: se “sócio” do INSS<br />

receberia R$ 1.000,00 (já desconta<strong>da</strong> a Contribuição Previdenciária), e, no caso contrário,<br />

R$ 1.300,00. Está pronto o cenário para a nossa estória.<br />

Paulo, um jovem dinâmico e inteligente, <strong>da</strong>queles que não perdem tempo nem dinheiro,<br />

e não deixa passar uma boa oportuni<strong>da</strong>de tinha acabado de ler a edição nº 1674 de VEJA,<br />

lembr<strong>ou</strong>-se dos conselhos de um famoso consultor e não teve dúvi<strong>da</strong>s, foi logo dizendo<br />

“deixe que <strong>da</strong> minha aposentadoria cuide eu”, e não opt<strong>ou</strong> pelo INSS. Quando recebeu o<br />

seu primeiro salário, a “galera” foi unânime: “hoje quem paga a conta é o Paulo”. Ele hesit<strong>ou</strong><br />

afi <strong>na</strong>l todo o seu orçamento já estava comprometido, mas lembr<strong>ou</strong> dos R$ 300,00 que<br />

seriam p<strong>ou</strong>pados para a velhice e disse “ah! também s<strong>ou</strong> fi lho de Deus, e afi <strong>na</strong>l de contas<br />

este momento realmente merece uma comemoração, além do mais eu tenho to<strong>da</strong> uma vi<strong>da</strong><br />

pela frente, s<strong>ou</strong> jovem e v<strong>ou</strong> curtir um p<strong>ou</strong>co; este mês v<strong>ou</strong> p<strong>ou</strong>par ape<strong>na</strong>s R$ 150,00 e no<br />

próximo eu compenso”.<br />

Cinco meses se passaram e Paulo já tinha R$ 1.450,00 <strong>na</strong> p<strong>ou</strong>pança. Por volta <strong>da</strong>s<br />

06h45min horas, cansado após ter saído de casa às 05h00min horas e já ter tomado dois<br />

ônibus para chegar à sede <strong>da</strong> empresa às 07h00min horas, passa em frente a uma loja<br />

de motos usa<strong>da</strong>s e vê a “meni<strong>na</strong> dos seus <strong>sonho</strong>s”, uma CG 125 seminova por ape<strong>na</strong>s<br />

R$ 1.900,00. Passados alguns dias aquela idéia não saia <strong>da</strong> sua cabeça: “quando eu<br />

tiver a minha própria moto vai chover mulher!”. Ele hesit<strong>ou</strong>, afi <strong>na</strong>l todo o seu orçamento já<br />

estava comprometido, mas lembr<strong>ou</strong> dos R$ 1.450,00 que estavam sendo p<strong>ou</strong>pados para a<br />

velhice e disse “ah!! também s<strong>ou</strong> fi lho de Deus, e afi <strong>na</strong>l de contas este será o meu primeiro<br />

“patrimônio”, além do mais eu tenho to<strong>da</strong> uma vi<strong>da</strong> pela frente, s<strong>ou</strong> jovem e v<strong>ou</strong> curtir um<br />

p<strong>ou</strong>co”. Compr<strong>ou</strong> a moto pagando R$ 1.300,00 de entra<strong>da</strong> e mais dois cheques de R$<br />

300,00 para 30 e 60 dias.<br />

Já o Raimundo preferiu ser um “associado” do INSS e ia levando a sua vi<strong>da</strong> normal,<br />

recebendo R$ 1.000,00/mês e fazendo as suas aquisições em um ritmo mais lento que o<br />

amigo Paulo.<br />

(**) Ivannildo de Barros e Silva Filho é Auditor <strong>da</strong> SRFB, Ponto de vista (Revista Veja – Edição nº 1674/<strong>20</strong>00)


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

É, eram muito amigos e faziam tudo juntos, iam às mesmas festas, e até conheceram<br />

duas lin<strong>da</strong>s irmãs com quem estavam se preparando para casar. Paulo, que já tinha uns R$<br />

10.000,00 <strong>na</strong> p<strong>ou</strong>pança, desta vez não hesit<strong>ou</strong>, e foi logo comprando um terreno e começando<br />

a construir, e durante alguns meses a construção consumia todo o seu orçamento, inclusive<br />

os “R$ 300,00”, mas ele estava convicto e dizia à sua noiva “vale o esforço, pois esta será a<br />

nossa casa”. E ninguém duvi<strong>da</strong>va que o Paulo fosse um jovem de futuro. Já Raimundo, mais<br />

tímido em seus empreendimentos, compr<strong>ou</strong> um terreno e construiu ape<strong>na</strong>s uma “meia-água”<br />

de início, e disse à sua noiva “tenha paciência, aos p<strong>ou</strong>cos ampliaremos a nossa casa”.<br />

Tudo estava perfeito como em um conto de fa<strong>da</strong>s, já tinham fi lhos e o Paulo tinha trocado<br />

a moto por <strong>ou</strong>tra mais nova, até que no domingo à tarde, quando Paulo e Raimundo voltavam<br />

do futebol, um trágico acidente de trânsito ceif<strong>ou</strong> a vi<strong>da</strong> de ambos.<br />

A viúva do Paulo gast<strong>ou</strong> os R$ 8.000,00 que tinham <strong>na</strong> p<strong>ou</strong>pança para sobreviver alguns<br />

meses após a morte do seu esposo, mas agora está desespera<strong>da</strong> pensando em vender até<br />

a casa que construíram com tanto orgulho. Só ain<strong>da</strong> não pass<strong>ou</strong> fome porque sua irmã, a<br />

viúva do Raimundo, está recebendo uma pensão de R$ 1.000,00, paga pelo INSS, e tem<br />

aju<strong>da</strong>do.<br />

Senhores Editores de Veja, a aposentadoria do trabalhador brasileiro, aliás, de qualquer<br />

trabalhador, especialmente aqueles menos privilegiados, é algo sério e muito complexo para<br />

ser tratado <strong>da</strong> forma simplista e poética como foi feita <strong>na</strong> seção Ponto de Vista <strong>da</strong> edição nº<br />

1674.<br />

O texto acima é funesto e improvável? Não! Ele contempla ape<strong>na</strong>s uma de muitas<br />

situações que poderiam ocorrer com qualquer pessoa, especialmente nesta faixa de ren<strong>da</strong>,<br />

que difi cilmente alcançariam a trajetória utópica do exemplo <strong>da</strong>do no artigo “O direito de<br />

cui<strong>da</strong>r de si” (Stephen Kanitz), onde o próprio autor, ao projetar uma provável aposentadoria<br />

de R$ 650,00 (paga pelo INSS), já admite que o trabalhador não tenha emprego por tanto<br />

tempo, sem intervalos, tão p<strong>ou</strong>co sem variação de sua remuneração. Poderíamos mencio<strong>na</strong>r<br />

vários prováveis desfechos para esta estória, onde o fl uxo de caixa destes trabalhadores<br />

seria alterado, de forma tal que diminuiria o nível de p<strong>ou</strong>pança, <strong>ou</strong> até mesmo geraria o<br />

saque desta. Acidentes, doenças e até mesmo a tão espera<strong>da</strong> materni<strong>da</strong>de, para as<br />

trabalhadoras, são eventos que são cobertos pela Previdência Social independentemente<br />

do pecúlio formado.<br />

É, no mínimo, ingenui<strong>da</strong>de acreditarmos que uma vez acabando a obrigatorie<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

fi liação ao INSS, o trabalhador não seria obrigado a optar pela não fi liação, e pior, sem<br />

nenhum repasse <strong>da</strong> economia tributária para o seu bolso.<br />

Caus<strong>ou</strong>-me espanto que um consultor, profi ssio<strong>na</strong>l que deve ter como direção do seu<br />

trabalho a previsão de situações as mais diversas às quais o seu cliente poderá estar exposto,<br />

e desta forma orientar-lhe com to<strong>da</strong> prudência, tenha tratado a aposentadoria de milhões de<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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132<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

trabalhadores de forma tão simplória. Digo isto, imagi<strong>na</strong>ndo que o autor do artigo em pauta<br />

tinha em mente como seu cliente o trabalhador.<br />

Bem, talvez o seu cliente seja <strong>ou</strong>tra classe de investidores, como por exemplo, aqueles<br />

que pretendem fazer “MARKETING SOCIAL <strong>ou</strong> FILANTROPIA ESTRATÉGICA”. Afi <strong>na</strong>l de<br />

contas como ele diz em seu site “Sua empresa nunca terá uma segun<strong>da</strong> chance para causar<br />

uma boa primeira impressão. Como causar uma boa impressão para os consumidores que<br />

sequer compraram um produto de sua empresa? A solução é investir num bom projeto<br />

<strong>social</strong>.” (www.kanitz.com.br)<br />

É..., infelizmente, para se fazer Filantropia Estratégica e Marketing Social não poderá<br />

faltar matéria-prima: a miséria.<br />

Não podemos nos olvi<strong>da</strong>r que p<strong>ou</strong>pança é uma questão mais cultural que econômica, e<br />

antes de incentivar o enfraquecimento <strong>da</strong> Previdência Social deveríamos estar empenhados<br />

em fortalecer a Educação Pública e Gratuita. Antes de falar <strong>na</strong> urgência em pleitear o<br />

direito de cui<strong>da</strong>r de si, deveríamos falar <strong>da</strong> urgência em aprender a cui<strong>da</strong>r de si.<br />

A propósito, em se falando de “cui<strong>da</strong>r de si”, creio que o fi m precípuo do Estado é o<br />

de cui<strong>da</strong>r do ci<strong>da</strong>dão. E partindo deste ponto de vista devemos sim lutar pelos “direitos<br />

sociais: a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência<br />

<strong>social</strong>, a proteção à materni<strong>da</strong>de e à infância, a assistência aos desamparados, <strong>na</strong> forma<br />

desta Constituição.” (Art. 6º <strong>da</strong> CF, <strong>na</strong> re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Emen<strong>da</strong> Constitucio<strong>na</strong>l nº 26 de<br />

14/02/<strong>20</strong>00), melhorando assim o que já conquistamos, e não abrindo mão do p<strong>ou</strong>co que<br />

temos.<br />

Observação: Este texto foi elaborado pelo à época Auditor Fiscal <strong>da</strong> Previdência Social<br />

(AFPS) Ivannildo de Barros e Silva Filho, em 07 de novembro de <strong>20</strong>00, como réplica ao<br />

artigo “O direito de cui<strong>da</strong>r de si”, do articulista Stephen Kanitz, publicado <strong>na</strong> seção Ponto de<br />

Vista <strong>da</strong> revista Veja, edição nº 1674. A mensagem fi <strong>na</strong>l que este nosso colega deix<strong>ou</strong> foi<br />

“juntos podemos melhorar este país”.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

8. A Seguri<strong>da</strong>de Social como tecnologia jurídica para o<br />

desenvolvimento humano<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

José Guilherme Ferraz <strong>da</strong> Costa*<br />

No momento atual, um dos temas de maior destaque <strong>na</strong> agen<strong>da</strong> de discussões<br />

<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l é justamente a necessi<strong>da</strong>de de se erradicar a pobreza<br />

extrema que assola diversos agrupamentos hum<strong>anos</strong> em todo o mundo, bem como de<br />

se fomentar o desenvolvimento humano equilibrado numa economia irreversivelmente<br />

globaliza<strong>da</strong> (vide metas do milênio estabeleci<strong>da</strong>s pela Assembléia Geral <strong>da</strong>s Nações<br />

Uni<strong>da</strong>s, visando erradicar a pobreza extrema e a fome no mundo).<br />

Admite-se que o enfrentamento de tais desafios constitui um pressuposto para<br />

a estabili<strong>da</strong>de <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, favorecendo o desenvolvimento e a paz<br />

mundiais.<br />

Restam supera<strong>da</strong>s, portanto as falácias, largamente difundi<strong>da</strong>s em período histórico<br />

recente, de que o modelo de Estado fornecedor de prestações sociais estaria esgotado<br />

e de que o crescimento econômico em um ambiente de livre mercado seriam suficientes<br />

para garantir o bem estar de todos. Ao contrário, constata-se hoje que as medi<strong>da</strong>s<br />

estatais de proteção <strong>social</strong> são essenciais para a coesão econômica <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des<br />

moder<strong>na</strong>s.<br />

Nesse contexto, ca<strong>da</strong> vez mais prevalece o entendimento de que a implementação<br />

paulati<strong>na</strong> do conceito de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> em todo o mundo, a partir de uma plataforma<br />

de consenso e soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, constitui a forma mais concreta e viável<br />

para se atingir aquele objetivo de modo eficaz e durad<strong>ou</strong>ro.<br />

Com efeito, a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> trata-se do produto mais avançado desenvolvido<br />

pela tecnologia jurídica em todo o mundo para orde<strong>na</strong>ção econômica e <strong>social</strong>, com<br />

vistas a garantir um ambiente de bem–estar em que ca<strong>da</strong> indivíduo possa contar com<br />

os meios indispensáveis ao atendimento de suas necessi<strong>da</strong>des materiais básicas.<br />

Referido conceito resulta <strong>da</strong> conjugação de diversas experiências para tratamento<br />

<strong>da</strong>s situações de vulnerabili<strong>da</strong>de material vivencia<strong>da</strong>s pelo ser humano, assumindo,<br />

por vezes, uma feição aparentemente complexa em razão <strong>da</strong> multiplici<strong>da</strong>de de técnicas<br />

e variantes, assumi<strong>da</strong>s em ca<strong>da</strong> país que se propõe a seguir o respectivo receituário.<br />

Entretanto, a despeito dessa heterogenei<strong>da</strong>de, é possível se inferir <strong>da</strong> análise <strong>da</strong><br />

sua evolução histórica e do conteúdo de diversos documentos inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is produzidos<br />

(*) José Guilherme Ferraz <strong>da</strong> Costa, Procurador <strong>da</strong> Republica, participante do Concurso Nacio<strong>na</strong>l de Teses e Monografi as <strong>da</strong><br />

Fun<strong>da</strong>ção Anfi p de Estudos <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

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134<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

ao longo do último século, que o conceito de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> no plano inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

atualmente implica a busca por um padrão mundial igualitário de sobrevivência dig<strong>na</strong><br />

para o ser humano, a ser almejado em ca<strong>da</strong> recanto do globo (“global <strong>social</strong> floor”).<br />

A atuação <strong>da</strong> Organização Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do Trabalho 1 desponta atualmente como<br />

o ponto de convergência para a busca <strong>da</strong>quele padrão, razão pela qual seus estudos,<br />

recomen<strong>da</strong>ções e normas constituem o parâmetro mais objetivo para análise <strong>da</strong><br />

adequação dos sistemas jurídicos de ca<strong>da</strong> país ao emergente modelo que poderíamos<br />

chamar de “seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> global”.<br />

Por esse ângulo, podemos afirmar que, desde fins do século XX, a Constituição<br />

Federal Brasileira de 1988 já instituiu um protótipo de sistema de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong><br />

profun<strong>da</strong>mente inspirado <strong>na</strong>s idéias mais moder<strong>na</strong>s desenvolvi<strong>da</strong>s no plano inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

acerca <strong>da</strong> proteção <strong>social</strong> em face <strong>da</strong> ausência <strong>ou</strong> deficiência dos meios e condições<br />

de subsistência.<br />

Contudo, a literatura técnica <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l especializa<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> se ressente de estudos<br />

mais aprofun<strong>da</strong>dos que ponham em destaque essa reali<strong>da</strong>de, <strong>ou</strong> seja, apontando a<br />

adequação <strong>da</strong>s linhas mestras do sistema de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> brasileiro às conclusões<br />

de vanguar<strong>da</strong> dos estudos inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is acerca dos temas correlatos, bem como as<br />

tendências que podem ser segui<strong>da</strong>s para seu contínuo aperfeiçoamento.<br />

É evidente a alta relevância dessa visão do orde<strong>na</strong>mento jurídico <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l no contexto<br />

inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, seja para consoli<strong>da</strong>r a interpretação de seus conceitos e princípios<br />

fun<strong>da</strong>mentais (prevenindo-se a proliferação de idéias que tendem ao retrocesso) seja<br />

para lançar luzes sobre alter<strong>na</strong>tivas para o futuro (afi<strong>na</strong>l, a experiência inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, a<br />

despeito <strong>da</strong>s peculiari<strong>da</strong>des <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, constitui sempre uma valiosa referência).<br />

Neste trabalho, pretendemos introduzir aludi<strong>da</strong> análise teórica <strong>da</strong> organização do<br />

sistema de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> brasileiro, em cotejo com o parâmetro de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong><br />

global atualmente almejado pela comuni<strong>da</strong>de inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l organiza<strong>da</strong>, identificando<br />

desafios e tendências. Obviamente, em face <strong>da</strong> complexi<strong>da</strong>de dessa tarefa e dos<br />

limites metodológicos aqui adotados, restringiremos nosso enfoque às diretrizes gerais<br />

do sistema, <strong>na</strong>s suas três vertentes, quais sejam: atendimento à saúde, previdência e<br />

(1) The ILO is the only ‘tripartite’ United Nations agency in that it brings together representatives of governments, employers and<br />

workers to jointly shape policies and programmes. (...) The ILO is the global body responsible for drawing up and overseeing<br />

inter<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>l lab<strong>ou</strong>r stan<strong>da</strong>rds. Working with its Member States, the ILO seeks to ensure that lab<strong>ou</strong>r stan<strong>da</strong>rds are respected<br />

in practice as well as principle. The Inter<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>l Lab<strong>ou</strong>r Organization (ILO) is devoted to advancing opportunities for women<br />

and men to obtain decent and productive work in conditions of freedom, equity, security and human dignity. Its main aims are to<br />

promote rights at work, enc<strong>ou</strong>rage decent employment opportunities, enhance <strong>social</strong> protection and strengthen dialogue in han-<br />

dling work-related issues. In promoting <strong>social</strong> justice and inter<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>lly recognized human and lab<strong>ou</strong>r rights, the organization<br />

continues to pursue its f<strong>ou</strong>nding mission that lab<strong>ou</strong>r peace is essential to prosperity. To<strong>da</strong>y, the ILO helps advance the creation<br />

of decent jobs and the kinds of economic and working conditions that give working people and business people a stake in lasting<br />

peace, prosperity and progress.(Auto-conceituação extraí<strong>da</strong> do site http://www.ilo.org, Acesso em 29/12/<strong>20</strong>07).<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


assistência sociais.<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Evolução <strong>da</strong> proteção estatal em face dos riscos sociais<br />

A História <strong>da</strong> Humani<strong>da</strong>de revela concomitantemente à evolução <strong>da</strong>s forças<br />

produtivas, sob impulso <strong>da</strong>s inovações científicas, o desenvolvimento de modos de<br />

organização econômica e de gerenciamento dos meios de produção que, a despeito<br />

de suas freqüentes distorções, almejam como fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de última, atingir um determi<strong>na</strong>do<br />

nível de bem estar e estabili<strong>da</strong>de sociais.<br />

O atingimento desse objetivo, por <strong>ou</strong>tro lado, pressupõe primordialmente mecanismos<br />

que promovam a libertação dos indivíduos em relação às suas necessi<strong>da</strong>des básicas de<br />

ordem material. Para a esmagadora maioria dos indivíduos, tal libertação é alcança<strong>da</strong><br />

pelo uso de sua força de trabalho e, para alguns, pelo acúmulo de riquezas. Impõe-se,<br />

entretanto, assegurar o atendimento <strong>da</strong>quelas necessi<strong>da</strong>des quando o indivíduo não<br />

dispõe, por qualquer razão, de meios próprios para tanto.<br />

Trata-se de uma tarefa com crescente grau de complexi<strong>da</strong>de, que pass<strong>ou</strong> a exigir, ao<br />

longo dos séculos, a criação e mobilização de estruturas ca<strong>da</strong> vez mais especializa<strong>da</strong>s<br />

e sofistica<strong>da</strong>s.<br />

Assim, supera<strong>da</strong> a fase primária de assistência puramente familiar <strong>ou</strong> comunitária,<br />

o indivíduo pass<strong>ou</strong> a recorrer à conheci<strong>da</strong> técnica securitária privatística, inserindo-<br />

se em organismos criados para auxílio mútuo, tudo isto visando proteger-se contra<br />

possíveis situações futuras de vulnerabili<strong>da</strong>de econômica. Por <strong>ou</strong>tro lado, a cari<strong>da</strong>de<br />

diante dos menos afortu<strong>na</strong>dos também constitui fenômeno imemorial.<br />

O maior salto evolutivo ocorre quando o Estado deixa a postura de mero orde<strong>na</strong>dor<br />

de relações priva<strong>da</strong>s e passa a assumir o papel de fornecedor e gestor de prestações<br />

de caráter <strong>social</strong>, dentre as quais se sobressaem aquelas que visam garantir a<br />

sobrevivência do indivíduo em situações de adversi<strong>da</strong>de.<br />

Assume, portanto o Estado à assistência aos necessitados (assistência pública <strong>ou</strong><br />

<strong>social</strong>), ao lado <strong>da</strong>s tradicio<strong>na</strong>is iniciativas priva<strong>da</strong>s de cari<strong>da</strong>de, e implanta seu próprio<br />

plano de seguro, este a<strong>da</strong>ptado para uma extrema coletivização e <strong>social</strong>ização dos<br />

riscos individuais tidos como relevantes para a socie<strong>da</strong>de (seguro <strong>social</strong>) 2 .<br />

No âmbito do seguro <strong>social</strong>, o custeio <strong>da</strong>s prestações faz-se então por meio de<br />

contribuições que lembrariam prêmios de seguro privado, uma vez que, sendo indexa<strong>da</strong>s<br />

aos ganhos normais dos beneficiários, mantêm certa correlação si<strong>na</strong>lagmática com a<br />

cobertura do risco de per<strong>da</strong> de rendimentos.<br />

(2) O “act for the relief of the poor”, de 1601, <strong>na</strong> Inglaterra constitui um marco jurídico <strong>da</strong> assistência <strong>social</strong> no mundo, enquanto<br />

as leis alemãs de seguro doença, seguro de acidentes do trabalho e de seguro de invalidez e velhice, respectivamente de<br />

1883, 1884 e 1889 criam um modelo de seguro <strong>social</strong> de base profi ssio<strong>na</strong>lista com fun<strong>da</strong>mento <strong>na</strong>s idéias sustenta<strong>da</strong>s pelo<br />

chanceler alemão Otto Von Bismarck .<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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136<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Embora inspirado <strong>na</strong> técnica securitária privatista, o seguro <strong>social</strong> apresenta<br />

diversas peculiari<strong>da</strong>des que lhe conferem uma feição própria, mitigando-se a relação<br />

entre risco, prêmio e benefício, própria do Direito Privado. Ora, no seguro <strong>social</strong> pode-<br />

se imagi<strong>na</strong>r, por exemplo, situações em que o trabalhador é amparado sem haver<br />

despendido qualquer contribuição, <strong>ou</strong> havendo contribuído em níveis bastante reduzidos<br />

e desproporcio<strong>na</strong>is ao benefício auferido.<br />

Por <strong>ou</strong>tro lado, as medi<strong>da</strong>s de assistência <strong>social</strong> alcançam indivíduos em situações<br />

de necessi<strong>da</strong>de já implementa<strong>da</strong>s, sem qualquer exigência de engajamento prévio<br />

mediante contribuições, o que também não se coadu<strong>na</strong> com as tradicio<strong>na</strong>is categorias<br />

do seguro privado.<br />

Enfim, o elemento soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de ganha maior intensi<strong>da</strong>de dentro <strong>da</strong> rede estatal de<br />

proteção, exigindo-se para tanto uma maior participação de receitas gerais do Estado<br />

ao lado <strong>da</strong>s tradicio<strong>na</strong>is quotizações emula<strong>da</strong>s do modelo securitário privatístico, as<br />

quais, de qualquer forma, permanecem como fonte de custeio básica para fins de<br />

garantir independência orçamentária e de permitir uma visão mais clara, por parte de<br />

gestores e beneficiários, acerca dos custos <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s protetivas.<br />

To<strong>da</strong>via, tais medi<strong>da</strong>s estatais de proteção <strong>social</strong> revelam-se, no princípio, limita<strong>da</strong>s<br />

a um universo restrito de beneficiários, já que o seguro <strong>social</strong> assume, de início, uma<br />

vinculação a determi<strong>na</strong><strong>da</strong>s espécies de relações de trabalho, sendo que as políticas<br />

públicas de assistência <strong>social</strong> surgem pontuais e assistemáticas.<br />

Surgimento do conceito moderno de Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

Desde então, as técnicas de assistência e seguro sociais evoluíram e experimentaram<br />

uma tendência de fusão em busca <strong>da</strong> ampliação <strong>da</strong> cobertura <strong>da</strong> proteção para<br />

indivíduos de <strong>ou</strong>tros segmentos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, ao passo que foram introduzidos novos<br />

tipos de “risco” a serem protegidos (não ape<strong>na</strong>s eventos futuros incertos e indesejáveis,<br />

mas também situações como a materni<strong>da</strong>de e o <strong>na</strong>scimento de filhos), além de se<br />

incorporarem métodos preventivos <strong>na</strong> conformação desses sistemas 3 .<br />

Nessa linha de raciocínio, a assistência <strong>social</strong> estrutura<strong>da</strong> como política pública<br />

passa a suprir as lacu<strong>na</strong>s deixa<strong>da</strong>s pela rede protetiva previdenciária, justamente em<br />

favor <strong>da</strong>queles que não dispõem de capaci<strong>da</strong>de contributiva para se integrar àquela<br />

rede securitária. Desse modo, busca-se a ampliação do âmbito <strong>da</strong> cobertura <strong>da</strong><br />

proteção pública, de modo a se difundir um padrão mínimo de bem-estar para to<strong>da</strong> a<br />

população.<br />

Temos aí o surgimento do embrião do conceito jurídico atual de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>,<br />

(3) O <strong>social</strong> security act editado nos Estados Unidos em 1935 já refl ete um esboço <strong>da</strong> idéia de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, posterior-<br />

mente desenvolvido pelo Relatório Beveridge, editado <strong>na</strong> Inglaterra em 1942, para inspirar diversas mu<strong>da</strong>nça legislativas<br />

<strong>na</strong>quele país.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

sendo que, a despeito <strong>da</strong>s varia<strong>da</strong>s e complexas peculiari<strong>da</strong>des dos sistemas ditos<br />

de “seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>” ao redor do mundo até mesmo quanto às denomi<strong>na</strong>ções<br />

adota<strong>da</strong>s <strong>na</strong> legislação de ca<strong>da</strong> pais (lembre-se que há divergências terminológicas<br />

entre tais sistemas, especialmente em torno <strong>da</strong> utilização dos termos seguri<strong>da</strong>de,<br />

seguro, previdência e assistência <strong>social</strong>), é possível se extrair <strong>da</strong> evolução histórica<br />

<strong>da</strong>s pertinentes medi<strong>da</strong>s de proteção <strong>social</strong> nos vários países e nos documentos<br />

inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is editados durante o século XX, subsídios para identificação do conteúdo<br />

genérico <strong>da</strong>quele conceito.<br />

Corresponderia então a um conjunto de medi<strong>da</strong>s juridicamente estrutura<strong>da</strong>s pelo<br />

Estado para garantir a segurança econômica do ser humano, considerado como<br />

membro <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de organiza<strong>da</strong>, diante dos mais variados riscos existenciais que<br />

possam excluí-lo do saudável convívio <strong>social</strong>, comprometendo a sua sobrevivência<br />

dig<strong>na</strong>.<br />

Os chamados “riscos sociais” abrangeriam situações de necessi<strong>da</strong>de (mesmo que<br />

não futuras e incertas) considera<strong>da</strong>s relevantes pela socie<strong>da</strong>de para o seu próprio<br />

equilíbrio, podendo ser enquadrados <strong>na</strong>s seguintes categorias básicas (sem prejuízo<br />

de ampliações e redefinições ao longo do tempo): desemprego involuntário, doença,<br />

i<strong>da</strong>de avança<strong>da</strong>, invalidez, morte do provedor do lar, acidente do trabalho e doenças<br />

profissio<strong>na</strong>is, materni<strong>da</strong>de e elevação de encargos domésticos.<br />

Esse conceito moderno de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> tem como nota característica a<br />

estruturação integra<strong>da</strong> de medi<strong>da</strong>s de proteção, de modo a permitir, ao mesmo tempo,<br />

o amparo ao indivíduo em situação de necessi<strong>da</strong>de e a preparação de seu retorno à<br />

vi<strong>da</strong> produtiva, bem como o foco <strong>na</strong> prevenção de situações de necessi<strong>da</strong>de.<br />

Nessa linha de raciocínio, a Associação Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de Seguri<strong>da</strong>de Social 4<br />

(Organismo inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l que congrega instituições de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> de todo o<br />

mundo) vem propug<strong>na</strong>ndo pela adoção de um modelo dinâmico de Seguri<strong>da</strong>de Social,<br />

em que são privilegia<strong>da</strong>s abor<strong>da</strong>gens inovadoras e proativas com vistas à redução de<br />

riscos e reinserção no mercado de trabalho 5 .<br />

(4) The Inter<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>l Social Security Association (ISSA) is an inter<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>l organization which essentially brings together institu-<br />

tions and administrative bodies dealing with one or more aspects of <strong>social</strong> security in different c<strong>ou</strong>ntries of the world, <strong>na</strong>mely all<br />

forms of compulsory <strong>social</strong> protection which, by virtue of legislation or <strong>na</strong>tio<strong>na</strong>l practice, are an integral part of the <strong>social</strong> security<br />

system of these c<strong>ou</strong>ntries (Auto-conceituação <strong>da</strong> AISS extraí<strong>da</strong> do site http://www.issa.int, acesso em 27/12/<strong>20</strong>07)<br />

(5) The universal trend is towards a broader concept of <strong>social</strong> security and what it sh<strong>ou</strong>ld comprise. Social security has changed radically<br />

in recente years; ists role is no longer limited to income redistribution and to providing adequate benefi ts for minium well-being and de<br />

fulfi lment of basic needs. The concept of <strong>social</strong> security has widened and become more proactive, and is now aimed at better providing<br />

prevention measures and protection for individuals against life-c<strong>ou</strong>rse risks, while ate the same time maximizing their productive potential<br />

and capacities in order to make them less vulnerable to these risks and to facilitate their <strong>social</strong> integration. This innovative approach<br />

illustrates what the ISSA calls “Dy<strong>na</strong>mic <strong>social</strong> Security” (Mckinnon, <strong>20</strong>07) (Sigg, Roland. Supporting Dy<strong>na</strong>mic Social Security. In Inter<strong>na</strong>-<br />

tio<strong>na</strong>l Social Security Association. Developments and trends: Supporting Dy<strong>na</strong>mic <strong>social</strong> Security. Geneva: ISSA, <strong>20</strong>07, p. 02)<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Exemplificando esse tipo de abor<strong>da</strong>gem, vale destacar a ênfase <strong>da</strong><strong>da</strong> ao novo<br />

conceito de “case ma<strong>na</strong>gement” como política pública de reinserção ao mercado de<br />

trabalho, a ser implanta<strong>da</strong> em conjunto com medi<strong>da</strong>s de amparo aos desempregados<br />

e assistência <strong>social</strong>. De acordo com esse conceito, recomen<strong>da</strong>-se a atuação estatal<br />

proativa no sentido de inserir o indivíduo margi<strong>na</strong>lizado <strong>ou</strong> realocar o trabalhador<br />

desempregado no mercado local, valendo-se para tanto de uma estrutura de atendimento<br />

individualizado com interfaces em diversos segmentos do mundo do trabalho 6 .<br />

Assim, fecha-se o ciclo <strong>da</strong> reintegração <strong>social</strong>, a partir do momento em que<br />

o indivíduo, privado de seus meios de subsistência, percebe benefício fi<strong>na</strong>nceiro<br />

previdenciário <strong>ou</strong> assistencial ape<strong>na</strong>s enquanto não seja possível a sua reinserção<br />

<strong>na</strong> força produtiva, admitindo-se inclusive o oferecimento direto de postos de trabalho<br />

pelo próprio Estado nos casos de dificul<strong>da</strong>des crônicas de emprego.<br />

Também a ênfase em políticas públicas de saúde preventiva constitui ponto central<br />

<strong>da</strong> estratégia de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> dinâmica apresenta<strong>da</strong> pela referi<strong>da</strong> Associação,<br />

além <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de controle qualitativo sobre os serviços de cui<strong>da</strong>dos médicos<br />

oferecidos pelo Estado, por meio de instrumentos de medição de desempenho e grau<br />

de acessibili<strong>da</strong>de dos beneficiários.<br />

Nas recentes déca<strong>da</strong>s de 80 e 90, torn<strong>ou</strong>-se comum o discurso acerca de um<br />

suposto esgotamento do modelo de estado intervencionista no tocante às prestações<br />

de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, pregando-se então a restrição dos investimentos estatais<br />

nessa seara, com reflexos sobre condições de elegibili<strong>da</strong>de para diversos benefícios.<br />

Para os defensores dessa idéia, a concorrência <strong>na</strong> economia globaliza<strong>da</strong> impunha<br />

necessariamente a redução de gastos sociais do Estado.<br />

Contudo, as pesquisas econômicas mais atuais encaminham-se <strong>na</strong> direção<br />

exatamente oposta àquelas idéias, destacando-se agora o efeito positivo dos<br />

investimentos em seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> sobre a produtivi<strong>da</strong>de e nível geral de bem estar <strong>da</strong><br />

população, revelando-se como uma ferramenta indispensável para o desenvolvimento<br />

humano em uma economia globaliza<strong>da</strong>.<br />

(6) As an instrument of employment promotion case manegement is innovative in that it focuses on res<strong>ou</strong>rces rather than defi -<br />

ciencies, even with people who were and are traditio<strong>na</strong>lly diffi cult to reach using “conventio<strong>na</strong>l” integration instruments as part of<br />

employment promotion. This is not just true of individual c<strong>ou</strong>ntries, but is recognizable trend inter<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>lly. Politically and eco-<br />

nomically the bar is set high: does it increase the proportion of the population who are in active employment, even if the people<br />

concerned face severe problems in becoming integrated into the lab<strong>ou</strong>r market? (...) The aim is always to integrate people in the<br />

formal lab<strong>ou</strong>r market no matter how remote they are from it. In other words, the case-ma<strong>na</strong>gement approach is applied strictly<br />

in order to try to improve people’s suitability for active employment, so that there comes a point when they are actually ready<br />

to enter the formal lab<strong>ou</strong>r market. Only a few c<strong>ou</strong>ntries specifi cally accept subsidized employment in the longer term here. (...)<br />

Case ma<strong>na</strong>gers operate in close networks. At local level these involve the employment service and the local authorities, which<br />

usually provide <strong>social</strong> integration services. Other network partners include further training providers, private service-providers<br />

and businesses. (Poetzsch, Johan<strong>na</strong>. Case ma<strong>na</strong>gement: The magic bullet for lab<strong>ou</strong>r integration? An inter<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>l comparative<br />

study. Geneva: ISSA, <strong>20</strong>07, pp.01e 03)<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Nesse sentido, apontam a Declaração <strong>da</strong> 28ª Assembléia Geral <strong>da</strong> Associação<br />

Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de Seguri<strong>da</strong>de Social, edita<strong>da</strong> em Pequim 7 (<strong>20</strong>04), a partir dos resultados dos<br />

estudos defl agrados por aquela Associação <strong>na</strong> Iniciativa de Estocolmo (1996), assim como,<br />

mais recentemente, as conclusões do primeiro Fórum Mundial de Seguri<strong>da</strong>de Social) 8,<br />

as quais se harmonizam com as premissas <strong>da</strong> atual campanha <strong>da</strong> OIT visando propiciar<br />

cobertura para todos (“Global Campaign on Social Security and Coverage for All”).<br />

Com base nessa perspectiva, a evolução do conceito de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> assume<br />

agora uma nova dimensão fun<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>na</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de entre os países, propug<strong>na</strong>ndo-se por<br />

formas de cooperação técnica, uniformização e intercâmbio entre regimes e mesmo aju<strong>da</strong><br />

inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l para implantação de medi<strong>da</strong>s emergenciais de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> em países<br />

de mais baixo nível de desenvolvimento sócio-econômico. Essa nova conformação, a nosso<br />

ver, consubstancia rudimentos <strong>da</strong> idéia de um padrão mundial de proteção <strong>social</strong> a ser<br />

implementado, quiçá por um sistema de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> global.<br />

(7) La seguri<strong>da</strong>d <strong>social</strong> desempeña un papel esencial al estimular el desarrolo econômico y <strong>social</strong>, respal<strong>da</strong>ndo el crecimiento<br />

econômico y fomentando la cohesión <strong>social</strong>. El desarrollo económico y el desarrollo <strong>social</strong> deben ir a la par, siendo la seguri-<br />

<strong>da</strong>d <strong>social</strong> un factor crucial que permite alcanzarlos. (...) Para reducir a pobreza y lograr la inclusión <strong>social</strong>, la cobertura debe<br />

extenderse a las categorias de la población que no gozan de ningu<strong>na</strong> protección formal de seguri<strong>da</strong>d <strong>social</strong>. La seguri<strong>da</strong>d<br />

<strong>social</strong> constituye el núcleo de to<strong>da</strong> estrategia de reducción de la pobreza, y deben buscarse nuevos enfoques para extender la<br />

cobertura. (Declaración de la 28ª Asamblea General de la Asociación Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de la Seguri<strong>da</strong>d Social) in Balera, Wagner.<br />

Direito Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, disponível em www.ultimainstancia.uol.com.br, acesso em 21/12/<strong>20</strong>07.<br />

(8) Social Security is now increasingly implicated in discussions on how to elimi<strong>na</strong>te povety in the world, whether thr<strong>ou</strong>gh the<br />

defi nition of a “global <strong>social</strong> fl oor”, as suggested by the Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l Lab<strong>ou</strong>r Organization, or thr<strong>ou</strong>gh implementation of the<br />

United Nations Millenium Development Goals. This confers a new legitimacy on teh activities of <strong>social</strong> security institutions at<br />

the <strong>da</strong>wn of this 21 th century. (...) Social Security is a prerequisite for more equitable and sustai<strong>na</strong>ble development. It is a vital<br />

element in e<strong>na</strong>bling societies to rise to meet future challenges. In a context of globalization and demographic ageing, it is also<br />

<strong>na</strong> essential factor for the development of more equitable <strong>na</strong>tio<strong>na</strong>l economies as well as being a vital component of <strong>social</strong> cohe-<br />

sion and <strong>na</strong>tio<strong>na</strong>l and inter<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>l stability (Sigg, Roland. Supporting Dy<strong>na</strong>mic <strong>social</strong> Security. In Inter<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>l Social Secutity<br />

Association. Developments and trends: Supporting Dy<strong>na</strong>mic <strong>social</strong> Security. Geneva: ISSA, <strong>20</strong>07, p. 01e 03).<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

9. Seguri<strong>da</strong>de Social e a Constituição de 1988<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

Caroli<strong>na</strong> Veríssimo Barbieri*<br />

Seguri<strong>da</strong>de Social nos países desenvolvidos no pós Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial<br />

Por ocasião <strong>da</strong> reconstrução dos países afetados pela Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial,<br />

o economista Sir William Beveridge foi incumbido pelo Ministro Arthur Greenwood, do<br />

Parlamento britânico, em 1941, de estu<strong>da</strong>r os sistemas de Seguro Social e Serviços<br />

Afi ns (incluindo-se as indenizações a trabalhadores), bem como as relações entre esses<br />

sistemas <strong>na</strong> Grã-Bretanha e, com base em seus estudos, propor soluções aos problemas<br />

vivenciados pelos países destruídos. Esses estudos <strong>da</strong>riam embasamento à ação do Comitê<br />

de Problemas de Reconstrução, presidido por Beveridge. O mesmo Ministro Greenwood, no<br />

início de 1942 anunci<strong>ou</strong> à Câmara dos Comuns que o Comitê tinha poderes de considerar<br />

entre as proposições o desenvolvimento dos sistemas de Seguro Nacio<strong>na</strong>l, incluindo-se<br />

benefícios em caso de morte e <strong>ou</strong>tros riscos não contemplados pelos sistemas de Seguro<br />

Social existentes (Beveridge, 1943).<br />

A partir de então, Beveridge inici<strong>ou</strong> um estudo desde a primeira manifestação de proteção<br />

<strong>social</strong> <strong>na</strong> Inglaterra, concluindo que, excetuando-se a Lei dos Pobres, de 1572, os sistemas<br />

estu<strong>da</strong>dos haviam sido criados nos 45 <strong>anos</strong> precedentes ao relatório, começando pela lei<br />

de indenização aos trabalhadores, em 1897. Outra conclusão a que cheg<strong>ou</strong> foi a de que o<br />

sistema de Seguro Social e Serviços Afi ns britânico atendia à maioria <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des<br />

cria<strong>da</strong>s pela interrupção do recebimento dos salários <strong>ou</strong> <strong>ou</strong>tras causas que podiam surgir<br />

<strong>na</strong>s então moder<strong>na</strong>s socie<strong>da</strong>des industriais. Entretanto, os sistemas eram administrados por<br />

vários órgãos desconectados entre si, que atuavam segundo princípios diferentes e rendiam<br />

serviços inestimáveis, mas a um custo (fi <strong>na</strong>nceiro, em incômodo e <strong>na</strong> maneira irregular de<br />

tratar problemas idênticos) não justifi cável. Fic<strong>ou</strong> claro que, com uma maior coorde<strong>na</strong>ção,<br />

os serviços sociais existentes poderiam se transformar em benefícios mais lógicos, maiores,<br />

melhor distribuídos e de menor custo administrativo (Beveridge, 1943).<br />

A solução proposta por Beveridge foi o Plano de Seguri<strong>da</strong>de Social, que, dentre <strong>ou</strong>tros<br />

princípios, apoiava-se <strong>na</strong> cooperação entre o Estado e o indivíduo. Segundo esse princípio,<br />

o Estado deveria oferecer seguri<strong>da</strong>de em troca de serviço e contribuição. Ao organizar a<br />

seguri<strong>da</strong>de, o Estado não deveria sufocar as iniciativas, nem limitar as oportuni<strong>da</strong>des, nem<br />

aliviar as responsabili<strong>da</strong>des individuais. Ao estabelecer um mínimo <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, deveria <strong>da</strong>r lugar<br />

e estimular a ação voluntária de ca<strong>da</strong> indivíduo, para prover mais que esse mínimo para si<br />

(*) Caroli<strong>na</strong> Veríssimo Barbieri, Mestre em Economia pela Unicamp, participante do Concurso Nacio<strong>na</strong>l de Teses e Monografi as<br />

<strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Anfi p de Estudos <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social.


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

e para sua família. O plano era, antes de tudo, um plano de seguro, que oferecia benefícios<br />

em troca de contribuições, até alcançar o “mínimo de subsistência”, e sem necessi<strong>da</strong>de<br />

de teste de meios. Mas, de acordo com <strong>ou</strong>tro princípio, a organização do Seguro Social<br />

deveria ser considera<strong>da</strong> ape<strong>na</strong>s como parte de uma ampla política de progresso <strong>social</strong>.<br />

O Seguro Social, ple<strong>na</strong>mente desenvolvido, poderia prover a seguri<strong>da</strong>de de recursos,<br />

atacando a “necessi<strong>da</strong>de 1 ”. Mas a “necessi<strong>da</strong>de” era somente um dentre cinco gigantes a<br />

serem combatidos <strong>na</strong> reconstrução dos países. Os <strong>ou</strong>tros gigantes eram a enfermi<strong>da</strong>de, a<br />

ignorância, a miséria e a ociosi<strong>da</strong>de (Beveridge, 1943).<br />

A abolição <strong>da</strong> “necessi<strong>da</strong>de” requeria uma dupla redistribuição de ren<strong>da</strong>: primeiro, por<br />

meio do Seguro Social; depois, de acordo com as necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s famílias. Deveria<br />

haver reajuste dos benefícios de acordo com a ren<strong>da</strong> obti<strong>da</strong> pela família. Quando h<strong>ou</strong>vesse<br />

rendimento de trabalho, o benefício seria o “mínimo de subsistência”, mas se h<strong>ou</strong>vesse<br />

interrupção desse rendimento, deveria existir, por exemplo, uma ren<strong>da</strong> especial para<br />

crianças, que complementasse o benefício corrente.<br />

De forma bastante simplifi ca<strong>da</strong>, o Plano baseava-se no seguinte.<br />

O elemento principal do Plano de Seguri<strong>da</strong>de Social era o projeto de Seguro Social<br />

contra a interrupção e a anulação <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de para ganhar um salário, que compreende,<br />

ademais, os gastos extraordinários motivados por <strong>na</strong>scimento, matrimônio e morte. Com<br />

a fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>de primordial de extermi<strong>na</strong>r a “necessi<strong>da</strong>de”, o projeto abarcava seis princípios<br />

fun<strong>da</strong>mentais:<br />

1. Taxa fi xa de benefício de subsistência: seria igual para todos, com direito a benefícios<br />

no mesmo valor, independentemente dos recursos próprios;<br />

2. Taxa fi xa de contribuição: de acordo com os recursos próprios;<br />

3. Unifi cação <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de administrativa: a taxa seria paga uma única vez a<br />

ca<strong>da</strong> período, correspondendo a todos os direitos somados;<br />

4. Adequação do benefício: em tempo de duração e em quanti<strong>da</strong>de;<br />

5. Extensão <strong>ou</strong> alcance do Seguro: deveria abarcar as pessoas, mas também suas<br />

necessi<strong>da</strong>des;<br />

6. Classifi cação <strong>da</strong>s pessoas: deveria ser verifi cado a qual grupo de pessoas o<br />

segurado pertencia.<br />

Os grupos aos quais se refere o item 6 acima seriam quatro grupos de pessoas em i<strong>da</strong>de<br />

ativa (i<strong>da</strong>de de trabalhar), e dois com as pessoas fora dela (os menores e os mais velhos).<br />

Os grupos e como seriam inseridos no Plano foram assim constituídos:<br />

1. Empregados, <strong>ou</strong> seja, pessoas cuja ocupação normal fosse um emprego, de acordo<br />

com um contrato de trabalho; que pagariam uma contribuição, sendo que o empregador<br />

(1) A “necessi<strong>da</strong>de” é defi ni<strong>da</strong> com base em estudos sociais, que resultem em um diagnóstico <strong>da</strong>s condições de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> popu-<br />

lação. Ela é supri<strong>da</strong> quando a população obtém tudo de que necessita para sobreviver, <strong>ou</strong> possui meios para obtê-lo.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

também contribuiria, deduzindo-se a parte do empregado diretamente do salário. Esses<br />

poderiam receber benefício de desemprego e incapaci<strong>da</strong>de, e aposentadoria.<br />

2. Outras pessoas ocupa<strong>da</strong>s com remuneração, incluindo-se empregadores, comerciantes<br />

e trabalhadores autônomos, de to<strong>da</strong>s as classes; que pagariam uma contribuição. Essas<br />

receberiam o mesmo que os empregados, exceto os benefícios de desemprego e de<br />

incapaci<strong>da</strong>de durante as 13 primeiras sema<strong>na</strong>s de incapaci<strong>da</strong>de.<br />

3. Do<strong>na</strong>s-de-casa, <strong>ou</strong> seja, mulheres casa<strong>da</strong>s, em i<strong>da</strong>de ativa; cujos maridos contribuiriam<br />

por elas. Assim, teriam direito a benefício-materni<strong>da</strong>de, pensão por morte do marido <strong>ou</strong><br />

separação, e seriam a<strong>na</strong>lisa<strong>da</strong>s as possibili<strong>da</strong>des de receberem aposentadoria. Além disso,<br />

as que tivessem trabalho remunerado receberiam licença-materni<strong>da</strong>de durante 13 sema<strong>na</strong>s,<br />

para que pudessem renunciar ao trabalho antes e depois do parto.<br />

4. Outras pessoas, em i<strong>da</strong>de ativa, que pagariam uma contribuição. Essas receberiam<br />

aposentadoria.<br />

5. Crianças que ain<strong>da</strong> não tivessem atingido a i<strong>da</strong>de de trabalhar (menores de 16 <strong>anos</strong><br />

que freqüentassem a escola obrigatória <strong>ou</strong> voluntariamente); que receberiam benefícios para<br />

crianças, pagos pelo Tes<strong>ou</strong>ro Nacio<strong>na</strong>l. Se o responsável estivesse recebendo benefícios de<br />

seguro <strong>ou</strong> pensão, todos os fi lhos receberiam o benefício. Em todos os <strong>ou</strong>tros casos, todos<br />

os fi lhos, menos um, receberiam o benefício.<br />

6. Pessoas que já tivessem ultrapassado a i<strong>da</strong>de de trabalhar (65 <strong>anos</strong> para homens e<br />

60 para mulheres); que receberiam pensões de aposentadoria.<br />

Todos teriam direito a tratamento médico completo, reabilitação e gastos funerários. To<strong>da</strong>s<br />

as classes em i<strong>da</strong>de ativa, exceto os empregados <strong>da</strong> classe 1, teriam acesso a benefícios<br />

de ensino técnico. Somar-se-iam aos esforços do “Seguro Social”, a “Aju<strong>da</strong> Nacio<strong>na</strong>l”,<br />

dependente de teste de meios, para atender aos casos não atendidos pelo Seguro Social,<br />

e o “Seguro Voluntário” (seguro de vi<strong>da</strong>, por exemplo), para agregar adicio<strong>na</strong>is às medi<strong>da</strong>s<br />

básicas.<br />

O fi <strong>na</strong>nciamento do Plano de Seguri<strong>da</strong>de Social seria feito a partir de contribuições dos<br />

segurados (empregados e <strong>ou</strong>tras pessoas em i<strong>da</strong>de ativa), contribuições dos empregadores,<br />

recursos do Tes<strong>ou</strong>ro Nacio<strong>na</strong>l e tributos industriais provenientes de indústrias considera<strong>da</strong>s<br />

perigosas (em pequeno volume, somente para cobrir acidentes e doenças causa<strong>da</strong>s pela<br />

periculosi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de). A maioria <strong>da</strong>s pessoas em i<strong>da</strong>de ativa deveria contribuir de duas<br />

maneiras: primeiro, com uma taxa básica, que garantiria a todos os benefícios em igual valor,<br />

independentemente dos recursos de ca<strong>da</strong> um; segundo, com um imposto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, direto<br />

<strong>ou</strong> indireto, proporcio<strong>na</strong>l aos recursos de ca<strong>da</strong> um. A contribuição conjunta de empregados,<br />

demais segurados e empregadores seria responsável pela maior parte do fi <strong>na</strong>nciamento.<br />

Esses recursos seriam depositados no Fundo de Seguro Social, que seria ape<strong>na</strong>s um, mas<br />

teria contas separa<strong>da</strong>s para diferentes fi ns.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

A fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>de do Plano de Seguri<strong>da</strong>de Social era contribuir para a reconstrução <strong>da</strong> Grã-<br />

Bretanha no pós-guerra. Mas a concepção do Estado de Bem-Estar <strong>social</strong> foi adota<strong>da</strong> por<br />

todos os países em reconstrução, diante do reconhecimento de que as forças de mercado não<br />

promoveriam o re<strong>na</strong>scimento e o desenvolvimento de suas economias. Fazia-se necessário<br />

envolver o Estado no processo de reconstrução para que os indivíduos e as famílias saíssem<br />

<strong>da</strong> pobreza e, ao mesmo tempo, fossem protegidos contra os riscos de voltar a ela.<br />

É importante deixar claro o que o sistema de Seguri<strong>da</strong>de Social representava e que<br />

funções deveria cumprir. Briggs (1969:19) apud Lavi<strong>na</strong>s (<strong>20</strong>06) defi ne o sistema de Bem-<br />

Estar como sendo “um Estado no qual o poder organizado é delibera<strong>da</strong>mente usado (através<br />

<strong>da</strong>s políticas e <strong>da</strong> administração)”, cuja função seria “modifi car as forças de mercado ao<br />

menos em três direções: primeiro, assegurando a indivíduos e famílias uma ren<strong>da</strong> mínima,<br />

independentemente do valor de mercado do seu trabalho <strong>ou</strong> de suas proprie<strong>da</strong>des; depois,<br />

reduzindo o grau de insegurança dos indivíduos e famílias ao contribuir para que disponham de<br />

meios de atender a certas ‘contingências sociais’ (por exemplo, doença, velhice, desemprego)<br />

e assim evitar crises; por último, garantindo que todos os indivíduos sem distinção de status<br />

<strong>ou</strong> classe possam receber o melhor padrão de atendimento considerando-se o escopo dos<br />

serviços sociais disponíveis”.<br />

Além disso, é preciso ter em mente mais um elemento do contexto em que os sistemas<br />

contemporâneos de Bem-Estar <strong>social</strong> surgiram. Durante e após os <strong>anos</strong> de guerra, a forte<br />

intervenção do Estado foi requeri<strong>da</strong> não só para resolver os problemas sociais, mas também<br />

os econômicos. Proni (<strong>20</strong>06) explica que, após a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial, um retorno ao<br />

liberalismo econômico, vigente até o início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1930, estava fora de questão, e o<br />

desenvolvimento <strong>da</strong>s <strong>na</strong>ções estava agora associado a um maior controle do Estado sobre<br />

a economia. Nas palavras do autor: “os governos foram levados a assumir medi<strong>da</strong>s que<br />

ultrapassavam a tarefa de resguar<strong>da</strong>r as economias <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is <strong>da</strong> racio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de especulativa<br />

dos mercados fi <strong>na</strong>nceiros, assim como de proteger a população contra os desastres<br />

econômicos. Compreendeu-se a importância de restaurar a confi ança <strong>na</strong>s instituições, de<br />

gerar expectativas corretas em relação ao desempenho <strong>da</strong> economia e de cultivar um clima<br />

de otimismo em relação ao futuro”.<br />

Essa nova visão do Estado foi, em parte, construí<strong>da</strong> com base <strong>na</strong> “Teoria do emprego,<br />

do juro e <strong>da</strong> moe<strong>da</strong>”, do economista John May<strong>na</strong>rd Keynes, que ajud<strong>ou</strong> a difundir a crença<br />

de que o capitalismo podia se expandir de forma civiliza<strong>da</strong>, desde que h<strong>ou</strong>vesse controle<br />

estatal <strong>da</strong> concorrência intercapitalista e mecanismos de indução ao pleno emprego <strong>da</strong>s<br />

forças produtivas. Para isso, de acordo com Proni (<strong>20</strong>06), o Estado estava autorizado à<br />

regular preços-chave <strong>da</strong> economia, como a taxa de juros, a taxa de câmbio, os salários,<br />

assim como lhe era permitido utilizar o gasto público como fator de elevação <strong>da</strong> deman<strong>da</strong><br />

efetiva e <strong>da</strong> efi cácia do sistema econômico (inclusive com a possibili<strong>da</strong>de de recorrer a<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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défi cits públicos em períodos recessivos).<br />

144<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Então, o elemento importante que permite a compreensão do bom funcio<strong>na</strong>mento do<br />

Plano de Seguri<strong>da</strong>de Social formulado por Beveridge é a busca pelo pleno emprego. Ou<br />

seja, à época em que foi elaborado o Plano de Seguri<strong>da</strong>de Social, havia um compromisso<br />

por parte dos Estados de agir em prol <strong>da</strong> elevação do nível de emprego, via aceleração <strong>da</strong><br />

ativi<strong>da</strong>de econômica, até o limite em que só fi caria desempregado quem estivesse em i<strong>da</strong>de<br />

ativa, mas não quisesse trabalhar, <strong>ou</strong> estivesse em um período de transição entre o antigo<br />

trabalho e uma oportuni<strong>da</strong>de de trabalho melhor.<br />

Somente em um contexto de busca pelo pleno emprego <strong>da</strong>s forças produtivas e, por<br />

conseqüência, pelo pleno emprego <strong>da</strong> força de trabalho, é que se pode compreender<br />

um sistema de Seguri<strong>da</strong>de Social fortemente baseado no Seguro Social e fi <strong>na</strong>nciado,<br />

primordialmente, por recursos arreca<strong>da</strong>dos sobre rendimentos do trabalho 2 .<br />

Pode-se dizer que a união <strong>da</strong>s idéias de Keynes com as idéias de Beveridge possibilit<strong>ou</strong>,<br />

aos países assolados pela guerra, a reconstrução de suas socie<strong>da</strong>des e economias,<br />

transformando o Estado de Bem-Estar <strong>social</strong> em modelo a ser seguido pelos países que<br />

almejassem alcançar o desenvolvimento <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, demonstrando que a política <strong>social</strong> deveria<br />

ter metas econômicas, assim como a política econômica deveria conter metas sociais.<br />

Antes do Plano de Seguri<strong>da</strong>de Social de Beveridge, a proteção <strong>social</strong> pública existia, mas,<br />

como esteve predomi<strong>na</strong>ntemente associa<strong>da</strong> à condição dos trabalhadores urb<strong>anos</strong> ligados à<br />

indústria, o desenvolvimento desigual desta e <strong>da</strong> organização dos trabalhadores nos países<br />

determin<strong>ou</strong> que o início <strong>da</strong> participação do Estado ocorresse em diferentes momentos. Os<br />

primeiros riscos a serem cobertos foram os de acidente de trabalho, de velhice e de invalidez.<br />

As características principais desse período inicial de proteção <strong>social</strong> pública foram à restrição<br />

<strong>da</strong> cobertura aos trabalhadores urb<strong>anos</strong> e a utilização <strong>da</strong>s contribuições de empregados e<br />

empregadores como fonte de recursos. Além disso, o regime de fi <strong>na</strong>nciamento também era<br />

de capitalização coletiva 3 , <strong>ou</strong> seja, havia um fundo acumulado, que seria utilizado para pagar<br />

pensões e aposentadorias aos contribuintes, de acordo com a disponibili<strong>da</strong>de decorrente <strong>da</strong><br />

rentabili<strong>da</strong>de dos ativos (Marques, 1995).<br />

(2) Os conceitos de Seguri<strong>da</strong>de Social e Seguro Social, apesar de serem comumente confundidos, não signifi cam a mesma<br />

coisa. Segundo IPEA (<strong>20</strong>06a: 451), Seguro Social é a forma de proteção que atribui benefícios para quem contribui e fi xa o seu<br />

valor de acordo com a contribuição total efetua<strong>da</strong>; enquanto Seguri<strong>da</strong>de Social é a forma de proteção que atribui benefícios<br />

para quem pertence a uma comuni<strong>da</strong>de, sem vincular o valor do benefício ao valor <strong>da</strong> contribuição, exigindo ape<strong>na</strong>s a participa-<br />

ção ativa <strong>ou</strong> potencial ao sistema, algumas vezes segundo alguns critérios de acesso ao benefício, privilegiando a necessi<strong>da</strong>de<br />

do ci<strong>da</strong>dão. Vale salientar que o Seguro Social faz parte do Plano de Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

(3) O regime de capitalização, segundo Thompson (1998:38) apud Matijascic (<strong>20</strong>06), “é o sistema de aposentadoria fi <strong>na</strong>nciado com<br />

antecedência (...) as pessoas acumulam algo de valor – metais preciosos, jóias, imóveis <strong>ou</strong> ativos fi <strong>na</strong>nceiros – durante seus <strong>anos</strong><br />

de trabalho e se sustentam <strong>na</strong> i<strong>na</strong>tivi<strong>da</strong>de, pelo menos em parte, mediante a ven<strong>da</strong> desses itens. Em geral, as ven<strong>da</strong>s dos i<strong>na</strong>tivos<br />

são para os ativos, que estão eles próprios adquirindo bens para o momento <strong>da</strong> i<strong>na</strong>tivi<strong>da</strong>de”. Esse seria um conceito de capitalização<br />

individual. A capitalização coletiva segue a mesma lógica, de p<strong>ou</strong>par enquanto ativo, para utilizar quando i<strong>na</strong>tivo, mas, no caso, ao<br />

invés de comprar e vender bens, os trabalhadores depositam um valor em um fundo coletivo, que gerará rendimentos fi <strong>na</strong>nceiros.<br />

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<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

De <strong>ou</strong>tra forma, os sistemas de proteção <strong>social</strong> implantados ao término <strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Guerra<br />

Mundial, baseados no Plano de Seguri<strong>da</strong>de Social de Beveridge, tinham por características,<br />

apesar <strong>da</strong>s diferenças <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, a ampliação paulati<strong>na</strong> <strong>da</strong> cobertura para novos segmentos<br />

de trabalhadores <strong>ou</strong> populacio<strong>na</strong>is e a incorporação de novos riscos e problemas sociais<br />

como objeto de sua ação. São próprios do Estado de Bem-Estar <strong>social</strong> a universalização <strong>da</strong><br />

cobertura para o conjunto <strong>da</strong> população e o alargamento do próprio conceito de proteção.<br />

Além <strong>da</strong> garantia de ren<strong>da</strong> em caso de desemprego, alguns países chegaram a incorporar<br />

a habitação, os cui<strong>da</strong>dos relativos a crianças peque<strong>na</strong>s e a reciclagem <strong>da</strong> mão-de-obra.<br />

Quanto ao regime de fi <strong>na</strong>nciamento, diferentemente dos sistemas de proteção <strong>social</strong><br />

anteriores, o seguro <strong>social</strong>, <strong>ou</strong> seja, a área previdenciária, substituiu a capitalização coletiva<br />

pela repartição simples – onde, segundo Thompson (1998: 38) apud Matijascic (<strong>20</strong>06),<br />

os recursos arreca<strong>da</strong>dos pelos ativos fl uem para a população benefi cia<strong>da</strong> <strong>na</strong> forma de<br />

transferências diretas do resto <strong>da</strong> população –, estabelecendo-se a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de entre<br />

gerações em detrimento <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de entre os ativos (Marques, 1995).<br />

Marques (1995) aponta ain<strong>da</strong> para um fator interessante que relacio<strong>na</strong> a orientação<br />

do mercado de trabalho com a implantação dos sistemas de proteção <strong>social</strong> nos países<br />

avançados. Segundo a autora, durante o período de consoli<strong>da</strong>ção do Estado de Bem-Estar<br />

<strong>social</strong>, “foi concerta<strong>da</strong> uma relação peculiar entre capital e trabalho”, <strong>da</strong>do que “a orientação<br />

domi<strong>na</strong>nte no período era a de garantir um aumento real de ren<strong>da</strong>, tanto através do salário<br />

direto como do indireto. Assim, desde que a expansão <strong>da</strong> acumulação capitalista (<strong>ou</strong> seja,<br />

do lucro) fosse acompanha<strong>da</strong> de aumentos de salários reais e de uma crescente cobertura<br />

dos riscos sociais (função dos sistemas de Seguri<strong>da</strong>de Social), não haveria atritos maiores<br />

entre capital e trabalho” (Marques, 1995: 48, 49). Portanto, os sistemas de proteção <strong>social</strong><br />

teriam ain<strong>da</strong> uma função não explícita no Plano de Seguri<strong>da</strong>de Social, que seria a de conter<br />

confl itos entre detentores de capital e ofertantes de mão-de-obra, juntamente com a política<br />

de aumentos salariais.<br />

Contudo, apesar <strong>da</strong> combi<strong>na</strong>ção entre o mercado de trabalho e a Seguri<strong>da</strong>de Social ter<br />

obtido sucesso no processo de reconstrução dos países avançados, em meados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong><br />

de 1970 o Estado de Bem-Estar Social começ<strong>ou</strong> a ser colocado à prova. Os motivos foram o<br />

esgotamento do regime de acumulação fordista 4 e a crise econômica, que desencadearam<br />

os processos de inovação organizacio<strong>na</strong>l e de gestão <strong>da</strong> mão-de-obra, induzindo à<br />

desestruturação do mercado de trabalho, ocasio<strong>na</strong>ndo per<strong>da</strong> de arreca<strong>da</strong>ção e concomitante<br />

aumento <strong>da</strong>s despesas com benefícios. Pelo lado <strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção, o contingente de<br />

desempregados aument<strong>ou</strong> de tal forma que estes passaram a ser considerados “excluídos”<br />

(4) O regime de acumulação fordista era um conjunto de métodos de racio<strong>na</strong>lização <strong>da</strong> produção, elaborado pelo industrial norte-<br />

americano Henry Ford, baseado no princípio de que uma empresa deve dedicar-se a ape<strong>na</strong>s produzir um tipo de produto. Para<br />

isso, deveria domi<strong>na</strong>r to<strong>da</strong> a cadeia de produção, reduzindo custos através <strong>da</strong> produção em massa e do aumento <strong>da</strong> produtivi-<br />

<strong>da</strong>de do trabalhador, conseguido a partir <strong>da</strong> especialização <strong>da</strong> mão-de-obra e do uso <strong>da</strong> tecnologia. (Sandroni, <strong>20</strong>05: 353).<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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146<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

do mercado de trabalho, <strong>ou</strong> seja, difi cilmente se encontrariam novamente postos de trabalho<br />

sufi cientes para inserir tantas pessoas, e h<strong>ou</strong>ve inclusive alteração <strong>da</strong> estrutura salarial.<br />

Além do desemprego, a precarização do trabalho – apresenta<strong>da</strong> sob várias formas, tais<br />

como o contrato de trabalho por tempo determi<strong>na</strong>do e o trabalho parcial – cresceu, em<br />

detrimento do emprego estável. Pelo lado dos benefícios, além do seguro-desemprego,<br />

diferentes países iniciaram programas sociais como o “ren<strong>da</strong> mínima 5 ”, com o objetivo de<br />

reintegrar os desempregados e/<strong>ou</strong> responder à situação de carência <strong>da</strong> “nova pobreza”<br />

(Marques, 1995).<br />

De início, os sistemas de proteção <strong>social</strong> continuaram a se organizar e a conceder<br />

benefícios, a despeito <strong>da</strong> fragili<strong>da</strong>de fi <strong>na</strong>nceira e <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças ocorri<strong>da</strong>s no mundo do<br />

trabalho. Nas palavras de Marques (1995: 49), “num primeiro momento, as autori<strong>da</strong>des<br />

responsáveis, preocupa<strong>da</strong>s em estabelecer um novo equilíbrio, adotaram o aumento <strong>da</strong>s<br />

contribuições dos trabalhadores e <strong>da</strong>s empresas, a introdução de um controle mais rígido sobre<br />

o orçamento <strong>da</strong> saúde e a exigência de uma maior participação do usuário, especialmente<br />

no custeio dos medicamentos e hospitalização. Contudo, <strong>da</strong>do que as eleva<strong>da</strong>s taxas de<br />

desemprego e o fraco desempenho <strong>da</strong>s receitas se mantinham, começ<strong>ou</strong> a ser defendi<strong>da</strong> a<br />

idéia <strong>da</strong> introdução de políticas de mínimos de proteção”.<br />

Tal como se vê hoje no Brasil, começaram a surgir questio<strong>na</strong>mentos sobre o futuro<br />

<strong>da</strong> proteção <strong>social</strong> nos países. Perguntava-se como seria possível compatibilizar sistemas<br />

estruturados a partir <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de salarial, cujo fi <strong>na</strong>nciamento dependia em larga medi<strong>da</strong> de<br />

contribuições de empregadores e trabalhadores, com um padrão de acumulação que parecia<br />

necessitar ca<strong>da</strong> vez menos de mão-de-obra; <strong>ou</strong> se a ampliação <strong>da</strong> base de fi <strong>na</strong>nciamento,<br />

com a inclusão de novas fontes, seria sufi ciente para manter a universalização <strong>da</strong> proteção<br />

(Marques, 1995).<br />

No início dos <strong>anos</strong> 1980, as aberturas comercial e fi <strong>na</strong>nceira e a inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização <strong>da</strong>s<br />

economias agiram como freios sobre o processo de expansão <strong>da</strong> proteção <strong>social</strong>. A exemplo<br />

disso, sob o argumento de que a proteção <strong>social</strong> consumia parcelas crescentes <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

e diminuía a disponibili<strong>da</strong>de de recursos para investimento, as administrações Thatcher, no<br />

Reino Unido e Reagan, nos Estados Unidos, iniciaram um processo de revisão <strong>da</strong> legislação que<br />

a regulava. Nos <strong>anos</strong> 1990, objetivando, entre <strong>ou</strong>tros, a contenção de gastos e a reorganização<br />

<strong>da</strong>s regras referentes aos benefícios, conforme IPEA (<strong>20</strong>06a), “esse movimento de revisão foi<br />

generalizado e teve profun<strong>da</strong>s conseqüências <strong>na</strong> América Lati<strong>na</strong>, onde as reformas tenderam<br />

a substituir sistemas públicos baseados <strong>na</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de entre gerações por modelos mais<br />

fortemente geridos pelo mercado, ain<strong>da</strong> que regulados pelo setor público”.<br />

(5) Na Bélgica a ren<strong>da</strong> mínima assume o nome de allocation universelle; <strong>na</strong> Inglaterra, de citizen income; no Ca<strong>na</strong>dá, de basic<br />

income; e <strong>na</strong> França, de ren<strong>da</strong> de existência. (Marques, 1995: 51).<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Seguri<strong>da</strong>de Social e Previdência no Brasil: O Ideal por trás <strong>da</strong> Constituição de 1988<br />

De acordo com Cordero (<strong>20</strong>04), em seus traços gerais, a formação do sistema<br />

de Previdência Social no Brasil seguiu o caminho traçado pelos sistemas dos países<br />

desenvolvidos. O sistema inici<strong>ou</strong>-se, <strong>na</strong> déca<strong>da</strong> de 1930, voltado aos segmentos mais<br />

organizados dos trabalhadores urb<strong>anos</strong>. Em segui<strong>da</strong>, estendeu-se a to<strong>da</strong>s as categorias<br />

sócio-profi ssio<strong>na</strong>is legalmente reconheci<strong>da</strong>s, depois aos rurais e aos demais trabalhadores<br />

e, fi <strong>na</strong>lmente, com a Constituição de 1988, pass<strong>ou</strong> a incorporar todos os ci<strong>da</strong>dãos, adotando<br />

o conceito de Seguri<strong>da</strong>de Social. Sendo a Seguri<strong>da</strong>de, em sua essência, uma associação<br />

entre a concepção do Seguro Social e a concepção <strong>da</strong> Assistência, a adoção de seu conceito<br />

represent<strong>ou</strong> a grande inovação proposta pela Constituição de 1988.<br />

Quanto à cobertura, como Calsavara (<strong>20</strong>00) explica, os sistemas de Bem-Estar Social<br />

se consoli<strong>da</strong>ram e se dissemi<strong>na</strong>ram pelo mundo ocidental sempre procurando atender às<br />

deman<strong>da</strong>s por maior igual<strong>da</strong>de e segurança <strong>na</strong>s economias de mercado. A partir de Draibe<br />

(1989), o autor adicio<strong>na</strong> que, devido às especifi ci<strong>da</strong>des históricas e às diferentes políticas<br />

existentes entre os países, foram desenvolvidos três modelos de Estado de Bem-Estar<br />

Social (Welfare States - WS) distintos. Esses três modelos, segundo a classifi cação de Âscoli<br />

(1984), inspira<strong>da</strong> <strong>na</strong> clássica tipologia de Titmus (1963), cujo paralelo pode ser encontrado<br />

<strong>na</strong> tipologia desenvolvi<strong>da</strong> por Esping-Andersen (1991), são:<br />

I-<br />

Welfare State residual; para Esping-Andersen, WS liberal: prega a auto-sufi ciência do<br />

indivíduo, defende o incentivo direto <strong>ou</strong> indireto do Estado para capacitar os indivíduos para<br />

que esses possam suprir suas próprias necessi<strong>da</strong>des. A intervenção do Estado é ex-post,<br />

seletiva e de caráter limitado no tempo;<br />

II- Welfare State meritocrático-particularista; para Esping-Andersen, WS conservador:<br />

ca<strong>da</strong> indivíduo deve estar em condições de satisfazer suas necessi<strong>da</strong>des, mas existem<br />

distorções que podem, inclusive, ser gera<strong>da</strong>s pelo próprio mercado <strong>ou</strong> por desigual<strong>da</strong>des de<br />

oportuni<strong>da</strong>des. Nesse caso, o WS deve complementar as instituições econômicas e sociais,<br />

a fi m de elimi<strong>na</strong>r as diferenças e garantir oportuni<strong>da</strong>des iguais para todos, corrigindo a ação<br />

do mercado.<br />

III-<br />

Welfare State institucio<strong>na</strong>l-redistributivista; para Esping-Andersen, WS <strong>social</strong>-<br />

democrata: baseia-se no conceito de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia que abrange a todos. Voltado para a<br />

produção e distribuição de bens e serviços sociais que são garantidos a todos os ci<strong>da</strong>dãos,<br />

pois esse modelo tem como premissa a incapaci<strong>da</strong>de do mercado de realizar, por si próprio,<br />

uma alocação de recursos que reduza a insegurança e elimine a pobreza.<br />

Dados esses três modelos, construídos com base no desenvolvimento dos sistemas de<br />

proteção <strong>social</strong> dos países desenvolvidos, o sistema brasileiro, para Draibe (1989) apud<br />

Calsavara (<strong>20</strong>00), é meritocrático-particularista, com elementos do sistema institucio<strong>na</strong>l-<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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148<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

redistributivo. Isso porque, no Brasil, é o princípio do mérito, entendido basicamente como<br />

a posição ocupacio<strong>na</strong>l e de ren<strong>da</strong> adquiri<strong>da</strong> no âmbito <strong>da</strong> estrutura produtiva, que constitui<br />

a base sobre a qual se ergue o sistema brasileiro de proteção <strong>social</strong>. Esse princípio é<br />

especialmente ver<strong>da</strong>deiro no caso <strong>da</strong> Previdência desde o início do sistema. As ações<br />

reproduzem, <strong>na</strong> maioria <strong>da</strong>s vezes, as desigual<strong>da</strong>des preexistentes <strong>na</strong> socie<strong>da</strong>de. Entretanto,<br />

ao longo dos <strong>anos</strong> 1970 e, principalmente, a partir dos <strong>anos</strong> 80, o sistema brasileiro adquire<br />

novas características ao introduzir no modelo um viés universalista, aproximando-se do<br />

sistema institucio<strong>na</strong>l-redistributivo.<br />

No que concerne ao fi <strong>na</strong>nciamento, Cordero (<strong>20</strong>05), ao descrever um histórico (aqui<br />

sintetizado) <strong>da</strong> Previdência Social no Brasil, mostra que, inicialmente, o sistema de<br />

Previdência Social brasileiro organiz<strong>ou</strong>-se segundo os postulados <strong>da</strong> capitalização e do<br />

Seguro Social, com um caráter fortemente segmentado. O direito a determi<strong>na</strong>dos benefícios<br />

estava diretamente ligado à condição de participação no mercado formal e ao montante<br />

de contribuições efetua<strong>da</strong>s, confi gurando-se um sistema de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia regula<strong>da</strong> 6 , <strong>da</strong> qual<br />

estavam excluídos os trabalhadores rurais e uma parcela signifi cativa <strong>da</strong> força de trabalho<br />

urba<strong>na</strong>.<br />

De acordo com Cohn (1995), o regime de capitalização coletiva 7 foi adotado como garantia<br />

adicio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> sufi ciência <strong>da</strong> receita – que tenderia a crescer em progressão geométrica –<br />

frente às despesas com benefícios (aposentadorias e pensões) – cuja tendência seria a de<br />

crescer em progressão aritmética –, já que a diferença entre receita e despesa seria investi<strong>da</strong><br />

lucrativamente em empreendimentos que contassem com a garantia do Estado, vale dizer,<br />

empresas estatais, <strong>ou</strong> aquelas em que o Estado fosse o acionista majoritário. Assim, como<br />

Dain e Ribeiro (<strong>20</strong>06) explicam, o regime de capitalização estimularia o crescimento <strong>da</strong><br />

economia ao constituir uma grande massa de p<strong>ou</strong>pança que deveria ser investi<strong>da</strong> para obter<br />

retorno.<br />

Através do mecanismo de capitalização, mantido até a déca<strong>da</strong> de 1960, a Previdência<br />

Social, enquanto seguro <strong>social</strong>, transform<strong>ou</strong>-se de fato em instrumento de captação de<br />

p<strong>ou</strong>pança individual dos trabalhadores assalariados urb<strong>anos</strong>, desti<strong>na</strong>ndo-se a investimentos<br />

<strong>na</strong>s ativi<strong>da</strong>des fun<strong>da</strong>mentais de implementação do processo de industrialização brasileiro.<br />

(6) Segundo Santos (1987) apud Cordero (<strong>20</strong>05), ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia regula<strong>da</strong> é aquela cujas raízes se encontram em um sistema de<br />

estratifi cação ocupacio<strong>na</strong>l, defi nido por norma legal, ao invés de se basear em um código de valores políticos. De acordo com<br />

a concepção de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia regula<strong>da</strong>, são ci<strong>da</strong>dãos somente os membros <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de que se encontram localizados em<br />

qualquer <strong>da</strong>s ocupações reconheci<strong>da</strong>s por lei.<br />

(7) A capitalização coletiva seria uma versão não radical do sistema de capitalização. A versão radical, segundo Dain e Ribeiro<br />

(<strong>20</strong>06), seria a <strong>da</strong> capitalização ple<strong>na</strong> e individual, onde todos os segurados dependem ape<strong>na</strong>s de seus esforços para deter-<br />

mi<strong>na</strong>r o valor de sua aposentadoria. Riscos de envelhecimento <strong>da</strong> população e do aumento do desemprego não afetariam o<br />

segurado nesse sistema, <strong>da</strong>do que o valor de seu benefício dependeria exclusivamente de seu próprio esforço para arreca<strong>da</strong>r<br />

fundos. O único risco seria o inerente ao desempenho do portfólio escolhido, que refl etiria diretamente sobre o rendimento do<br />

i<strong>na</strong>tivo.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Numa época em que uma maior atuação do Estado era considera<strong>da</strong> essencial para o<br />

desenvolvimento econômico, recursos <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong> foram investidos em empresas<br />

estatais de siderurgia e hidrelétricas e <strong>na</strong> construção de edifícios residenciais, auxiliando,<br />

assim, no enfrentamento de uma grave crise habitacio<strong>na</strong>l e no combate ao desemprego<br />

urbano no imediato pós-Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial (Cohn, 1995).<br />

Entretanto, o mecanismo de capitalização não apresent<strong>ou</strong> um comportamento linear,<br />

devido a sua dependência <strong>da</strong> relação contribuintes/benefi ciários, que dita à magnitude do<br />

superávit do sistema, e que também não se comport<strong>ou</strong> como o esperado. De 1938, <strong>da</strong>ta do<br />

início do funcio<strong>na</strong>mento dos Institutos de Aposentadoria e Pensão, IAPs, responsáveis pelo<br />

sistema previdenciário, até 1940, o ingresso de trabalhadores no sistema foi volumoso, graças<br />

à incorporação de um contingente expressivo de trabalhadores assalariados urb<strong>anos</strong>. Isso<br />

promoveu um crescimento exponencial <strong>da</strong> relação contribuintes/benefi ciários. Porém, no<br />

período entre 1940 e 1955, verifi c<strong>ou</strong>-se uma que<strong>da</strong> expressiva de ingressos, em decorrência<br />

de certa estag<strong>na</strong>ção do processo de crescimento econômico e do próprio amadurecimento<br />

do sistema (Cohn, 1995).<br />

Em 1966, durante as reformas empreendi<strong>da</strong>s pelo regime militar, ao mesmo tempo em<br />

que foi criado o Instituto Nacio<strong>na</strong>l de Previdência Social (INPS), que se responsabilizaria<br />

pelas aposentadorias, pensões e pela assistência médica de todos os trabalhadores do<br />

mercado formal e seus dependentes (com exceção do funcio<strong>na</strong>lismo <strong>da</strong> União, que<br />

continuava com seu próprio Instituto), o sistema deix<strong>ou</strong> de adotar o regime de capitalização<br />

coletiva, passando a adotar o de repartição simples, com a mesma base de fi <strong>na</strong>nciamento,<br />

<strong>ou</strong> seja, a contribuição de empregados, empregadores e <strong>da</strong> União.<br />

Segundo Cordero (<strong>20</strong>05), a unifi cação administrativa e a substituição do regime de<br />

capitalização pelo regime de repartição representaram a i<strong>na</strong>uguração de uma nova fase,<br />

caracteriza<strong>da</strong> pela extensão dos benefícios e serviços a categorias ain<strong>da</strong> não cobertas, como<br />

os trabalhadores rurais, autônomos e empregados domésticos. A extensão dos benefícios<br />

e serviços a essas novas categorias acab<strong>ou</strong> por constituir um importante passo em direção<br />

ao processo de universalização <strong>da</strong> cobertura 8 , conseguido, ain<strong>da</strong> que no plano <strong>da</strong> lei, com o<br />

sistema de Seguri<strong>da</strong>de Social no Brasil.<br />

Conforme Dain e Ribeiro (<strong>20</strong>06), a vantagem do regime de repartição consistiria no fato<br />

de a transferência de recursos não depender de acumulação prévia, <strong>ou</strong> seja, seria possível<br />

começar a operar um sistema de imediato. Os efeitos <strong>da</strong> infl ação <strong>ou</strong> <strong>da</strong> per<strong>da</strong> de valor de<br />

ativos seria inexistente <strong>na</strong> repartição. Porém, os riscos inerentes a esse sistema, em relação<br />

à sua viabili<strong>da</strong>de atuarial, seriam os de envelhecimento <strong>da</strong> população, de que<strong>da</strong> de ativi<strong>da</strong>de<br />

econômica e de redução do nível de emprego. Além disso, um sistema de repartição teria<br />

(8) De acordo com Cordero (<strong>20</strong>05), legalmente, a previdência <strong>social</strong> brasileira está desenha<strong>da</strong> para cobrir todos os residentes<br />

no país, com exceção dos empregados de instituições inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is que possuem sistema de previdência próprio.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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150<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

de arcar com os custos de uma transição demográfi ca através <strong>da</strong> elevação do valor <strong>da</strong>s<br />

contribuições, sem que h<strong>ou</strong>vesse uma contraparti<strong>da</strong> em termos de aumento dos benefícios<br />

futuros.<br />

A déca<strong>da</strong> de 1980 foi permea<strong>da</strong> por intensas discussões sobre uma multiplici<strong>da</strong>de de<br />

propostas de reforma do sistema previdenciário, com vistas à elaboração <strong>da</strong> nova Carta<br />

Constitucio<strong>na</strong>l. Prevaleceram, no entanto, o conceito integrado de Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

(Previdência, Saúde e Assistência Social) e a conseqüente universalização dos direitos<br />

sociais pauta<strong>da</strong> por critérios de eqüi<strong>da</strong>de. Instituiu-se a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia como direito universal<br />

independentemente de vínculo com o mercado formal de trabalho e <strong>da</strong> existência <strong>ou</strong> não de<br />

vínculo contributivo com o sistema (Cohn, 1995).<br />

A adoção do sistema de Seguri<strong>da</strong>de Social em 1988 exigia a diversifi cação <strong>da</strong> base de<br />

fi <strong>na</strong>nciamento. A previsão e a criação de novas fontes para essa base representaram mais<br />

um importante avanço. Além <strong>da</strong> contribuição sobre a folha salarial, a Seguri<strong>da</strong>de passava<br />

a dispor de recursos a serem obtidos <strong>na</strong> tributação sobre o faturamento e o lucro <strong>da</strong>s<br />

empresas. Nesse sentido, foram cria<strong>da</strong>s a Contribuição para o Fi<strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de<br />

Social (COFINS), em substituição ao FINSOCIAL, e a Contribuição sobre o Lucro Líquido<br />

(CSLL). Foi criado também o PIS/ PASEP, que compõe os recursos do FAT (Fundo de<br />

Amparo ao Trabalhador), desti<strong>na</strong>do a fi <strong>na</strong>nciar o seguro-desemprego. Os recursos deveriam<br />

ser complementados por <strong>ou</strong>tros, advindos, por exemplo, de concursos de prognósticos. A<br />

Seguri<strong>da</strong>de Social deveria ser fi <strong>na</strong>ncia<strong>da</strong>, direta <strong>ou</strong> indiretamente, por to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de,<br />

mediante recursos provenientes dos orçamentos <strong>da</strong> União, dos estados, do Distrito Federal<br />

e dos municípios. O sistema de repartição simples (transferência de ren<strong>da</strong> dos ativos<br />

para os i<strong>na</strong>tivos) deveria ser mantido, e o fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social deveria ser<br />

complementado por recursos do orçamento fi scal em caso de défi cit (Cohn, 1995).<br />

Segundo Boschetti (<strong>20</strong>03), a ampliação e diversifi cação <strong>da</strong>s fontes de fi <strong>na</strong>nciamento foram<br />

um requisito para atender, coerentemente, à expansão dos direitos sociais e à instituição<br />

de um sistema amplo de Seguri<strong>da</strong>de Social. De acordo com a autora, a inclusão de novos<br />

direitos – como saúde universal, benefícios assistenciais e expansão <strong>da</strong> previdência rural, de<br />

acordo com os sistemas de Seguri<strong>da</strong>de – deman<strong>da</strong>vam uma base fi <strong>na</strong>nceira mais ampla que<br />

a contribuição direta de empregados e empregadores sobre a folha de salários. A inclusão<br />

dessas novas fontes de fi <strong>na</strong>nciamento teria ain<strong>da</strong>, como objetivo principalmente no Brasil e<br />

nos demais países subdesenvolvidos, compensar a diminuição <strong>da</strong>s contribuições patro<strong>na</strong>is<br />

ocasio<strong>na</strong><strong>da</strong>s pela introdução <strong>da</strong> tecnologia e conseqüente redução <strong>da</strong> mão-de-obra, além de<br />

compensar o elevado mercado informal no Brasil.<br />

Cohn (1995) salienta, contudo, que apesar de todo o avanço que a Constituição de<br />

1988 e a adoção do conceito de Seguri<strong>da</strong>de Social representam, entre as políticas sociais<br />

predomi<strong>na</strong> a lógica do fi <strong>na</strong>nciamento, o que quer dizer que os recursos obtidos para o<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social (e para <strong>ou</strong>tros fi ns) são passíveis de realocação em<br />

função <strong>da</strong> priori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> política de estabilização econômica. A autora destaca ain<strong>da</strong> que<br />

esse modelo de proteção <strong>social</strong>, baseado <strong>na</strong> concepção de Seguri<strong>da</strong>de Social, foi elaborado<br />

e negociado no Legislativo e é fruto <strong>da</strong> Assembléia Nacio<strong>na</strong>l Constituinte. Para ela, destacar<br />

esse fato signifi ca reconhecer os desafi os para se viabilizar, no Brasil, um sistema de proteção<br />

<strong>social</strong> que traduza um novo padrão de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, efetivamente redistributivo.<br />

No mesmo sentido, Dedecca (<strong>20</strong>03) afi rma que a promulgação <strong>da</strong> Constituição Nacio<strong>na</strong>l<br />

foi marca<strong>da</strong> pela defi nição de diretrizes econômicas e sociais, que carregavam grande<br />

esperança de uma retoma<strong>da</strong> do crescimento econômico que favorecesse a superação do<br />

atraso <strong>da</strong> questão <strong>social</strong>. Entretanto, os resultados <strong>da</strong>s eleições (desde as primeiras após<br />

a redemocratização até <strong>20</strong>02), deram legitimi<strong>da</strong>de a uma vertente política liberalizante com<br />

forte enfoque em duas diretrizes básicas para as políticas públicas: fl exibili<strong>da</strong>de e focalização.<br />

No campo econômico, a abertura exter<strong>na</strong> dos <strong>anos</strong> 1990 deveria ser acompanha<strong>da</strong> por<br />

instrumentos políticos que favorecessem a fl exibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s condições institucio<strong>na</strong>is<br />

reguladoras <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de econômica. Essa orientação atingia também a política <strong>social</strong>, ao<br />

reivindicar a fl exibilização <strong>da</strong> regulamentação e proteção do mercado e <strong>da</strong>s relações de<br />

trabalho. Foram requeridos novos instrumentos políticos que permitissem a construção de<br />

ações focaliza<strong>da</strong>s, no intuito de privilegiar os mais desprotegidos econômica e <strong>social</strong>mente.<br />

Percebem-se, por esse contexto, os desafi os a que se referia Cohn (1995), <strong>da</strong>do que,<br />

enquanto a Constituição encontrava-se fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em políticas sociais de caráter universal, a<br />

nova orientação política propunha a sua troca por <strong>ou</strong>tra de caráter focalizado. Essa perspectiva<br />

era reforça<strong>da</strong> pelas novas condições de fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong>s agências inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, que<br />

condicio<strong>na</strong>vam o aporte fi <strong>na</strong>nceiro à defi nição de políticas sociais focaliza<strong>da</strong>s. Por esses<br />

e <strong>ou</strong>tros motivos diz-se que a Seguri<strong>da</strong>de Social no Brasil teve aceitação legal, <strong>ou</strong> virtual.<br />

Nasceu em crise e nunca foi devi<strong>da</strong>mente respeita<strong>da</strong> enquanto instrumento de alívio <strong>da</strong>s<br />

necessi<strong>da</strong>des e promotora de Bem-Estar Social.<br />

Para reforçar essa idéia, há de se adicio<strong>na</strong>r que o desempenho do gasto <strong>social</strong> tem sido<br />

afetado negativamente pelos ajustes econômicos desde o início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990 até os<br />

dias de hoje, seja pelos cortes importantes <strong>ou</strong> por seu crescimento p<strong>ou</strong>co expressivo frente<br />

às deman<strong>da</strong>s dirigi<strong>da</strong>s às políticas sociais. H<strong>ou</strong>ve também uma reorientação do gasto <strong>social</strong>,<br />

sendo privilegiados os fundos sociais de emergência e os programas voltados aos grupos<br />

vulneráveis. O resultado conhecido desse processo tem sido a deterioração dos serviços<br />

sociais, particularmente <strong>na</strong>s áreas de educação e saúde (Tápia e Henrique, 1995).<br />

As conseqüências disso são que, frente ao cenário de crise <strong>social</strong> e às mu<strong>da</strong>nças<br />

estruturais no mercado de trabalho, especialmente <strong>na</strong> déca<strong>da</strong> de 1990, as políticas sociais têm<br />

oferecido respostas tími<strong>da</strong>s e insufi cientes, relacio<strong>na</strong><strong>da</strong>s à sua subordi<strong>na</strong>ção aos parâmetros<br />

<strong>da</strong>s reformas econômicas liberalizantes. A permanência dessa situação, combi<strong>na</strong><strong>da</strong> com<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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152<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

as transformações recentes <strong>na</strong>s políticas sociais, especialmente a deterioração <strong>da</strong>s redes<br />

públicas, têm resultado <strong>na</strong> exacerbação do caráter assistencialista dessas políticas e, no<br />

limite, <strong>na</strong> regressão dos direitos sociais (Tápia e Henrique, 1995).<br />

Essa regressão pode ser observa<strong>da</strong> através dos movimentos de reformas vivenciados<br />

não ape<strong>na</strong>s pelo Brasil, mas por todos os países que, no passado, se propuseram ampliar a<br />

cobertura e os serviços de Seguri<strong>da</strong>de Social .<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

10. Welfare State: uma perspectiva teórico-histórica<br />

Aspectos teóricos do Welfare State<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

Lindemberg Cesar Simio<strong>na</strong>to*<br />

O termo Estado-Providência 1 , <strong>ou</strong> Welfare State como é mais conhecido <strong>na</strong> literatura<br />

inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, começ<strong>ou</strong> a ser freqüentemente mencio<strong>na</strong>do somente após a segun<strong>da</strong> guerra<br />

mundial, no fi <strong>na</strong>l de 1945, como um conjunto de medi<strong>da</strong>s estatais com o propósito de gerar bem<br />

estar à população (FAVONI, <strong>20</strong>01).<br />

Segundo Wincler 2 (1992 apud Favoni, <strong>20</strong>01), a expressão Estado-Providência foi cria<strong>da</strong><br />

no fi <strong>na</strong>l do século XIX principalmente devido ao sistema de proteção <strong>social</strong> implantado pelo<br />

então chanceler alemão Otto Von Bismarck. Portanto, antes mesmo <strong>da</strong> vigência <strong>da</strong>s idéias<br />

Keynesia<strong>na</strong>s, que segundo senso comum i<strong>na</strong>uguraram a intervenção <strong>social</strong> mais planeja<strong>da</strong> do<br />

Estado.<br />

Muitos são os conceitos, modelos e teorias que tentam explicar o surgimento e<br />

desenvolvimento do que se convencion<strong>ou</strong> denomi<strong>na</strong>r de Welfare State. Assim, a sua origem<br />

e desenvolvimento estão ligados a distintas causas e fatores, dependendo <strong>da</strong> corrente<br />

de pensamento e reali<strong>da</strong>de histórica de ca<strong>da</strong> autor. Basicamente têm-se três versões:<br />

econômica, <strong>social</strong> e política.<br />

A versão econômica é defendi<strong>da</strong> por O’Connor (1977), que enfatiza ser o Welfare State<br />

fruto <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des do estado capitalista de acumulação e legitimação. Os gastos<br />

públicos visam em primeiro momento à acumulação de capital, que consiste no aumento<br />

<strong>da</strong> produtivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> força de trabalho e <strong>na</strong> redução do custo de reprodução do trabalho. Em<br />

segundo momento, manter <strong>ou</strong> criar as condições de harmonia <strong>social</strong>.<br />

Já Offe e Lenhardt (1984), acreditam que a intervenção do Estado através <strong>da</strong> Política Social 3<br />

é uma estratégia de integração <strong>da</strong> força de trabalho <strong>na</strong> relação de trabalho assalariado.<br />

(1) A Literatura conceitua os termos Estado-Providência e Welfare State no mesmo sentido, à medi<strong>da</strong> que ambos consistem<br />

em ações do estado para propiciar de alguma forma o bem-estar <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.<br />

(2) WINCLER, C. R.; NETO, B. T. M. Welfare State à brasileira. Indicadores Econômicos FEE. Porto Alegre, v. 19, n. 4, p.<br />

108-131, 1992.<br />

(3) Nesta linha de pensamento, os termos Welfare State e Política Social são utilizados no mesmo sentido. Porém, essa atitude<br />

pode ser considera<strong>da</strong> incorreta dentro de certas teorias, <strong>na</strong>s quais políticas sociais são medi<strong>da</strong>s de melhoria do bem-estar de<br />

determi<strong>na</strong>dos grupos de uma socie<strong>da</strong>de executa<strong>da</strong>s por decisão política, que podem existir em uma socie<strong>da</strong>de de economia<br />

capitalista <strong>ou</strong> não. A diferença do Welfare State para a Política Social é a mobilização em grande escala do aparelho do estado<br />

em uma socie<strong>da</strong>de capitalista <strong>na</strong> adoção de providências nortea<strong>da</strong>s diretamente para melhorar o bem-estar de sua população<br />

(SOUZA, 1999).<br />

(*) Lindemberg Cesar Simio<strong>na</strong>to, Técnico do Seguro Social no INSS, participante do Concurso Nacio<strong>na</strong>l de Teses e Monogra-<br />

fi as <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Anfi p de Estudos <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

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154<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Segundo Offe (1980), o Welfare State age potencialmente <strong>na</strong> prevenção de um colapso<br />

<strong>social</strong>, face à contradição existente no sistema capitalista: lucro versus necessi<strong>da</strong>des huma<strong>na</strong>s<br />

(condições de vi<strong>da</strong>).<br />

Autores como Esping-Andersen (1991) compreendem o Welfare State como resultado do<br />

acordo entre o capital e o trabalho organizado, no qual a implantação de programas sociais,<br />

provoca a desmercantilização de parte dos custos de reprodução <strong>da</strong> força de trabalho.<br />

Para Przerworsky e Wallerstein 4 (1988 apud S<strong>ou</strong>za, 1999, p. 06):<br />

A expansão dos gastos sociais do governo e a redistribuição de ren<strong>da</strong>s e benefícios <strong>da</strong>s<br />

pessoas que consomem a maior parte de seus rendimentos (os trabalhadores) são duas ma-<br />

neiras de atender simultaneamente a interesses de capitalistas e trabalhadores, estimulando<br />

a produção. Como aumentar a produção implica elevar a taxa de utilização de recursos <strong>da</strong><br />

economia, essas políticas reduzem o desemprego. Assim, o bem-estar dos trabalhadores não<br />

é assunto <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>, mas <strong>da</strong> economia como um todo. Trata-se de uma nova forma<br />

de encarar a assistência, que sai <strong>da</strong> esfera priva<strong>da</strong> e tor<strong>na</strong>-se objeto de política pública.<br />

Para Wilensky (apud Boschetti, <strong>20</strong>03, p. 62), o Welfare State foi uma resposta à industrialização,<br />

à medi<strong>da</strong> que ela altera fun<strong>da</strong>mentalmente a vi<strong>da</strong> familiar, diminuindo a sua capaci<strong>da</strong>de de<br />

determi<strong>na</strong>r a reprodução <strong>da</strong> força de trabalho, deman<strong>da</strong>ndo dessa forma programas sociais.<br />

Assim, para esse autor, o Welfare State é um conjunto de políticas sociais aplica<strong>da</strong>s pelo estado<br />

para cobrir riscos com invalidez, velhice, doença, acidente de trabalho, desemprego, e ain<strong>da</strong><br />

prover habitação e educação, entre <strong>ou</strong>tras áreas de atuação do Welfare State.<br />

Dentre os autores que condicio<strong>na</strong>m o desenvolvimento do Welfare State a fatores<br />

políticos, pode-se citar as idéias de Marshall (apud Favoni, <strong>20</strong>01, p. 72):<br />

[...] à medi<strong>da</strong> que se atribuem direitos civis para políticos e direitos políticos para as<br />

classes sociais, consitui-se uma parte integrante do próprio sistema, contribuindo para<br />

um conceito de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia <strong>na</strong> socie<strong>da</strong>de capitalista, em que os programas sociais de re-<br />

sponsabili<strong>da</strong>de do Estado expressariam a conseqüência desse processo.<br />

Segundo Di Giovani (1998), a partir <strong>da</strong> tipologia de Richard M. Titmuss, o Welfare State<br />

pode ser classifi cado em três modelos: Residual, Meritocrático-Particularista e Institucio<strong>na</strong>l<br />

redistributivo. O Welfare State Residual caracteriza-se por políticas seletivas e parte do<br />

pressuposto de que o ci<strong>da</strong>dão é auto-sufi ciente, tendo intervenção do estado somente<br />

para suprir as carências onde o mercado e a família são insufi cientes. Entre os países que<br />

adotam esse modelo pode-se citar o Ca<strong>na</strong>dá e a Austrália. Já o Welfare State Meritocrático-<br />

Particularista é de caráter seletivo e benefi cia o ci<strong>da</strong>dão em função do mérito e contribuição,<br />

<strong>ou</strong> seja, privilegia ape<strong>na</strong>s certos grupos <strong>ou</strong> classes sociais. Países como França, Alemanha<br />

e Itália adotam esse modelo. E fi <strong>na</strong>lmente o Welfare State Institucio<strong>na</strong>l redistributivo, que<br />

(4) PRZERWORSKY, A., WALLERSTEIN, M. O capitalismo democrático <strong>na</strong> encruzilha<strong>da</strong>. Novos estudos, n. 22, <strong>ou</strong>t. 1988.<br />

Publicado origi<strong>na</strong>lmente em Democracy, jul. 1982.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

funcio<strong>na</strong> como um sistema universalista, estende o direito de políticas de bem-estar a todos,<br />

indistintamente. Países nórdicos como Noruega e Di<strong>na</strong>marca adotam esse modelo.<br />

Diante <strong>da</strong>s distintas teorias a respeito do Welfare State, grande parte dos autores<br />

consideram que <strong>na</strong> busca do bem estar <strong>social</strong> ele agrega em sua estrutura várias medi<strong>da</strong>s,<br />

inclusive as de caráter político e econômico. No entanto, as medi<strong>da</strong>s de cunho <strong>social</strong> são as<br />

mais associa<strong>da</strong>s ao estado de bem-estar.<br />

Aspectos históricos do Welfare State<br />

Para alguns autores, o Estado-Providência <strong>na</strong> França, no fi <strong>na</strong>l do século XIX, foi a origem<br />

do estado de bem-estar. Ele emergiu como uma resposta a crescente industrialização, e<br />

consistia, no princípio, num sistema de intervenção do Estado <strong>na</strong> área <strong>social</strong> para proteger<br />

os trabalhadores <strong>da</strong> falta de ren<strong>da</strong>, decorrente de debili<strong>da</strong>des físicas causa<strong>da</strong>s pela<br />

superexploração do trabalho pratica<strong>da</strong> <strong>na</strong> época (BUSTILLOS, <strong>20</strong>01).<br />

To<strong>da</strong>via, Kott 5 (1995 apud Boschetti, <strong>20</strong>03), aponta para as políticas sociais do governo<br />

de Otto Von Bismarck <strong>na</strong> Alemanha no fi <strong>na</strong>l do século XIX, as quais deram origem ao Welfare<br />

State, <strong>ou</strong> Estado Social como era chamado <strong>na</strong> Alemanha.<br />

Barbosa e Moretto (1998) apresentam as <strong>da</strong>tas de início de alguns programas sociais em<br />

países industrializados, conforme tabela a seguir:<br />

Sem reduzir a importância dos períodos históricos sobre o seu surgimento, é consenso<br />

entre os autores que o fenômeno do Welfare State teve sua ascensão, <strong>ou</strong> até mesmo sua<br />

<strong>constituição</strong> num sentido mais amplo <strong>na</strong> América do Norte e Europa Ocidental, após a Crise<br />

de 1929 e, principalmente, no pós-guerra (1945). Assim, o Estado de bem-estar emergiu<br />

como reivindicação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de por medi<strong>da</strong>s do Estado em prol <strong>da</strong> população, que sofrera<br />

com a crise de superprodução de 1929, e posteriormente com os estragos causados pela<br />

guerra mundial.<br />

TABELA 1<br />

Datas de introdução de programas sociais em alguns países desenvolvidos<br />

País Acid. Seg. Previd. Seg. Subs. Seguro<br />

Trabalho Doença Social Desemprego Família Saúde<br />

Alemanha 1884 1883 1889 1927 1954 1980<br />

Inglaterra 1887 1911 1908 1911 1945 1948<br />

Suécia 1901 1910 1913 1934 1947 1962<br />

Ca<strong>na</strong>dá 1930 1971 1927 1940 1944 1972<br />

EUA 1930 - 1935 1935 - -<br />

França 1898 1930 1910 1959 1932 1945<br />

Itália 1898 1928 1919 1919 1936 1945<br />

Fonte: Barbosa e Moretto<br />

(5) KOTT, Sandrine. L’Etat <strong>social</strong> allemand. Représentations et pratiques. Paris: Berlin, 1995.<br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Nesse sentido, Simonsen (1983) destaca as políticas Keynesia<strong>na</strong>s do Welfare State,<br />

centra<strong>da</strong>s no crescimento econômico e pleno emprego, como sendo uma resposta aos efeitos<br />

<strong>da</strong> Grande Depressão em 1929, tais como o desemprego que elev<strong>ou</strong>-se sobremaneira,<br />

atingindo 25% <strong>da</strong> sua força de trabalho em 1933. Nesta concepção, está implícito que o<br />

crescimento econômico fornece recursos para a promoção de medi<strong>da</strong>s de bem-estar<br />

<strong>social</strong>.<br />

Simonsen (1983, p. 43) cita algumas políticas econômicas heterodoxas <strong>na</strong> promoção do<br />

crescimento econômico:<br />

[...] alguns governos conseguiram relativo sucesso no combate ao desemprego, ape-<br />

lando para aquilo que os ortodoxos consideravam a maior <strong>da</strong>s heresias, o aumento <strong>da</strong>s<br />

despesas públicas e défi cits orçamentários. Assim foram o New Deal de Roosevelt, a<br />

corri<strong>da</strong> armamentista de Hitler, a compra e queima de café no Brasil de Vargas etc.<br />

Ressalta-se também as políticas de bem-estar <strong>social</strong> <strong>da</strong> Inglaterra pós segun<strong>da</strong> guerra<br />

mundial, com o Plano Beveridge 6 . Para Marshall (1967) foi nesse país que o Welfare State<br />

inicialmente se deline<strong>ou</strong>, num momento delicado onde de forma alguma h<strong>ou</strong>ve desorganização<br />

sócio-política. Logo após a segun<strong>da</strong> guerra mundial, o governo prioriz<strong>ou</strong> uma ampla<br />

reforma no sistema previdenciário inglês, universalizando o acesso e aumentando o leque<br />

de benefícios <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong>. Foi uma medi<strong>da</strong> aclama<strong>da</strong> pela socie<strong>da</strong>de, e exerceu<br />

extrema infl uência <strong>na</strong> reestruturação dos sistemas de previdência <strong>social</strong> dos <strong>ou</strong>tros países.<br />

Welfare State no Brasil<br />

As condições do surgimento e desenvolvimento do Welfare State no Brasil são<br />

diferentes <strong>da</strong>s verifi ca<strong>da</strong>s nos países <strong>da</strong> Europa Ocidental e América do Norte. Pois existem<br />

particulari<strong>da</strong>des entre os casos que devem ser considera<strong>da</strong>s, tais como: fatores culturais,<br />

sócio-econômicos, políticos, entre <strong>ou</strong>tros. Não se pode esperar que um país subdesenvolvido,<br />

cuja industrialização foi tardia, nos quais os pobres são maioria, e que as desigual<strong>da</strong>des<br />

entre as classes vêem desde sua colonização, tenha o mesmo desenvolvimento do Welfare<br />

State que países industrializados e <strong>anos</strong>-luz à frente.<br />

S<strong>ou</strong>za (1999) afi rma que nos países subdesenvolvidos como o Brasil é comum uma<br />

industrialização no modelo dual 7 . Assim, os benefícios do Welfare State, pelo menos<br />

imediatamente à institucio<strong>na</strong>lização, geralmente limitam-se a uma elite de trabalhadores do<br />

centro dinâmico <strong>da</strong> economia e de empregados <strong>da</strong> burocracia, restringindo em longo prazo<br />

o acesso dos demais, através <strong>da</strong>s políticas do Welfare State.<br />

Draibe (1989) julga que os regimes de Welfare State podem ser a<strong>na</strong>lisados caso a caso,<br />

(6) Plano apresentado pelo governo inglês em 1944, batizado de “Plano Beveridge” por ter contado com as idéias de William<br />

Beveridge. Dentro de um contexto no qual se buscava adotar políticas de Bem-Estar Social, esse plano tinha a concepção <strong>da</strong><br />

universali<strong>da</strong>de de cobertura <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, mesmo para os que não contribuíam (MARSHALL, 1967).<br />

(7) Quando há a convivência de um setor moderno com um setor tradicio<strong>na</strong>l (SOUZA, 1999).<br />

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<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

<strong>ou</strong> seja, há casos em que a pobreza foi erradica<strong>da</strong> completamente, ao passo que há casos<br />

em que as cama<strong>da</strong>s mais pobres encontram-se desprotegi<strong>da</strong>s de ações do estado. Segundo<br />

a autora, o desenvolvimento do Welfare State no Brasil pode ser dividido em períodos, os<br />

quais se referem à introdução, expansão e consoli<strong>da</strong>ção do modelo. O período de 1930-<br />

1943 é marcado pela introdução do Welfare State no Brasil, com a criação dos Institutos de<br />

Aposentadorias e Pensões e leis trabalhistas. De 1943 até 1964, o sistema expandiu-se e<br />

inov<strong>ou</strong>-se nos campos <strong>da</strong> educação, saúde, assistência <strong>social</strong> e habitação popular.<br />

Conforme Draibe (1993), o Welfare State do período de 1943 a 1964 pode ser considerado<br />

como meritocrático, privilegiando a burocracia, visto que o estado de bem estar no Brasil<br />

<strong>na</strong>sce principalmente com a previdência <strong>social</strong>, que nesse período tinha caráter seletivo e<br />

era direcio<strong>na</strong><strong>da</strong> para certos grupos e classes de trabalhadores.<br />

A esse respeito, S<strong>ou</strong>za, (1999, p. 15) cita:<br />

[...] quando a burocracia é um dos grupos privilegiados que se benefi ciam direta <strong>ou</strong><br />

indiretamente do welfare state e, em vez de compor alianças políticas com movimentos or-<br />

ganizados de trabalhadores, as compõem com classes domi<strong>na</strong>ntes, os gastos sociais ten-<br />

dem a apresentar caráter regressivo, privilegiando as parcelas mais ricas <strong>da</strong> população.<br />

Segundo Draibe (1993), o período que se inicia em 1964 com o governo autoritarista,<br />

consoli<strong>da</strong> o sistema através de sua centralização, sendo identifi cados os fundos e recursos<br />

que apoiarão fi <strong>na</strong>nceiramente os instrumentos de políticas sociais. Neste período foram<br />

inseri<strong>da</strong>s formas de clientelismo, principalmente <strong>na</strong> área previdenciária, à medi<strong>da</strong> que foram<br />

distribuídos benefícios em períodos eleitorais. Porém, em meados de 1970, mesmo durante<br />

o “milagre econômico”, observa-se a crise fi <strong>na</strong>nceira e <strong>social</strong> no país 8 .<br />

Ain<strong>da</strong> segundo Draibe (1993), desde fi ns de 1970 destacam-se características<br />

universalizantes como: a unifi cação dos IAPs no Instituto Nacio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> Previdência Social<br />

(INPS), homogeneizando a cobertura dos trabalhadores urb<strong>anos</strong>; universali<strong>da</strong>de de<br />

cobertura no atendimento de urgência <strong>na</strong> área de saúde; <strong>na</strong> educação, nível básico gratuito<br />

e obrigatório. A Constituição Federal de 1988 estendeu alguns benefícios aos trabalhadores<br />

rurais, principalmente a fi xação do piso dos benefícios previdenciários em um salário mínimo.<br />

Porém, essas medi<strong>da</strong>s ain<strong>da</strong> não foram sufi cientes para que o modelo de Welfare State<br />

brasileiro pudesse ser considerado como redistributivo.<br />

O desenvolvimento do Welfare State no Brasil, iniciado a partir dos <strong>anos</strong> 1930, teve como<br />

sustentação um conceito que só após a <strong>constituição</strong> de 1988 veio a ser introduzido no Brasil,<br />

o <strong>da</strong> “seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>”. Esta consiste em ações dos Poderes Públicos e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, com o<br />

intuito de assegurar os direitos referentes à saúde, à previdência e à assistência <strong>social</strong>. To<strong>da</strong>via,<br />

(8) Nesse período, enquanto o país cresceu a taxas eleva<strong>da</strong>s, o salário mínimo real baix<strong>ou</strong>, e também h<strong>ou</strong>ve um agravamento<br />

<strong>da</strong>s condições de saúde <strong>da</strong> população, seja pelo elevado número de acidentes de trabalho, seja pelas epidemias, e também<br />

pelo crescimento <strong>da</strong>s taxas de mortali<strong>da</strong>de infantil (REGO e MARQUES, <strong>20</strong>04).<br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

no presente trabalho será observado ape<strong>na</strong>s o papel <strong>da</strong> Previdência Social no Brasil.<br />

Previdência Social no Brasil<br />

Conceito<br />

A Previdência Social é um seguro <strong>social</strong>, de caráter contributivo e acesso universal que<br />

garante a ren<strong>da</strong> do trabalhador e de seus dependentes quando <strong>da</strong> per<strong>da</strong> temporária <strong>ou</strong><br />

permanente <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de trabalho em decorrência dos riscos sociais (BRASIL, <strong>20</strong>05).<br />

Segundo Ferreira (<strong>20</strong>03, p. 12):<br />

A previdência <strong>social</strong> é uma instituição encarrega<strong>da</strong> de <strong>da</strong>r seguro, através de um<br />

programa de pagamentos prestados aos indivíduos <strong>ou</strong> a seus dependentes, como com-<br />

pensação parcial <strong>ou</strong> total <strong>da</strong> per<strong>da</strong> de capaci<strong>da</strong>de laborativa por doença, invalidez, morte<br />

(deixando pensão à sua família) <strong>ou</strong> por i<strong>da</strong>de avança<strong>da</strong>, garantindo aos seus segurados<br />

os benefícios que, normalmente, são proporcio<strong>na</strong>is às contribuições.<br />

Aspectos históricos<br />

Antes de apontar para as origens e bases históricas do sistema previdenciário brasileiro,<br />

é de grande valia tecer alguns comentários sobre quais fatores levaram à emergência de um<br />

sistema de previdência <strong>social</strong> no Brasil.<br />

Segundo Oliveira e Teixeira (1985) o início do século passado foi marcado por uma<br />

invasão de emigrantes vindos <strong>da</strong> Europa para trabalhar no campo, porém com a crise do<br />

café esses trabalhadores deslocaram-se para as ci<strong>da</strong>des, incorporando-se ao proletariado<br />

<strong>da</strong>s fábricas e indústrias, <strong>da</strong>ndo mais robustez à chama<strong>da</strong> “classe operária”. Acrescenta-se a<br />

isso um governo rigi<strong>da</strong>mente liberalista sem olhos para a classe trabalhadora, apregoando o<br />

livre contrato de trabalho. Nesse contexto, face à falta de uma legislação trabalhista e <strong>social</strong><br />

que amparasse o trabalhador <strong>na</strong> falta de ren<strong>da</strong> decorrente principalmente <strong>da</strong> incapaci<strong>da</strong>de<br />

para o trabalho (acidente <strong>ou</strong> velhice) <strong>ou</strong> mesmo despedi<strong>da</strong> arbitrária, surge freqüentemente<br />

a presença dos movimentos operário-sindicais no cenário político.<br />

S<strong>ou</strong>sa (<strong>20</strong>02), também ressalta a importância dos imigrantes e suas idéias libertárias, que<br />

estavam em pauta <strong>na</strong> Europa no início do século XX. Assim, esses imigrantes impulsio<strong>na</strong>ram<br />

e mobilizaram os trabalhadores brasileiros <strong>na</strong> busca de, não somente melhores salários e<br />

condições de trabalho, mas também formas de proteção <strong>social</strong>.<br />

Oliveira e Teixeira (1985, p. 38-39) destacam também as ativi<strong>da</strong>des legislativas de alguns<br />

políticos <strong>da</strong> época em prol <strong>da</strong>s questões sociais:<br />

A partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 10, principalmente, começaram a surgir no Congresso alguns<br />

parlamentares mais sensíveis à “questão <strong>social</strong>”, como Maurício de Lacer<strong>da</strong>, Nicanor<br />

Nascimento, <strong>ou</strong> Medeiros e Albuquerque, por exemplo, que procuravam com grande<br />

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<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

esforço sensibilizar a enorme maioria liberal para estes temas. Estes parlamentares de<br />

novo tipo dedicaram-se, como se sabe, a uma intensa ativi<strong>da</strong>de legislativa sobre vários<br />

aspectos <strong>da</strong>s questões trabalhistas e sociais, tais como: regulamentação do trabalho <strong>da</strong>s<br />

mulheres e dos menores; indenização por acidente de trabalho; organização sindical;<br />

contratos de trabalho; duração <strong>da</strong> jor<strong>na</strong><strong>da</strong> de trabalho; férias; descanso sema<strong>na</strong>l; criação<br />

de juntas de conciliação e arbitragem; instalação de creches; estabili<strong>da</strong>de no emprego;<br />

etc.<br />

O marco inicial <strong>da</strong> Previdência Social no Brasil (1923-1930)<br />

As primeiras providências no campo <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong> no Brasil origi<strong>na</strong>ram-se no<br />

fi <strong>na</strong>l do século XVIII, com o Plano de Assistência para os Órfãos e Viúvas dos Ofi ciais <strong>da</strong><br />

Marinha em 1795. Em 1827 o mesmo plano foi estendido para o Exército, e em 1835, foi<br />

criado um programa para os funcionários do Ministério <strong>da</strong> Economia (BRASIL, <strong>20</strong>02).<br />

Já Favoni (<strong>20</strong>01, p. 79), vai mais longe a esse respeito:<br />

As medi<strong>da</strong>s mais antigas no campo <strong>da</strong> Previdência Social no Brasil, remontam a<br />

1543, portanto ain<strong>da</strong> no período colonial. Em termos mais abrangentes, a primeira me-<br />

di<strong>da</strong> de proteção <strong>social</strong> que se conhece foi o estabelecimento do seguro de acidente de<br />

trabalho de 1919.<br />

Em 1888, foi instituído o direito à aposentadoria dos empregados dos Correios (Decreto<br />

nº. 9.912-A, de 26/03/1888), no mesmo ano foi cria<strong>da</strong> a Caixa de Socorros em ca<strong>da</strong> uma<br />

<strong>da</strong>s estra<strong>da</strong>s de ferro do Império. Em 1892, foi instituí<strong>da</strong> a aposentadoria por invalidez e a<br />

pensão por morte dos operários do Arse<strong>na</strong>l <strong>da</strong> Marinha do Rio de Janeiro (Lei nº. 217, de<br />

29/11/1892), e em 1919 a Lei nº. 3.724, de 15/01/1919 torn<strong>ou</strong> compulsório o seguro contra<br />

acidentes de trabalho em certas ativi<strong>da</strong>des (BRASIL, <strong>20</strong>06a).<br />

No entanto, a historiografi a ofi cial aponta para a Lei Elói Chaves 9 (Decreto nº. 4.682, de<br />

24/01/1923) como sendo o marco inicial <strong>da</strong> Previdência Social no Brasil. Esta lei instituiu a<br />

criação de uma Caixa de Aposentadoria e Pensões (CAPs) para os empregados de ca<strong>da</strong><br />

empresa ferroviária, sendo que, em 1924 já haviam sido cria<strong>da</strong>s 24 Caixas, tendo no fi <strong>na</strong>l de<br />

1926 quase 23.000 associados 10 (SOUSA, <strong>20</strong>02).<br />

Segundo Oliveira e Teixeira (1985), os pl<strong>anos</strong> de benefícios <strong>da</strong>s CAPs eram extremamente<br />

amplos e abrangentes cobrindo aposentadorias ordinária e por invalidez, assistência médico-<br />

hospitalar e inclusive auxílio <strong>na</strong> aquisição de medicamentos. Tinham direito à aposentadoria<br />

ordinária os trabalhadores com 30 <strong>anos</strong> de serviço, contando-se o tempo a partir dos 18<br />

<strong>anos</strong>, e à aposentadoria por invalidez os inválidos para o trabalho decorrente de doença<br />

<strong>ou</strong> acidente de trabalho, sendo que quando a invalidez era por doença exigia-se 5 <strong>anos</strong> de<br />

serviço e quando esta era por acidente exigia-se 10 <strong>anos</strong> de serviço.<br />

(9) Refere-se ao re<strong>da</strong>tor <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> lei, Deputado Elói Chaves.<br />

(10) Nesse período, ain<strong>da</strong> não se usava o termo segurado.<br />

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Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Conforme mencio<strong>na</strong> S<strong>ou</strong>sa (<strong>20</strong>02), a aposentadoria ordinária consistia <strong>na</strong> média dos<br />

salários percebidos pelo empregado nos últimos cinco <strong>anos</strong> de serviço, e era calcula<strong>da</strong><br />

conforme tabela abaixo:<br />

Já os valores <strong>da</strong>s pensões segundo o mesmo autor, equivaliam a 50% do valor <strong>da</strong> aposentadoria<br />

a que o segurado falecido teria direito em função de seu salário, e 25% quando o empregado<br />

falecido contasse com mais de dez <strong>anos</strong> e menos de trinta <strong>anos</strong> de serviço, calculados com base<br />

<strong>na</strong> Tabela 2.<br />

Quanto ao sistema arreca<strong>da</strong>dor e números <strong>da</strong>s CAPs neste período, Oliveira e Teixeira<br />

(1985) citam que suas receitas consistiam <strong>na</strong> contribuição dos segurados (3% sobre o valor dos<br />

vencimentos), <strong>na</strong> contribuição <strong>da</strong>s empresas (1% sobre a receita bruta <strong>da</strong> empresa) mais 1,5%<br />

sobre o aumento <strong>da</strong>s tarifas ferroviárias. No ano de 1923, constat<strong>ou</strong>-se uma arreca<strong>da</strong>ção de treze<br />

mil e seiscentos contos de réis e uma despesa de um mil e setecentos contos de réis. No entanto,<br />

no pós-1930, foram arreca<strong>da</strong>dos sessenta mil contos de réis, enquanto que as despesas chegaram<br />

a quarenta mil contos de réis, confi gurando uma tendência ascendente <strong>da</strong>s despesas do sistema.<br />

Para Oliveira e Teixeira (1985), as CAPs não eram ti<strong>da</strong>s ape<strong>na</strong>s como instituições previdenciárias,<br />

mas também como instituições assistencialistas, devido ao grande leque de benefícios não só de<br />

<strong>na</strong>tureza previdenciária mas também assistencialista.<br />

Porém, para vários autores contemporâneos <strong>da</strong> época, é somente no pós-1930 com o governo<br />

de Getúlio Vargas 11 e a criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões é que se pode de<br />

fato observar o início <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong>, até porque o estado estava ausente <strong>na</strong>s CAPs tanto<br />

no plano administrativo como fi <strong>na</strong>nceiro. A intervenção do estado nesse período estava limita<strong>da</strong><br />

ao Conselho Nacio<strong>na</strong>l do Trabalho (CNT), que era incumbido de intervir ape<strong>na</strong>s nos casos de<br />

dissídios <strong>ou</strong> confl itos entre os membros do Conselho de Administração <strong>da</strong>s Caixas 12 (OLIVEIRA e<br />

TEIXEIRA, 1985).<br />

Criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) e a visão <strong>da</strong> Previdência como<br />

(11) Presidente brasileiro nos períodos de 1930/1945 e 1951/1954.<br />

(12) O Conselho de Administração <strong>da</strong>s Caixas era composto por representantes <strong>da</strong>s empresas e dos empregados (SOUSA,<br />

<strong>20</strong>02).<br />

TABELA 2<br />

Método de cálculo <strong>da</strong>s aposentadorias ordinárias – Lei Eloy Chaves<br />

Salário (S) Valor <strong>da</strong> aposentadoria<br />

S ≤ 100$000 1 90% do salário<br />

100$000 < S ≤ 300$000 90$000 + 75% do valor entre 101$000 e 300$000<br />

300$000 < S ≤ 1:000$000 250$000 + 70% do valor entre 301$000 e 1:000$000<br />

1:000$000< S ≤ 2:000$000 250$000 + 65% do valor entre 301$000 e 2:000$000<br />

S > 2:000$000 250$000 mais 60% do valor entre 301$000 e o salário<br />

Fonte: S<strong>ou</strong>sa (<strong>20</strong>02, p. 25).<br />

(1) Lê-se: Cem contos de réis.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


“Seguro” (1930-1945)<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

A déca<strong>da</strong> de trinta foi marca<strong>da</strong> pela primeira crise fi <strong>na</strong>nceira e administrativa do sistema 13 , e<br />

posteriormente à criação dos IAPs de âmbito <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, onde a vinculação pass<strong>ou</strong> a ser feita com<br />

base <strong>na</strong> ativi<strong>da</strong>de genérica. O primeiro IAP criado foi o dos marítimos (IAPM), em 1933, sendo<br />

que após vieram os IAPs dos Comerciários (IAPC) e Bancários (IAPB) em 1934, dos Industriários<br />

(IAPI), em 1936, dos servidores do estado (IPASE) e também dos empregados em Transportes e<br />

Cargas (IAPTEC) 14 , em 1938 (DAIBERT, 1978).<br />

A respeito dos IAPs:<br />

Os IAPs, além de prover aposentadorias e pensões, garantiam a prestação de assistên-<br />

cia médica para seus fi liados e dependentes. Para isso mantinham hospitais e ambulatórios<br />

próprios, mas também contratavam serviços de estabelecimentos de saúde privados, fossem<br />

eles lucrativos <strong>ou</strong> fi lantrópicos. O modelo dos IAPs represent<strong>ou</strong> uma expansão de cobertura<br />

no sentido de procurar vincular aos institutos boa parte dos trabalhadores urb<strong>anos</strong> formais e<br />

autônomos (MÉDICE; MARQUES 15 , 1995 apud FAVONI, <strong>20</strong>01, p. 80).<br />

O período de 1930 a 1945 foi marcado por um modelo previdenciário restritivo e contencionista,<br />

com a intervenção de Getúlio Vargas <strong>na</strong>s IAPs, tor<strong>na</strong>ndo as regras de aposentadorias mais rígi<strong>da</strong>s,<br />

sem mencio<strong>na</strong>r a redução <strong>na</strong> gama de benefícios, principalmente nos de caráter assistencial. Pode-<br />

se dizer que este período foi marcado pela ideologia <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong> como exclusivamente<br />

um “seguro <strong>social</strong>”, apesar de momento algum serem totalmente retirados do sistema, os serviços<br />

assistenciais (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1985).<br />

(13) Devido o considerável aumento <strong>da</strong>s despesas <strong>da</strong>s Caixas, o governo em regime de urgência simplesmente suspendeu<br />

as aposentadorias ordinárias (por i<strong>da</strong>de e tempo de serviço) e extraordinárias até que se reformulasse o sistema (SOUSA,<br />

<strong>20</strong>02).<br />

QUADRO 1<br />

Principais IAPs e os benefícios por eles prestados<br />

Institutos Benefícios prestados<br />

IAPM<br />

IAPB<br />

IAPI<br />

Aposentadoria ordinária <strong>ou</strong> por invalidez, pensão por morte, assist. médicohospitalar,<br />

inter<strong>na</strong>ção até 30 dias e assistência farmacêutica.<br />

Aposentadoria e pensão. Poderão ser concedidos serviços de assistência médicohospitalar<br />

e farmacêutica, auxílio doença e auxílio materni<strong>da</strong>de.<br />

Aposentadoria por invalidez, pensão por morte, auxílio pecuniário aos incapacitados<br />

para o serviço por moléstias. Poderão ser concedidos serviços de assistência<br />

médico-hospitalar, auxilio funeral, sujeitos <strong>ou</strong> não à contribuição complementar.<br />

Aposentadoria ordinária após 1950.<br />

IPASE Aposentadoria por i<strong>da</strong>de e invalidez, pensão por morte e pecúlio.<br />

Aposentadoria por velhice e invalidez, pensão por morte, auxilio funeral. Poderão ser<br />

IAPTEC concedidos serviços de assistência médico-hospitalar, auxilio paterni<strong>da</strong>de e pecúlio,<br />

sujeitos <strong>ou</strong> não à contribuição complementar.<br />

IAPC Aposentadoria por velhice e invalidez, seguro doença, pensão por morte e pecúlio.<br />

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Oliveira e Teixeira (1985).<br />

(14) Os Condutores de Veículos foram absorvidos pelo IAPTEC em 1939 (BRASIL, <strong>20</strong>06a).<br />

(15) MEDICI, A. C.; MARQUES, R. M. Regulação e Previdência Social no Brasil: evolução e perspectivas. Revista Para<strong>na</strong>ense<br />

de Desenvolvimento – Economia, Estado e Socie<strong>da</strong>de, Curitiba, IPARDES, n. 85, p. 57-114, maio/ago. 1995.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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162<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

No quadro anterior, estão relacio<strong>na</strong>dos os principais IAPs e os benefícios por eles prestados.<br />

Segundo Oliveira e Teixeira (1985), ao contrário <strong>da</strong>s CAPs onde a assistência médica era<br />

ti<strong>da</strong> como fun<strong>da</strong>mental ao sistema, nos IAPs esta foi considera<strong>da</strong> inicialmente secundária,<br />

tanto que em alguns institutos a assistência médica somente foi disponibiliza<strong>da</strong> após algum<br />

tempo <strong>da</strong> sua criação. Nota-se essa tendência restritiva principalmente pelo fato do maior<br />

instituto de aposentadoria e pensão, o IAPI, contando com 50% dos trabalhadores, ter<br />

disponibilizado somente após 1950 a aposentadoria ordinária. Ain<strong>da</strong> segundo os mesmos<br />

autores, <strong>ou</strong>tro fato que demonstra a característica restritiva do modelo previdenciário neste<br />

período, é o aumento <strong>da</strong> relação entre contribuintes e i<strong>na</strong>tivos, que em 1930 era de 9,48<br />

contribuintes para ca<strong>da</strong> i<strong>na</strong>tivo e em 1938 avanç<strong>ou</strong> para 30,30 contribuintes para ca<strong>da</strong><br />

i<strong>na</strong>tivo.<br />

Conforme mencio<strong>na</strong> S<strong>ou</strong>sa (<strong>20</strong>02), esse período foi marcado também pela adoção <strong>da</strong> base<br />

contributiva tripartite, conceito este que também foi incorporado <strong>na</strong> Constituição Federal de 1934.<br />

Dessa forma, a responsabili<strong>da</strong>de pelo fi <strong>na</strong>nciamento do sistema que antes era dos segurados e<br />

<strong>da</strong>s empresas, agora conta com a participação do estado, que conforme preceito constitucio<strong>na</strong>l<br />

deve ser igual à participação dos segurados e <strong>da</strong>s empresas.<br />

IAPs.<br />

Observa-se <strong>na</strong> Tabela 3 as alíquotas e percentuais <strong>da</strong> contribuição tripartite para os principais<br />

TABELA 3<br />

Alíquotas de contribuições dos IAPs<br />

Institutos Segurados Empresas Estado<br />

IAPB 4 a 7% do salário 9% salário ca<strong>da</strong> segurado 1 Quota e tx. previdência 2<br />

IAPM 3% do salário 1,5% ren<strong>da</strong> bruta 3 Quota e tx. previdência<br />

IAPI 3 a 8% do salário 1,5% ren<strong>da</strong> bruta Quota e tx. previdência<br />

IPASE 4 a 7% do salário 1,5% ren<strong>da</strong> bruta Quota e tx. previdência<br />

IAPTEC 3 a 8% do salário 1,5% ren<strong>da</strong> bruta Quota e tx. previdência<br />

IAPC 3 a 8% do salário 1,5% ren<strong>da</strong> bruta Quota e tx. previdência<br />

1 Até o salário máximo de 5 contos de réis.<br />

2 A quota de previdência consistia num valor variável sobre o preço dos serviços, porém quando inferior à contribuição<br />

dos segurados o estado deveria responder com a diferença. Já a taxa de previdência consistia <strong>na</strong> alíquota de 2% sobre<br />

as importações, com exceção à importação de trigo e combustível (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1985).<br />

3 Porém nunca inferior ao total <strong>da</strong>s contribuições dos associados, nem superior à importância de uma vez e meia esse<br />

valor.<br />

Com o surgimento dos IAPs, a fi gura do estado além de participar do custeio do<br />

sistema, passa agora a assumir importante papel <strong>na</strong> esfera administrativa e fi <strong>na</strong>nceira.<br />

No plano administrativo, ca<strong>da</strong> instituto passa a ter um presidente, o qual é nomeado pelo<br />

Chefe do Estado e tem plenos poderes no exercício <strong>da</strong> administração, podendo gerir<br />

sobre questões orçamentárias, de pessoal e de investimento. Já no plano fi <strong>na</strong>nceiro, o<br />

estado fi ca responsável por receber e repassar para ca<strong>da</strong> IAP as “quotas” e a “taxas” de<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


previdência (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1985).<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Porém, quanto ao destino dos recursos <strong>da</strong> previdência sob responsabili<strong>da</strong>de do<br />

estado, Oliveira e Teixeira (1985, p. 106) assim comentam:<br />

[...] o recolhimento, pelo Estado, de quotas e taxas “de Previdência” sob o ar-<br />

gumento de que se desti<strong>na</strong>vam a fi <strong>na</strong>nciar, em parte, a Previdência Social dos tra-<br />

balhadores, foi um balela. À medi<strong>da</strong> que o Governo Federal, burlando inclusive os<br />

dispositivos constitucio<strong>na</strong>is, não efetivava nunca sua contribuição à Previdência nos<br />

montantes legalmente estabelecidos (valores iguais às contribuições dos emprega-<br />

dos e dos empregadores). Ou seja: não repassava, senão muito irregular e parcial-<br />

mente, os recursos que arreca<strong>da</strong>va a título de “quotas” e “taxas” de Previdência,<br />

<strong>da</strong>ndo a esses recursos <strong>ou</strong>tras desti<strong>na</strong>ções.<br />

Embora o ano de 1945, último ano do governo Vargas, tenha sido caracterizado<br />

pela adoção de medi<strong>da</strong>s populares, principalmente as que tratam <strong>da</strong> previdência, S<strong>ou</strong>sa<br />

(<strong>20</strong>02) destaca a relevância do modelo restritivo e contencionista assumido no período<br />

1930-1945, para as contas <strong>da</strong> Previdência Social, tanto que em 1945, o sistema fech<strong>ou</strong><br />

com um superávit de Cr$ 1.365.551.941,50.<br />

Expansão e unifi cação <strong>da</strong> Previdência (1945-1966)<br />

Segundo Oliveira e Teixeira (1985), a expansão <strong>da</strong> previdência neste período, inici<strong>ou</strong><br />

com atitudes populistas do presidente Getúlio Vargas no último ano de seu primeiro<br />

governo (1945), estendendo aos aposentados e pensionistas a prestação de assistência<br />

médica e hospitalar. Mesmo elevando sobremaneira as despesas do sistema, a expansão<br />

dos benefícios <strong>da</strong> previdência continuava gra<strong>da</strong>tivamente. Em 1949, foi regulamentado<br />

o Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência <strong>na</strong> Previdência Social, e em<br />

1954, é promulgado o Decreto nº. 35.448 de 01/05/1954, que normatiza o regulamento<br />

geral dos IAPs, no qual dispõe entre <strong>ou</strong>tras matérias que os institutos devem atender<br />

aposentadorias, pensões, e prestar assistência médica, farmacêutica <strong>ou</strong> odontológica.<br />

Porém, os diferentes IAPs possuíam legislação extremamente abun<strong>da</strong>nte, se<br />

fazendo necessária uma uniformização de todo o sistema. No entanto, essa unifi cação<br />

feria diversos interesses: <strong>da</strong>s categorias menores cobertas pelos melhores IAPs; <strong>da</strong>s<br />

burocracias dos mais variados institutos; dos sindicatos; etc. To<strong>da</strong>via, veio a ocorrer<br />

com a criação <strong>da</strong> Lei Orgânica <strong>da</strong> Previdência Social 16 (LOPS) em 26 de agosto de 1960,<br />

lei esta que tramit<strong>ou</strong> durante 14 <strong>anos</strong> no Congresso Nacio<strong>na</strong>l, unifi cando a legislação<br />

pertinente aos IAPs. E, somente após o golpe militar de 1964, ocorreu a criação do<br />

Instituto Nacio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> Previdência Social (INPS), em 21 de novembro de 1966 e instalado<br />

(16) Com a criação <strong>da</strong> LOPS, os benefícios disponibilizados foram: auxílio doença, aposentadoria por invalidez, velhice, es-<br />

pecial e tempo de serviço, auxílio <strong>na</strong>tali<strong>da</strong>de, pecúlio e assistência fi <strong>na</strong>nceira (para os segurados); pensão, auxílio reclusão,<br />

auxílio funeral e pecúlio (para os dependentes); e assistência médica, alimentar, habitacio<strong>na</strong>l, complementar, reeducativa e<br />

rea<strong>da</strong>ptação profi ssio<strong>na</strong>l (benefi ciários em geral) (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1985).<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

163


164<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

no ano seguinte, onde foram unifi cados os seis IAPs existentes <strong>na</strong> época (com exceção<br />

do IPASE), prevalecendo o autoritarismo do estado sobre as resistências sindicais <strong>da</strong><br />

época (FAVONI, <strong>20</strong>01).<br />

Para Oliveira e Teixeira (1985), esta fase <strong>da</strong> Previdência Social brasileira foi<br />

infl uencia<strong>da</strong> pelas idéias do Plano Beveridge de 1942, e entr<strong>ou</strong> em ce<strong>na</strong> um conceito<br />

que pass<strong>ou</strong> a ser comumente tratado, a “seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>”. Após a segun<strong>da</strong> guerra<br />

mundial, os países <strong>da</strong> Europa Ocidental aspiravam atingir o “Estado do Bem-Estar<br />

Social”, apregoando o crescimento <strong>da</strong> intervenção do Estado <strong>na</strong> área <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s<br />

políticas sociais, inclusive a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>.<br />

Contudo, a concepção de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> nesta época era recente, ao menos<br />

no Brasil, e não foi bem quista pelo Estado brasileiro, conforme menção de Oliveira e<br />

Teixeira (1985, p. 179-180):<br />

O que ocorre concretamente foi uma pressão ao interior do sistema de “Seguro<br />

Social”, com os segurados tentando manter nos valores mínimos possíveis as suas<br />

“contribuições”, enquanto exigiam, por <strong>ou</strong>tro lado, a ampliação e valorização dos<br />

pl<strong>anos</strong> de benefícios e serviços. A tese central, radicalmente antiliberal, <strong>da</strong>s idéias<br />

<strong>da</strong> “Seguri<strong>da</strong>de”, que era a de que fun<strong>da</strong>mentalmente o Estado deveria arcar com<br />

os ônus dos pl<strong>anos</strong> de benefícios e serviços previdenciários (mesmo para não con-<br />

tribuintes) nem de longe foi aceita, em nenhum momento, pelo Estado brasileiro,<br />

o qual, ao contrário, continu<strong>ou</strong>, ao longo de todo esse período, não cumprindo se-<br />

quer seus compromissos fi <strong>na</strong>nceiros para com a Previdência nos termos legalmente<br />

estabelecidos, como veremos adiante. Em novas condições políticas, <strong>na</strong>s quais os<br />

segurados haviam readquirido algum poder de barganha, o que o Estado passara a<br />

fazer tinha sido simplesmente incorporar estas pressões, concedendo realmente, à<br />

medi<strong>da</strong> que se exerciam, aumentos no número e no valor dos benefícios e serviços<br />

<strong>da</strong> Previdência, mas sem tratar de assegurar recursos e fontes de fi <strong>na</strong>nciamento que<br />

garantissem a possibili<strong>da</strong>de de manutenção, no tempo, destes pl<strong>anos</strong>, tor<strong>na</strong>dos ag-<br />

ora, progressivamente, <strong>ou</strong>tra vez, “abrangentes e pródigos” como em nosso primeiro<br />

período de análise.<br />

Com a criação <strong>da</strong> LOPS, as alíquotas de contribuição do segurado foram fi xa<strong>da</strong>s<br />

em 6% a 8% sobre o valor do salário, fi cando a empresa responsável pelo mesmo<br />

valor. Já a participação do Estado foi modifi ca<strong>da</strong>, fi cando este responsável ape<strong>na</strong>s pelo<br />

custeio do pessoal e despesas administrativas. Além <strong>da</strong> abrangência dos benefícios e <strong>da</strong><br />

prodigali<strong>da</strong>de, este período foi marcado também pelo desvio de recursos <strong>da</strong> Previdência<br />

Social para investimentos do Estado em <strong>ou</strong>tras áreas (SOUSA, <strong>20</strong>02).<br />

Da unifi cação à crise (1967-1987)<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

A fase expansionista <strong>da</strong> Previdência Social continu<strong>ou</strong>, com a inclusão do seguro<br />

de acidente de trabalho em 1967. Em 1969, foi preenchi<strong>da</strong> uma lacu<strong>na</strong> <strong>na</strong> Previdência<br />

Social Brasileira ao se estender a cobertura para os trabalhadores rurais, sendo em<br />

primeiro momento ape<strong>na</strong>s ao setor agrário <strong>da</strong> indústria ca<strong>na</strong>vieira, porém ain<strong>da</strong> no<br />

mesmo ano foi ampliado o plano básico rural. Mencio<strong>na</strong>-se também a criação do amparo<br />

previdenciário 17 (Lei nº. 6.179, de 11/12/1974), para os trabalhadores acima de setenta<br />

<strong>anos</strong> <strong>ou</strong> inválidos, e a extensão <strong>da</strong> Previdência Social para os empregados domésticos<br />

(BRASIL, <strong>20</strong>06a).<br />

Em 1974, é criado o Ministério <strong>da</strong> Previdência e Assistência Social (MPAS), sendo<br />

neste momento defi ni<strong>da</strong>s e delimita<strong>da</strong>s as competências do Ministério <strong>da</strong> Saúde e do<br />

MPAS. O Ministério <strong>da</strong> Saúde assume caráter normativo e ações volta<strong>da</strong>s para os<br />

atendimentos de interesse coletivo, inclusive “vigilância sanitária”, enquanto o MPAS<br />

tem sua atuação volta<strong>da</strong> principalmente para o atendimento médico-assistencial<br />

individualizado (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1985).<br />

Nesse contexto de modifi cações <strong>na</strong> estrutura <strong>da</strong> Previdência Social, surge o Sistema<br />

Nacio<strong>na</strong>l de Previdência e Assistência Social (SINPAS) em 1977, subordi<strong>na</strong>do ao MPAS,<br />

que separ<strong>ou</strong> as funções do sistema em algumas instituições. O Instituto Nacio<strong>na</strong>l <strong>da</strong><br />

Previdência Social (INPS) fi c<strong>ou</strong> responsável pela concessão de benefícios, ao Instituto<br />

Nacio<strong>na</strong>l de Assistência Médica <strong>da</strong> Previdência Social (INAMPS) c<strong>ou</strong>be a prestação de<br />

Assistência Médica à população carente, ao Instituto de Administração fi <strong>na</strong>nceira <strong>da</strong><br />

Previdência e Assistência Social (IAPAS) c<strong>ou</strong>be o gerenciamento <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de fi <strong>na</strong>nceira<br />

do sistema, à Central de Medicamentos (CEME) c<strong>ou</strong>be a assistência em medicamentos,<br />

à Legião Brasileira de Assistência (LBA) c<strong>ou</strong>beram serviços assistenciais, à Fun<strong>da</strong>ção<br />

Nacio<strong>na</strong>l do Bem-estar do Menor (FUNABEM) c<strong>ou</strong>be a assistência ao menor e à Empresa<br />

de Processamento de Dados <strong>da</strong> Previdência Social (DATAPREV) c<strong>ou</strong>be o processamento<br />

<strong>da</strong>s informações <strong>da</strong> Previdência Social (SOUSA, <strong>20</strong>02).<br />

Desde 1945 o sistema previdenciário seguiu com um modelo expansionista e pródigo,<br />

mas, a partir de 1980 os refl exos fi <strong>na</strong>nceiros vieram à to<strong>na</strong>, com o agravamento <strong>da</strong> crise<br />

<strong>da</strong> Previdência Social. Esta crise caracteriz<strong>ou</strong>-se pela existência de um crescente défi cit<br />

<strong>na</strong>s contas <strong>da</strong> previdência, atingindo 40 bilhões de cruzeiros em 1980 e 150 bilhões em<br />

1981. Entre os motivos mencio<strong>na</strong>m-se as freqüentes fraudes no sistema, principalmente<br />

nos serviços de assistência médica envolvendo hospitais privados, e também a dívi<strong>da</strong> do<br />

Estado e <strong>da</strong>s empresas com a Previdência Social (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1985).<br />

(17) Conhecido também como Ren<strong>da</strong> Mensal vitalícia, veio a se tor<strong>na</strong>r no Benefício de Prestação Continua<strong>da</strong> com a criação<br />

<strong>da</strong> Lei nº. 8.742, de 07 de dezembro de 1993, regulamentado pelo Decreto nº. 1.330, de 08 de dezembro de 1994 (BRASIL,<br />

<strong>20</strong>06a).<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

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166<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Quanto à magnitude <strong>da</strong>s dívi<strong>da</strong>s do Estado e <strong>da</strong>s empresas com a Previdência Social,<br />

Oliveira, Beltrão e David (1999, p. 2-3) citam:<br />

A falta de pagamento <strong>da</strong> contribuição <strong>da</strong> União e a sonegação por parte dos em-<br />

pregadores do setor privado (por exemplo, estima-se que em 1956 as contribuições<br />

não recolhi<strong>da</strong>s aos IAPs foram <strong>da</strong> ordem de Cr$ 10 bilhões <strong>ou</strong> R$ 1,173 bilhão de<br />

junho de 1998) foram fatores determi<strong>na</strong>ntes <strong>na</strong> frustração <strong>da</strong>s previsões atuariais<br />

para o funcio<strong>na</strong>mento equilibrado do sistema de previdência <strong>social</strong>. Mesmo se to<strong>da</strong>s<br />

as contribuições fossem recolhi<strong>da</strong>s conforme a lei (Lei nº 2.250, de junho de 1954, no<br />

que se refere ao pagamento de juros do débito <strong>da</strong> União) o regime de capitalização<br />

ain<strong>da</strong> apresentaria um desequilíbrio orçamentário, já que os cálculos atuariais não<br />

levaram em consideração as correções dos benefícios em face <strong>da</strong> depreciação <strong>da</strong><br />

moe<strong>da</strong> inerente ao processo infl acionário que se verifi cava no Brasil <strong>na</strong> época. Para<br />

que se possa dimensio<strong>na</strong>r o problema [...], deve-se destacar que em 1959 o débito<br />

<strong>da</strong> União para com os antigos IAPs era de Cr$ 60 bilhões (R$ 3,9 bilhões de junho de<br />

1998), e já no início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 60 (1962) se elevava a Cr$ 195 bilhões segundo<br />

Fischlowitz (1964), <strong>ou</strong> seja, aproxima<strong>da</strong>mente R$ 4,8 bilhões de junho de 1998, en-<br />

quanto que a dívi<strong>da</strong> dos empregadores era <strong>da</strong> ordem de Cr$ 53 bilhões (cerca de 1,3<br />

bilhão).<br />

Os desvios de recursos <strong>da</strong> Previdência Social para <strong>ou</strong>tros fi ns, também são apontados<br />

como motivos <strong>da</strong> crise, conforme grifam Oliveira e Teixeira (1985, p. 280):<br />

[...] nos <strong>anos</strong> 30 e 40, recursos fi <strong>na</strong>nceiros <strong>da</strong> Previdência foram aplicados <strong>na</strong><br />

criação de empresas estatais <strong>ou</strong> mistas, como a Companhia Siderúrgica Nacion-<br />

al, a Companhia Nacio<strong>na</strong>l de Álcalis, a Fábrica Nacio<strong>na</strong>l de Motores, a Companhia<br />

Hidroelétrica do Vale do São Francisco, etc. Também nos <strong>anos</strong> 50 os recursos foram<br />

utilizados <strong>na</strong> construção de Brasília e talvez, mais recentemente, nos <strong>anos</strong> 70, ten-<br />

ham sido usados <strong>na</strong> construção <strong>da</strong> Ponte Rio - Niterói e <strong>da</strong> Transamazônica, como<br />

comentam os jor<strong>na</strong>is.<br />

A esses motivos, acrescenta-se ain<strong>da</strong> o fato de que a base de fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong><br />

Previdência Social é o emprego formal, e há algum tempo já vinha ocorrendo o<br />

desaceleramento do crescimento do emprego e a que<strong>da</strong> dos salários, causando redução<br />

<strong>da</strong>s receitas e conseqüentemente agravando ain<strong>da</strong> mais a crise <strong>da</strong> Previdência Social<br />

no Brasil (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1985).<br />

O advento <strong>da</strong> Constituição de 1988<br />

Com o advento <strong>da</strong> Constituição de 1988, além <strong>da</strong> formalização do conceito de<br />

seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, foram estabelecidos alguns direitos no campo previdenciário, como<br />

a fi xação do piso salarial dos benefícios (urb<strong>anos</strong> e rurais) em um salário mínimo. E<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

se antes algumas classes de trabalhadores rurais e urb<strong>anos</strong>, inclusive domésticos não<br />

estavam cobertos pela previdência <strong>social</strong>, esta <strong>constituição</strong> universaliz<strong>ou</strong> a participação<br />

mediante contribuição (BRASIL, 1988).<br />

Entre as mu<strong>da</strong>nças a partir <strong>da</strong> Constituição de 1988, mencio<strong>na</strong>-se também a criação dos<br />

princípios universais <strong>da</strong> Previdência Social, os quais estão explicitados no Quadro 2.<br />

QUADRO 2<br />

Princípios universais <strong>da</strong> Previdência Social<br />

Princípios Descrição<br />

Princípio <strong>da</strong> Contributivi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong><br />

Universali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Cobertura e do<br />

Atendimento<br />

Princípio <strong>da</strong> Obrigatorie<strong>da</strong>de<br />

Princípio do Equilíbrio Fi<strong>na</strong>nceiro e<br />

Atuarial<br />

Princípio <strong>da</strong> Uniformi<strong>da</strong>de e<br />

Equivalência dos Benefícios aos<br />

Rurais e Urb<strong>anos</strong><br />

Princípio <strong>da</strong> Eqüi<strong>da</strong>de<br />

Princípio <strong>da</strong> Soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de Intra e<br />

Inter-geracio<strong>na</strong>l<br />

Fonte: Brasil (<strong>20</strong>05). Constituição <strong>da</strong> República Federativa do Brasil.<br />

Segundo S<strong>ou</strong>sa (<strong>20</strong>02), até meados de 1960 a Previdência Social no Brasil era nortea<strong>da</strong><br />

pelo sistema de capitalização 18 . No entanto, após a criação <strong>da</strong> LOPS em 1960, adot<strong>ou</strong>-se o<br />

sistema de repartição simples, o qual foi ratifi cado pela carta constitucio<strong>na</strong>l 19 de 1988. Este<br />

sistema consiste num pacto <strong>social</strong> entre gerações nos quais os ativos fi <strong>na</strong>nciam os i<strong>na</strong>tivos,<br />

<strong>ou</strong> seja, as contribuições dos segurados atuais pagam os aposentados de hoje, esperando<br />

(18) Neste sistema, ca<strong>da</strong> segurado contribui com determi<strong>na</strong>do valor, que se acumula ao longo de sua vi<strong>da</strong> ativa de labor. No<br />

momento <strong>da</strong> aposentadoria, terá direito de perceber o montante contribuído ao sistema, capitalizado (BRASIL, <strong>20</strong>05).<br />

(19) Constituição de 1988 e Carta Constitucio<strong>na</strong>l de 1988 são sinônimos.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

To<strong>da</strong>s as pessoas têm o direito de cobertura <strong>da</strong><br />

Previdência Social, porém mediante contribuição.<br />

Todos que exercem ativi<strong>da</strong>de remunera<strong>da</strong> devem<br />

contribuir com uma parcela de sua ren<strong>da</strong> para o<br />

sistema<br />

Adoção de medi<strong>da</strong>s que equilibrem o sistema<br />

fi<strong>na</strong>nceiro atuarial, de forma que assegurem o<br />

pagamento dos benefícios <strong>da</strong>queles que<br />

contribuíram no passado.<br />

De forma alguma, as regras <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

privilegiarão algumas pessoas em detrimento de<br />

<strong>ou</strong>tras, sem que sejam legitima<strong>da</strong>s pela<br />

socie<strong>da</strong>de.<br />

Tratar as pessoas iguais com regras iguais, <strong>ou</strong><br />

seja, a retribuição ao segurado deve ser<br />

proporcio<strong>na</strong>l a sua contribuição.<br />

Embora o princípio <strong>da</strong> eqüi<strong>da</strong>de estabeleça a<br />

retribuição proporcio<strong>na</strong>l à sua contribuição, o<br />

sistema admite regras redistributivas que beneficie<br />

os menos favorecidos. Com o modelo de<br />

repartição simples, a geração atual contribui para<br />

fi<strong>na</strong>nciar os gastos <strong>da</strong> geração anterior.<br />

167


168<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

que as contribuições <strong>da</strong>s gerações futuras paguem as suas aposentadorias.<br />

A Constituição de 1988 foi caracteriza<strong>da</strong> pelo caráter abrangente tanto nos direitos<br />

quanto <strong>na</strong>s garantias aos ci<strong>da</strong>dãos, confi gurando uma <strong>constituição</strong> ver<strong>da</strong>deiramente<br />

compromissa<strong>da</strong> com os aspectos sociais. No concernente à previdência dos servidores<br />

públicos, h<strong>ou</strong>ve uma signifi cativa mu<strong>da</strong>nça no sistema. Com a sanção <strong>da</strong> Lei nº. 8.112, de<br />

11 de dezembro de 1990, cerca de 80% dos servidores <strong>da</strong> União, que eram contratados<br />

pelo regime <strong>da</strong> Consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s Leis do Trabalho (CLT), foram transferidos para o regime<br />

estatutário, sendo efetivados automaticamente. E essa modifi cação elev<strong>ou</strong> sobremaneira<br />

as despesas do sistema, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que conferiu proventos integrais de aposentadoria a<br />

ultima remuneração <strong>na</strong> ativa (BRASIL, <strong>20</strong>02).<br />

Dessa forma, foram mantidos os seguintes regimes de Previdência Social no Brasil:<br />

Regime Geral de Previdência Social (RGPS); Regimes Próprios de Previdência Social<br />

(RPPSs); e Previdência Complementar <strong>20</strong> . E a esse respeito:<br />

No Brasil há regras previdenciárias diferentes entre os trabalhadores do setor priva-<br />

do e uma categoria específi ca de servidor público, o servidor público de cargo efetivo.<br />

Os trabalhadores do setor privado se submetem às regras do Regime Geral de Pre-<br />

vidência Social – RGPS, gerido pelo Instituto Nacio<strong>na</strong>l do Seguro Social – INSS.<br />

Os servidores públicos estão divididos em três categorias: empregados públicos,<br />

servidores públicos temporários e servidores de cargo efetivo. Os servidores <strong>da</strong>s duas<br />

primeiras categorias – empregado e servidor temporário – fazem parte do RGPS. Os de<br />

cargo efetivo, por sua vez, estão enquadrados em sistemas específi cos, os Regimes<br />

Próprios de Previdência Social – RPPS, <strong>da</strong> União, estados, Distrito Federal e municí-<br />

pios. Na hipótese dos entes públicos não instituírem RPPSs, todos os seus servidores,<br />

mesmo os de cargo efetivo, são enquadrados no RGPS (BRASIL, <strong>20</strong>05, p. 47).<br />

Quanto ao fi <strong>na</strong>nciamento, a Previdência Social não possui um custeio específi co<br />

legalmente estabelecido, no entanto, <strong>na</strong> Carta Constitucio<strong>na</strong>l de 1988 foi instituí<strong>da</strong> a forma<br />

de custeio <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, que conforme já mencio<strong>na</strong>do é composta pela saúde,<br />

previdência e assistência <strong>social</strong>.<br />

O fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> a partir <strong>da</strong> Constituição de 1988 fi c<strong>ou</strong> a cargo<br />

de to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de, de forma direta e indireta, por meio de recursos provenientes dos<br />

orçamentos <strong>da</strong> União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e <strong>da</strong>s contribuições<br />

(<strong>20</strong>) É constituí<strong>da</strong> por enti<strong>da</strong>des fecha<strong>da</strong>s (enti<strong>da</strong>des sem fi ns lucrativos organiza<strong>da</strong>s para cobrir um grupo específi co de tra-<br />

balhadores, em geral, de uma mesma empresa) e enti<strong>da</strong>des abertas (instituições com fi ns lucrativos, onde qualquer pessoa<br />

pode se inscrever). Por haver um teto previdenciário para o RGPS, o sistema de previdência complementar é uma boa medi<strong>da</strong><br />

para os trabalhadores que desejam manter o nível de ren<strong>da</strong>, quando <strong>da</strong> incapaci<strong>da</strong>de para o labor (BRASIL, <strong>20</strong>05).<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

sociais dos empregadores e empresas incidentes sobre a folha de salários 21 , o faturamento, o<br />

lucro, e também sobre as contribuições dos segurados <strong>da</strong> Previdência Social. Acrescentam-<br />

se também as contribuições sociais sobre a receita de concursos de prognósticos, as sobre<br />

a comercialização de produto rural, as do importador de bens <strong>ou</strong> serviços do exterior e a<br />

Contribuição para Fi<strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social (COFINS) (BRASIL, 1988).<br />

A Lei nº. 8.212, de 24 de julho de 1991 cita ain<strong>da</strong> <strong>ou</strong>tras receitas:<br />

Art. 127. Constituem <strong>ou</strong>tras receitas <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de Social:<br />

I – as multas, a atualização monetária e os juros moratórios;<br />

II – a remuneração recebi<strong>da</strong> por serviços de arreca<strong>da</strong>ção, fi scalização e cobrança<br />

prestados a terceiros;<br />

III – as receitas provenientes de prestação de <strong>ou</strong>tros serviços e de fornecimento <strong>ou</strong><br />

arren<strong>da</strong>mento de bens;<br />

IV – as demais receitas patrimoniais, industriais e fi <strong>na</strong>nceiras;<br />

V – as doações, legados, subvenções e <strong>ou</strong>tras receitas eventuais;<br />

VI - 50% (cinqüenta por cento) dos valores obtidos e aplicados <strong>na</strong> forma do parágrafo<br />

único do art. 243 <strong>da</strong> Constituição Federal;<br />

VII – 40% (quarenta por cento) do resultado dos leilões dos bens apreendidos pelo<br />

Departamento <strong>da</strong> Receita Federal;<br />

VIII – <strong>ou</strong>tras receitas previstas em legislação específi ca.<br />

Parágrafo único. As companhias seguradoras que mantêm o seguro obrigatório de<br />

d<strong>anos</strong> pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres, de que trata a Lei<br />

nº. 6.194, de dezembro de 1974, deverão repassar à Seguri<strong>da</strong>de Social 50% (cinqüenta<br />

por cento) do valor total do prêmio recolhido e desti<strong>na</strong>do ao Sistema Único de Saúde,<br />

para custeio <strong>da</strong> assistência médico-hospitalar dos segurados vitimados em acidentes de<br />

trânsito (BRASIL, 1991, art. 127).<br />

Em 1990, a estrutura <strong>da</strong> Previdência Social foi novamente altera<strong>da</strong>, com a criação<br />

do Instituto Nacio<strong>na</strong>l do Seguro Social (INSS), fruto <strong>da</strong> fusão do INPS com o IAPAS e o<br />

deslocamento do INAMPS 22 para o recém criado Ministério <strong>da</strong> Ação Social e Saúde. Logo<br />

no ano seguinte, foram sancio<strong>na</strong><strong>da</strong>s a Lei nº. 8.212 e Lei nº. 8.213, ambas de 24 de julho de<br />

(21) As contribuições sociais sobre a folha de salário desti<strong>na</strong>m-se exclusivamente ao pagamento de benefícios previdenciários<br />

(BRASIL, 1988).<br />

(22) Conforme Lei nº. 8.689, de 27 de julho de 1993, que extinguiu o INAMPS, fi cam transferi<strong>da</strong>s as funções, competências,<br />

ativi<strong>da</strong>des e atribuições do INAMPS, as quais serão absorvi<strong>da</strong>s pelas instâncias federal, estadual e municipal gestoras do<br />

Sistema Único de Saúde (SUS).<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

169


170<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

1991. A primeira dispondo sobre a organização e nova forma de custeio <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>,<br />

e a segun<strong>da</strong> instituindo o plano de benefícios <strong>da</strong> Previdência Social (BRASIL, <strong>20</strong>06a).<br />

As iniciativas pater<strong>na</strong>listas, porém <strong>social</strong>mente importantes <strong>da</strong> Constituição de 1988, no<br />

campo <strong>da</strong> Previdência Social, não foram acompanha<strong>da</strong>s pelas respectivas fontes de custeio<br />

proporcio<strong>na</strong>is aos direitos estendidos aos trabalhadores, provocando assim um desequilíbrio<br />

fi <strong>na</strong>nceiro <strong>na</strong> Previdência Social, especialmente devido às intensas modifi cações <strong>na</strong><br />

composição etária <strong>da</strong> população brasileira. Tanto que o sistema pass<strong>ou</strong> de um superávit de<br />

R$ 17,2 bilhões em 1988, para défi cits constantes a partir de 1995. (BRASIL, <strong>20</strong>02).<br />

As reformas <strong>da</strong> Previdência de 1998 e <strong>20</strong>03<br />

A crise <strong>na</strong> Previdência Social provoca<strong>da</strong> pelas mu<strong>da</strong>nças constitucio<strong>na</strong>is em 1988,<br />

pelo intenso envelhecimento <strong>da</strong> população brasileira, soma<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> à crise no mercado de<br />

trabalho, propici<strong>ou</strong> crescentes “défi cits” <strong>na</strong>s contas <strong>da</strong> Previdência Social a partir de 1995.<br />

Diante destes fatos, emergiu a necessi<strong>da</strong>de de uma ampla reforma no sistema, com vistas a<br />

evitar o agravamento <strong>da</strong> crise. E a resposta à crise, foi à aprovação <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucio<strong>na</strong>l<br />

n.º <strong>20</strong> (EC <strong>20</strong>), de 15 de dezembro de 1998, que estabeleceu a base principal para a reforma<br />

<strong>da</strong> Previdência Social (BRASIL, <strong>20</strong>05)<br />

Sobre as modifi cações <strong>na</strong>s regras do Regime Geral de Previdência Social, cita-se:<br />

Entre as principais mu<strong>da</strong>nças, estão: (i) a elimi<strong>na</strong>ção gradual <strong>da</strong> aposentadoria<br />

proporcio<strong>na</strong>l; (ii) a nova exigência para a conversão de tempo especial trabalhado sob<br />

ativi<strong>da</strong>des considera<strong>da</strong>s prejudiciais à saúde <strong>ou</strong> à integri<strong>da</strong>de física em tempo comum<br />

para fi ns de aposentadoria por tempo de contribuição; (iii) as novas exigências para<br />

as aposentadorias especiais; (iv) a mu<strong>da</strong>nça <strong>na</strong> regra de cálculo do benefício, com in-<br />

trodução do fator previdenciário (BRASIL, <strong>20</strong>05, p. 23).<br />

Porém, para Boschetti (<strong>20</strong>03), a reforma <strong>da</strong> Previdência teve efeitos sociais negativos,<br />

<strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que reduziu a amplitude dos direitos conquistados pelo trabalhador com a<br />

Constituição de 1988. E mencio<strong>na</strong> ain<strong>da</strong> <strong>ou</strong>tras alterações <strong>na</strong> Previdência Social, como:<br />

[...] a transformação do tempo de serviço em tempo de contribuição, o que tor<strong>na</strong> mais<br />

difícil a obtenção <strong>da</strong> aposentadoria, sobretudo para os trabalhadores que não tiveram<br />

carteira de trabalho assi<strong>na</strong><strong>da</strong> ao longo de suas vi<strong>da</strong>s; a instituição <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de mínima (48<br />

<strong>anos</strong> para mulheres e 53 para homens) para a aposentadoria proporcio<strong>na</strong>l; um acréscimo<br />

de 40% no tempo de contribuição para os atuais segurados; o estabelecimento de um<br />

teto nomi<strong>na</strong>l para os benefícios e a desvinculação desse teto do valor do salário mínimo,<br />

o que rompe com o princípio constitucio<strong>na</strong>l de irredutibili<strong>da</strong>de do valor dos benefícios e o<br />

fi m <strong>da</strong>s aposentadorias especiais (BOSCHETTI, <strong>20</strong>03, p. 80).<br />

A partir dessa reforma no Regime Geral de Previdência Social, que implement<strong>ou</strong><br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

mu<strong>da</strong>nças <strong>na</strong>s regras de cálculo dos benefícios previdenciários, adot<strong>ou</strong>-se uma nova fórmula<br />

de cálculo, que se baseia <strong>na</strong> média <strong>da</strong>s 80% maiores remunerações do segurado, e leva<br />

em conta a expectativa de sobrevi<strong>da</strong> <strong>na</strong> <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> aposentadoria. Dessa forma, a Previdência<br />

Social no Brasil, que desde meados de 1960 adotara o sistema de repartição simples, pass<strong>ou</strong><br />

então a assumir algumas características do sistema de capitalização escritural 23 (BRASIL,<br />

<strong>20</strong>05).<br />

Como já mencio<strong>na</strong>do anteriormente, a EC <strong>20</strong> estabeleceu o pedestal para a Reforma <strong>da</strong><br />

Previdência Social, no entanto Ornélas e Vieira (1999) remetem a atenção para um problema<br />

não solucio<strong>na</strong>do pela reforma <strong>da</strong> Previdência, o mercado informal, que desde a déca<strong>da</strong> de<br />

1980 segue uma tendência irreversível de crescimento. Nesse sentido, fazia-se necessária a<br />

criação de medi<strong>da</strong>s que estimulassem e possibilitassem o ingresso dessa classe no sistema<br />

previdenciário. E esse estímulo, adveio com a criação <strong>da</strong> Lei n.º 9.876/99, e teve entre as<br />

principais medi<strong>da</strong>s: extensão do salário-materni<strong>da</strong>de a to<strong>da</strong>s as segura<strong>da</strong>s 24 ; elimi<strong>na</strong>ção <strong>da</strong><br />

escala de salários-base, que obrigava autônomos a cumprirem uma escala de interstícios<br />

de contribuição; redução <strong>da</strong> taxa de contribuição de autônomos que prestam serviços para<br />

empresas, de <strong>20</strong>% para 11%; e a redução <strong>da</strong> taxa de juros para compensação de tempo<br />

de serviço passado, de 1,0 % para 0,5%, para os contribuintes individuais que optarem por<br />

regularizar suas contribuições anteriores a abril de 1995.<br />

Quanto ao fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong> Previdência Social, em 1999 foi cria<strong>da</strong> <strong>ou</strong>tra fonte de<br />

receita, que se evidenci<strong>ou</strong> de grande relevância para as contas <strong>da</strong> Previdência Social. Com<br />

a promulgação <strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucio<strong>na</strong>l n.º 21 (EC 21), de 18 de março de 1999, 26% do<br />

montante arreca<strong>da</strong>do com a Contribuição Provisória sobre Movimentação <strong>ou</strong> Transmissão de<br />

Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Fi<strong>na</strong>nceira (CPMF) fi c<strong>ou</strong> desti<strong>na</strong>do à Previdência<br />

Social. Percentual este que foi posteriormente alterado para 21% (BRASIL, 1999).<br />

Em <strong>20</strong>03, h<strong>ou</strong>ve <strong>ou</strong>tra reforma <strong>na</strong> Previdência Social, porém, nesta oportuni<strong>da</strong>de ape<strong>na</strong>s<br />

os servidores públicos foram afetados. Apesar <strong>da</strong> intensa resistência dos sindicatos e <strong>da</strong>s<br />

classes envolvi<strong>da</strong>s, foi inevitável a adoção de mu<strong>da</strong>nças <strong>na</strong>s regras <strong>da</strong> Previdência Social dos<br />

servidores públicos. A Previdência dos Servidores Públicos <strong>da</strong> União, Estados e Municípios<br />

começ<strong>ou</strong> a apresentar défi cits constantes a partir de 1995, constatando-se em <strong>20</strong>01, um<br />

défi cit de 48,6 bilhões 25 , sendo que destes, 24,4 bilhões <strong>da</strong> União (BRASIL, <strong>20</strong>02).<br />

Para Giambiagi et al (<strong>20</strong>04), a reforma <strong>da</strong> Previdência de <strong>20</strong>03 consuma<strong>da</strong> através<br />

<strong>da</strong> Emen<strong>da</strong> Constitucio<strong>na</strong>l n.º 41 (EC 41), de 19/12/<strong>20</strong>03, teve grande importância para a<br />

socie<strong>da</strong>de, pois atac<strong>ou</strong> e subtraiu alguns privilégios dos funcionários públicos. Privilégios<br />

(23) Sistema no qual os ativos fi <strong>na</strong>nciam os i<strong>na</strong>tivos. No entanto, a aposentadoria de ca<strong>da</strong> segurado é calcula<strong>da</strong> tendo como<br />

base as próprias contribuições (BRASIL, <strong>20</strong>05).<br />

(24) Até então esse benefício era devido ape<strong>na</strong>s às segura<strong>da</strong>s emprega<strong>da</strong>s, trabalhadoras avulsas, emprega<strong>da</strong>s domésticas<br />

e segura<strong>da</strong>s especiais.<br />

(25) Em R$ bilhões correntes.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

171


172<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

estes, que até então se confi guravam intocáveis. Nesse contexto, as principais modifi cações<br />

<strong>na</strong> previdência dos servidores públicos foram:<br />

a) Fixação <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de mínima para aposentadoria em 60 <strong>anos</strong> para os homens e 55 <strong>anos</strong><br />

para as mulheres. No entanto, manteve a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aposentadoria aos 53 <strong>anos</strong> para<br />

os homens e 48 <strong>anos</strong> para as mulheres, porém, para ca<strong>da</strong> ano de antecipação, <strong>ou</strong> seja, para<br />

quem se aposentar antes de completar a i<strong>da</strong>de mínima exigi<strong>da</strong> nesta emen<strong>da</strong> será aplicado<br />

um redutor de: 3,5% para aquele que completar as exigências para aposentadoria até 31<br />

de dezembro de <strong>20</strong>05, e 5% para aquele que completar as exigências para aposentadoria a<br />

partir de 01 de janeiro de <strong>20</strong>06;<br />

b) Estabelecimento <strong>da</strong> contribuição previdenciária para os aposentados e pensionistas,<br />

sendo: 11% sobre o que exceder 60% do limite máximo estabelecido para os benefícios<br />

do RGPS, para os i<strong>na</strong>tivos <strong>da</strong> União, e 11% sobre o que exceder 50% do limite máximo<br />

estabelecido para os benefícios do RGPS, para os i<strong>na</strong>tivos dos Estados, do Distrito Federal<br />

e dos Municípios;<br />

c) Fixação do valor <strong>da</strong> pensão <strong>na</strong> totali<strong>da</strong>de dos proventos percebidos até o limite máximo<br />

estabelecido para os benefícios do RGPS, acrescido de 70% <strong>da</strong> parcela excedente;<br />

d) Instituição de novo cálculo dos proventos de aposentadoria, passando a ser a média<br />

aritmética simples <strong>da</strong>s maiores remunerações utiliza<strong>da</strong>s como base para as contribuições do<br />

servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, sendo 80% de todo o período<br />

contributivo desde a competência julho de 1994, <strong>ou</strong> desde o início <strong>da</strong> contribuição se posterior<br />

àquela competência.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

11. Estudo comparativo - A Seguri<strong>da</strong>de Social em alguns países<br />

O direito à Previdência Social <strong>na</strong>s constituições no mundo<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

Narlon Gutierre Nogueira*<br />

Neste capítulo será realizado um estudo comparativo <strong>da</strong>s constituições de diversos<br />

países do mundo, com o objetivo de se verifi car como o direito à previdência <strong>social</strong> encontra-<br />

se assentado nos diplomas constitucio<strong>na</strong>is <strong>na</strong> atuali<strong>da</strong>de.<br />

Foram pesquisa<strong>da</strong>s as constituições de 35 países de todos os continentes, porém com<br />

uma maior amplitude para os países <strong>da</strong> América Lati<strong>na</strong> e <strong>da</strong> Europa. Todos os dispositivos<br />

diretamente relacio<strong>na</strong>dos à previdência <strong>social</strong>, identifi cados nessas constituições, foram<br />

selecio<strong>na</strong>dos e formam o Anexo C (A previdência <strong>social</strong> <strong>na</strong>s constituições ao redor do<br />

mundo).<br />

No primeiro tópico serão a<strong>na</strong>lisa<strong>da</strong>s e comenta<strong>da</strong>s as regras sobre a previdência <strong>social</strong><br />

encontra<strong>da</strong>s em ca<strong>da</strong> uma dessas constituições, de forma individualiza<strong>da</strong>.<br />

Em segui<strong>da</strong>, será apresentado um quadro comparativo onde as constituições foram<br />

classifi ca<strong>da</strong>s tendo por critérios:<br />

a) menção ao direito à previdência <strong>social</strong> no texto constitucio<strong>na</strong>l;<br />

b) inserção do direito à previdência <strong>social</strong> entre os direitos fun<strong>da</strong>mentais <strong>ou</strong> direitos<br />

sociais;<br />

c) grau de detalhamento <strong>da</strong>s regras relativas ao direito à previdência <strong>social</strong>.<br />

Análise do direito à Previdência Social <strong>na</strong>s constituições estrangeiras<br />

Inicialmente é oportuno apresentar algumas observações sobre a terminologia<br />

relacio<strong>na</strong><strong>da</strong> à previdência <strong>social</strong> encontra<strong>da</strong> nos diferentes idiomas pesquisados (espanhol,<br />

inglês, italiano e francês):<br />

1. Constituições dos países de língua espanhola:<br />

a) a expressão seguri<strong>da</strong>d <strong>social</strong> não corresponde exatamente à “Seguri<strong>da</strong>de Social” que<br />

consta de nossa Constituição Federal de 1988; em geral é utiliza<strong>da</strong> num sentido amplo<br />

(abrangendo a previdência <strong>social</strong> e a assistência <strong>social</strong> e algumas vezes também a saúde e<br />

a moradia), mas em alguns contextos aparece em sentido mais restrito, referindo-se ape<strong>na</strong>s<br />

à previdência <strong>social</strong>;<br />

b) algumas utilizam também a expressão seguros <strong>social</strong>es, neste caso indicando<br />

(*) Narlon Gutierre Nogueira, Auditor Fiscal <strong>da</strong> Receita Federal do Brasil, participante do Concurso Nacio<strong>na</strong>l de Teses e<br />

Monografi as <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Anfi p de Estudos <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social.<br />

173


diretamente a previdência <strong>social</strong>;<br />

174<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

c) os benefícios previdenciários são as jubilaciones (aposentadorias), pensiones<br />

(pensões) e os subsidios (referindo-se ora aos benefícios temporários - os “auxílios” - ora às<br />

aposentadorias);<br />

d) as contingências que dão origem aos benefícios são, de forma geral, assim referi<strong>da</strong>s:<br />

enferme<strong>da</strong>d, materni<strong>da</strong>d, riesgos del trabajo <strong>ou</strong> profesio<strong>na</strong>les, invalidez <strong>ou</strong> discapaci<strong>da</strong>d,<br />

desempleo (<strong>ou</strong> desocupación forzosa, paro forzoso <strong>ou</strong> cesantía), vejez e muerte.<br />

2. Constituições dos países de língua inglesa (<strong>ou</strong> de <strong>ou</strong>tros idiomas, mas cujos textos<br />

foram obtidos em língua inglesa):<br />

a) a previdência <strong>social</strong> é em sua maioria referi<strong>da</strong> como <strong>social</strong> security e, com menor<br />

freqüência, como <strong>social</strong> insurance;<br />

b) os benefícios são denomi<strong>na</strong>dos pensions (pensões, de forma genérica, abrangendo<br />

também aposentadorias) <strong>ou</strong> old age pensions (aposentadorias);<br />

c) as situações protegi<strong>da</strong>s: disease <strong>ou</strong> sickness <strong>ou</strong> illness (doença), invalidity disability<br />

<strong>ou</strong> disablement (invalidez), loss of breadwinner <strong>ou</strong> loss of a provider (morte do responsável<br />

pelo sustento <strong>da</strong> família), bring up children <strong>ou</strong> motherhood (<strong>na</strong>scimento, materni<strong>da</strong>de),<br />

unemployment (desemprego), old age (velhice).<br />

3. Constituições dos países de língua italia<strong>na</strong> e francesa:<br />

a) a previdência <strong>social</strong> é assistenza <strong>social</strong>e <strong>ou</strong> previdenza <strong>social</strong>e, em italiano, e sécurité<br />

<strong>social</strong>e, em francês.<br />

ARGENTINA<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

AMÉRICA LATINA<br />

a) O Estado assegurará os benefícios <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong> (seguri<strong>da</strong>d <strong>social</strong>), que terão<br />

caráter integral e irrenunciável.<br />

b) A lei estabelecerá o seguro <strong>social</strong> obrigatório, a cargo de instituições <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is <strong>ou</strong><br />

provinciais e tratará <strong>da</strong>s aposentadorias e pensões (jubilaciones y pensiones).<br />

c) O direito à previdência <strong>social</strong> aparece referido no artigo 14, dentro do Capítulo<br />

Primeiro (Declarações, Direitos e Garantias), com p<strong>ou</strong>co detalhamento, junto aos direitos<br />

dos trabalhadores.<br />

BOLÍVIA<br />

a) A seguri<strong>da</strong>d <strong>social</strong> é direito fun<strong>da</strong>mental de to<strong>da</strong> pessoa (artigo 7º).<br />

b) A seguri<strong>da</strong>d <strong>social</strong> é também dever fun<strong>da</strong>mental de todos, que devem colaborar com<br />

o Estado e com a socie<strong>da</strong>de para a sua consecução (artigo 8º).<br />

c) A seguri<strong>da</strong>d <strong>social</strong> é trata<strong>da</strong> no artigo 158, dentro do título referente ao Regime Social,<br />

de forma autônoma aos direitos dos trabalhadores, com um médio grau de detalhamento.


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

d) Subordi<strong>na</strong>-se aos princípios de universali<strong>da</strong>de, soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, uni<strong>da</strong>de de gestão<br />

economia, oportuni<strong>da</strong>de e efi cácia.<br />

e) Assegura-se a cobertura <strong>da</strong>s contingências de enfermi<strong>da</strong>de, materni<strong>da</strong>de, riscos<br />

profi ssio<strong>na</strong>is, invalidez, velhice, morte e desemprego, além <strong>da</strong> assistência familiar e moradia<br />

de interesse <strong>social</strong>.<br />

f) Não há regras específi cas relativas aos funcionários públicos, cujos direitos e deveres<br />

devem ser estabelecidos no Estatuto dos Funcionários Públicos.<br />

CHILE<br />

a) A previdência <strong>social</strong> é referi<strong>da</strong> no artigo 19, inciso nº 18, com p<strong>ou</strong>co detalhamento,<br />

porém como direito fun<strong>da</strong>mental assegurado a to<strong>da</strong>s as pessoas.<br />

b) A atuação do Estado será dirigi<strong>da</strong> a garantir o acesso ao gozo de prestações básicas<br />

uniformes, através de instituições públicas <strong>ou</strong> priva<strong>da</strong>s, sob a supervisão estatal.<br />

COLÔMBIA<br />

a) O Título II <strong>da</strong> Constituição colombia<strong>na</strong> trata dos direitos, deveres e garantias,<br />

subdividindo-se em dois capítulos: o primeiro voltado aos direitos fun<strong>da</strong>mentais e o segundo<br />

aos direitos sociais, econômicos e culturais. Neste encontra-se o artigo 48, voltado à<br />

seguri<strong>da</strong>d <strong>social</strong>.<br />

b) A seguri<strong>da</strong>d <strong>social</strong> é um direito irrenunciável, garantido a todos os habitantes.<br />

c) É um serviço público obrigatório, podendo ser prestado por enti<strong>da</strong>des públicas <strong>ou</strong><br />

priva<strong>da</strong>s, sob a direção, coorde<strong>na</strong>ção e controle do Estado, sujeitando-se aos princípios <strong>da</strong><br />

efi ciência, universali<strong>da</strong>de e soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de. Seus recursos não podem ser desti<strong>na</strong>dos a <strong>ou</strong>tras<br />

fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>des.<br />

d) A lei deve defi nir meios para que as prestações (pensiones) mantenham o seu poder<br />

aquisitivo.<br />

COSTA RICA<br />

a) O artigo 73, inserido no título dos Direitos e Garantias Sociais, trata <strong>da</strong> previdência<br />

<strong>social</strong> (seguros <strong>social</strong>es).<br />

b) A previdência <strong>social</strong> será fi <strong>na</strong>ncia<strong>da</strong> por contribuição obrigatória do Estado, dos<br />

empregadores e dos trabalhadores, com a fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>de de proteção contra os riscos de<br />

enfermi<strong>da</strong>de, invalidez, materni<strong>da</strong>de, velhice e morte.<br />

c) A administração <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong> será de responsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Caixa Costarriquense<br />

de Seguro Social e seus recursos não poderão ser utilizados para fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>des distintas.<br />

d) Os seguros contra riscos profi ssio<strong>na</strong>is (<strong>ou</strong> acidentes de trabalho) serão de<br />

responsabili<strong>da</strong>de exclusiva dos empregadores e regidos por disposições especiais.<br />

CUBA<br />

a) Os artigos 47 a 49, inseridos no capítulo relativo aos direitos, deveres e garantias<br />

fun<strong>da</strong>mentais, tratam <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong>, assistência <strong>social</strong> e proteção ao trabalhador.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

175


176<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

b) O Estado deve garantir a proteção aos trabalhadores incapacitados por i<strong>da</strong>de, invalidez<br />

<strong>ou</strong> enfermi<strong>da</strong>de, bem como a suas famílias, em caso de morte.<br />

c) Os idosos sem recursos devem ser atendidos pela assistência <strong>social</strong>.<br />

d) Aos trabalhadores incapacitados por acidente de trabalho <strong>ou</strong> enfermi<strong>da</strong>de profi ssio<strong>na</strong>l<br />

assegura-se auxílio temporário <strong>ou</strong> aposentadoria.<br />

EQUADOR<br />

a) A Constituição equatoria<strong>na</strong> dedica to<strong>da</strong> uma seção à seguri<strong>da</strong>d <strong>social</strong> (artigos 55 a<br />

61), onde o direito à previdência <strong>social</strong> é tratado com alto grau de detalhamento.<br />

b) A seguri<strong>da</strong>d <strong>social</strong> é estabeleci<strong>da</strong> como um dever do Estado e direito irrenunciável<br />

e imprescritível de todos os habitantes e rege-se pelos princípios <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de,<br />

obrigatorie<strong>da</strong>de, universali<strong>da</strong>de, eqüi<strong>da</strong>de, efi ciência, subsidiarie<strong>da</strong>de e sufi ciência.<br />

c) A previdência geral obrigatória cobrirá as necessi<strong>da</strong>des de enfermi<strong>da</strong>de, materni<strong>da</strong>de,<br />

riscos do trabalho, desemprego, velhice, invalidez, incapaci<strong>da</strong>de e morte. Sua proteção deve<br />

ser estendi<strong>da</strong> progressivamente a to<strong>da</strong> a população urba<strong>na</strong> e rural, com relação de emprego<br />

<strong>ou</strong> não.<br />

d) A previdência geral obrigatória é de responsabili<strong>da</strong>de do Instituto Equatoriano<br />

de Seguri<strong>da</strong>de Social, enti<strong>da</strong>de sob a direção triparti<strong>da</strong> e paritária dos segurados, dos<br />

empregadores e do Estado. Seus recursos devem ser separados do Estado e aplicados no<br />

mercado fi <strong>na</strong>nceiro, sujeitos aos princípios <strong>da</strong> efi ciência, segurança e rentabili<strong>da</strong>de.<br />

e) Os benefícios previdenciários não podem ser objeto de cessão, penhora <strong>ou</strong> retenção,<br />

salvo para o pagamento de prestações alimentares <strong>ou</strong> obrigações com a instituição<br />

seguradora. Não podem ser criados novos benefícios <strong>ou</strong> melhorados os benefícios existentes<br />

sem a devi<strong>da</strong> fonte de custeio, segundo estudos atuariais. Os proventos <strong>da</strong>s aposentadorias<br />

deverão ser reajustados anualmente.<br />

f) Estabelece um regime especial de previdência para os trabalhadores rurais e pescadores<br />

artesa<strong>na</strong>is, fi <strong>na</strong>nciado soli<strong>da</strong>riamente por contribuições do sistema <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l de seguri<strong>da</strong>de<br />

<strong>social</strong> e por dotações orçamentárias estatais.<br />

g) Prevê a previdência complementar facultativa, para cobertura de necessi<strong>da</strong>des não<br />

protegi<strong>da</strong>s pela previdência geral obrigatória <strong>ou</strong> melhoria de suas prestações.<br />

h) Encontram-se também <strong>na</strong>s Disposições Transitórias regras tratando <strong>da</strong> criação de<br />

uma comissão interventora com a fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>de de iniciar um processo de transformação e<br />

racio<strong>na</strong>lização <strong>da</strong> estrutura do Instituto Equatoriano de Seguri<strong>da</strong>de Social, bem como de<br />

critérios para o pagamento <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> do governo <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l com o Instituto.<br />

MÉXICO<br />

a) A Constituição mexica<strong>na</strong>, que teve o mérito de ser a primeira no mundo a tratar dos<br />

direitos sociais, trata em seu artigo 123 dos direitos trabalhistas e também do direito à<br />

previdência <strong>social</strong>.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

b) A previdência <strong>social</strong> volta<strong>da</strong> aos trabalhadores do setor privado deve abranger a<br />

proteção à invalidez, velhice, vi<strong>da</strong>, interrupção involuntária do trabalho, enfermi<strong>da</strong>des e<br />

acidentes.<br />

c) Semelhantemente, assegura-se aos trabalhadores do serviço público proteção contra<br />

acidentes e enfermi<strong>da</strong>des profi ssio<strong>na</strong>is, enfermi<strong>da</strong>des não profi ssio<strong>na</strong>is, materni<strong>da</strong>de,<br />

aposentadoria, invalidez, velhice e morte.<br />

PARAGUAI<br />

a) A Constituição paraguaia contém dois artigos que tratam do direito à previdência<br />

<strong>social</strong>, dentro do capítulo dos direitos trabalhistas: o artigo 95 voltado aos trabalhadores<br />

privados e o artigo 103 aos funcionários e empregados públicos.<br />

b) O artigo 95 estabelece o sistema obrigatório e integral de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, fornecido<br />

por instituições públicas <strong>ou</strong> priva<strong>da</strong>s, sob a supervisão do Estado. Ve<strong>da</strong> o desvio de seus<br />

recursos para <strong>ou</strong>tras fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>des.<br />

c) O artigo 103 defi ne que a lei deve regular o regime previdenciário dos servidores<br />

públicos. Garante a atualização dos proventos de aposentadoria pelos mesmos critérios<br />

adotados para os funcionários públicos em ativi<strong>da</strong>de.<br />

PERU<br />

a) Reconhece, dentre os direitos sociais e econômicos, o direito universal e progressivo<br />

de to<strong>da</strong>s as pessoas à seguri<strong>da</strong>d <strong>social</strong>, sem maior detalhamento (artigo 10).<br />

b) Prevê o acesso aos benefícios através de enti<strong>da</strong>des públicas <strong>ou</strong> priva<strong>da</strong>s e ve<strong>da</strong><br />

desvio de seus recursos (artigos 11 e 12).<br />

URUGUAI<br />

a) Reconhece em seu artigo 67 o direito dos trabalhadores à previdência <strong>social</strong>, nos<br />

casos de acidentes, enfermi<strong>da</strong>de, invalidez, desemprego, aposentadoria por i<strong>da</strong>de avança<strong>da</strong><br />

e pensão por morte a suas famílias.<br />

b) Prevê que os proventos <strong>da</strong>s aposentadorias e pensões deverão ser reajustados de<br />

acordo com a variação do índice médio dos salários e se efetuarão <strong>na</strong>s mesmas oportuni<strong>da</strong>des<br />

e valores estabelecidos para o aumento <strong>da</strong>s remunerações dos servidores do Governo<br />

Central.<br />

c) O fi <strong>na</strong>nciamento <strong>da</strong>s prestações se <strong>da</strong>rá através de contribuições dos trabalhadores, dos<br />

empregados, por <strong>ou</strong>tros tributos e pela assistência fi <strong>na</strong>nceira do Estado, se necessário.<br />

VENEZUELA<br />

a) O direito à previdência <strong>social</strong> encontra-se no capítulo dos direitos sociais, nos artigos<br />

80, 86 e 88.<br />

b) As aposentadorias e pensões dos idosos não podem ser inferiores ao salário mínimo<br />

urbano.<br />

c) To<strong>da</strong> pessoa tem direito à seguri<strong>da</strong>d <strong>social</strong> como serviço público de caráter não<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

177


178<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

lucrativo, que garanta a saúde e assegure proteção em contingências de materni<strong>da</strong>de,<br />

paterni<strong>da</strong>de, enfermi<strong>da</strong>de, invalidez, acidente de trabalho, desemprego, viuvez e<br />

orfan<strong>da</strong>de.<br />

d) A efetivi<strong>da</strong>de do sistema de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> é obrigação do Estado, com caráter<br />

universal, integral, de fi <strong>na</strong>nciamento solidário, unitário, efi ciente e participativo. A ausência<br />

de capaci<strong>da</strong>de contributiva não implica em exclusão <strong>da</strong> proteção pela seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. Os<br />

recursos não podem ser utilizados em <strong>ou</strong>tra fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>de.<br />

e) As do<strong>na</strong>s de casa têm direito à seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, <strong>na</strong> forma <strong>da</strong> lei.<br />

f) Lei <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l estabelecerá o regime previdenciário dos funcionários públicos ve<strong>da</strong><strong>da</strong> à<br />

acumulação de aposentadorias e pensões (artigos 147 e 148).<br />

CANADÁ<br />

AMÉRICA ANGLO-SAXÔNICA<br />

a) Na Constituição do Ca<strong>na</strong>dá o direito à previdência <strong>social</strong> é referido ape<strong>na</strong>s no artigo<br />

94A, inserido dentro do capítulo que trata <strong>da</strong> distribuição <strong>da</strong> competência legislativa entre o<br />

Parlamento e as Assembléias Legislativas <strong>da</strong>s províncias.<br />

b) Compete ao Parlamento aprovar leis relacio<strong>na</strong><strong>da</strong>s às aposentadorias (old age pensions)<br />

e aos demais benefícios, incluí<strong>da</strong>s as pensões (survivors) e benefícios por incapaci<strong>da</strong>de<br />

(disability benefi ts), ressalvando-se que tais leis não podem afetar a vigência de <strong>ou</strong>tras<br />

adota<strong>da</strong>s pelas Assembléias Legislativas.<br />

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA - EUA<br />

a) A Constituição dos Estados Unidos não possui nenhuma previsão relativa ao direito à<br />

previdência <strong>social</strong>.<br />

b) Tal fato se explica, uma vez que sua <strong>constituição</strong> <strong>da</strong>ta do fi <strong>na</strong>l do século XVIII,<br />

num período marcado pelo liberalismo, e foi, juntamente com a francesa, a precursora do<br />

constitucio<strong>na</strong>lismo moderno. Nessa época os direitos civis começavam a ser tutelados pelos<br />

orde<strong>na</strong>mentos jurídicos, ao passo em que os direitos sociais ain<strong>da</strong> eram ignorados.<br />

ALEMANHA<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

EUROPA<br />

a) A Constituição <strong>da</strong> Alemanha de 1949 não seguiu o mesmo caminho <strong>da</strong> Constituição<br />

de Weimar de 1919, optando pelo não detalhamento dos direitos sociais. Dessa forma, há<br />

ape<strong>na</strong>s algumas p<strong>ou</strong>cas referências à previdência <strong>social</strong>.<br />

b) Dentro do capítulo que trata <strong>da</strong> repartição <strong>da</strong> competência legislativa, o artigo 74,<br />

inciso 12 insere no âmbito <strong>da</strong> competência legislativa concorrente <strong>da</strong> Federação e dos<br />

Estados Federais a legislação trabalhista (labor law) e a previdência <strong>social</strong> (<strong>social</strong> security).<br />

É também de competência concorrente a legislação referente às aposentadorias (pensions)


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

dos servidores públicos, nos termos do artigo 74A.<br />

c) Dentro do capítulo relativo à execução <strong>da</strong>s leis federais e à Administração Federal,<br />

o artigo 87 trata <strong>da</strong> competência pela administração e supervisão <strong>da</strong>s instituições de<br />

previdência <strong>social</strong> (<strong>social</strong> insurance institutions), a ser exerci<strong>da</strong> por organização federal <strong>ou</strong><br />

estadual, dependendo <strong>da</strong> sua abrangência.<br />

ÁUSTRIA<br />

a) A Constituição austríaca limita-se a estabelecer a competência legislativa e executiva<br />

<strong>da</strong> Federação sobre o seguro <strong>social</strong> (<strong>social</strong> insurance), em seu artigo 10, inciso 11.<br />

BÉLGICA<br />

a) O artigo 23 <strong>da</strong> Constituição belga afi rma que todos têm direito a uma vi<strong>da</strong> com<br />

digni<strong>da</strong>de, cabendo às leis garantir os direitos econômicos, sociais e culturais e determi<strong>na</strong>r<br />

as condições para o seu exercício. Dentre esses direitos inclui-se a previdência <strong>social</strong> (<strong>social</strong><br />

security).<br />

ESPANHA<br />

a) A Constituição espanhola estabelece que os poderes públicos manterão um regime<br />

público de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> para todos os ci<strong>da</strong>dãos, que garanta a assistência e prestações<br />

sociais sufi cientes ante situações de necessi<strong>da</strong>de, especialmente em caso de desemprego<br />

(artigo 41).<br />

b) Interessante notar que esse dispositivo encontra-se inserido no Título I (dos direitos<br />

e deveres fun<strong>da</strong>mentais), em seu capítulo terceiro (dos princípios diretores <strong>da</strong> política<br />

<strong>social</strong> e econômica). O artigo 53, inciso 3, que trata <strong>da</strong>s garantias <strong>da</strong>s liber<strong>da</strong>des e direitos<br />

fun<strong>da</strong>mentais determi<strong>na</strong> que o reconhecimento, o respeito e a proteção dos princípios<br />

inseridos <strong>na</strong>quele capítulo informarão a legislação positiva, a prática judicial e a atuação dos<br />

poderes públicos, podendo ser alegados perante a jurisdição ordinária nos termos <strong>da</strong>s leis<br />

que os regulem.<br />

FINLÂNDIA<br />

a) Dentre os direitos fun<strong>da</strong>mentais, a Constituição fi nlandesa destaca o direito à<br />

previdência <strong>social</strong> (<strong>social</strong> security) em seu artigo 19.<br />

b) Todos que não possam obter os meios necessários para uma vi<strong>da</strong> dig<strong>na</strong> têm o direito<br />

de receber a indispensável subsistência e cui<strong>da</strong>do. Cabe ao poder público assegurar a<br />

assistência básica nos eventos de desemprego, doença, incapaci<strong>da</strong>de, velhice, materni<strong>da</strong>de<br />

<strong>ou</strong> morte.<br />

FRANÇA<br />

a) A Constituição francesa trata <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong> (sécurité <strong>social</strong>e) ape<strong>na</strong>s para<br />

defi nir a competência do Parlamento para votar as leis que estabeleçam os seus princípios<br />

fun<strong>da</strong>mentais e regras de fi <strong>na</strong>nciamento (artigos 34, 39 e 47-1).<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

179


180<br />

GRÉCIA<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

a) O artigo 22 <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> Grécia estabelece que o Estado deverá prover o direito<br />

dos trabalhadores à previdência <strong>social</strong>, nos termos <strong>da</strong> lei.<br />

ITÁLIA<br />

a) O artigo 38 <strong>da</strong> Constituição italia<strong>na</strong>, dentro do título que trata <strong>da</strong>s relações econômicas,<br />

defi ne que todo ci<strong>da</strong>dão incapaz para o trabalho e desprovido dos meios necessários para<br />

sua subsistência tem direito à manutenção e à previdência <strong>social</strong> (assistenza <strong>social</strong>e).<br />

b) Os trabalhadores têm direito à assistência nos casos de infortúnio, doença, invalidez,<br />

velhice e desemprego involuntário (infortúnio, malattia, invaliditá, vecchiaia e disoccupazione<br />

involontaria). Esses encargos são de responsabili<strong>da</strong>de estatal, porém a assistência priva<strong>da</strong><br />

é livre.<br />

PORTUGAL<br />

a) A Constituição de Portugal (uma <strong>da</strong>s principais fontes de inspiração de nossa<br />

Constituição de 1988) consagra entre seus princípios fun<strong>da</strong>mentais a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa<br />

huma<strong>na</strong> (artigo 1º) e a realização <strong>da</strong> democracia <strong>social</strong> (artigo 2º).<br />

b) Todos têm direito à previdência <strong>social</strong> (segurança <strong>social</strong>), nos termos do artigo 63.<br />

c) Compete ao Estado organizar, com a participação dos trabalhadores e demais<br />

benefi ciários, o sistema de segurança <strong>social</strong>, que protegerá os ci<strong>da</strong>dãos <strong>na</strong> doença, velhice,<br />

invalidez, viuvez e orfan<strong>da</strong>de, bem como no desemprego e em <strong>ou</strong>tras situações de falta <strong>ou</strong><br />

diminuição dos meios de subsistência <strong>ou</strong> de capaci<strong>da</strong>de para o trabalho.<br />

d) As pensões de velhice e invalidez são calcula<strong>da</strong>s de acordo com o tempo de trabalho,<br />

independentemente do setor em que tenha sido prestado.<br />

e) O Estado apoiará e fi scalizará a ativi<strong>da</strong>de e o funcio<strong>na</strong>mento de instituições particulares<br />

de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de <strong>social</strong>.<br />

RÚSSIA<br />

a) A Constituição russa estabelece em seu artigo 39 que todos têm direito à previdência<br />

<strong>social</strong> nos casos de velhice, doença, invalidez, morte, materni<strong>da</strong>de e em <strong>ou</strong>tras situações<br />

estabeleci<strong>da</strong>s em lei.<br />

b) As aposentadorias e os benefícios sociais serão estabelecidos em lei.<br />

SUÉCIA<br />

a) A Constituição <strong>da</strong> Suécia não é forma<strong>da</strong> por um documento único, mas sim por um<br />

conjunto de leis fun<strong>da</strong>mentais (fun<strong>da</strong>mental laws) aprova<strong>da</strong>s em diferentes períodos de sua<br />

história.<br />

b) A lei fun<strong>da</strong>mental The Instrument of Government defi ne como objetivo fun<strong>da</strong>mental do<br />

poder público assegurar o bem-estar (welfare) pessoal, econômico e cultural dos indivíduos,<br />

estabelecendo a previdência <strong>social</strong> (<strong>social</strong> security) como um dos instrumentos sob a sua<br />

responsabili<strong>da</strong>de (artigo 2º).<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


SUÍÇA<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

a) A Constituição <strong>da</strong> Suíça trata do direito à previdência <strong>social</strong> com alto grau de<br />

detalhamento, especialmente em seus artigos 111 a 117.<br />

b) Asseguram-se como direitos fun<strong>da</strong>mentais a digni<strong>da</strong>de huma<strong>na</strong> (artigo 7º) e o auxílio<br />

e a assistência a quem se encontre em situação de necessi<strong>da</strong>de e não tenha condições de<br />

prover sua própria subsistência (artigo 12).<br />

c) A Confederação e os Cantões devem empenhar-se para que todos sejam segurados<br />

contra as conseqüências econômicas <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de, invalidez, doença, acidente, desemprego,<br />

materni<strong>da</strong>de, orfan<strong>da</strong>de e viuvez. Porém, essa disposição encontra-se no artigo 41, relativo<br />

aos objetivos sociais, que recebem um tratamento distinto dos direitos fun<strong>da</strong>mentais civis<br />

e dos direitos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e direitos políticos; tais objetivos sociais são buscados pela<br />

Confederação e pelos Cantões no âmbito de suas competências constitucio<strong>na</strong>is e no limite<br />

dos recursos fi <strong>na</strong>nceiros disponíveis e deles não ema<strong>na</strong>m direitos diretos a prestações<br />

estatais.<br />

d) O sistema previdenciário suíço encontra-se assentado em três pilares (artigo 111): a<br />

previdência federal de velhice, sobreviventes e inválidos (l´assicurazione federale vecchiaia,<br />

superstiti e invaliditá); a previdência profi ssio<strong>na</strong>l (la previdenza professio<strong>na</strong>le) e a previdência<br />

priva<strong>da</strong> (la previdenza individuale).<br />

e) A previdência de velhice, sobreviventes e inválidos (artigo 112) é regula<strong>da</strong> pela<br />

Confederação e observa os seguintes princípios: é obrigatória; deve cobrir o necessário<br />

para a subsistência; o provento máximo não pode exceder o dobro do provento mínimo; os<br />

proventos devem ser reajustados de forma a observar, no mínimo, a evolução dos preços.<br />

f) Seu fi <strong>na</strong>nciamento é feito por contribuições dos segurados, dos empregadores, <strong>da</strong><br />

Confederação e, se a lei assim o estabelecer, dos Cantões. A contribuição <strong>da</strong> Confederação<br />

não pode ultrapassar a metade <strong>da</strong>s despesas e é coberta, em primeiro lugar, pela receita<br />

oriun<strong>da</strong> dos impostos sobre tabaco, bebi<strong>da</strong>s destila<strong>da</strong>s e cassinos.<br />

g) A previdência profi ssio<strong>na</strong>l (artigo 113) é obrigatória para os trabalhadores e<br />

complementa a previdência de velhice, sobreviventes e inválidos <strong>na</strong> manutenção do padrão<br />

de vi<strong>da</strong> habitual. É contrata<strong>da</strong> pelos empregadores junto a instituições de previdência,<br />

podendo ser esta <strong>da</strong> Confederação, e o seu custeio é partilhado entre os segurados e os<br />

empregadores. Para os profi ssio<strong>na</strong>is liberais a previdência profi ssio<strong>na</strong>l pode ser obrigatória<br />

<strong>ou</strong> facultativa, conforme dispuser a Confederação.<br />

h) A Confederação pode impor aos Cantões a concessão de incentivos fi scais relativos<br />

às instituições responsáveis pela previdência de velhice, sobreviventes e inválidos e pela<br />

previdência profi ssio<strong>na</strong>l.<br />

i) A Confederação e os Cantões devem incentivar a previdência priva<strong>da</strong>, através de<br />

medi<strong>da</strong>s de política fi scal e <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

181


182<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

j) Além dos três pilares básicos, o sistema previdenciário suíço contempla também<br />

disposições sobre o seguro-desemprego (artigo 114), a assistência aos indigentes (artigo<br />

115), a assistência à família e o seguro-materni<strong>da</strong>de (artigo 116) e o seguro contra doença<br />

e acidentes (artigo 117).<br />

k) O artigo 196 contém duas disposições transitórias relativas à previdência <strong>social</strong>: a<br />

obrigação dos Cantões contribuírem para o fi <strong>na</strong>nciamento de prestações complementares<br />

<strong>da</strong> previdência de velhice, sobreviventes e inválidos <strong>da</strong> Confederação, enquanto esta não<br />

cobrir o mínimo vital (parágrafo 10); regra de transição que assegura uma proteção mínima,<br />

pelo período de 10 a <strong>20</strong> <strong>anos</strong>, aos segurados que pertencem à geração inicial <strong>da</strong> previdência<br />

profi ssio<strong>na</strong>l.<br />

TURQUIA<br />

a) A Constituição turca trata do direito à previdência <strong>social</strong> nos artigos 60 e 61, com uma<br />

seção inseri<strong>da</strong> no capítulo dos direitos e deveres econômicos e sociais, estes inseridos no<br />

título dos direitos e deveres fun<strong>da</strong>mentais.<br />

b) Todos têm o direito à previdência <strong>social</strong>, devendo o Estado adotar as providências<br />

necessárias para o seu estabelecimento e organização.<br />

c) É garanti<strong>da</strong> especial proteção pela previdência <strong>social</strong> às viúvas e órfãos dos mortos<br />

em guerra <strong>ou</strong> no cumprimento do dever, aos combatentes que tenham se incapacitado <strong>na</strong><br />

guerra, aos inválidos em geral, aos idosos e às crianças desampara<strong>da</strong>s.<br />

ÁFRICA DO SUL<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

ÁFRICA<br />

a) A Constituição <strong>da</strong> África do Sul mencio<strong>na</strong> em sua declaração de direitos (bill of rights)<br />

o direito à previdência <strong>social</strong> no artigo 27, porém sem maior detalhamento.<br />

ANGOLA<br />

a) Em 1992 foi aprova<strong>da</strong> a Lei de Revisão Constitucio<strong>na</strong>l de Angola, que revis<strong>ou</strong> a<br />

Constituição de 1975, prevendo a sua permanência em vigor até a aprovação <strong>da</strong> nova<br />

Constituição <strong>da</strong> República de Angola, o que não ocorreu até a presente <strong>da</strong>ta.<br />

b) Embora o país permaneça numa situação de miséria, corrupção e desorganização<br />

política e <strong>social</strong>, o artigo 47 <strong>da</strong> Lei de Revisão Constitucio<strong>na</strong>l prevê que o Estado adote<br />

as medi<strong>da</strong>s necessárias para assegurar aos ci<strong>da</strong>dãos o direito à assistência <strong>na</strong> infância,<br />

<strong>na</strong> materni<strong>da</strong>de, <strong>na</strong> invalidez, <strong>na</strong> velhice e em qualquer situação de incapaci<strong>da</strong>de para o<br />

trabalho. È permiti<strong>da</strong> à iniciativa particular e cooperativa no domínio <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong>.<br />

MOÇAMBIQUE<br />

a) O artigo 95 <strong>da</strong> Constituição de Moçambique contém a previsão limita<strong>da</strong> e genérica de<br />

que todos os ci<strong>da</strong>dãos têm direito à assistência em caso de incapaci<strong>da</strong>de e <strong>na</strong> velhice e de<br />

que o Estado promove e encoraja a criação de condições para a realização desse direito.


CHINA<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

ÁSIA<br />

a) O artigo 45 <strong>da</strong> Constituição chinesa prevê o direito à assistência do Estado e <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de para os idosos, doentes e incapazes. O Estado desenvolverá a previdência <strong>social</strong><br />

(<strong>social</strong> insurance).<br />

b) Trata em especial do sustento dos membros <strong>da</strong>s forças arma<strong>da</strong>s que se tor<strong>na</strong>rem<br />

incapazes e do direito à pensão às suas famílias, quando falecerem.<br />

ÍNDIA<br />

a) A Constituição india<strong>na</strong>, em seu artigo 41, prevê o direito à assistência pública (public<br />

assistance) nos casos de desemprego, velhice, doença <strong>ou</strong> incapaci<strong>da</strong>de.<br />

ISRAEL<br />

a) O Estado de Israel não possui uma Constituição forma<strong>da</strong> por um texto único. Entre<br />

1958 e <strong>20</strong>01 foram aprova<strong>da</strong>s pelo parlamento (Knesset) as suas nove leis fun<strong>da</strong>mentais<br />

(basic laws).<br />

b) Em pesquisa a essas leis fun<strong>da</strong>mentais, em especial <strong>na</strong> Human Dignity and Liberty<br />

(1992) e <strong>na</strong> Freedom of Occupation (1994) não foi identifi ca<strong>da</strong> nenhuma previsão relativa ao<br />

direito à previdência <strong>social</strong>.<br />

JAPÃO<br />

a) O artigo 25 <strong>da</strong> Constituição japonesa estabelece que o Estado deverá empenhar-se<br />

<strong>na</strong> promoção e <strong>na</strong> extensão do bem-estar <strong>social</strong>, <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong> e <strong>da</strong> saúde pública.<br />

AUSTRÁLIA<br />

OCEANIA<br />

a) O artigo 51 <strong>da</strong> Constituição australia<strong>na</strong> estabelece a competência do Parlamento<br />

para legislar sobre aposentadoria dos idosos e inválidos (inciso XXIII), bem como benefícios<br />

relativos à materni<strong>da</strong>de, viúvas, desempregados e doentes (inciso XXIIIa).<br />

b) O artigo 84 contém disposições sobre a responsabili<strong>da</strong>de fi <strong>na</strong>nceira <strong>da</strong> Comuni<strong>da</strong>de<br />

(Commonwealth) e dos Estados, em relação à aposentadoria <strong>ou</strong> pensão de funcionários<br />

públicos cedidos <strong>ou</strong> transferidos.<br />

183


184<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

12. Assistência Social - Critérios e requisitos para a concessão<br />

do benefício de prestação continua<strong>da</strong> à pessoa portadora de<br />

INTRODUÇÃO<br />

defi ciência e ao idoso<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

Tatiane Muncinelli*<br />

A partir do momento que se toma conhecimento <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de sustentar-se, também<br />

surge a preocupação com o acaso. Foi este sentimento que fez com que o homem tomasse<br />

medi<strong>da</strong>s de assistência e previdência <strong>social</strong>, com o intuito de assegurar a seus desti<strong>na</strong>tários<br />

a proteção contra problemas individuais, que passaram a ser enfrentados pela coletivi<strong>da</strong>de.<br />

Diante de tal preocupação, o Estado pôde perceber as necessi<strong>da</strong>des de garantia ao<br />

indivíduo, e assim percebeu-se também a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> criação de uma assistência<br />

<strong>social</strong>.<br />

Destarte, o objetivo deste trabalho é exami<strong>na</strong>r a abrangência, a quali<strong>da</strong>de e a efi cácia <strong>da</strong><br />

assistência <strong>social</strong>, discutindo os critérios e requisitos aplicados <strong>na</strong> concessão do benefício<br />

assistencial de prestação continua<strong>da</strong>.<br />

Para tanto, faz-se necessária uma breve abor<strong>da</strong>gem do histórico <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social<br />

no Brasil e no mundo, enfocando, principalmente, a Assistência Social. Deste modo, será<br />

apresenta<strong>da</strong>, no primeiro capítulo, de forma sucinta, a evolução <strong>da</strong> proteção <strong>social</strong> desde a<br />

antigui<strong>da</strong>de até a atual Constituição Federal Brasileira.<br />

O segundo capítulo adentra à Constituição Federal de 1988 e passa a tratar dos direitos<br />

fun<strong>da</strong>mentais sociais, dentre eles o direito à assistência <strong>social</strong>, que vem intimamente ligado<br />

ao princípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa huma<strong>na</strong>, pois, para garantir a condição <strong>social</strong> necessária<br />

a uma vi<strong>da</strong> dig<strong>na</strong>, o Estado através <strong>da</strong> Constituição Federal, cri<strong>ou</strong> a Assistência Social,<br />

garanti<strong>da</strong> nos arts. <strong>20</strong>3 e <strong>20</strong>4, os quais garantem ao portador de defi ciência <strong>ou</strong> idoso que<br />

comprovar não possuir meios de prover sua própria manutenção <strong>ou</strong> de tê-la provi<strong>da</strong> por sua<br />

família, a quantia de um salário mínimo mensal, conforme dispõe a lei.<br />

O terceiro capítulo faz uma breve distinção entre previdência <strong>social</strong>, saúde e assistência<br />

<strong>social</strong>, enfoque principal deste trabalho de conclusão de curso, tendo, portanto, dedicado<br />

todo quarto capítulo à sua conceituação, e à apresentação dos seus objetivos, princípios,<br />

diretrizes, organização, custeio e algumas <strong>da</strong>s políticas sociais desenvolvi<strong>da</strong>s com programas<br />

e benefícios.<br />

(*)Tatiane Muncinelli, Advoga<strong>da</strong>, trabalho de conclusão de curso no Centro Universitário Curitiba UNICURITIBA, apresentado<br />

em <strong>20</strong>08. Publicação autoriza<strong>da</strong> pela autora.


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

A Assistência Social representa uma tentativa <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de de facilitar, a seus membros<br />

sociais mais fracos, um complemento à insufi ciente satisfação de sua necessi<strong>da</strong>de, buscando,<br />

desta forma, uma oportuni<strong>da</strong>de de se igualar aos demais.<br />

As prestações de assistência <strong>social</strong> são desti<strong>na</strong><strong>da</strong>s aos indivíduos sem condições de prover<br />

o seu próprio sustento de forma permanente <strong>ou</strong> provisória, independentemente <strong>da</strong> exigência<br />

de contribuição para o sistema de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. Inicialmente, a responsabili<strong>da</strong>de pelo<br />

sustento destas pessoas é do círculo familiar e, somente quando existir a impossibili<strong>da</strong>de<br />

deste sustento a responsabili<strong>da</strong>de passa a ser, então, do Poder Público. Portanto, somente<br />

haverá direito às prestações assistenciais se não h<strong>ou</strong>ver meios próprios <strong>ou</strong> familiares de<br />

sustento <strong>da</strong> pessoa portadora de defi ciência <strong>ou</strong> idosa.<br />

O derradeiro capítulo tem por propósito tratar especifi camente sobre o benefício de<br />

prestação continua<strong>da</strong> concedido ao idoso <strong>ou</strong> ao portador de defi ciência, que não possui<br />

meios de prover a sua própria subsistência <strong>ou</strong> de tê-la provi<strong>da</strong> por sua família, garantindo a<br />

eles a quantia de um salário mínimo mensal.<br />

A Lei n° 8.742, de 07 de dezembro de 1993, regulament<strong>ou</strong> o art. <strong>20</strong>3 <strong>da</strong> Constituição<br />

Federal, dispondo sobre a organização <strong>da</strong> Assistência Social. Sendo que, o Decreto n°<br />

1.744, de 08 de dezembro de 1995, regulamenta o benefício de prestação continua<strong>da</strong><br />

devido à pessoa portadora de defi ciência e ao idoso, de que trata a lei mencio<strong>na</strong><strong>da</strong>.<br />

Assim, a presente monografi a tem por escopo apresentar e discutir os requisitos para a<br />

concessão do benefício assistencial de prestação continua<strong>da</strong> ao portador de defi ciência e ao<br />

idoso, bem como apresentar <strong>da</strong>dos sobre a Previdência e Assistência Social e demonstrar<br />

o atual posicio<strong>na</strong>mento dos tribu<strong>na</strong>is no que diz respeito à concessão do benefício em<br />

questão.<br />

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SEGURIDADE SOCIAL<br />

PROTEÇÃO SOCIAL NA ANTIGÜIDADE<br />

Desde os primórdios, o homem parece demonstrar sua preocupação com o futuro,<br />

principalmente com os riscos sociais a que estava exposto. O princípio <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de<br />

<strong>social</strong> também sempre esteve presente, uma vez que o homem vivendo em socie<strong>da</strong>de, muitas<br />

vezes expunha-se ao perigo para proteger um companheiro <strong>ou</strong> to<strong>da</strong> a sua comuni<strong>da</strong>de,<br />

como quando um indivíduo arriscava-se a ser contami<strong>na</strong>do por doenças contagiosas, como<br />

peste negra, somente pela soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de de prestar assistência aos que necessitavam. Desta<br />

forma, <strong>na</strong>sceram medi<strong>da</strong>s de assistência e de previdência <strong>social</strong>, demonstrando, assim, que<br />

o princípio <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de <strong>social</strong> estava presente, para assegurar a seus desti<strong>na</strong>tários<br />

a proteção contra alguns riscos, modo por que se perseguia então, mesmo que de forma<br />

gradual e com certo custo, a segurança <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> em socie<strong>da</strong>de, mesmo porque, os riscos<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

185


186<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

sociais a que estavam expostos, vulnerava a própria socie<strong>da</strong>de, sempre refl etindo nela<br />

mesma 1 .<br />

As primeiras manifestações de proteção <strong>social</strong> aparecem <strong>na</strong>s socie<strong>da</strong>des roma<strong>na</strong>s e<br />

gregas <strong>da</strong> Antigüi<strong>da</strong>de, <strong>na</strong>s quais se encontram referências às associações de pessoas que,<br />

mediante contribuições de seus membros, aju<strong>da</strong>vam os mais necessitados 2 .<br />

Passados alguns séculos, as socie<strong>da</strong>des roma<strong>na</strong>s e gregas, devido à sua decadência,<br />

deram lugar aos reinos bárbaros e ao feu<strong>da</strong>lismo. Neste período, tem-se o aparecimento <strong>da</strong>s<br />

associações de artesãos, chama<strong>da</strong>s guil<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>s corporações de ofícios. Estas associações<br />

e corporações deram um esboço do que seria a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, não obstante lhe faltasse<br />

o cunho estatal e a compulsorie<strong>da</strong>de do seguro <strong>social</strong> moderno. Entretanto, tais formas de<br />

proteção do trabalhador estavam longe de mol<strong>da</strong>r um sistema apoiado <strong>na</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de,<br />

pois não eram endereça<strong>da</strong>s a to<strong>da</strong> uma classe <strong>ou</strong> categoria <strong>da</strong> população, nem mesmo a<br />

uma determi<strong>na</strong><strong>da</strong> profi ssão 3 .<br />

A SEGURIDADE SOCIAL E A REVOLUÇÃO FRANCESA<br />

Até o eclodir <strong>da</strong> Revolução Francesa, as duas formas, pois, de assistência pública e<br />

de benefi cência, agiam de maneira descompromissa<strong>da</strong>, tentando sempre aju<strong>da</strong>r os mais<br />

necessitados. Entretanto, haviam <strong>na</strong>turais oscilações de intensi<strong>da</strong>de e amplitude, pois a<br />

forma de aju<strong>da</strong>, normalmente, era dita<strong>da</strong> pela política de ca<strong>da</strong> gover<strong>na</strong>nte no momento<br />

em que se encontrava no poder 4 . Os direitos dos trabalhadores eram ape<strong>na</strong>s aqueles<br />

assegurados pelos seus contratos de trabalho, não havia qualquer intervenção do Estado,<br />

no sentido de assegurar a estes trabalhadores condições mínimas de trabalho 5 .<br />

Na I<strong>da</strong>de Moder<strong>na</strong>, a proteção ao trabalhador era voluntária, e normalmente feita por<br />

aqueles empregadores que se preocupavam com a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa huma<strong>na</strong>, sendo<br />

que, nestes casos esta proteção era presta<strong>da</strong> sob a forma de cari<strong>da</strong>de 6 .<br />

Com o início <strong>da</strong> Revolução Francesa surgiram grandes manifestações, com greves e<br />

revoltas dos trabalhadores por melhores condições de trabalho e de subsistência. Quando,<br />

então, o Estado começ<strong>ou</strong> a se preocupar com a proteção previdenciária do trabalhador, o<br />

que o obrig<strong>ou</strong> a intervir <strong>na</strong>s relações de trabalho e segurança destes indivíduos 7 .<br />

Entretanto, a intervenção estatal era mínima, pois <strong>na</strong><strong>da</strong> mais era do que prestar<br />

benefícios assistenciais, <strong>ou</strong> seja, oferecer pensões pecuniárias e abrigo aos fi <strong>na</strong>nceiramente<br />

(1) COIMBRA, José dos Reis Feijó. Direito previdenciário brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1996. p. 1-2.<br />

(2) Ibid., p. 2.<br />

(3) COIMBRA, 1996, p. 2-5.<br />

(4) Ibid., p. 6.<br />

(5) CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 5. ed. São Paulo: LTR, <strong>20</strong>04. p. 34.<br />

(6) Ibid., p. 36.<br />

(7) Ibid., p. 34.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


carentes 8 .<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Em 1601, foi edita<strong>da</strong> <strong>na</strong> Inglaterra, pela Rainha Isabel, a Lei dos Pobres (Poor Relief Act<br />

<strong>ou</strong> Poor Law), a qual foi considera<strong>da</strong> a primeira lei sobre assistência <strong>social</strong>. A referi<strong>da</strong> lei<br />

determi<strong>na</strong>va que as paróquias locais desenvolvessem programas para o alívio <strong>da</strong> miséria.<br />

Tais programas visavam a proteção às crianças pobres, proporcio<strong>na</strong>ndo, também, trabalho<br />

aos desempregados e, amparo aos idosos e defi cientes. Estes programas eram fi <strong>na</strong>nciados<br />

através de uma taxa obrigatória que foi instituí<strong>da</strong> por esta lei, objetivando impor a to<strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de a responsabili<strong>da</strong>de pelos ci<strong>da</strong>dãos mais fracos 9 .<br />

Mas, somente a partir de 1789, com a Declaração de Direito dos Homens e do Ci<strong>da</strong>dão,<br />

o auxílio pass<strong>ou</strong> a ser visto, realmente, como uma dívi<strong>da</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, passando a ser um<br />

direito do ci<strong>da</strong>dão de ser amparado pelo Estado em to<strong>da</strong>s as situações de necessi<strong>da</strong>de,<br />

deriva<strong>da</strong>s de um risco <strong>social</strong> 10 .<br />

Sobre o tema, Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari dispõe que,<br />

Embora os ideais <strong>da</strong> Revolução Francesa tivessem identifi cado a existência de uma<br />

dívi<strong>da</strong> <strong>social</strong>, ain<strong>da</strong> não havia a efetiva proteção do trabalhador, senão por sua conta<br />

própria, por meio dos seguros privados, <strong>ou</strong> pela associação de pessoas com esta fi <strong>na</strong>li-<br />

<strong>da</strong>de. Somente quando surge a noção de justiça <strong>social</strong>, a partir <strong>da</strong> luta dos trabalhadores<br />

por melhores condições de vi<strong>da</strong>, é que o Estado começa a assumir a proteção de direitos<br />

aceitos como sociais, desti<strong>na</strong>ndo recursos próprios para a concessão de assistência<br />

<strong>social</strong> e previdência 11 .<br />

Assim, pass<strong>ou</strong>-se a entender que a proteção <strong>social</strong> era dever de to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de,<br />

apresentando o caráter de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de presente até hoje, pelo qual, todos contribuem para<br />

que os necessitados de amparo possam tê-lo 12 .<br />

A SEGURIDADE SOCIAL NO MUNDO<br />

Em que pese a Declaração de Direito dos Homens e do Ci<strong>da</strong>dão ser <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 1789,<br />

somente em 1883, a Alemanha, por Otto Von Bismarck, adot<strong>ou</strong> o primeiro orde<strong>na</strong>mento<br />

legal para cobertura obrigatória dos riscos por acidente de trabalho. Neste mesmo ano,<br />

promulg<strong>ou</strong>-se a lei que instituiu o seguro-doença e, em 1889, foi promulga<strong>da</strong> a lei que cri<strong>ou</strong><br />

o seguro-invalidez e por velhice. Outros países <strong>da</strong> Europa Ocidental adotaram, <strong>na</strong> mesma<br />

época, conduta semelhante, 13 mas nos demais continentes, somente após a Primeira Guerra<br />

Mundial, h<strong>ou</strong>ve a aceitação e adoção <strong>da</strong>s mesmas medi<strong>da</strong>s. Desde então, a adoção torn<strong>ou</strong>-<br />

(8) Ibid., p. 36.<br />

(9) HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 5. ed. São Paulo: Quartier Latin, <strong>20</strong>05. p.18.<br />

(10) COIMBRA, 1996, p. 6.<br />

(11) CASTRO E LAZZARI, <strong>20</strong>04, p. 37.<br />

(12) Ibid., p. 36.<br />

(13) CASTRO E LAZZARI, <strong>20</strong>04, p. 37.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

187


se universal 14 .<br />

188<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

As primeiras Constituições do mundo a inserirem normas a respeito <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong><br />

foram, a Constituição Mexica<strong>na</strong>, em 1917 e a alemã de Weimar, em 1919. A partir destas,<br />

inicia-se o processo de desenvolvimento <strong>da</strong>s regras de seguro <strong>social</strong> 15 .<br />

Em 1919, surge com o Tratado de Versailles, a Organização Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do Trabalho<br />

(OIT), órgão este que pass<strong>ou</strong> a evidenciar a necessi<strong>da</strong>de de um programa sobre previdência<br />

<strong>social</strong>, que o fez e aprov<strong>ou</strong> em 1921 16 . Em 1927, cri<strong>ou</strong>-se, então a Associação Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

de Seguri<strong>da</strong>de Social, com sede em Bruxelas, <strong>na</strong> Bélgica 17 .<br />

A partir deste período todos os países iniciaram sua caminha<strong>da</strong> no que diz respeito<br />

à previdência <strong>social</strong>. E fi <strong>na</strong>lmente, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos do<br />

Homem, inscreveu, entre <strong>ou</strong>tros direitos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> pessoa huma<strong>na</strong>, a proteção<br />

previdenciária 18 .<br />

Diante de tais manifestações favoráveis à criação de regras de seguro <strong>social</strong>, pode-<br />

se observar o surgimento <strong>da</strong> política de bem-estar <strong>social</strong>, a qual pretende, por via <strong>da</strong><br />

intervenção estatal, obter melhores condições de vi<strong>da</strong> aos trabalhadores em geral, mediante<br />

uma legislação que busca, por meio <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong>, a redistribuição de ren<strong>da</strong> entre as<br />

cama<strong>da</strong>s sociais 19 .<br />

Desta forma, <strong>na</strong>sce o regime de repartição, no qual to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de contribui para a<br />

criação de um fundo único previdenciário. Este modelo de seguro <strong>social</strong> é o que se têm<br />

hoje <strong>na</strong> maior parte dos Estados que adotaram alguma forma de proteção ao indivíduo<br />

trabalhador dos chamados riscos sociais, atuando paralelamente às políticas de assistência<br />

<strong>social</strong>, que visam atender àqueles que se encontram desamparados diante do regime de<br />

seguro <strong>social</strong> <strong>20</strong> .<br />

Entretanto, deve-se assi<strong>na</strong>lar que o modelo previdenciário vislumbrado <strong>na</strong> política do<br />

bem-estar <strong>social</strong> já está sendo substituído, em alguns países, por <strong>ou</strong>tro modelo, cujo principal<br />

fun<strong>da</strong>mento é a p<strong>ou</strong>pança individual, sem a centralização dos recursos <strong>da</strong>s contribuições em<br />

órgãos estatais. Alguns países <strong>da</strong> América Lati<strong>na</strong>, como Chile, Argenti<strong>na</strong>, Peru, Colômbia,<br />

Uruguai, Venezuela, Equador e Bolívia, tem avançado mais que o Brasil <strong>na</strong> efetivação destes<br />

pl<strong>anos</strong> privados. Entretanto, alguns países ain<strong>da</strong> mantêm a presença estatal em níveis<br />

mínimos, enquanto, <strong>ou</strong>tros deixam totalmente ao encargo <strong>da</strong> iniciativa priva<strong>da</strong> a questão <strong>da</strong><br />

p<strong>ou</strong>pança previdenciária 21 .<br />

(14) COIMBRA, 1996, p. 13.<br />

(15) CASTRO E LAZZARI, op. cit., p. 37.<br />

(16) MARTINS, Sérgio Pinto. Direito <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. 22. ed. São Paulo: Atlas, <strong>20</strong>05. p. 30.<br />

(17) VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Previdência <strong>social</strong>: custeio e benefícios. São Paulo: LTr, <strong>20</strong>05. p. 48.<br />

(18) MARTINS, op. cit., p. 30-31.<br />

(19) CASTRO E LAZZARI, op. cit., p. 38.<br />

(<strong>20</strong>) CASTRO E LAZZARI, <strong>20</strong>04, p. 38.<br />

(21) Ibid., p. 38-39.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Cabe ressaltar, que a partir do momento em que ca<strong>da</strong> trabalhador faz sua contribuição<br />

individual em p<strong>ou</strong>pança própria, e não para um fundo mútuo, desaparece a noção de<br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de <strong>social</strong> 22 .<br />

A SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA<br />

No Brasil, a assistência <strong>social</strong> surgiu, no século XVI, através <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de e do<br />

sentimento cristão, com a fun<strong>da</strong>ção, pelo Padre José de Anchieta (1534/1597), <strong>da</strong> Santa<br />

Casa de Misericórdia, cuja principal fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>de era a de prestar atendimento hospitalar aos<br />

necessitados 23 .<br />

To<strong>da</strong>via, a assistência <strong>social</strong> no Brasil demor<strong>ou</strong> aproxima<strong>da</strong>mente quase três séculos para<br />

ter força normativa, eis que somente em 1824 o assunto foi tratado em uma Constituição 24 .<br />

A Constituição Imperial de 1824<br />

A Constituição Imperial de 1824, inspira<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> nos ideais de Liber<strong>da</strong>de, Igual<strong>da</strong>de e<br />

Fraterni<strong>da</strong>de, tr<strong>ou</strong>xe um único dispositivo que tratava sobre a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. O art. 179,<br />

inciso XXXI, declarava que a Constituição garantia os socorros públicos 25 .<br />

Em 1828, foi-se ofi cializa<strong>da</strong> a assistência pública, com a Lei Orgânica dos Municípios 26 . E,<br />

em 22 de junho de 1835 foi cria<strong>da</strong> a primeira enti<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> a funcio<strong>na</strong>r no país, o Montepio<br />

Geral dos Servidores do Estado (Mongeral). Nesta enti<strong>da</strong>de, pessoas se associavam e iam<br />

se cotizando para a cobertura de eventuais riscos a que estavam expostos, mediante a<br />

repartição dos encargos com todos do grupo 27 .<br />

Em 1850, surgiu o Código Comercial, o qual dispôs, no art. 79, que no caso de acidentes<br />

imprevistos e inculpados que impeçam o empregado de exercer suas funções, fi ca o<br />

empregador obrigado a manter o pagamento do seu salário por três meses 28 , tem-se ai um<br />

esboço do que seria mais tarde o auxílio-acidente.<br />

Durante a vigência desta Constituição surgiram, ain<strong>da</strong>, medi<strong>da</strong>s de proteção aos<br />

empregados públicos. Em 1888, foram cria<strong>da</strong>s as Caixas de Socorro <strong>da</strong>s Estra<strong>da</strong>s de Ferro<br />

(Lei nº 3.397 de 24.11.1888), as quais só benefi ciavam os funcionários públicos <strong>da</strong>quela<br />

enti<strong>da</strong>de. No ano seguinte, foi criado um fundo de pensão aos empregados dos Correios<br />

(Decreto nº 9.212 de 26.3.1889) e no mesmo ano, o benefício foi concedido aos trabalhadores<br />

<strong>da</strong>s Ofi ci<strong>na</strong>s <strong>da</strong> Imprensa Régia (Decreto nº 10.269 de <strong>20</strong>.7.1889) 29 e, posteriormente ao<br />

(22) Ibid., p. 41.<br />

(23) PEREIRA JÚNIOR, Aécio. Evolução histórica <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong> e os direitos fun<strong>da</strong>mentais. Di-<br />

sponível em: . Acesso em: 23 ago. <strong>20</strong>07.<br />

(24) Ibid., Acesso em: 23 ago. <strong>20</strong>07.<br />

(25) COIMBRA, 1996, p. 42.<br />

(26) Ibid., p. 36-37.<br />

(27) MARTINS, <strong>20</strong>05, p. 32.<br />

(28) TAVARES, Marcelo Leo<strong>na</strong>rdo. Direito previdenciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, <strong>20</strong>05. p. 46.<br />

(29) MARTINS, op. cit., p. 32.<br />

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<strong>ANFIP</strong><br />

189


190<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Arse<strong>na</strong>l <strong>da</strong> Marinha do Rio de Janeiro (Lei nº 217, de 29.11.1892) 30 .<br />

A Constituição Republica<strong>na</strong> de 1891<br />

A Constituição Republica<strong>na</strong> de 1891 foi a primeira a adotar a expressão “aposentadoria”<br />

para funcionários públicos no caso de invalidez à serviço <strong>da</strong> Nação (art. 75), sendo que este<br />

benefício era custeado totalmente pela socie<strong>da</strong>de, uma vez que os funcionários públicos o<br />

recebiam independentemente de contribuição 31 .<br />

No art. 7º <strong>da</strong>s Disposições Transitórias desta Constituição, foi estipulado ao Imperador<br />

Dom Pedro, uma pensão vitalícia, a partir de 15 de novembro de 1889, que seria fi xa<strong>da</strong> pelo<br />

Congresso Ordinário 32 .<br />

Entretanto, a primeira manifestação ofi cial de amparo aos riscos sociais só ocorreu em<br />

1923, com a Lei Eloy Chaves, cria<strong>da</strong> pelo Decreto Legislativo nº 4.682, de 24.1.1923, que<br />

determin<strong>ou</strong> a criação de Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAP) para os empregados<br />

<strong>da</strong>s empresas ferroviárias 33 . Esta Lei, em seu art. 9º, concedia aposentadoria, pensão,<br />

medicamentos com preço especial e socorro médico a estes funcionários 34 .<br />

Após o surgimento <strong>da</strong> Lei Eloy Chaves, <strong>ou</strong>tras Caixas foram cria<strong>da</strong>s em empresas de<br />

diferentes ramos <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de econômica. Assim, segundo Sérgio Pinto Martins, em 1923, já<br />

havia 24 Caixas de Aposentadorias e Pensões, que cobriam 22.991 segurados 35 .<br />

To<strong>da</strong>via, p<strong>ou</strong>co a p<strong>ou</strong>co as Caixas de Aposentadorias e Pensões foram sendo substituí<strong>da</strong>s<br />

pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões, tendo como principal diferencial à criação de<br />

institutos especializados, em função <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de profi ssio<strong>na</strong>l de seus segurados 36 .<br />

Desta forma, a partir de 1930, os Institutos de Aposentadorias e Pensões começaram a<br />

surgiram por categorias, havendo uma tríplice contribuição: do empregado, do empregador<br />

e do governo. Além dos benefícios de aposentadorias e pensões, os institutos prestavam<br />

serviços de saúde, inter<strong>na</strong>ção hospitalar e atendimento ambulatorial 37 .<br />

O primeiro Instituto Público de Aposentadoria e Pensão (IAP) a ser criado, foi o IAPM<br />

(Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Marítimos), criado pelo Decreto nº 22.872, de 29 de<br />

junho de 1933. Em 1934, o Decreto nº 24.273, de 22 de maio de 1934, cri<strong>ou</strong> o IAPC (Instituto<br />

de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários), enquanto que o Decreto nº 24.615, de 07 de<br />

setembro de 134, criava o IAPB (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários). Em<br />

1936, a Lei nº 367, de 31 de dezembro de 1936, cri<strong>ou</strong> o IAPI (Instituto de Aposentadoria e<br />

Pensão dos Industriários). E em 1938, foi criado, pelo Decreto-Lei nº 651, de 26 de agosto<br />

(30) COIMBRA, op.cit., p. 38.<br />

(31) MARTINS, <strong>20</strong>05, p. 32.<br />

(32) Ibid., p. 32.<br />

(33) TAVARES, <strong>20</strong>05, p.46.<br />

(34) MARTINS, op.cit., p. 33.<br />

(35) Ibid., p. 33.<br />

(36) PEREIRA JÚNIOR, Acesso em: 23 ago. <strong>20</strong>07.<br />

(37) MARTINS, op. cit., p. 34.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

de 1938, o IAPTEC (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Empregados em Transportes<br />

e Cargas) 38 .<br />

Este processo de criação dos Institutos avanç<strong>ou</strong> até o início dos <strong>anos</strong> 50, quando<br />

praticamente to<strong>da</strong>s as categorias de trabalhadores já se encontravam cobertas pela<br />

previdência, fi cando excluídos <strong>da</strong> proteção somente os trabalhadores rurais, as domésticas<br />

e os índios 39 .<br />

A Constituição de 1934<br />

A partir <strong>da</strong> Constituição de 1934 foi estabeleci<strong>da</strong> uma forma tríplice de fi <strong>na</strong>nciamento do<br />

sistema de previdência <strong>social</strong>: União, empregado e empregador deveriam obrigatoriamente<br />

e com as mesmas alíquotas contribuir para a previdência 40 .<br />

Para Wagner Balera, “com a Constituição de 1934, a proteção <strong>social</strong> é um seguro para o<br />

qual contribuem tanto o trabalhador como o empregador e, em igual<strong>da</strong>de de condições com<br />

essas categorias, o próprio Poder Público” 41 .<br />

Esta Constituição faz referência pela primeira vez à expressão “previdência”, mas sem<br />

o adjetivo “<strong>social</strong>” 42 .<br />

A Constituição de 1934 estabeleceu, ain<strong>da</strong>, ser competência <strong>da</strong> União fi xar regras<br />

sobre a assistência <strong>social</strong> 43 e foi a primeira a inscrever o amparo <strong>social</strong> como obrigação do<br />

Estado 44 .<br />

Esta Constituição também manteve a competência do Poder Legislativo para instituir<br />

normas sobre aposentadorias e incumbiu, ain<strong>da</strong>, o legislador de editar medi<strong>da</strong>s que<br />

garantissem: assistência médica ao trabalhador e, à gestante, descanso antes e após o<br />

parto, bem como garantir a previdência <strong>social</strong> em favor <strong>da</strong> velhice, <strong>da</strong> materni<strong>da</strong>de e nos<br />

casos de acidente de trabalho e de morte 45 .<br />

A Constituição de 1937<br />

A Constituição de 1937 não evoluiu muito em relação à matéria previdenciária. De novo só<br />

h<strong>ou</strong>ve a modifi cação <strong>na</strong> expressão, uma vez que esta nova Constituição adot<strong>ou</strong> a expressão<br />

“seguro <strong>social</strong>”, em vez de previdência 46 .<br />

Segundo o autor Alfredo J. Ruprecht, “o seguro <strong>social</strong> é um instituto mediante o qual os<br />

órgãos que o administram, de <strong>na</strong>tureza pública, procuram prever contingências futuras de<br />

(38) TAVARES, <strong>20</strong>05, p. 46.<br />

(39) Ibid., p. 46-47.<br />

(40) MARTINS, <strong>20</strong>05, p. 35.<br />

(41) BALERA, Wagner. A seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> <strong>na</strong> Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribu<strong>na</strong>is, 1989. p. 22.<br />

(42) MARTINS, op. cit., p. 35.<br />

(43) MARTINS, <strong>20</strong>05, p. 34.<br />

(44) COIMBRA, 1996, p. 42.<br />

(45) Ibid., p. 42-43.<br />

(46) MARTINS, op. cit., p. 35-36.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

191


caráter <strong>social</strong> que afetem seus segurados” 47 .<br />

192<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Ain<strong>da</strong> para Ruprecht, embora não se dê solução a todos os problemas decorrentes <strong>da</strong>s<br />

contingências sociais, o seguro <strong>social</strong> tem sido, e ain<strong>da</strong> é, um elemento fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong><br />

seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. Desta forma, a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> veio para solucio<strong>na</strong>r o problema, uma<br />

vez que os seguros sociais eram por si mesmos insufi cientes. Assim, a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong><br />

implica a aceitação <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de de to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de para garantir a segurança<br />

econômica a seus membros, e vem representar uma soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de que não signifi ca um<br />

benefício, mas um direito de todos e para todos 48 .<br />

Na tentativa de unifi car os serviços sociais, em 1945, foi editado o Decreto-lei nº 7.526,<br />

de 07 de maio de 1945, que determin<strong>ou</strong> a criação de um só tipo de instituição de previdência<br />

<strong>social</strong>, o Instituto de Serviços Sociais do Brasil (ISSB). Este instituto cobria todos os<br />

empregados ativos a partir de 14 (quatorze) <strong>anos</strong>, tendo um único plano de contribuições<br />

e benefícios. Diante disso, h<strong>ou</strong>ve a consoli<strong>da</strong>ção de todos os benefícios existentes em um<br />

único fundo. Entretanto, o ISSB não cheg<strong>ou</strong> a ser instalado em virtude de desinteresse<br />

político, pois o governo Dutra não lhe cedeu os créditos necessários 49 .<br />

A Constituição de 1946<br />

Nessa Constituição a expressão “seguro <strong>social</strong>” é substituí<strong>da</strong>, pela primeira vez, pela<br />

expressão “previdência <strong>social</strong>” 50 .<br />

A Constituição de 1946 pass<strong>ou</strong> a consagrar a previdência, oferecendo segurança ao<br />

empregado em favor <strong>da</strong> materni<strong>da</strong>de e contra as conseqüências <strong>da</strong> doença, <strong>da</strong> velhice, <strong>da</strong><br />

invalidez e <strong>da</strong> morte 51 .<br />

Em que pese a Constituição de 1946 não apresentar importantes alterações previdenciárias,<br />

as normas infraconstitucio<strong>na</strong>is neste período tiveram avanços signifi cativos.<br />

Em 1947, o Deputado Aluízio Alves apresent<strong>ou</strong> um projeto de lei que previa o amparo<br />

<strong>social</strong> a to<strong>da</strong> a população. Entretanto, somente após um longo período de tramitação,<br />

em virtude dos estudos realizados foi edita<strong>da</strong> a Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960,<br />

denomi<strong>na</strong><strong>da</strong> de Lei Orgânica <strong>da</strong> Previdência Social (LOPS) 52 .<br />

A Lei Orgânica <strong>da</strong> Previdência Social (LOPS), padroniz<strong>ou</strong> o sistema assistencial,<br />

ampliando os benefícios e fazendo surgir vários <strong>ou</strong>tros, tais como: auxílio-<strong>na</strong>tali<strong>da</strong>de, auxílio-<br />

funeral e auxílio-reclusão. Esta lei estendeu também a área de assistência <strong>social</strong> a <strong>ou</strong>tras<br />

categorias profi ssio<strong>na</strong>is 53 .<br />

Nesta época, o Brasil foi considerado como o país que mais concedia proteção<br />

(47) RUPRECHT, Alfredo J. Direito <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. São Paulo: LTr, 1996. p. 34.<br />

(48) Ibid., p. 34-35.<br />

(49) MARTINS, <strong>20</strong>05, p. 36.<br />

(50) Ibid., p. 36.<br />

(51) Ibid., p. 36.<br />

(52) COIMBRA, 1996, p. 39-40.<br />

(53) MARTINS, op. cit., p. 37.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

previdenciária a seus trabalhadores, pois haviam dezessete benefícios de caráter obrigatório<br />

neste período 54 .<br />

Fi<strong>na</strong>lmente, em 1966, o Decreto-Lei nº 72, unifi c<strong>ou</strong> os institutos de aposentadorias e<br />

pensões, centralizando a organização previdenciária no Instituto Nacio<strong>na</strong>l de Previdência<br />

Social (INPS), que foi implantado em 02 de janeiro de 1967 55 . O INPS tinha a atribuição de<br />

pagar os benefícios em espécie, arreca<strong>da</strong>r as contribuições e prestar assistência médica 56 .<br />

A Constituição de 1967 e a Emen<strong>da</strong> Constitucio<strong>na</strong>l nº 1, de 1969.<br />

Tanto a Constituição de 1967, quanto a Emen<strong>da</strong> Constitucio<strong>na</strong>l nº 1, de 17 de <strong>ou</strong>tubro de<br />

1969, não acrescentaram <strong>na</strong><strong>da</strong> de novo <strong>na</strong> matéria previdenciária com relação à Constituição<br />

de 1946, os novos dispositivos são praticamente cópias dos dispositivos <strong>da</strong> Constituição<br />

anterior 57 .<br />

Entretanto, neste período, algumas leis de suma importância foram edita<strong>da</strong>s. A Lei<br />

Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971, institui o Programa de Assistência ao Trabalhador<br />

Rural (Pró-Rural), mesmo não havendo contribuição por parte do trabalhador, este tinha<br />

direito à aposentadoria por velhice, invalidez, pensão e auxílio-funeral, to<strong>da</strong>s no valor de<br />

meio salário mínimo, o que foi alterado pela Lei Complementar nº 16, de 30 de <strong>ou</strong>tubro<br />

1973. Em 1972, os empregados domésticos foram incluídos como segurados obrigatórios <strong>da</strong><br />

Previdência Social, através <strong>da</strong> Lei n° 5.859, de 11 de dezembro de 1972. Em 1974, a Lei nº<br />

6.025, de 25 de junho de 1974, cri<strong>ou</strong> o Ministério <strong>da</strong> Previdência e Assistência Social. Neste<br />

mesmo ano, a Lei nº 6.179, de 11 de dezembro de 1974, cri<strong>ou</strong> o amparo previdenciário para<br />

os maiores de 70 (setenta) <strong>anos</strong> <strong>ou</strong> inválidos, no valor de meio salário mínimo. Entretanto, o<br />

benefício só era devido a quem tivesse contribuído algum tempo para a Previdência Social<br />

<strong>ou</strong> exercido, mesmo sem contribuir, ativi<strong>da</strong>de vincula<strong>da</strong> à Previdência 58 .<br />

Em 1 de julho de 1977, a Lei nº 6.439 cri<strong>ou</strong> o Sistema Nacio<strong>na</strong>l de Previdência e Assistência<br />

Social (SINPAS), órgão este que tinha como objetivo a reorganização <strong>da</strong> Previdência Social.<br />

O SINPAS tinha a atribuição de integrar as ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> previdência <strong>social</strong>, <strong>da</strong> assistência<br />

<strong>social</strong>, <strong>da</strong> assistência médica e <strong>da</strong> gestão fi <strong>na</strong>nceira, patrimonial e administrativa <strong>da</strong>s diversas<br />

enti<strong>da</strong>des liga<strong>da</strong>s ao Ministério <strong>da</strong> Previdência e Assistência Social 59 . Tal sistema era<br />

composto de três autarquias: INPS, IAPAS e INAMPS; duas fun<strong>da</strong>ções: LBA e FUNABEM;<br />

um órgão autônomo: CEME; e uma empresa pública: DATAPREV 60 .<br />

A Constituição de 1988<br />

A Constituição de 1988, ao contrário <strong>da</strong>s anteriores, foi bastante minuciosa no tratamento<br />

(54) HORVATH JÚNIOR, <strong>20</strong>05, p. 26.<br />

(55) MARTINS, <strong>20</strong>05, p. 36-37.<br />

(56) Ibid., p. 37.<br />

(57) Ibid., p.38.<br />

(58) Ibid., p. 38-39.<br />

(59) MARTINS, <strong>20</strong>05, p. 38-39.<br />

(60) TAVARES, <strong>20</strong>05, p. 47-48.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

193


<strong>da</strong> questão <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>.<br />

194<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

O art. 6º <strong>da</strong> Constituição de 1988, é claro ao dispor que dentre os direitos sociais<br />

encontram-se a saúde, a previdência <strong>social</strong>, a proteção à materni<strong>da</strong>de e à infância e a<br />

assistência aos desamparados.<br />

Mais adiante, no Título VIII, abriu-se capítulo próprio para a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> (arts. 194<br />

a <strong>20</strong>4). Nestes dispositivos encontram-se desde o conceito de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> até a forma<br />

básica do custeio e dos benefícios previdenciários alcançados. O capítulo trata, ain<strong>da</strong>, sobre<br />

a saúde e a assistência <strong>social</strong> 61 .<br />

Segundo Miguel Horvath Júnior,<br />

Com a Constituição Federal de 1988 que implant<strong>ou</strong> o sistema de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>,<br />

o Brasil deix<strong>ou</strong> de ser um Estado Providência, que garante ape<strong>na</strong>s proteção aos tra-<br />

balhadores, para ser um Estado de Seguri<strong>da</strong>de Social, que garante proteção universal<br />

à sua população. Este sistema está fun<strong>da</strong>do no conceito que a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> deve<br />

garantir o mínimo <strong>social</strong> necessário à existência huma<strong>na</strong> dig<strong>na</strong> 62 .<br />

Em 1990, o Decreto nº 99.350, de 12 de abril de 1990, cri<strong>ou</strong> o INSS (Instituto Nacio<strong>na</strong>l<br />

do Seguro Social), autarquia federal vincula<strong>da</strong> ao então Ministério do Trabalho e Previdência<br />

Social, mediante a fusão do IAPAS com o INPS 63 .<br />

A Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, cri<strong>ou</strong> o Plano de Organização e Custeio <strong>da</strong><br />

Seguri<strong>da</strong>de Social. Enquanto que a Lei nº 8.213, também de 24 de julho de 1991, instituiu o<br />

Plano de Benefícios <strong>da</strong> Previdência Social 64 .<br />

Em 1993, a Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, vers<strong>ou</strong> sobre a Lei Orgânica <strong>da</strong><br />

Assistência Social – LOAS. Em 08 de dezembro de 1994, foi editado o Decreto nº 1.330, que<br />

assegur<strong>ou</strong> ao portador de defi ciência física e ao idoso de 70 (setenta) <strong>anos</strong> <strong>ou</strong> mais o direito<br />

de requerer ren<strong>da</strong> mensal vitalícia.<br />

Em 26 de novembro de 1999, foi edita<strong>da</strong> a Lei nº 9.876, que altera as Leis nº 8.212/91 e<br />

8.213/91 e cria o fator previdenciário 65 .<br />

A reforma <strong>da</strong> previdência vem sendo discuti<strong>da</strong> no Congresso Nacio<strong>na</strong>l há vários <strong>anos</strong>.<br />

Assim, a previdência já sofreu importantes alterações, como a Emen<strong>da</strong> Constitucio<strong>na</strong>l nº <strong>20</strong>,<br />

de 15 de dezembro de 1998, que alter<strong>ou</strong> os artigos do Título VIII, trazendo várias alterações<br />

ao sistema previdenciário. Entretanto, como ain<strong>da</strong> tramitam diversos projetos de lei no<br />

Congresso, ain<strong>da</strong>, devem ocorrer <strong>ou</strong>tras importantes alterações 66 .<br />

(61) CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha. Curso de direito <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>.<br />

2. ed. São Paulo: Saraiva, <strong>20</strong>02. p.12-13.<br />

(62) HORVATH JÚNIOR, <strong>20</strong>05, p. 38.<br />

(63) MARTINS, <strong>20</strong>05, p. 41.<br />

(64) Ibid., p. 41.<br />

(65) Ibid., p. 41.<br />

(66) Ibid., p. 42.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Na Câmara dos Deputados tramitam importantes projetos de lei e de emen<strong>da</strong> à Con-<br />

stituição, dentre eles podemos destacar: a) a Proposta de Emen<strong>da</strong> à Constituição nº 43,<br />

de <strong>20</strong>07, a qual dá nova re<strong>da</strong>ção ao §4º, do art. <strong>20</strong>1, <strong>da</strong> Constituição Federal para vin-<br />

cular o reajuste dos benefícios previdenciários à salários mínimos, e fi xa em dez salários<br />

mínimo o valor do limite máximo dos benefícios pagos pelo Regime Geral de Previdência<br />

Social; b) o Projeto de Lei nº 7.081, de <strong>20</strong>06, o qual dispõe sobre o Estatuto <strong>da</strong> Criança<br />

e do Adolescente, com vistas a instituir a guar<strong>da</strong> para fi ns previdenciários; c) e, o Projeto<br />

de Lei nº 6.297, de <strong>20</strong>05, o qual inclui <strong>na</strong> situação jurídica de dependente, para fi ns pre-<br />

videnciários, o companheiro homossexual do segurado 67 .<br />

DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS<br />

Segundo Ingo Sarlet, “os direitos fun<strong>da</strong>mentais se aplicam àqueles direitos do ser humano<br />

reconhecidos e positivados <strong>na</strong> esfera do direito constitucio<strong>na</strong>l positivo de determi<strong>na</strong>do<br />

Estado” 68 .<br />

O autor Zeno Simm, citando José Afonso <strong>da</strong> Silva afi rma que,<br />

Pela expressão direitos fun<strong>da</strong>mentais do homem entendem-se não ape<strong>na</strong>s os princí-<br />

pios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de ca<strong>da</strong> or-<br />

de<strong>na</strong>mento jurídico, como também, no âmbito do direito positivo, aquelas prerrogativas<br />

e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência dig<strong>na</strong>, livre e igual de<br />

to<strong>da</strong>s as pessoas, sendo fun<strong>da</strong>mentais porque se trata de situações jurídicas sem as<br />

quais a pessoa huma<strong>na</strong> não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive<br />

e <strong>da</strong> pessoa huma<strong>na</strong> no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não ape<strong>na</strong>s for-<br />

malmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados 69 .<br />

Os direitos fun<strong>da</strong>mentais, segundo José Afonso <strong>da</strong> Silva, têm as características de<br />

historici<strong>da</strong>de, <strong>ou</strong> seja, têm origem e desenvolvimento histórico como qualquer direito;<br />

i<strong>na</strong>lie<strong>na</strong>bili<strong>da</strong>de, <strong>ou</strong> seja, são direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de<br />

conteúdo econômico-patrimonial; imprescritibili<strong>da</strong>de, <strong>ou</strong> seja, nunca deixam de ser exigíveis;<br />

e irrenunciabili<strong>da</strong>de, pois não se renuncia aos direitos fun<strong>da</strong>mentais 70 .<br />

Ao longo <strong>da</strong> história, os direitos fun<strong>da</strong>mentais foram evoluindo, deixando de ser uma<br />

forma de defesa do indivíduo contra o Estado para tor<strong>na</strong>r-se uma garantia do ci<strong>da</strong>dão em<br />

(67) CÂMARA DOS DEPUTADOS. Disponível em: . Acesso em: 08 set. <strong>20</strong>07.<br />

(68) SARLET, Ingo Wolfgang. A efi cácia dos direitos fun<strong>da</strong>mentais. 2. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado,<br />

<strong>20</strong>01. p. 33.<br />

(69) SILVA, José Afonso <strong>da</strong>. <strong>20</strong>02 apud SIMM, Zeno. Os direitos fun<strong>da</strong>mentais e a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. São Paulo:<br />

LTr, <strong>20</strong>05. p. 24.<br />

(70) SILVA, José Afonso <strong>da</strong>. Curso de direito constitucio<strong>na</strong>l positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, <strong>20</strong>02. p.181.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

195


196<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

face dos <strong>ou</strong>tros, <strong>da</strong>ndo oportuni<strong>da</strong>de de tratamentos iguais entre todos, o que acab<strong>ou</strong><br />

tor<strong>na</strong>ndo os direitos fun<strong>da</strong>mentais os mais importantes e indispensáveis <strong>na</strong> elaboração<br />

de uma Constituição. Desta forma, os direitos fun<strong>da</strong>mentais passaram a ser incluídos nos<br />

textos constitucio<strong>na</strong>is <strong>da</strong> maioria dos países, com ape<strong>na</strong>s algumas variações quanto ao seu<br />

número, grau e extensão, passando a ser incluídos não ape<strong>na</strong>s os direitos civis e políticos,<br />

mas também os direitos econômicos, sociais e culturais 71 .<br />

CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS<br />

Os direitos e garantias fun<strong>da</strong>mentais podem ser classifi cados em três gerações, inspirados<br />

de certa forma <strong>na</strong> seqüência <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo lema <strong>da</strong> Revolução Francesa – liber<strong>da</strong>de, igual<strong>da</strong>de<br />

e fraterni<strong>da</strong>de.<br />

A primeira geração é a dos direitos <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, que surgiram ao longo do século<br />

XVIII, e se referem basicamente aos direitos civis e políticos. Estes direitos têm por titular o<br />

indivíduo, sendo eles oponíveis ao Estado, <strong>ou</strong> seja, são direitos de resistência <strong>ou</strong> de oposição<br />

perante o Estado 72 . Dentre os direitos de primeira geração estão incluídos os direitos à<br />

vi<strong>da</strong>, à liber<strong>da</strong>de, à proprie<strong>da</strong>de e à igual<strong>da</strong>de perante a lei. Ademais, foram incluídos, como<br />

complemento ao direito à liber<strong>da</strong>de, o direito a liber<strong>da</strong>de de expressão coletiva, quais sejam<br />

liber<strong>da</strong>de de expressão, de imprensa, de manifestação, de reunião, de associação, de culto,<br />

de crença, de consciência, de opinião, de locomoção, de residência, bem como os direitos<br />

de participação política, como o direito de voto e a capaci<strong>da</strong>de eleitoral passiva. Também<br />

o direito de igual<strong>da</strong>de e algumas garantias processuais, como o devido processo legal e o<br />

habeas corpus 73 .<br />

A segun<strong>da</strong> geração é a do direito <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de, que foram conquistados no curso do<br />

século XIX e início do século XX, tendo como objetivo garantir aos ci<strong>da</strong>dãos os direitos de<br />

primeira geração, e desta forma, são vistos como direitos de caráter positivo, porque se<br />

traduzem numa participação do Estado, devendo ele minimizar as carências individuais 74 .<br />

Essa geração <strong>ou</strong>torga ao indivíduo direito a prestação <strong>social</strong> estatal, como assistência <strong>social</strong>,<br />

saúde, educação e trabalho 75 . Inclui, ain<strong>da</strong>, os direitos a segurança <strong>social</strong>, a proteção contra<br />

o desemprego, ao rep<strong>ou</strong>so e ao lazer, incluindo férias remunera<strong>da</strong>s, um padrão de vi<strong>da</strong> que<br />

assegure a saúde e o bem-estar individual e <strong>da</strong> família, à proprie<strong>da</strong>de intelectual, bem como<br />

as liber<strong>da</strong>des de escolha profi ssio<strong>na</strong>l e de sindicalização 76 .<br />

Os direitos de terceira geração aparecem no começo do século XX e <strong>na</strong><strong>da</strong> mais são do que<br />

(71) SIMM, Zeno. Os direitos fun<strong>da</strong>mentais e a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. São Paulo: LTr, <strong>20</strong>05. p. 28-29.<br />

(72) BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucio<strong>na</strong>l. São Paulo: Malheiros, <strong>20</strong>06. p. 562-564.<br />

(73) SARLET, <strong>20</strong>01, p. 50-51.<br />

(74) SIMM, op. cit., p. 33.<br />

(75) SARLET, op. cit., p. 51.<br />

(76) DIREITOS HUMANOS. Disponível em: . Acesso em: 10 set. <strong>20</strong>07.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

os direitos <strong>da</strong> fraterni<strong>da</strong>de <strong>ou</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, caracterizando-se como direitos de titulari<strong>da</strong>de<br />

difusa <strong>ou</strong> coletiva. Incluem o direito à paz, ao desenvolvimento sustentável, à posse comum<br />

do patrimônio comum <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, direito ao meio ambiente, à autodetermi<strong>na</strong>ção dos<br />

povos e a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> 77 .<br />

Alguns autores, como Paulo Bo<strong>na</strong>vides, falam, ain<strong>da</strong>, em uma quarta geração, que é<br />

refl exo <strong>da</strong> globalização econômica cultural. Para este autor, são direitos de quarta geração,<br />

o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo 78 .<br />

OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988<br />

No que diz respeito ao Brasil, a Constituição do Império, <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> do ano de 1824, foi<br />

a primeira a tratar de direitos fun<strong>da</strong>mentais, embora <strong>na</strong> época <strong>ou</strong>tro nome fosse adotado.<br />

A Constituição de 1891 manteve o mesmo tratamento. Já a Constituição de 1946 trat<strong>ou</strong><br />

dos direitos fun<strong>da</strong>mentais em dois capítulos: <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de e ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e direito e garantias<br />

individuais. Entretanto, foi <strong>na</strong> atual Constituição Federal que os direitos fun<strong>da</strong>mentais foram<br />

realmente expandidos.<br />

A Constituição Federal de 1988 é conheci<strong>da</strong> também como “Constituição-ci<strong>da</strong>dã”,<br />

pois, já no seu Preâmbulo, percebe-se a intenção dos constituintes em instituir um Estado<br />

Democrático, desti<strong>na</strong>do a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liber<strong>da</strong>de,<br />

a segurança, o bem-estar <strong>social</strong>, o desenvolvimento, a igual<strong>da</strong>de e a justiça 79 .<br />

A atual Constituição Brasileira inicia, já no Título I, tratando “Dos Princípios Fun<strong>da</strong>mentais”<br />

e logo a seguir, no Título II, trata “Dos Direitos e Garantias Fun<strong>da</strong>mentais”, o que demonstra<br />

a preocupação do constituinte com a proteção desses direitos 80 .<br />

Ademais, o constituinte deix<strong>ou</strong> claro a importância dessas normas fun<strong>da</strong>mentais, ao<br />

afi rmar que as normas defi nidoras dos direitos e garantias fun<strong>da</strong>mentais têm aplicação<br />

imediata, bem como cerc<strong>ou</strong> os direitos e garantias individuais com cláusula pétrea, ve<strong>da</strong>ndo,<br />

assim, qualquer alteração 81 .<br />

DIREITOS SOCIAIS<br />

Segundo o autor Zeno Simm há divergência de opinião quando a <strong>na</strong>tureza jurídica dos<br />

direitos sociais, alguns autores entendem que a expressão “Direito Social”, num sentido<br />

bastante restrito, deve ser utiliza<strong>da</strong> somente para desig<strong>na</strong>r aquele ramo do Direito denomi<strong>na</strong>do<br />

“Direito do Trabalho”. Entretanto, há autores que entendem como “Direito Social”, todos<br />

os demais direitos que fossem agregados à vi<strong>da</strong> do trabalhador, como to<strong>da</strong> a classe dos<br />

(77) SARLET, <strong>20</strong>01, p. 53.<br />

(78) BONAVIDES, <strong>20</strong>06, p. 570-571.<br />

(79) SIMM, <strong>20</strong>05, p. 30.<br />

(80) SIMM, <strong>20</strong>05, p. 31.<br />

(81) Ibid., p. 31.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

197


198<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

seguros sociais, a assistência <strong>social</strong>, à saúde, a educação, o salário-família, o direito ao<br />

lazer, entre <strong>ou</strong>tros 82 .<br />

Ain<strong>da</strong>, segundo o autor,<br />

Moder<strong>na</strong>mente e ca<strong>da</strong> vez mais, vem sendo emprega<strong>da</strong> a expressão “direitos so-<br />

ciais”, não mais limita<strong>da</strong> aos direito oriundos de uma relação de emprego, porém, sim,<br />

como algo mais além dos simples e tradicio<strong>na</strong>is direito individuais, correspondendo àqui-<br />

lo que os autores em geral chamam de direitos fun<strong>da</strong>mentais de segun<strong>da</strong> geração 83 .<br />

A respeito do tema, o autor Paulo Bo<strong>na</strong>vides afi rma que,<br />

Os direitos sociais fi zeram <strong>na</strong>scer a consciência de que tão importante quanto salva-<br />

guar<strong>da</strong>r o indivíduo, conforme ocorreria <strong>na</strong> concepção clássica dos direitos <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de,<br />

era proteger a instituição, uma reali<strong>da</strong>de <strong>social</strong> muito mais rica e aberta à participação<br />

criativa e à valoração <strong>da</strong> perso<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de que o quadro tradicio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> solidão individualista,<br />

onde se formara o culto liberal do homem abstrato e insulado, sem a densi<strong>da</strong>de dos va-<br />

lores existenciais, aquele que unicamente o <strong>social</strong> proporcio<strong>na</strong> em to<strong>da</strong> a plenitude 84 .<br />

Assim, a idéia dos chamados direitos sociais é conseguir criar uma situação de igual<strong>da</strong>de<br />

material entre as pessoas, tentando reduzir ao máximo, os desníveis sociais existentes entre<br />

elas e buscando uma situação de equilíbrio, <strong>ou</strong>, ao menos, elimi<strong>na</strong>r <strong>ou</strong> suprir as necessi<strong>da</strong>des<br />

mínimas do indivíduo, <strong>da</strong>ndo-lhe as condições básicas para uma vi<strong>da</strong> dig<strong>na</strong> 85 .<br />

Direitos Sociais <strong>na</strong> Constituição Federal de 1988<br />

No Brasil, a Constituição de 1988 dedic<strong>ou</strong> um capítulo aos chamados “Direitos Sociais”,<br />

trata-se do Capítulo II incluso no Título II. A Constituição aduz expressamente quais são os<br />

direitos sociais no país, pois em seu art. 6º dispõe: “São direitos sociais a educação, a saúde,<br />

o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência <strong>social</strong>, a proteção à materni<strong>da</strong>de<br />

e à infância, a assistência aos desamparados, <strong>na</strong> forma desta Constituição” 86 .<br />

O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA<br />

A Constituição Federal adota vários princípios fun<strong>da</strong>mentais, entretanto, um deles merece<br />

destaque, é o que consta do art. 1º, o qual traz, em seu inciso III, como um dos princípios<br />

fun<strong>da</strong>mentais para a socie<strong>da</strong>de, a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa huma<strong>na</strong> 87 .<br />

Ademais, o princípio fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de huma<strong>na</strong> foi ain<strong>da</strong> reforçado em inúmeras<br />

(82) Ibid., p. 53-54.<br />

(83) Ibid., p. 54.<br />

(84) BONAVIDES, <strong>20</strong>06, p. 565.<br />

(85) SIMM, <strong>20</strong>05, p. 57.<br />

(86) BRASIL. Constituição Federal de 1988. Constituição <strong>da</strong> República Federativa do Brasil.<br />

Disponível em: .<br />

Acesso em: 08 nov. 07.<br />

(87) SIMM, op. cit., p. 31.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

<strong>ou</strong>tras disposições constitucio<strong>na</strong>is. Pode-se citar como os mais importantes, o art. 170 que<br />

retoma a expressão anteriormente utiliza<strong>da</strong> <strong>na</strong> Constituição de 1934, dispondo que a ordem<br />

econômica tem, dentre suas fi <strong>na</strong>li<strong>da</strong>des, a de assegurar a todos uma existência dig<strong>na</strong>;<br />

o art. 226, §7º, que proclama que o planejamento familiar deve fun<strong>da</strong>r-se nos princípios<br />

<strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa huma<strong>na</strong> e <strong>da</strong> paterni<strong>da</strong>de responsável e; o art. 227 que impõe à<br />

família, à socie<strong>da</strong>de e ao Estado o dever de assegurar á criança e ao adolescente o direito<br />

á digni<strong>da</strong>de 88 .<br />

A palavra digni<strong>da</strong>de tem origem lati<strong>na</strong> do termo dignitas, que signifi ca respeitabili<strong>da</strong>de,<br />

prestígio, consideração, estima, enfi m, indica quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quilo que é digno e merece<br />

respeito <strong>ou</strong> reverência. Por sua vez, a palavra pessoa, veio <strong>da</strong> expressão lati<strong>na</strong> per-so<strong>na</strong>re,<br />

que serve para desig<strong>na</strong>r ca<strong>da</strong> um dos seres <strong>da</strong> espécie huma<strong>na</strong> 89 .<br />

Cleber Francisco Alves citando José Carlos Vieira de Andrade afi rma que “deve-se<br />

entender o princípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa huma<strong>na</strong> como o princípio fun<strong>da</strong>mental que<br />

está <strong>na</strong> base do estatuto jurídico dos indivíduos e confere sentido ao conjunto dos preceitos<br />

relativos aos direitos fun<strong>da</strong>mentais”. O autor afi rma ain<strong>da</strong>, que “esse princípio há de ser<br />

interpretado como referido a ca<strong>da</strong> pessoa (individual), a to<strong>da</strong>s as pessoas sem discrimi<strong>na</strong>ções<br />

(universal) e a ca<strong>da</strong> homem como ser autônomo (livre)” 90 .<br />

Assim, podemos afi rmar que <strong>ou</strong>tros princípios consagrados e expressos <strong>na</strong> Constituição<br />

somente tomam força se alinhavados sob a ótica <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa huma<strong>na</strong>.<br />

Neste sentido, conclui o autor Zeno Simm, afi rmando que,<br />

A digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa huma<strong>na</strong> é o mais importante princípio constitucio<strong>na</strong>l e sendo<br />

a vi<strong>da</strong> o mais relevante direito fun<strong>da</strong>mental, a correlação de ambos leva à i<strong>na</strong>rredável<br />

conclusão de que o principal direito do ci<strong>da</strong>dão é o direito a uma vi<strong>da</strong> dig<strong>na</strong> 91 .<br />

DIREITOS SOCIAIS RELATIVOS À SEGURIDADE SOCIAL<br />

O direito <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> é um direito <strong>social</strong>. Assim, pode-se entender a seguri<strong>da</strong>de<br />

<strong>social</strong> como um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

como um todo, desti<strong>na</strong><strong>da</strong>s a garantir os direitos relativos à saúde, à previdência <strong>social</strong> e à<br />

assistência <strong>social</strong>. Pode-se, ain<strong>da</strong> dizer, que o direito <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de desti<strong>na</strong>-se a assegurar<br />

o mínimo de condição <strong>social</strong> necessária a uma vi<strong>da</strong> dig<strong>na</strong>, atendendo ao disposto no art. 1º,<br />

III, <strong>da</strong> Constituição Federal 92 .<br />

(88) ALVES, Cleber Francisco. O princípio constitucio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa huma<strong>na</strong>: o enfoque <strong>da</strong> d<strong>ou</strong>tri<strong>na</strong><br />

<strong>social</strong> <strong>da</strong> igreja. Rio de Janeiro: Renovar, <strong>20</strong>01. p. 130.<br />

(89) Ibid., p. 109-111.<br />

(90) Ibid., p. 132.<br />

(91) SIMM, <strong>20</strong>05, p. 72.<br />

(92) TAVARES, Marcelo Leo<strong>na</strong>rdo. Direito previdenciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, <strong>20</strong>05. p. 01.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

199


<strong>20</strong>0<br />

DIREITO À SAÚDE<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

O Direito à Saúde encontra-se previsto nos arts. 196 a <strong>20</strong>0 <strong>da</strong> atual Constituição Federal<br />

<strong>da</strong> República.<br />

De acordo com o art. 196 <strong>da</strong> Constituição Federal, o direito à saúde pública é um direito<br />

de todos e dever do Estado, garantindo à redução do risco de doenças e de <strong>ou</strong>tros agravos<br />

e o acesso igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação 93 .<br />

Dizem respeito, também à saúde, as ações que se desti<strong>na</strong>m a garantir às pessoas e à<br />

coletivi<strong>da</strong>de condições de bem-estar físico, mental e <strong>social</strong>.<br />

Segundo José Afonso <strong>da</strong> Silva, o direito à saúde signifi ca que ca<strong>da</strong> indivíduo tem o<br />

direito a um tratamento médico condigno de acordo com o estado atual <strong>da</strong> ciência médica,<br />

independentemente de sua condição fi <strong>na</strong>nceira 94 .<br />

A saúde pública é um dever do Estado, que através do SUS – Sistema Único de<br />

Saúde, deve ser presta<strong>da</strong> independentemente de ser o paciente contribuinte <strong>ou</strong> não <strong>da</strong><br />

seguri<strong>da</strong>de 95 .<br />

O Sistema Único de Saúde deve seguir as seguintes diretrizes, conforme o disposto no<br />

art. 198 <strong>da</strong> Constituição:<br />

a) descentralização;<br />

b) atendimento integral; e<br />

c) participação <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de.<br />

As ações do SUS são, primeiramente, de responsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s instituições públicas, como<br />

hospitais públicos e postos de saúde, mas havendo necessi<strong>da</strong>de, o SUS pode até mesmo<br />

conveniar-se com entes de <strong>na</strong>tureza priva<strong>da</strong> para assistência <strong>na</strong> forma complementar, mas<br />

que, de qualquer forma, deverá ser gratuita para todos os pacientes, devendo o Estado<br />

remunerar estas enti<strong>da</strong>des de <strong>na</strong>tureza priva<strong>da</strong> 96 .<br />

O SUS, conforme o disposto <strong>na</strong> Constituição Federal, art. 198, §1º, será fi <strong>na</strong>nciado com<br />

recursos provenientes <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, <strong>da</strong> União, dos Estados, do Distrito Federal e<br />

dos Municípios, além de <strong>ou</strong>tras fontes.<br />

Diz respeito também às ações de saúde, conforme o art. <strong>20</strong>0 <strong>da</strong> Constituição Federal,<br />

controlar e fi scalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde,<br />

executar as ações de vigilância sanitária, executar as ações de saneamento básico, fi scalizar<br />

e inspecio<strong>na</strong>r alimentos, bebi<strong>da</strong>s e águas para consumo humano, colaborar <strong>na</strong> proteção<br />

ao meio ambiente e participar do controle e <strong>da</strong> fi scalização de substâncias e produtos<br />

(93) TSUTIYA, Augusto Massayuki. Curso de direito <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. São Paulo: Saraiva, <strong>20</strong>07. p. 25.<br />

(94) SILVA, José Afonso <strong>da</strong>. Curso de direito constitucio<strong>na</strong>l positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, <strong>20</strong>02. p. 307.<br />

(95) TAVARES, op. cit., p. 16.<br />

(96) TAVARES, <strong>20</strong>05, p. 15-16.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


psicoativos, tóxicos e radioativos 97 .<br />

DIREITO À PREVIDÊNCIA SOCIAL<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

A previdência <strong>social</strong> está prevista nos arts. <strong>20</strong>1 e <strong>20</strong>2 <strong>da</strong> atual Constituição Federal.<br />

No Brasil, existem dois sistemas de previdência: o público e o privado. A previdência priva<strong>da</strong><br />

é um sistema complementar e facultativo de seguro, <strong>ou</strong> seja, cabe a ca<strong>da</strong> indivíduo optar por<br />

participar <strong>ou</strong> não deste sistema. No entanto o sistema público, é o que ver<strong>da</strong>deiramente pode<br />

ser intitulado de <strong>social</strong>, pois, caracteriza-se por ser mantido por pessoa jurídica de direito<br />

público, é de <strong>na</strong>tureza institucio<strong>na</strong>l, é de fi liação compulsória e as contribuições têm <strong>na</strong>tureza<br />

tributária. Este sistema pode ser desti<strong>na</strong>do aos servidores públicos e mantido pelos entes<br />

políticos <strong>da</strong> Federação, sendo chamado de Regime Próprio de Previdência Social - RPPS,<br />

<strong>ou</strong> aos trabalhadores <strong>da</strong> iniciativa priva<strong>da</strong> que faz parte do Regime Geral de Previdência<br />

Social - RGPS, sendo, neste caso, gerido por uma autarquia federal, atualmente o INSS 98 .<br />

A previdência <strong>social</strong>, tanto no Regime Geral de Previdência Social como no Regime Próprio<br />

de Previdência Social pode ser conceitua<strong>da</strong> como seguro público, coletivo, compulsório,<br />

mediante contribuição e que visa cobrir os seguintes riscos sociais: incapaci<strong>da</strong>de, i<strong>da</strong>de<br />

avança<strong>da</strong>, tempo de contribuição, encargos de família, morte e reclusão 99 .<br />

Assim, podemos constatar que a previdência é direito <strong>social</strong> de fruição universal para os<br />

que contribuem para o sistema. Ocorrendo um risco <strong>social</strong> que afaste o trabalhador <strong>da</strong> sua<br />

ativi<strong>da</strong>de laboral, caberá à previdência a manutenção do segurado <strong>ou</strong> de sua família 100 .<br />

<strong>20</strong>4.<br />

DIREITO À ASSISTÊNCIA SOCIAL<br />

A assistência <strong>social</strong> encontra-se prevista <strong>na</strong> atual Constituição Federal nos arts. <strong>20</strong>3 e<br />

A assistência <strong>social</strong> é um benefício de prestações sociais mínimas e gratuitas a cargo<br />

do Estado para <strong>da</strong>r às pessoas necessita<strong>da</strong>s condições de uma vi<strong>da</strong> dig<strong>na</strong>. É um direito<br />

<strong>social</strong> fun<strong>da</strong>mental para o indivíduo, enquanto que para o Estado, é um dever a ser realizado<br />

através de ações que busquem atender às necessi<strong>da</strong>des básicas do ci<strong>da</strong>dão, em situações<br />

críticas <strong>da</strong> existência huma<strong>na</strong>, tais como a materni<strong>da</strong>de, infância, adolescência, velhice e<br />

quando portadoras de necessi<strong>da</strong>des especiais 101 .<br />

As prestações de assistência <strong>social</strong> são desti<strong>na</strong><strong>da</strong>s aos indivíduos sem condições de<br />

prover o seu próprio sustento de forma permanente <strong>ou</strong> provisória, independentemente <strong>da</strong><br />

(97) BRASIL. Constituição Federal de 1988. Constituição <strong>da</strong> República Federativa do Brasil.<br />

Disponível em: .<br />

Acesso em: 08 nov. 07.<br />

(98) TAVARES, <strong>20</strong>05, p. 25-26.<br />

(99) Ibid., p. 29.<br />

(100) Ibid., p. 29.<br />

(101) Ibid., p. 18.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

<strong>20</strong>1


<strong>20</strong>2<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

exigência de contribuição para o sistema de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. Inicialmente, a responsabili<strong>da</strong>de<br />

pelo sustento destas pessoas é do círculo familiar e, somente quando existir impossibili<strong>da</strong>de<br />

deste sustento a responsabili<strong>da</strong>de passa a ser, então, do Poder Público. Portanto, somente<br />

haverá direito às prestações assistenciais se não h<strong>ou</strong>ver meios próprios <strong>ou</strong> familiares de<br />

sustento <strong>da</strong> pessoa 102 .<br />

A assistência pode ser presta<strong>da</strong> mediante pagamento em dinheiro, sendo neste caso,<br />

denomi<strong>na</strong><strong>da</strong> de benefícios, <strong>ou</strong> efetiva<strong>da</strong>s com a prestação de serviços <strong>ou</strong> entrega direta de<br />

bens materiais, como r<strong>ou</strong>pas, alimentos <strong>ou</strong> remédios 103 .<br />

A assistência <strong>social</strong> está prevista nos artigos 6º e <strong>20</strong>3 <strong>da</strong> Constituição Federal, sendo<br />

regulamenta<strong>da</strong> pela Lei nº 8.742/93 – Lei Orgânica <strong>da</strong> Assistência Social 104 .<br />

As Leis nº 8.742/93 e 10.741/<strong>20</strong>03 (Estatuto do Idoso) regulamentam dois dos conceitos<br />

indetermi<strong>na</strong>dos componentes dos requisitos do benefício de prestação continua<strong>da</strong>:<br />

consideram idosa a pessoa a partir de 65 <strong>anos</strong> e defi ne necessi<strong>da</strong>de considerando incapaz<br />

de prover a manutenção <strong>da</strong> pessoa portadora de defi ciência <strong>ou</strong> idosa a família cuja ren<strong>da</strong><br />

mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo 105 .<br />

ASSISTÊNCIA SOCIAL<br />

CONCEITO<br />

Sérgio Pinto Martins defi ne a assistência <strong>social</strong> como,<br />

Um conjunto de princípios, de regras e de instituições desti<strong>na</strong>do a estabelecer uma<br />

política <strong>social</strong> aos hipossufi cientes, por meios de ativi<strong>da</strong>des particulares e estatais, visan-<br />

do á concessão de pequenos benefícios e serviços, independentemente de contribuição<br />

por parte do próprio interessado 106 .<br />

O art. 4º <strong>da</strong> Lei nº 8.212 de 1991, dispõe que,<br />

A Assistência Social é a política <strong>social</strong> que provê o atendimento <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des<br />

básicas, traduzi<strong>da</strong>s em proteção à família, à materni<strong>da</strong>de, à infância, à adolescência, à<br />

velhice e à pessoa portadora de defi ciência, independentemente de contribuição à Se-<br />

guri<strong>da</strong>de Social 107 .<br />

A Lei nº 8.742, em seu art. 1º, estabelece que,<br />

(102) TAVARES, <strong>20</strong>05, p. 18.<br />

(103) Ibid., p. 18.<br />

(104) Ibid., p. 18.<br />

(105) Ibid., p. 18-19.<br />

(106) MARTINS, Sérgio Pinto. Direito <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. 22. ed. São Paulo: Atlas, <strong>20</strong>05. p. 498.<br />

(107) BRASIL. Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre a organização <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, institui Plano<br />

de Custeio, e dá <strong>ou</strong>tras providências. Diário Ofi cial [<strong>da</strong>] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 jul.<br />

1991. Disponível em: . Acesso em: 8 nov. <strong>20</strong>07.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


OBJETIVOS<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

A assistência <strong>social</strong>, direito do ci<strong>da</strong>dão e dever do Estado, é Política de Seguri<strong>da</strong>de<br />

Social não-contributiva, que prevê os mínimos sociais, realiza<strong>da</strong> por meio de um con-<br />

junto integrado de ações <strong>da</strong> iniciativa pública e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de para garantir o atendimento<br />

às necessi<strong>da</strong>des básicas 108 .<br />

A Assistência Social tem seus objetivos escritos no art. <strong>20</strong>3, I a V, <strong>da</strong> Constituição<br />

Federal. São eles:<br />

I-<br />

a proteção à família, à materni<strong>da</strong>de, à infância, à adolescência e à velhice;<br />

II- o amparo às crianças e adolescentes carentes;<br />

III- a promoção <strong>da</strong> integração ao mercado de trabalho;<br />

IV- a habilitação e a reabilitação <strong>da</strong>s pessoas portadoras de defi ciência e a<br />

promoção de sua integração à vi<strong>da</strong> comunitária;<br />

V- a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora<br />

de defi ciência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria<br />

manutenção <strong>ou</strong> de tê-la provi<strong>da</strong> por sua família 109 .<br />

Estes mesmos objetivos são, também, citados <strong>na</strong> Lei nº 8.742 de 1993, no art. 2º. O<br />

parágrafo único do mesmo artigo traz, ain<strong>da</strong>: “A assistência <strong>social</strong> realiza-se de forma<br />

integra<strong>da</strong> às políticas setoriais, visando ao enfrentamento <strong>da</strong> pobreza, à garantia dos mínimos<br />

sociais, ao provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização<br />

dos direito sociais” 110 .<br />

PRINCÍPIOS<br />

São princípios <strong>da</strong> assistência <strong>social</strong>, segundo o art. 4º <strong>da</strong> Lei nº 8.742 de 1993:<br />

a)<br />

supremacia do atendimento às necessi<strong>da</strong>des sociais sobre as exigências de<br />

rentabili<strong>da</strong>de econômica;<br />

b)<br />

universalização dos direitos sociais, a fi m de tor<strong>na</strong>r o desti<strong>na</strong>tário <strong>da</strong> ação assistencial<br />

alcançável pelas demais políticas públicas;<br />

c)<br />

respeito à digni<strong>da</strong>de do ci<strong>da</strong>dão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e<br />

(108) BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização <strong>da</strong> Assistência Social e dá <strong>ou</strong>tras<br />

providências. Diário Ofi cial [<strong>da</strong>] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1993. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. <strong>20</strong>07.<br />

(109) BRASIL. Constituição Federal de 1988. Constituição <strong>da</strong> República Federativa do Brasil.<br />

Disponível em: .<br />

Acesso em: 08 nov. <strong>20</strong>07.<br />

(110) BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização <strong>da</strong> Assistência Social e dá <strong>ou</strong>tras<br />

providências. Diário Ofi cial [<strong>da</strong>] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1993. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. <strong>20</strong>07.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

<strong>20</strong>3


<strong>20</strong>4<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

serviços de quali<strong>da</strong>de, bem como à conveniência familiar e comunitária, ve<strong>da</strong>ndo-se qualquer<br />

comprovação vexatória de necessi<strong>da</strong>de;<br />

d)<br />

igual<strong>da</strong>de de direitos no acesso ao atendimento, sem discrimi<strong>na</strong>ção de qualquer<br />

<strong>na</strong>tureza, garantindo-se equivalência às populações urba<strong>na</strong>s e rurais;<br />

e)<br />

divulgação ampla de benefício, serviços, programas e projetos assistenciais, bem<br />

como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão. A<br />

assistência <strong>social</strong> não tem característica universal, pois não atinge a todos 111 .<br />

DIRETRIZES<br />

Segundo o art. 5º <strong>da</strong> Lei nº 8.742, a organização <strong>da</strong> assistência <strong>social</strong> tem como base<br />

as seguintes diretrizes:<br />

a) descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os<br />

Municípios, com comandos único <strong>da</strong>s ações em ca<strong>da</strong> esfera de governo;<br />

b)<br />

participação <strong>da</strong> população por meio de organizações representativas, <strong>na</strong> formulação<br />

<strong>da</strong>s políticas e no controle <strong>da</strong>s ações em todos os níveis;<br />

c)<br />

primazia <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de do Estado <strong>na</strong> condução <strong>da</strong> política de assistência <strong>social</strong><br />

em ca<strong>da</strong> esfera de governo 112 .<br />

ORGANIZAÇÃO E GESTÃO<br />

Segundo o art. 6º <strong>da</strong> Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993,<br />

As ações <strong>na</strong> área <strong>da</strong> assistência <strong>social</strong> são organiza<strong>da</strong>s em sistema descentralizado<br />

e participativo, constituído pelas enti<strong>da</strong>des e organizações de assistência <strong>social</strong>, que<br />

articule meios e recursos, além de um conjunto de instâncias deliberativas compostas<br />

pelos diversos setores envolvidos <strong>na</strong> área 113 .<br />

No que tange às enti<strong>da</strong>des e organizações de assistência <strong>social</strong>, as ações deverão<br />

sempre observar as normas expedi<strong>da</strong>s pelo Conselho Nacio<strong>na</strong>l de Assistência Social –<br />

CNAS 114 .7<br />

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, fi xarão suas respectivas políticas<br />

de assistência <strong>social</strong>, observando os princípios e as diretrizes 115 .<br />

Os arts. 12, 13, 14 e 15 <strong>da</strong> Lei Orgânica <strong>da</strong> Assistência Social, apresentam as competências<br />

(111) BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização <strong>da</strong> Assistência Social e dá <strong>ou</strong>tras<br />

providências. Diário Ofi cial [<strong>da</strong>] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1993. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. <strong>20</strong>07.<br />

(112) Ibid., Acesso em: 15 ago. <strong>20</strong>07.<br />

(113) BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização <strong>da</strong> Assistência Social e dá <strong>ou</strong>tras<br />

providências. Diário Ofi cial [<strong>da</strong>] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1993. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. <strong>20</strong>07.<br />

(114) MARTINS, Sérgio Pinto. Direito <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. 22. ed. São Paulo: Atlas, <strong>20</strong>05. p. 500.<br />

(115) Ibid., p. 500.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

que cabe a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, respectivamente. Já o<br />

art. 16, trata do Conselho Nacio<strong>na</strong>l de Assistência Social – CNAS e sua competência.<br />

CUSTEIO<br />

O custeio <strong>da</strong> assistência <strong>social</strong> é encargo <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, pois será realizado com recursos<br />

do orçamento <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> (art. <strong>20</strong>4 <strong>da</strong> Constituição), é um encargo de to<strong>da</strong> a<br />

socie<strong>da</strong>de, de forma direta <strong>ou</strong> indireta, no termos <strong>da</strong> lei, conforme o disposto no art. 195 <strong>da</strong><br />

Constituição <strong>da</strong> República 116 .<br />

O fi <strong>na</strong>nciamento dos benefícios, serviços, programas e projetos estabelecidos pela Lei<br />

nº 8.742 far-se-á com os recursos <strong>da</strong> União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios<br />

e <strong>da</strong>s demais contribuições sociais previstas no art. 195 <strong>da</strong> Constituição, além <strong>da</strong>quelas que<br />

compõem o FNAS 117 .<br />

SERVIÇOS ASSISTENCIAIS<br />

Os serviços assistenciais são as ativi<strong>da</strong>des continua<strong>da</strong>s que pretendem garantir melhores<br />

condições de vi<strong>da</strong> à população e cujas ações são volta<strong>da</strong>s para as necessi<strong>da</strong>des básicas,<br />

estando em conformi<strong>da</strong>de com os objetivos, princípios e diretrizes <strong>da</strong> Assistência Social 118 .<br />

Segundo o art. 23 <strong>da</strong> Lei nº 8.742 de 1993, deverão ser criados programas de proteção,<br />

às crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e <strong>social</strong>, bem como de amparo às<br />

pessoas que vivem <strong>na</strong>s ruas 119 .<br />

Os serviços podem ser divididos em: “serviço <strong>social</strong>” e “habilitação e reabilitação<br />

profi ssio<strong>na</strong>l”.<br />

Serviço Social<br />

O serviço <strong>social</strong> tem como objetivo, prestar ao benefi ciário, orientação e apoio nos<br />

problemas pessoais e familiares, bem como visa, ain<strong>da</strong>, à melhoria <strong>da</strong> sua inter-relação com<br />

a Previdência Social, celebrando convênios, acordos e credenciamentos destes benefi ciários.<br />

Os serviços sociais prestados aos benefi ciários objetivam também esclarecê-los de seus<br />

direitos sociais e os meios de exercê-los, facilitando o acesso aos benefícios e aos serviços<br />

do sistema 1<strong>20</strong> .<br />

A ação profi ssio<strong>na</strong>l consiste <strong>na</strong> prestação de informações, acesso à documentação para<br />

habilitação, concessão de recursos materiais, encaminhamento a recursos sociais e até<br />

(116) MARTINS, <strong>20</strong>05, p. 504.<br />

(117) Ibid., p. 504.<br />

(118) Ibid., p. 505.<br />

(119) BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização <strong>da</strong> Assistência Social e dá <strong>ou</strong>tras<br />

providências. Diário Ofi cial [<strong>da</strong>] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1993. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. <strong>20</strong>07.<br />

(1<strong>20</strong>) MARTINS, <strong>20</strong>05, p. 505.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

<strong>20</strong>5


mesmo assistência de <strong>na</strong>tureza jurídica 121 .<br />

<strong>20</strong>6<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

O serviço <strong>social</strong> é fun<strong>da</strong>mental, pois grande parte <strong>da</strong> população desconhece seus direitos<br />

e deveres em relação à Previdência Social, e muitas vezes, as pessoas acabam fi cando<br />

horas <strong>na</strong>s fi las dos Postos de Atendimento <strong>da</strong> Previdência para depois descobrir que falta<br />

algum documento <strong>ou</strong> que o benefício poderia ser requerido através <strong>da</strong> internet 122 .<br />

Habilitação e Reabilitação Profi ssio<strong>na</strong>l<br />

Habilitação é o procedimento oferecido às pessoas que têm certas limitações de<br />

<strong>na</strong>scença, para que estas possam qualifi car-se para exercer uma ativi<strong>da</strong>de laborativa.<br />

Enquanto que, a reabilitação é o procedimento oferecido às pessoas portadoras de alguma<br />

defi ciência em virtude de acidente, para que estas possam voltar a exercer algum tipo de<br />

ativi<strong>da</strong>de laborativa. Este processo, também tem por objetivo preparar o acidentado para o<br />

exercício de <strong>ou</strong>tra função 123 .<br />

A habilitação e a reabilitação profi ssio<strong>na</strong>l pretendem proporcio<strong>na</strong>r aos benefi ciários<br />

incapacitados, seja parcial <strong>ou</strong> totalmente para o trabalho, e aos portadores de algum tipo de<br />

defi ciência, os meios para reeducação e rea<strong>da</strong>ptação profi ssio<strong>na</strong>l e também <strong>social</strong>. Estes<br />

serviços profi ssio<strong>na</strong>is serão devidos aos segurados em caráter obrigatório, sendo que, os<br />

aposentados também terão direito a este processo 124 .<br />

O processo de reabilitação profi ssio<strong>na</strong>l será realizado por meio de fases básicas,<br />

simultâneas <strong>ou</strong> sucessivas, compreendendo avaliações fi siológicas, psicológicas e sócio-<br />

profi ssio<strong>na</strong>is, bem como a recuperação, rea<strong>da</strong>ptação e habilitação para o desempenho de<br />

ativi<strong>da</strong>de que garanta a subsistência do reabilitado 125 .<br />

A reabilitação profi ssio<strong>na</strong>l compreende:<br />

a) o fornecimento de aparelho de prótese, órtese e instrumento de auxílio de locomoção<br />

quando a per<strong>da</strong> <strong>ou</strong> redução de capaci<strong>da</strong>de funcio<strong>na</strong>l puder ser atenua<strong>da</strong> por seu uso, e dos<br />

equipamentos necessários à habilitação e reabilitação <strong>social</strong> e profi ssio<strong>na</strong>l;<br />

b) a reparação <strong>ou</strong> a substituição dos aparelhos mencio<strong>na</strong>dos anteriormente, desgastados<br />

pelo uso normal <strong>ou</strong> por ocorrência estranha à vontade do benefi ciário;<br />

c) o transporte do acidentado do trabalho, quando necessário 126 .<br />

Ao término do processo de reabilitação profi ssio<strong>na</strong>l, o INSS deverá emitir um certifi cado<br />

individual, indicando a função para a qual o reabilitado foi capacitado profi ssio<strong>na</strong>lmente, sem<br />

prejuízo do exercício de <strong>ou</strong>tra função para a qual se julgue capacitado 127 .<br />

Entretanto, o sistema encontra-se defi ciente, o que acaba impossibilitando o cumprimento<br />

(121) Ibid., p. 505.<br />

(122) TSUTIYA, Augusto Massayuki. Curso de direito <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. São Paulo: Saraiva, <strong>20</strong>07, p. 352.<br />

(123) MARTINS, op. cit., p. 506.<br />

(124) Ibid., p. 506.<br />

(125) MARTINS, <strong>20</strong>05, p. 506.<br />

(126) Ibid., p. 506.<br />

(127) Ibid., p. 506-507.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


do objetivo fi xado.<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Sobre o assunto o autor Augusto Massayuki Tsutiya afi rma que,<br />

A bem <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, os CRPs (Centros de Reabilitação Profi ssio<strong>na</strong>l), com honrosas<br />

exceções, estão há muito falidos. Funcio<strong>na</strong>m devido ao concurso de abnegados servi-<br />

dores do INSS, que se dedicam integralmente à recuperação e reinserção dos trabalha-<br />

dores acidentados no mercado de trabalho 128 .<br />

Assim, o que se pode notar é que os Centros de Reabilitação Profi ssio<strong>na</strong>l não cumprem<br />

os seus objetivos e o art. 93 <strong>da</strong> Lei nº 8.213/91 passa a ser descumprido quase que <strong>na</strong> sua<br />

totali<strong>da</strong>de, pois falta verba, mas principalmente faltam oportuni<strong>da</strong>des aos trabalhadores para<br />

se integrar <strong>ou</strong> reintegrar ao mercado de trabalho 129 .<br />

PROGRAMAS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL<br />

Os programas de assistência compreendem ações integra<strong>da</strong>s e complementares com<br />

objetivos, tempo e áreas de abrangência defi nidos para qualifi car, incentivar e melhorar os<br />

benefícios e os serviços assistenciais. Estes programas serão defi nidos pelos Conselhos de<br />

Assistência Social, e deverão priorizar a inserção profi ssio<strong>na</strong>l e <strong>social</strong> do indivíduo 130 .<br />

Os programas assistenciais são ofertados <strong>na</strong> forma de benefícios e serviços. Os benefícios<br />

são prestações pecuniárias, enquanto que os serviços são prestações não-pecuniárias que<br />

visam garantir melhores condições de inserção do indivíduo <strong>na</strong> socie<strong>da</strong>de e no ambiente<br />

profi ssio<strong>na</strong>l 131 .<br />

Observa-se que estes programas assistenciais são aqueles que contam ape<strong>na</strong>s com a<br />

aju<strong>da</strong> e o custeio <strong>da</strong> União, pois, ain<strong>da</strong> há muitos <strong>ou</strong>tros programas de responsabili<strong>da</strong>de de<br />

Organizações Não-Gover<strong>na</strong>mentais (ONG’s), uma vez que o Estado não consegue cumprir<br />

sua função e abranger a todos os necessitados.<br />

BENEFÍCIOS<br />

Os benefícios assistenciais compreendem benefícios eventuais e benefícios de<br />

prestação continua<strong>da</strong>. Os benefícios eventuais incluem: auxílio-<strong>na</strong>tali<strong>da</strong>de e auxílio-funeral.<br />

Enquanto que os benefícios de prestação continua<strong>da</strong>, <strong>ou</strong> também chamados de benefícios<br />

permanentes, incluem: bolsa-alimentação; bolsa-escola; auxílio-gás; bolsa-família, além do<br />

próprio benefício denomi<strong>na</strong>do de benefício de prestação continua<strong>da</strong>.<br />

Benefícios Eventuais<br />

O auxílio-<strong>na</strong>tali<strong>da</strong>de e o auxílio-funeral foram instituídos pela Lei nº 3.807 de 1960.<br />

(128) TSUTIYA, Augusto Massayuki. Curso de direito <strong>da</strong> seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>. São Paulo: Saraiva, <strong>20</strong>07. p. 354.<br />

(129) Ibid., p. 354.<br />

(130) MARTINS, <strong>20</strong>05, p. 512.<br />

(131) TSUTIYA, <strong>20</strong>07, p. 426.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

<strong>20</strong>7


<strong>20</strong>8<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Entretanto, foram extintos com a implantação dos benefícios previstos <strong>na</strong> Lei nº 8.742 de<br />

1993.<br />

O auxílio-<strong>na</strong>tali<strong>da</strong>de era devido à segura<strong>da</strong> gestante <strong>ou</strong> ao segurado pelo parto de<br />

sua esposa <strong>ou</strong> companheira não segura<strong>da</strong>. O segurado <strong>ou</strong> a segura<strong>da</strong> deveria contar<br />

com no mínimo 12 (doze) contribuições mensais e sua remuneração mensal deveria ser<br />

igual <strong>ou</strong> inferior a Cr$51.000,00. O benefício era devido no valor de uma parcela única de<br />

Cr$5.000,00. Já o auxílio-funeral era devido por morte do segurado com rendimento mensal<br />

igual <strong>ou</strong> inferior a Cr$51.000,00. O benefício era pago ao executor do funeral, em valor não<br />

excedente a Cr$17.000,00 132 .<br />

Em 1993, a Lei nº 8.742, em seu art. 22, pass<strong>ou</strong> a tratar de benefícios eventuais, os<br />

quais visam ao pagamento de auxílio por <strong>na</strong>tali<strong>da</strong>de <strong>ou</strong> morte às famílias cuja ren<strong>da</strong> mensal<br />

per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo, absorvendo os antigos auxílio-<br />

<strong>na</strong>tali<strong>da</strong>de e auxílio-funeral. Assim, esses últimos benefícios perderam sua efi cácia a partir<br />

de 1º de janeiro de 1996, sendo revogados pelo art. 15 <strong>da</strong> Lei nº 9.528 de 1997 133 .<br />

Poderão, ain<strong>da</strong>, ser estabelecidos <strong>ou</strong>tros benefícios eventuais, desde que estes benefícios<br />

visem atender a necessi<strong>da</strong>des oriun<strong>da</strong>s de situações de vulnerabili<strong>da</strong>de temporária, com<br />

priori<strong>da</strong>de para as crianças, às famílias, os idosos, às pessoas portadoras de defi ciência, às<br />

gestantes, bem como, nos casos de calami<strong>da</strong>de pública 134 .<br />

Benefícios Permanentes<br />

Bolsa-alimentação<br />

Instituído pela Medi<strong>da</strong> Provisória n° 2.<strong>20</strong>6-1, de 6 de setembro de <strong>20</strong>01, o Programa<br />

Nacio<strong>na</strong>l de Ren<strong>da</strong> Mínima vinculado à Saúde - Bolsa Alimentação - desti<strong>na</strong>-se à promoção<br />

<strong>da</strong>s condições de saúde e nutrição de gestantes, nutrizes e crianças de 6 (seis) meses a 6<br />

(seis) <strong>anos</strong> e 11 (onze) meses de i<strong>da</strong>de, que pertençam a famílias com ren<strong>da</strong> per capita inferior<br />

ao valor fi xado <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lmente em ato do Poder Executivo para ca<strong>da</strong> exercício fi <strong>na</strong>nceiro,<br />

objetivando a complementação <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> familiar para melhoria <strong>da</strong> alimentação 135 .<br />

O programa concederá um auxílio no valor de R$ 15,00 (quinze reais) por benefi ciário,<br />

até o limite de R$ 45,00 (quarenta e cinco reais) por família benefi cia<strong>da</strong>. Estes valores podem<br />

ser alterados pelo Poder Executivo de acordo com as disponibili<strong>da</strong>des orçamentárias, tendo<br />

duração de 6 (seis) meses, que ain<strong>da</strong> podem ser prorrogados por igual período caso o<br />

benefi ciário se mantenha em condições de pobreza e cumpra determi<strong>na</strong>dos compromissos<br />

de manutenção <strong>da</strong> saúde, entre eles a efetivação de consultas pré-<strong>na</strong>tal, vaci<strong>na</strong>ção regular<br />

do recém-<strong>na</strong>scido, estimulação do desenvolvimento físico e psicológico <strong>da</strong> criança, estando,<br />

(132) MARTINS, <strong>20</strong>05, p. 511.<br />

(133) Ibid., p. 511.<br />

(134) Ibid., p. 511-512.<br />

(135) TSUTIYA, <strong>20</strong>07, p. 427.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

além disso, a receber orientações sobre cui<strong>da</strong>dos com alimentação e nutrição 136 .<br />

Bolsa-escola<br />

A Lei nº 10.219, de 11 de abril de <strong>20</strong>01, cri<strong>ou</strong> o programa bolsa-escola, o qual foi<br />

regulamentado pelo Decreto nº 3.823, de 28 de maio de <strong>20</strong>01. O programa bolsa-escola<br />

desti<strong>na</strong>-se às famílias com ren<strong>da</strong> familiar per capita inferior ao valor fi xado <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lmente<br />

em ato do Poder Executivo para ca<strong>da</strong> exercício e que possuam sob sua responsabili<strong>da</strong>de<br />

crianças com i<strong>da</strong>de entre 6 (seis) e 15 (quinze) <strong>anos</strong>, matricula<strong>da</strong>s em estabelecimento de<br />

ensino fun<strong>da</strong>mental regular, com freqüência escolar igual <strong>ou</strong> superior a 85% (oitenta e cinco<br />

por cento) 137 .<br />

A participação <strong>da</strong> União no programa compreenderá no pagamento, diretamente à<br />

família benefi ciária, do valor mensal de R$ 15,00 (quinze reais) por criança que aten<strong>da</strong> aos<br />

requisitos, até o limite máximo de três crianças por família 138 .<br />

Auxílio-gás<br />

O auxílio-gás foi criado pela Medi<strong>da</strong> Provisória nº 18, de 28 de dezembro de <strong>20</strong>01, que<br />

se converteu <strong>na</strong> Lei nº 10.453, de 13 de maio de <strong>20</strong>02, e foi regulamentado pelo Decreto nº<br />

4.102, de 24 de janeiro de <strong>20</strong>02. O programa desti<strong>na</strong>-se a subsidiar o preço do gás liquefeito<br />

de petróleo às famílias de baixa ren<strong>da</strong> 139 .<br />

O programa atende às famílias que possuem ren<strong>da</strong> mensal per capita máxima equivalente<br />

a meio salário mínimo, que sejam integrantes do Ca<strong>da</strong>stramento Único para Programas<br />

Sociais do Governo Federal e que sejam benefi ciárias do programa bolsa-escola <strong>ou</strong> bolsa-<br />

alimentação, <strong>ou</strong> ca<strong>da</strong>stra<strong>da</strong>s como potenciais benefi ciárias desses programas 140 .<br />

Incumbe ao Poder executivo defi nir o valor mensal do benefício por família, atualmente<br />

fi x<strong>ou</strong>-se o valor de R$ 7,50 (sete reais e cinqüenta centavos), pagos bimestralmente à mãe<br />

<strong>ou</strong> responsável pela família 141 .<br />

Bolsa-família<br />

O programa bolsa-família foi criado pela Lei nº 10.832, de 9 de janeiro de <strong>20</strong>04. Tal<br />

programa unifi c<strong>ou</strong> todos os benefícios sociais (bolsa-escola, bolsa-alimentação, cartão-<br />

alimentação e auxílio-gás) do governo federal num único programa, com o objetivo de<br />

combater a miséria e a exclusão <strong>social</strong> sem burocracia 142 .<br />

O benefício é desti<strong>na</strong>do às famílias que se encontrem em situação de extrema pobreza,<br />

caracteriza<strong>da</strong>s como aquelas que têm ren<strong>da</strong> familiar per capita de até R$ 50,00 (cinqüenta<br />

reais), casos em que será concedido um benefício mensal de R$ 50,00 (cinqüenta reais)<br />

(136) Ibid., p. 428.<br />

(137) Ibid., p. 430.<br />

(138) TSUTIYA, <strong>20</strong>07, p. 431.<br />

(139) Ibid., p. 431-432.<br />

(140) Ibid., p. 432.<br />

(141) Ibid., p. 432.<br />

(142) TSUTIYA, <strong>20</strong>07, p. 432.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

<strong>20</strong>9


210<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

mensais; e ain<strong>da</strong>, é desti<strong>na</strong>do às famílias que se encontrem em situação de pobreza e<br />

extrema pobreza e que tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças entre zero<br />

e 12 (doze) <strong>anos</strong> <strong>ou</strong> adolescentes em fase escolar até 15 (quinze) <strong>anos</strong>, sendo neste caso,<br />

concedido um benefício mensal de R$ 15,00 (quinze reais) por benefi ciário, até o limite de<br />

R$ 45,00 (quarenta e cinco reais) por família, e será concedido a família com ren<strong>da</strong> per<br />

capita de até R$ 100,00 (cem reais) 143 .<br />

A concessão dos benefícios dependerá do cumprimento de condicio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de relativas<br />

ao exame pré-<strong>na</strong>tal, ao acompanhamento nutricio<strong>na</strong>l, ao acompanhamento de saúde,<br />

e à freqüência escolar de 85% (oitenta e cinco por cento) em estabelecimento de ensino<br />

regular 144 .<br />

Benefício de prestação continua<strong>da</strong><br />

A Lei nº 6.179 de 1974 instituiu a ren<strong>da</strong> mensal vitalícia, tendo <strong>na</strong> época o nome de<br />

“amparo previdenciário”. Quando esta espécie de benefício foi instituí<strong>da</strong>, correspondia à,<br />

ape<strong>na</strong>s, metade do salário mínimo 145 .<br />

O amparo previdenciário era concedido ao maior de 70 (setenta) <strong>anos</strong> <strong>ou</strong> à pessoa,<br />

defi nitivamente incapacita<strong>da</strong> para o trabalho, que não exercesse ativi<strong>da</strong>de remunera<strong>da</strong> <strong>ou</strong><br />

tivesse rendimento superior ao valor <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> mensal de 60% (sessenta por cento) do valor<br />

do salário mínimo 146 .<br />

A ren<strong>da</strong> mensal vitalícia é uma prestação de assistência <strong>social</strong> prevista no inciso V,<br />

do art. <strong>20</strong>3, <strong>da</strong> Constituição. Tal artigo dispõe sobre a garantia de um salário mínimo de<br />

benefício mensal à pessoa portadora de defi ciência e ao idoso que comprovar não possuir<br />

meios de prover a própria manutenção <strong>ou</strong> tê-la provi<strong>da</strong>, por sua família, nos termos <strong>da</strong> lei.<br />

O valor do benefício era de um salário mínimo, sendo ve<strong>da</strong><strong>da</strong> sua cumulação com qualquer<br />

espécie de benefício do Regime Geral de Previdência Social <strong>ou</strong> de <strong>ou</strong>tro regime 147 .<br />

A ren<strong>da</strong> mensal vitalícia continuaria integrando o elenco de benefícios <strong>da</strong> Previdência<br />

Social, até que fosse regulamentado o inciso V do art. <strong>20</strong>3 <strong>da</strong> Constituição, é o que dispõe<br />

o art. 139 <strong>da</strong> Lei nº 8.213 148 .<br />

Entretanto, o art. 139 <strong>da</strong> Lei nº 8.213, perdeu efi cácia a partir de 1 de janeiro de 1996,<br />

quando h<strong>ou</strong>ve a implantação do benefício de prestação continua<strong>da</strong>, previsto nos arts. <strong>20</strong> e<br />

21 <strong>da</strong> Lei nº 8.742, e regulamentado pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995. O<br />

art. 40 <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> lei afi rmava que com a implantação do benefício de prestação continua<strong>da</strong><br />

(143) Ibid., p. 432.<br />

(144) Ibid., p. 434.<br />

(145) MARTINS, <strong>20</strong>05, p. 508.<br />

(146) Ibid., p. 508.<br />

(147) MARTINS, <strong>20</strong>05, p. 508.<br />

(148) Ibid., p. 508.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


fi cava extinta a ren<strong>da</strong> mensal vitalícia 149 .<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA<br />

CONCEITO<br />

O art. <strong>20</strong> <strong>da</strong> Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, dispõe que,<br />

O benefi cio de prestação continua<strong>da</strong> é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal<br />

à pessoa portadora de defi ciência e ao idoso com 70 (setenta) <strong>anos</strong> <strong>ou</strong> mais e que com-<br />

provem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provi<strong>da</strong> por<br />

sua família 150 .<br />

Desta forma, o benefício de prestação continua<strong>da</strong> <strong>na</strong><strong>da</strong> mais é do que uma tentativa<br />

de amenizar a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas portadoras de defi ciência e dos idosos, proporcio<strong>na</strong>ndo<br />

ao defi ciente <strong>ou</strong> idoso uma ren<strong>da</strong> fi xa que lhe assegure melhores condições para uma vi<strong>da</strong><br />

dig<strong>na</strong>.<br />

CRITÉRIOS E REQUISITOS PARA A OBTENÇÃO DO BENEFÍCIO<br />

Pessoa Idosa<br />

Atualmente, a expectativa de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> população brasileira vem aumentando, o que<br />

exige do Estado e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de em geral, providências efetivas para a garantia dos direitos<br />

fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong>s pessoas idosas 151 .<br />

No início do século XX a expectativa de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> população brasileira era ape<strong>na</strong>s de<br />

33 (trinta e três) <strong>anos</strong>. Assim, o número de pessoas idosas era pequeno e a velhice não<br />

era trata<strong>da</strong> como uma questão <strong>social</strong> relevante. Entretanto, com o aumento <strong>da</strong> expectativa<br />

de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> população, que hoje já se aproxima dos 70 (setenta) <strong>anos</strong>, e a conseqüente<br />

organização dos idosos, que passaram a lutar por seus direitos, a questão do envelhecimento<br />

transform<strong>ou</strong>-se em questão pública 152 .<br />

A Constituição Federal traz em seu art. 3º, inciso IV, como um dos objetivos fun<strong>da</strong>mentais<br />

<strong>da</strong> República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,<br />

raça, sexo, cor, i<strong>da</strong>de e quaisquer <strong>ou</strong>tras formas de discrimi<strong>na</strong>ção. Assim, podemos perceber<br />

que a faixa etária também tem relevo constitucio<strong>na</strong>l 153 .<br />

(149) Ibid., p. 508.<br />

(150) BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização <strong>da</strong> Assistência Social e dá <strong>ou</strong>tras<br />

providências. Diário Ofi cial [<strong>da</strong>] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1993. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. <strong>20</strong>07.<br />

(151) RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. O Estatuto do Idoso (primeiras notas para um debate). Disponível em: . Acesso em: 21 jun. <strong>20</strong>07.<br />

(152) RAMOS, Acesso em: 21 jun. <strong>20</strong>07.<br />

(153) FERREIRA, Vandir <strong>da</strong> Silva; BONFÁ, Sandra Julião. Direito dos Idosos. Disponível em: . Acesso em: 21 jun. <strong>20</strong>07.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

211


212<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Para o idoso que não é assegurado <strong>da</strong> Previdência Social, a Carta Mag<strong>na</strong>, assegura,<br />

ain<strong>da</strong>, em seu art. <strong>20</strong>3, inciso V, a prestação de assistência <strong>social</strong>, <strong>na</strong> forma de um salário<br />

mínimo mensal ao idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção<br />

<strong>ou</strong> tê-la provi<strong>da</strong> por sua família 154 .<br />

Em conseqüência a este artigo foi promulga<strong>da</strong> a Lei nº 8.742 de 1993, que assegura no<br />

seu art. <strong>20</strong>, a assistência <strong>social</strong> à velhice, regulando o benefício de prestação continua<strong>da</strong>,<br />

que consiste <strong>na</strong> garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de defi ciência<br />

e ao idoso com 70 (setenta) <strong>anos</strong> <strong>ou</strong> mais e que comprovem não possuir meios de prover a<br />

própria manutenção e nem tê-la provi<strong>da</strong> por sua família 155 .<br />

A partir de janeiro de 1998, a i<strong>da</strong>de mínima para receber o benefício de prestação<br />

continua<strong>da</strong> foi reduzi<strong>da</strong> de 70 (setenta) para 67 (sessenta e sete) <strong>anos</strong>. E, em <strong>20</strong>03, o art. 34<br />

<strong>da</strong> Lei nº 10.741 (Estatuto do Idoso), dispôs que,<br />

Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) <strong>anos</strong>, que não possuam meios para<br />

prover sua subsistência, nem de tê-la provi<strong>da</strong> por sua família, é assegurado o benefício<br />

mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos <strong>da</strong> Lei Orgânica <strong>da</strong> Assistência Social –<br />

Loas 156 .<br />

Desta forma, atualmente, para fi ns de concessão do benefício assistencial, idoso é<br />

aquele que possui 65 (sessenta e cinco) <strong>anos</strong> <strong>ou</strong> mais.<br />

Pessoa Portadora de Defi ciência<br />

Tal qual a pessoa idosa, à pessoa portadora de defi ciência também tem garantias<br />

constitucio<strong>na</strong>is, não devendo sofrer preconceitos <strong>ou</strong> qualquer tipo de discrimi<strong>na</strong>ção.<br />

A Constituição Federal, em seu art. 23, inciso II, afi rma ser competência comum <strong>da</strong><br />

União, Estados, Municípios e Distrito Federal a responsabili<strong>da</strong>de de cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> saúde e <strong>da</strong><br />

assistência pública, <strong>da</strong> proteção e garantia <strong>da</strong>s pessoas portadoras de defi ciência 157 .<br />

O art. <strong>20</strong>3, incisos IV e V, trazem, ain<strong>da</strong> que, a assistência <strong>social</strong> será presta<strong>da</strong> a quem<br />

dela necessitar, independentemente <strong>da</strong> contribuição à seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, com o objetivo<br />

de habilitar <strong>ou</strong> reabilitar às pessoas portadoras de defi ciência e promover sua integração à<br />

vi<strong>da</strong> comunitária, garantindo um salário mínimo às pessoas portadoras de defi ciência que<br />

comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção <strong>ou</strong> de tê-la provi<strong>da</strong> por sua<br />

família 158 .<br />

(154) Ibid., Acesso em: 21 jun. <strong>20</strong>07.<br />

(155) Ibid., Acesso em: 21 jun. <strong>20</strong>07.<br />

(156) BRASIL. Lei n. 10.741, de 1 de <strong>ou</strong>tubro de <strong>20</strong>03. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá <strong>ou</strong>tras providências. Diário<br />

Ofi cial [<strong>da</strong>] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 3 <strong>ou</strong>t. <strong>20</strong>03. Disponível em: . Acesso em: 13 <strong>ou</strong>t. <strong>20</strong>07.<br />

(157) CAVALCANTE, J<strong>ou</strong>berto de Quadros Pessoa. O portador de defi ciência no mercado formal de trabalho. Disponível<br />

em: . Acesso em: 21 jun. <strong>20</strong>07.<br />

(158) Ibid., Acesso em: 21 jun. <strong>20</strong>07.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Em conformi<strong>da</strong>de com tal artigo, foi edita<strong>da</strong> a Lei Orgânica <strong>da</strong> Assistência Social, a qual<br />

dispõe que o benefício de prestação continua<strong>da</strong> é devido à pessoa portadora de defi ciência,<br />

que consoante o disposto no art. <strong>20</strong>, §2º, <strong>da</strong> Lei nº 8.742 de 1993, é “(...) aquela incapacita<strong>da</strong><br />

para a vi<strong>da</strong> independente e para o trabalho” 159 . Ademais, o Decreto nº 1.744, de 8 de<br />

dezembro de 1995, em seu art. 2º, inciso II, dispõe que, “pessoa portadora de defi ciência<br />

é aquela incapacita<strong>da</strong> para a vi<strong>da</strong> independente e para o trabalho em razão de anomalias<br />

<strong>ou</strong> lesões irreversíveis de <strong>na</strong>tureza hereditária, congênitas <strong>ou</strong> adquiri<strong>da</strong>s, que impeçam o<br />

desempenho <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> diária e do trabalho” 160 .<br />

que,<br />

Entretanto, o autor Marcos César Botelho, citando Luiz Alberto David Araújo, afi rma<br />

O que defi ne a pessoa portadora de defi ciência não é a falta de um membro nem<br />

a visão <strong>ou</strong> audição reduzi<strong>da</strong>s. O que caracteriza a pessoa portadora de defi ciência é a<br />

difi cul<strong>da</strong>de de se relacio<strong>na</strong>r, de se integrar <strong>na</strong> socie<strong>da</strong>de. O grau de difi cul<strong>da</strong>de de se<br />

relacio<strong>na</strong>r, de se integrar <strong>na</strong> socie<strong>da</strong>de. O grau de difi cul<strong>da</strong>de para a integração <strong>social</strong> é<br />

que defi nirá quem é <strong>ou</strong> não portadora de defi ciência 161 .<br />

Assim, segundo a autora Melissa Folmann, a legislação que mais se aproxima <strong>da</strong><br />

concepção de defi ciência a ser acolhi<strong>da</strong> é o Decreto nº 3.298, de <strong>20</strong> de dezembro de 1999, o<br />

qual, em seu art. 3º, inciso I, defi ne defi ciência como sendo, “to<strong>da</strong> per<strong>da</strong> <strong>ou</strong> anormali<strong>da</strong>de de<br />

uma estrutura <strong>ou</strong> função psicológica, fi siológica <strong>ou</strong> a<strong>na</strong>tômica que gere incapaci<strong>da</strong>de para o<br />

desempenho de ativi<strong>da</strong>de, dentro do padrão considerado normal para o ser humano” 162 .<br />

Ademais, não se pode exigir que seja a pessoa incapaci<strong>da</strong>de para o trabalho e para a vi<strong>da</strong><br />

independente, uma vez que o art. <strong>20</strong>3, inciso V, <strong>da</strong> Constituição Federal não faz exigência<br />

<strong>da</strong> cumulativi<strong>da</strong>de imposta infraconstitucio<strong>na</strong>lmente. Este também é o entendimento <strong>da</strong><br />

maior parte <strong>da</strong> jurisprudência, pois acolher posicio<strong>na</strong>mento contrário, ain<strong>da</strong> <strong>na</strong>s palavras<br />

de Melissa Folmann, “é deixar o ci<strong>da</strong>dão que já possui problemas de inserção <strong>social</strong>, mais<br />

afastado ain<strong>da</strong> do dito Estado Social de Direito” 163 .<br />

Insta, ain<strong>da</strong>, ressaltar que, se a incapaci<strong>da</strong>de para o trabalho não for considera<strong>da</strong> por<br />

si só sufi ciente para fi ns de concessão do benefício assistencial, haverá portadores de<br />

(159) BOTELHO, Marcos César. O benefício assistencial de prestação continua<strong>da</strong>. Disponível em: . Acesso em: 21 jun. <strong>20</strong>07.<br />

(160) BRASIL. Decreto n. 1.744, de 8 de dezembro de 1995. Regulamenta o benefício de prestação continua<strong>da</strong><br />

devido à pessoa portadora de defi ciência e ao idoso, de que trata a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993,<br />

e dá <strong>ou</strong>tras providências. Diário Ofi cial [<strong>da</strong>] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1995.<br />

Disponível em: . Acesso em: 21 jun. <strong>20</strong>07.<br />

(161) BOTELHO, Acesso em: 21 jun. <strong>20</strong>07.<br />

(162) FOLMANN, Melissa. O Benefício de Assistência Social Previsto <strong>na</strong> CF/88, Art. <strong>20</strong>3, V, à Luz do Direito e <strong>da</strong> Socie-<br />

<strong>da</strong>de, pp. 365-385. In: ROCHA, Daniel Machado <strong>da</strong>; SAVARIS, José Antônio (Coords.). Curso de especialização em direito<br />

previdenciário. Curitiba: Juruá, <strong>20</strong>06. v.2. p. 374.<br />

(163) FOLMANN, <strong>20</strong>06, p. 375.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

213


214<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

defi ciência sem qualquer proteção <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social, pois sua incapaci<strong>da</strong>de laboral os<br />

impedirá de fi liarem-se à Previdência Social, enquanto que o critério restritivo lhes retirará a<br />

proteção <strong>da</strong> assistência <strong>social</strong> 164 .<br />

Neste sentido, vale destacar as seguintes decisões,<br />

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. <strong>20</strong>, § 2º<br />

DA LEI 8.742/93. PORTADOR DO VÍRUS HIV. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO<br />

E PARA PROVER O PRÓPRIO SUSTENTO OU DE TÊ-LO PROVIDO PELA FAMÍLIA.<br />

LAUDO PERICIAL QUE ATESTA A CAPACIDADE PARA A VIDA INDEPENDENTE<br />

BASEADO APENAS NAS ATIVIDADES ROTINEIRAS DO SER HUMANO. IMPRO-<br />

PRIEDADE DO ÓBICE À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO.<br />

I - A pessoa portadora do vírus HIV, que necessita de cui<strong>da</strong>dos freqüentes de médico<br />

e psicólogo e que se encontra incapacita<strong>da</strong>, tanto para o trabalho, quanto de prover o<br />

seu próprio sustento <strong>ou</strong> de tê-lo provido por sua família - tem direito à percepção do<br />

benefício de prestação continua<strong>da</strong> previsto no art. <strong>20</strong> <strong>da</strong> Lei 8.742/93, ain<strong>da</strong> que haja<br />

laudo médico-pericial atestando a capaci<strong>da</strong>de para a vi<strong>da</strong> independente.<br />

II - O laudo pericial que atesta a incapaci<strong>da</strong>de para a vi<strong>da</strong> laboral e a capaci-<br />

<strong>da</strong>de para a vi<strong>da</strong> independente, pelo simples fato <strong>da</strong> pessoa não necessitar <strong>da</strong><br />

aju<strong>da</strong> de <strong>ou</strong>tros para se alimentar, fazer sua higiene <strong>ou</strong> se vestir, não pode obstar a<br />

percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vi<strong>da</strong> independente,<br />

o benefício de prestação continua<strong>da</strong> só seria devido aos portadores de defi ciência<br />

tal, que suprimisse a capaci<strong>da</strong>de de locomoção do indivíduo - o que não parece<br />

ser o intuito do legislador.<br />

III - Recurso desprovido 165 . (Grifos meus)<br />

PREVIDENCIÁRIO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PRE-<br />

VISTO NO ART. <strong>20</strong>3, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REQUISITOS. INCAPACI-<br />

DADE LABORAL E PARA A VIDA INDEPENDENTE. INTERPRETAÇÃO DO ART. <strong>20</strong><br />

DA LEI 8742/93 CONFORME A CONSTITUIÇÃO.<br />

(...)<br />

3. A Constituição Federal exige ape<strong>na</strong>s dois requisitos no tocante ao benefício<br />

assistencial de que trata o art. <strong>20</strong>3, V: (a) condição de defi ciente (pessoa portadora<br />

(164) MORO, Sergio Fer<strong>na</strong>ndo. Questões controverti<strong>da</strong>s sobre o benefício <strong>da</strong> assistência <strong>social</strong>, pp. 143-160. In:<br />

ROCHA, Daniel Machado <strong>da</strong> (Coord.). Temas Atuais de Direito Previdenciário e Assistência Social. Porto Alegre: Livraria<br />

do Advogado, <strong>20</strong>03. p. 156.<br />

(165) BRASIL. Superior Tribu<strong>na</strong>l de Justiça. Recurso Especial nº 360.<strong>20</strong>2. Quinta Turma. Rel. Min. Gilson Dipp. DJ, 1<br />

jul. <strong>20</strong>02. Disponível em: . Acesso em: 8 nov. <strong>20</strong>07<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

de defi ciência) <strong>ou</strong> idoso e (b) situação de desamparo (não possuir meios de prover<br />

à própria manutenção <strong>ou</strong> de tê-la provi<strong>da</strong> por sua família). Ou seja, busc<strong>ou</strong> a norma<br />

constitucio<strong>na</strong>l garantir o benefício assistencial a to<strong>da</strong> pessoa portadora de defi ciência<br />

que não possuísse mínimas condições econômicas de subsistência, próprias <strong>ou</strong> de sua<br />

família.<br />

4. A exigência, para a percepção do benefício, de ser a pessoa incapaz para a<br />

vi<strong>da</strong> independente, se entendi<strong>da</strong> como incapaci<strong>da</strong>de para todos os atos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>,<br />

não se encontra <strong>na</strong> Constituição. Ao contrário, tal exigência contraria o sentido <strong>da</strong> nor-<br />

ma constitucio<strong>na</strong>l, seja considera<strong>da</strong> em si, seja em sintonia com o princípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> pessoa huma<strong>na</strong> (CF, art. 1º, III), ao objetivo <strong>da</strong> assistência <strong>social</strong> de universali<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> cobertura e do atendimento (CF, art. 194, parágrafo único, I) e à ampla garantia de<br />

prestação <strong>da</strong> assistência <strong>social</strong> (CF, art. <strong>20</strong>3, caput). Se aquela fosse a interpretação<br />

para a locução incapacita<strong>da</strong> para a vi<strong>da</strong> independente, constante no art. <strong>20</strong> § 2º, <strong>da</strong> Lei<br />

8.742/93, o legislador teria esvaziado indevi<strong>da</strong>mente o conteúdo material do direito fun-<br />

<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> pessoa portadora de defi ciência, deixando fora do seu âmbito uma ampla<br />

gama de pessoas portadoras de defi ciência incapacitante para o trabalho, e, em conse-<br />

qüência, incorreria em inconstitucio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de.<br />

5. Segundo o princípio <strong>da</strong> interpretação conforme a Constituição - que tem suas<br />

raízes no princípio <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ordem jurídica - nenhuma lei deve ser declara<strong>da</strong> incon-<br />

stitucio<strong>na</strong>l quando ela pode ser interpreta<strong>da</strong> em consonância com a Constituição.<br />

6. O art. <strong>20</strong>3, V, <strong>da</strong> Constituição, <strong>na</strong>quilo que é objeto desta ação, refere-se a duas<br />

hipóteses: a) pessoa portadora de defi ciência que comprove não possuir meios de prov-<br />

er à própria manutenção (primeira hipótese); b) pessoa portadora de defi ciência que<br />

comprove que sua família não pode prover à sua manutenção (segun<strong>da</strong> hipótese). O § 3º<br />

do art. <strong>20</strong> <strong>da</strong> Lei 8.742/93 diz respeito à segun<strong>da</strong> hipótese, centra<strong>da</strong> <strong>na</strong> incapaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

família de prover a manutenção <strong>da</strong> pessoa portadora de defi ciência. O § 2º do art. <strong>20</strong> <strong>da</strong><br />

Lei 8.742/93, por sua vez, diz respeito à primeira hipótese, centra<strong>da</strong> <strong>na</strong> incapaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

pessoa portadora de defi ciência de prover à própria manutenção, que se traduz em uma<br />

incapaci<strong>da</strong>de para o trabalho e em uma incapaci<strong>da</strong>de econômica de prover à própria<br />

manutenção por <strong>ou</strong>tros meios. Esta incapaci<strong>da</strong>de de prover à própria manutenção<br />

por <strong>ou</strong>tros meios (que não o trabalho) foi denomi<strong>na</strong><strong>da</strong> pela lei de incapaci<strong>da</strong>de<br />

para a vi<strong>da</strong> independente. De forma que a incapaci<strong>da</strong>de para a vi<strong>da</strong> independente,<br />

para coadu<strong>na</strong>r-se com o conteúdo <strong>da</strong> norma constitucio<strong>na</strong>l, deve ser interpreta<strong>da</strong><br />

não no sentido de incapaci<strong>da</strong>de para a prática de todos os atos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, mas no<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

215


216<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

sentido de incapaci<strong>da</strong>de para prover à própria manutenção por meios diferentes<br />

do trabalho (pois a incapaci<strong>da</strong>de para o trabalho encontra-se referi<strong>da</strong> expressa-<br />

mente). A pessoa não está capacita<strong>da</strong> para a vi<strong>da</strong> independente porque não possui<br />

condições econômicas para prover à própria manutenção.<br />

(...) 166 . (Grifos meus)<br />

Assim, pode-se conceituar a pessoa portadora de defi ciência, para os efeitos de concessão<br />

do benefício assistencial previsto no art. <strong>20</strong>3, inciso V, <strong>da</strong> Constituição Federal de 1988,<br />

a pessoa que apresentar difi cul<strong>da</strong>des de inserção <strong>na</strong> socie<strong>da</strong>de por razões psicológicas,<br />

fi siológicas <strong>ou</strong> a<strong>na</strong>tômicas. Não devendo ser levado em consideração se esta difi cul<strong>da</strong>de<br />

repercute no trabalho <strong>ou</strong> <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> diária do individuo 167 .<br />

No caso de crianças e adolescentes até seus 16 (dezesseis) <strong>anos</strong>, eles não podem ser<br />

considerados incapazes para a vi<strong>da</strong> totalmente independente <strong>ou</strong> para o trabalho. Assim, por<br />

determi<strong>na</strong>ção do Ministério Público Federal, <strong>na</strong> perícia-médica do menor de 16 (dezesseis)<br />

<strong>anos</strong> de i<strong>da</strong>de, deverá ape<strong>na</strong>s ser verifi cado se a defi ciência se encontra ampara<strong>da</strong> <strong>na</strong>s<br />

defi nições legais já existentes, pois a incapaci<strong>da</strong>de para o trabalho e para a vi<strong>da</strong> independente,<br />

em face <strong>da</strong> tenra i<strong>da</strong>de, deve ser presumi<strong>da</strong> 168 .<br />

Conceito de Família<br />

A Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, no seu art. <strong>20</strong>, §1º, remete a defi nição do<br />

conceito de família ao art. 16 <strong>da</strong> Lei 8.213, de 24 de julho de 1991.<br />

Assim, entende-se por família o conjunto de pessoas que vivem sob o mesmo teto. Além<br />

disso, família, para os efeitos <strong>da</strong> Lei nº 8.742 de 1993, compreende, o cônjuge, companheira<br />

<strong>ou</strong> companheiro, o fi lho menor de 21 (vinte um) <strong>anos</strong> <strong>ou</strong> inválido, os pais e os irmãos menores<br />

de 21 (vinte um) <strong>anos</strong> <strong>ou</strong> inválidos. Ain<strong>da</strong>, conforme o disposto no §2º, do art. 16, <strong>da</strong> Lei nº<br />

8.213 de 1991, o enteado e o menor tutelado equiparam-se a fi lho 169 .<br />

Entretanto, este critério gera discussão nos tribu<strong>na</strong>is, pois não são raras as situações em<br />

que o idoso <strong>ou</strong> defi ciente resi<strong>da</strong> com pessoas que para fi ns <strong>da</strong> Lei nº 8.742, não compõem<br />

o grupo familiar, mas que, contribuem signifi cativamente para o sustento <strong>da</strong> família que vive<br />

sob o mesmo teto. Nestes casos, há entendimentos que aplicam objetivamente o rol defi nido<br />

pelo §1º, desconsiderando to<strong>da</strong> e qualquer ren<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas que não pertencem ao grupo<br />

familiar, <strong>ou</strong> ain<strong>da</strong>, há entendimentos que consideram to<strong>da</strong> e qualquer ren<strong>da</strong> que contribua<br />

para o sustento do benefi ciário, independentemente de sua origem.<br />

Ademais, o conceito de família previsto <strong>na</strong> Lei nº 8.742 de 1993, deve ser a<strong>na</strong>lisado em<br />

(166) BRASIL. Tribu<strong>na</strong>l Regio<strong>na</strong>l Federal <strong>da</strong> 4º Região. Apelação Cível nº <strong>20</strong>00.71.05.000637-3. Quinta Turma. Rel.<br />

Celso Kipper. DJ, 12 mar. <strong>20</strong>03. Disponível em: . Acesso em: 8 nov.<br />

<strong>20</strong>07.<br />

(167) FOLMANN, <strong>20</strong>06, p. 376.<br />

(168) VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Previdência <strong>social</strong>: custeio e benefícios. São Paulo: LTr, <strong>20</strong>05. p. 687.<br />

(169) BOTELHO, Acesso em: 21 jun. <strong>20</strong>07.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

ca<strong>da</strong> caso concreto, tendo em vista o dever de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de familiar prevista nos arts. 229 e<br />

230 <strong>da</strong> Constituição Federal e dos arts. 1.694 e seguintes do Código Civil 170 . Pois, somente<br />

quando a família não possuir condições fi <strong>na</strong>nceiras de prover o sustento do idoso <strong>ou</strong> do<br />

defi ciente, é que recai ao Poder Publico, no âmbito <strong>da</strong> Assistência Social, este encargo.<br />

Assim, como se nota pela ementa a seguir, cabe ação de alimentos proposta pelos pais<br />

idosos contra os fi lhos.<br />

Direito civil e processo civil. Ação de alimentos proposta pelos pais idosos em<br />

face de um dos fi lhos. Chamamento <strong>da</strong> <strong>ou</strong>tra fi lha para integrar a lide. Defi nição <strong>da</strong><br />

<strong>na</strong>tureza solidária <strong>da</strong> obrigação de prestar alimentos à luz do Estatuto do Idoso. - A<br />

d<strong>ou</strong>tri<strong>na</strong> é unísso<strong>na</strong>, sob o prisma do Código Civil, em afi rmar que o dever de prestar<br />

alimentos recíprocos entre pais e fi lhos não tem <strong>na</strong>tureza solidária, porque é conjunta. -<br />

A Lei 10.741/<strong>20</strong>03, atribuiu <strong>na</strong>tureza solidária à obrigação de prestar alimentos quando<br />

os credores forem idosos, que por força <strong>da</strong> sua <strong>na</strong>tureza especial prevalece sobre as<br />

disposições específi cas do Código Civil. - O Estatuto do Idoso, cumprindo política pública<br />

(art. 3º), assegura celeri<strong>da</strong>de no processo, impedindo intervenção de <strong>ou</strong>tros eventuais<br />

devedores de alimentos. - A soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> obrigação alimentar devi<strong>da</strong> ao idoso lhe<br />

garante a opção entre os prestadores (art. 12). Recurso especial não conhecido 171 . *(Gri-<br />

fos meus).<br />

Pagamento do Benefício a mais de um Membro <strong>da</strong> Mesma Família<br />

Dois membros <strong>da</strong> mesma família podem receber o benefício, desde que fi quem<br />

comprova<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as condições exigi<strong>da</strong>s para a sua concessão, tal como i<strong>da</strong>de <strong>ou</strong><br />

incapaci<strong>da</strong>de e miserabili<strong>da</strong>de 172 . Entretanto, <strong>na</strong> prática, difi cilmente isto ocorre, uma vez<br />

que a ren<strong>da</strong> recebi<strong>da</strong> a título de benefício assistencial será computa<strong>da</strong> para fi ns de cálculo<br />

<strong>da</strong> ren<strong>da</strong> mensal familiar.<br />

No entanto, com o advento do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741 de <strong>20</strong>03), o benefício<br />

assistencial ao idoso, já concedido a qualquer membro <strong>da</strong> família, não mais será computado<br />

para fi ns de cálculo <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> per capita do novo benefício requerido, desde que <strong>da</strong> mesma<br />

espécie, <strong>ou</strong> seja, trata-se do casal de velhinhos que não possuem ren<strong>da</strong> <strong>ou</strong> tamp<strong>ou</strong>co<br />

fi zeram contribuições para a Previdência Social, neste caso, o dois tem direito a receber<br />

mensalmente um salário mínimo ca<strong>da</strong> um a título de benefício assistencial ao idoso.<br />

Ren<strong>da</strong> Familiar Per Capita inferior a ¼ (um quarto) do Salário Mínimo<br />

O conceito de família hipossufi ciente prevista <strong>na</strong> Lei nº 8.742 de 1993, art. <strong>20</strong>, §3º e<br />

Decreto nº 1.744 de 1995, art. 5º, III e art. 6º, II, é aquela em que a ren<strong>da</strong> per capita familiar<br />

(170) BOTELHO, Acesso em: 21 jun. <strong>20</strong>07.<br />

(171) BRASIL. Superior Tribu<strong>na</strong>l de Justiça. Recurso Especial nº 775565/SP. Terceira Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi.<br />

DJ, 26 jun. <strong>20</strong>06. Disponível em: . Acesso em: 8 nov. <strong>20</strong>07.<br />

(172) VIANNA, <strong>20</strong>05, p. 687.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

217


218<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

é inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente.<br />

Este critério de miserabili<strong>da</strong>de é sem dúvi<strong>da</strong> o mais discutido, pois, para muitos juristas,<br />

ao mesmo tempo que regulament<strong>ou</strong>, restringiu a cama<strong>da</strong> <strong>social</strong> de idosos e defi cientes,<br />

deixando de fora <strong>ou</strong>tras milhares de pessoas que também vivem em condições miseráveis,<br />

mas que possuem ren<strong>da</strong> um p<strong>ou</strong>co acima do limite legal 173 .<br />

Muito se tem discutido sobre a constitucio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de de tal critério de miserabili<strong>da</strong>de,<br />

sobretudo porque se tem entendido que o limite deste artigo acaba também limitando o<br />

alcance <strong>da</strong> norma constitucio<strong>na</strong>l 174 .<br />

Entretanto, o Supremo Tribu<strong>na</strong>l Federal, no julgamento <strong>da</strong> Ação Direta de<br />

Inconstitucio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de nº 1.232, em 27.08.1998, promovi<strong>da</strong> pelo Procurador-Geral <strong>da</strong><br />

República, concluiu pela constitucio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de do §3º, do art. <strong>20</strong>, <strong>da</strong> Lei nº 8.742 de 1993, cuja<br />

ementa é a que segue,<br />

CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTA-<br />

BELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. <strong>20</strong>3,<br />

DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO<br />

CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARAN-<br />

TIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA<br />

FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSIS-<br />

TENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE 175 .<br />

A partir do julgamento desta ADIn, segundo a autora Melissa Folmann, o cenário jurídico<br />

brasileiro pass<strong>ou</strong> a compor-se de duas teorias em relação ao critério de ¼ (um quarto) do<br />

salário mínimo: a Teoria Objetiva, <strong>na</strong> qual o critério deve ter aplicação indistintamente; e<br />

a Teoria Subjetiva <strong>ou</strong> Assistencialista, <strong>na</strong> qual o critério de miserabili<strong>da</strong>de deve ser usado<br />

como forma de presunção <strong>da</strong>s condições do benefi ciário, mas não se deve afastar a análise<br />

do caso concreto 176 .<br />

1.232.<br />

Inicialmente a<strong>na</strong>lisemos a Teoria Objetiva, a qual é fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no julgamento <strong>da</strong> ADIn nº<br />

A ADIn nº 1.232 foi proposta em 24 de fevereiro de 1995, pelo então Procurador-Geral<br />

<strong>da</strong> República Sr. Aristides Junqueira Alvarenga, tendo, inicialmente, como relator o Ministro<br />

Ilmar Galvão.<br />

O dispositivo impug<strong>na</strong>do nesta ação foi o §3º, do art. <strong>20</strong>, <strong>da</strong> Lei nº 8.742 de 1993, o qual<br />

(173) PEDRON, Daniele Muscopf. A (in)constitucio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de do critério <strong>da</strong> miserabili<strong>da</strong>de <strong>na</strong> concessão do<br />

benefício assistencial a portadores de defi ciência. Disponível em: . Acesso em: 15 <strong>ou</strong>t. <strong>20</strong>07.<br />

(174) BOTELHO, Acesso em: 21 jun. <strong>20</strong>07.<br />

(175) BRASIL. Supremo Tribu<strong>na</strong>l Federal. Ação Direta de Inconstitucio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de nº 1.232-1. Rel. Min. Ilmar Galvão. DJ, 1<br />

jun. <strong>20</strong>01. Disponível em: . Acesso em: 8 nov. <strong>20</strong>07.<br />

(176) FOLMANN, <strong>20</strong>06, p. 377.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

estabelece como critério para a concessão do benefi cio de prestação continua<strong>da</strong> a ren<strong>da</strong><br />

mensal per capita familiar inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.<br />

Segundo o Procurador-Geral <strong>da</strong> República este dispositivo é inconstitucio<strong>na</strong>l porque<br />

limita e restringe o direito garantido por norma constitucio<strong>na</strong>l, qual seja, o direito previsto no<br />

inciso V, art. <strong>20</strong>3, <strong>da</strong> Constituição Federal, com o qual, por isso, considera incompatível 177 .<br />

Na ocasião, participaram do julgamento os Ministros Ilmar Galvão (Relator), Nelson<br />

Jobim, Sepúlve<strong>da</strong> Pertence e Maurício Corrêa.<br />

O Ministro Ilmar Galvão, relator origi<strong>na</strong>l, foi voto vencido ao sustentar o entendimento de<br />

que a norma em si não é inconstitucio<strong>na</strong>l, se tor<strong>na</strong>ria inconstitucio<strong>na</strong>l se fosse a única hipótese<br />

prevista para caracterizar a situação de incapaci<strong>da</strong>de econômica <strong>da</strong> família do portador de<br />

defi ciência <strong>ou</strong> do idoso, o que afastaria grande parte dos desti<strong>na</strong>tários do benefício previsto<br />

<strong>na</strong> Constituição. Razão pela qual, o Ministro impugn<strong>ou</strong> o texto que limita os meios de prova<br />

<strong>da</strong> condição de miserabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> família do portador de defi ciência <strong>ou</strong> do idoso.<br />

Entretanto, o voto que prevaleceu <strong>na</strong> decisão, foi o de improcedência do Ministro Nelson<br />

Jobim, o qual pass<strong>ou</strong> a ser o relator <strong>da</strong> ADIn. Tal Ministro manifest<strong>ou</strong>-se no sentido de que,<br />

Se a legislação resolver criar <strong>ou</strong>tros mecanismos de comprovação, é problema <strong>da</strong><br />

própria lei. O gozo do benefício depende de comprovar <strong>na</strong> forma <strong>da</strong> lei, e esta entendeu<br />

de comprovar dessa forma. Portanto não há interpretação conforme possível porque,<br />

mesmo que se interprete assim, não se trata de autonomia de direito algum, pois de-<br />

pende <strong>da</strong> existência <strong>da</strong> lei, <strong>da</strong> defi nição 178 .<br />

O Ministro Maurício Corrêa acompanh<strong>ou</strong> o voto de improcedência do Ministro Nelson<br />

Jobim, assim como o Ministro Sepúlve<strong>da</strong> Pertence, o qual, to<strong>da</strong>via, apresent<strong>ou</strong> manifestação<br />

diferente,<br />

Considero perfeita a inteligência <strong>da</strong><strong>da</strong> ao dispositivo constitucio<strong>na</strong>l, no parecer acol-<br />

hido pelo Relator, no sentido de que a legislador deve estabelecer <strong>ou</strong>tras situações car-<br />

acterizadoras <strong>da</strong> absoluta incapaci<strong>da</strong>de de manter-se o idoso <strong>ou</strong> o defi ciente físico, a fi m<br />

de completar a efetivação do programa normativo de assistência contido no art. <strong>20</strong>3 <strong>da</strong><br />

Constituição. A meu ver, isso não a faz inconstitucio<strong>na</strong>l nem é preciso <strong>da</strong>r interpretação<br />

conforme à lei que estabeleceu uma hipótese objetiva de direito à prestação assistencial<br />

do Estado. Haverá, aí, inconstitucio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de por omissão de <strong>ou</strong>tras hipóteses? A meu<br />

ver, certamente sim, mas isso não encontrará remédio nesta ação direta 179 .<br />

Assim, para esta Teoria o critério estabelecido no dispositivo legal é objetivo, <strong>ou</strong> seja,<br />

(177) BRASIL. Supremo Tribu<strong>na</strong>l Federal. Ação Direta de Inconstitucio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de nº 1.232-1. Rel. Min. Ilmar Galvão. DJ, 1<br />

jun. <strong>20</strong>01. Disponível em: . Acesso em: 8 nov. <strong>20</strong>07.<br />

(178) BRASIL. Supremo Tribu<strong>na</strong>l Federal. Ação Direta de Inconstitucio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de nº 1.232-1. Rel. Min. Ilmar Galvão. DJ, 1<br />

jun. <strong>20</strong>01. Disponível em: . Acesso em: 8 nov. <strong>20</strong>07.<br />

(179) Ibid., Acesso em: 8 nov. <strong>20</strong>07.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

219


2<strong>20</strong><br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

quando for constatado que a ren<strong>da</strong> familiar mensal per capita é inferior a ¼ (um quarto) do<br />

salário mínimo, a miserabili<strong>da</strong>de é presumi<strong>da</strong>, não cabendo nestes casos a análise de <strong>ou</strong>tras<br />

situações para verifi cação <strong>da</strong> miserabili<strong>da</strong>de 180 .<br />

Assim, em razão de ter julgado constitucio<strong>na</strong>l o §3º, do art. <strong>20</strong>, <strong>da</strong> Lei 8.742 de 1993, o<br />

Supremo Tribu<strong>na</strong>l Federal vem mantendo a decisão <strong>da</strong> ADIN nº 1.232, conforme as ementas<br />

a seguir:<br />

PREVIDÊNCIA SOCIAL. Benefício assistencial. Lei nº 8.742/93. Necessitado. De-<br />

fi ciente físico. Ren<strong>da</strong> familiar mensal per capita. Valor superior a ¼ (um quarto) do<br />

salário mínimo. Concessão <strong>da</strong> verba. I<strong>na</strong>dmissibili<strong>da</strong>de. Ofensa à autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

decisão proferi<strong>da</strong> <strong>na</strong> ADI nº 1.232. Limi<strong>na</strong>r deferi<strong>da</strong> em reclamação. Agravo improvido.<br />

Ofende a autori<strong>da</strong>de do acórdão do Supremo <strong>na</strong> ADI nº 1.232, a decisão que concedeu<br />

benefício assistencial a necessitado, cuja ren<strong>da</strong> mensal familiar per capita supere o limite<br />

estabelecido pelo §3º do art. <strong>20</strong> <strong>da</strong> Lei federal nº 8.742/93 181 . (Grifos meus).<br />

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI 8.742/93.<br />

BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL: REQUISITOS PARA A SUA CONCESSÃO. CON-<br />

STITUCIONALIDADE. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. Benefício de amparo <strong>social</strong> previsto<br />

no inciso V do artigo <strong>20</strong>3 <strong>da</strong> Carta Federal. Matéria decidi<strong>da</strong> <strong>na</strong>s instâncias ordinárias<br />

com base em provas documentais e testemunhais. Constitucio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de do dispositivo<br />

legal (L. 8.742, artigo <strong>20</strong>, § 3º) que impõe a necessi<strong>da</strong>de de comprovação de que a<br />

ren<strong>da</strong> per capita <strong>da</strong> família seja inferior a um quarto do salário-mínimo, declara<strong>da</strong><br />

pelo Pleno desta Corte. Conseqüência: recurso extraordinário parcialmente conhecido<br />

e, nesta parte, provido. Compensação <strong>da</strong>s custas e honorários advocatícios. Agravo<br />

regimental não provido 182 . (Grifos meus).<br />

Em contra parti<strong>da</strong>, há a Teoria Subjetiva, para a qual a interpretação do §3º, do art. <strong>20</strong><br />

<strong>da</strong> Lei nº 8.742/1993 não deve fi car restrita ao requisito <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> per capita familiar inferior a<br />

¼ (um quarto) do salário mínimo, também deve se aferir a condição econômica <strong>da</strong> família do<br />

idoso <strong>ou</strong> portador de defi ciência por <strong>ou</strong>tros meios, além de se a<strong>na</strong>lisar alguma peculiari<strong>da</strong>de,<br />

tais como, a necessi<strong>da</strong>de especial de medicamentos <strong>ou</strong> educação especial.<br />

Neste sentido, vem decidindo o Superior Tribu<strong>na</strong>l de Justiça, o qual consolid<strong>ou</strong> o<br />

entendimento de que o critério para aferição <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> mensal deveria ser tido como um limite<br />

mínimo, um quantum considerado insatisfatório à subsistência do portador de defi ciência <strong>ou</strong><br />

(180) CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 7. ed. São Paulo:<br />

LTR, <strong>20</strong>06. p. 631.<br />

(181) BRASIL. Supremo Tribu<strong>na</strong>l Federal. Agravo Regimental <strong>na</strong> Medi<strong>da</strong> Cautelar <strong>da</strong> Reclamação nº 4427. Rel. Min.<br />

Cezar Peluso. DJ, 29 jun. <strong>20</strong>07. Disponível em: .<br />

Acesso em: 8 nov. <strong>20</strong>07.<br />

(182) BRASIL. Supremo Tribu<strong>na</strong>l Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 279919. Rel. Min. Maurício<br />

Corrêa. DJ, 28 jun. <strong>20</strong>02. Disponível em: . Acesso em: 8 nov. <strong>20</strong>07.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

idoso, não impedindo, contudo, que o julgador faça uso de <strong>ou</strong>tros elementos probatórios.<br />

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA<br />

SOCIAL. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO RECEBIDO POR PARENTE DO<br />

AUTOR. CÔMPUTO DO VALOR PARA VERIFICAÇÃO DE MISERABILIDADE. IMPOS-<br />

SIBILIDADE. ART. 34 DA LEI Nº 10.741/<strong>20</strong>03. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA AO BPC.<br />

ART. <strong>20</strong>, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. POSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DA MISERABILI-<br />

DADE POR OUTROS MEIOS. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.<br />

1. O benefício de prestação continua<strong>da</strong> é uma garantia constitucio<strong>na</strong>l, de caráter as-<br />

sistencial, previsto no art. <strong>20</strong>3, inciso V, <strong>da</strong> Constituição Federal, e regulamentado pelo<br />

art. <strong>20</strong> <strong>da</strong> Lei nº 8.742/93, que consiste no pagamento de um salário mínimo mensal<br />

aos portadores de defi ciência <strong>ou</strong> idosos que comprovem não possuir meios de prover a<br />

própria manutenção e nem de tê-la provi<strong>da</strong> pelo núcleo familiar.<br />

2. O art. 34 <strong>da</strong> Lei nº 10.741/<strong>20</strong>03 ve<strong>da</strong> o cômputo do valor do benefício de prestação<br />

continua<strong>da</strong> percebido por qualquer membro <strong>da</strong> família no cálculo <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> per capita<br />

mensal.<br />

3. A Terceira Seção deste Superior Tribu<strong>na</strong>l consolid<strong>ou</strong> o entendimento de que<br />

o critério de aferição <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> mensal previsto no § 3º do art. <strong>20</strong> <strong>da</strong> Lei nº 8.742/93<br />

deve ser tido como um limite mínimo, um quantum considerado insatisfatório à<br />

subsistência <strong>da</strong> pessoa portadora de defi ciência <strong>ou</strong> idosa, não impedindo, con-<br />

tudo, que o julgador faça uso de <strong>ou</strong>tros elementos probatórios, desde que aptos a<br />

comprovar a condição de miserabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> parte e de sua família.<br />

4. Recurso especial a que se dá provimento 183 . (Grifos meus)<br />

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. BENEFÍCIO DA RENDA<br />

MENSAL VITALÍCIA. CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO. VERIFI-<br />

CAÇÃO. REQUISITOS DO ART. <strong>20</strong>, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. REEXAME DE PROVAS.<br />

SÚMULA 07/STJ.<br />

1 - A verifi cação do preenchimento dos requisitos do artigo <strong>20</strong>, parágrafo 3º, <strong>da</strong> Lei<br />

nº 8.742/93, para a concessão do benefício <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> mensal vitalícia, previsto no art.<br />

<strong>20</strong>3, V, <strong>da</strong> Constituição Federal, deman<strong>da</strong> reexame do conjunto fático-probatório, sober-<br />

a<strong>na</strong>mente delineado <strong>na</strong>s instâncias ordinárias, providência ve<strong>da</strong><strong>da</strong> em sede especial, ut<br />

súmula 7/STJ.<br />

2 - Consoante jurisprudência desta Corte, o critério estabelecido no art. <strong>20</strong>,<br />

parágrafo 3º, <strong>da</strong> Lei nº 8.742/93 não é o único hábil para comprovação <strong>da</strong> condição<br />

(183) BRASIL. Superior Tribu<strong>na</strong>l de Justiça. Recurso Especial nº 841060/SP. Sexta Turma. Rel. Min. Maria Thereza de<br />

Assis M<strong>ou</strong>ra. DJ, 25 jun. <strong>20</strong>07. Disponível em: . Acesso em: 8 nov. <strong>20</strong>07.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

221


222<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

de miserabili<strong>da</strong>de do benefi ciário, para fi ns de concessão do benefício <strong>da</strong> ren<strong>da</strong><br />

mensal vitalícia. Com efeito, o julgador não está adstrito aos requisitos previstos<br />

<strong>na</strong>quele dispositivo legal, podendo verifi car a condição econômico-fi <strong>na</strong>nceira <strong>da</strong><br />

família do necessitado através de <strong>ou</strong>tros meios de prova.<br />

3 - Agravo regimental improvido 184 . (Grifos meus)<br />

Em conformi<strong>da</strong>de com o Egrégio Superior Tribu<strong>na</strong>l de Justiça encontram-se os Tri-<br />

bu<strong>na</strong>is Regio<strong>na</strong>is Federais, conforme se pode extrair <strong>da</strong>s ementas a seguir expostas,<br />

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. <strong>20</strong> DA LEI 8.742/93. ILE-<br />

GITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. AUSÊNCIA DE PEDIDO ADMINISTRATIVO. PRO-<br />

VA DA INCAPACIDADE E DA MISERABILIDADE. HONORÁRIOS.<br />

1. O benefício assistencial é oponível ape<strong>na</strong>s ao INSS, inclusive com a possibili-<br />

<strong>da</strong>de de jurisdição federal delega<strong>da</strong>, o que ger<strong>ou</strong> a revogação <strong>da</strong> súmula 61 desta Corte<br />

(TRF4, AC <strong>20</strong>01.72.08.001834-7).<br />

Reconheci<strong>da</strong> a ilegitimi<strong>da</strong>de passiva <strong>da</strong> União.<br />

2. Consoante remansosa jurisprudência, contestado o mérito em juízo, não há falar<br />

em carência de ação pela falta de prévio requerimento administrativo de concessão de<br />

benefício previdenciário.<br />

3. Ao postular o benefício assistencial previsto no artigo <strong>20</strong> <strong>da</strong> Lei nº 8742/93, deve<br />

a parte comprovar sua incapaci<strong>da</strong>de para o trabalho e para a vi<strong>da</strong> independente, e ren<strong>da</strong><br />

familiar mensal inferior a ¼ do salário mínimo.<br />

4. Conforme entendimento <strong>da</strong> maioria <strong>da</strong> Seção Previdenciária desta Corte, é in-<br />

capaz para a vi<strong>da</strong> independente aquele que não pode sustentar-se e tamp<strong>ou</strong>co possua<br />

familiares que isso possam prover.<br />

5. A condição concreta de miserabili<strong>da</strong>de é aferi<strong>da</strong> pelas mínimas condições<br />

de sobrevivência <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de familiar, observando-se as condições de moradia,<br />

alimentação, vestuário, saúde e gastos com medicamentos <strong>ou</strong> essenciais despe-<br />

sas extraordinárias.<br />

6. Os honorários advocatícios são devidos à razão de 10% sobre as parcelas venci-<br />

<strong>da</strong>s até a decisão concessória do benefício, excluí<strong>da</strong>s as parcelas vincen<strong>da</strong>s, conforme<br />

(184) BRASIL. Superior Tribu<strong>na</strong>l de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 418124/SP. Sexta<br />

Turma. Rel. Min. Fer<strong>na</strong>ndo Gonçalves. DJ, 5 ago. <strong>20</strong>02. Disponível em: . Acesso em: 8 nov. <strong>20</strong>07.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Súmula 111 do STJ 185 . (Grifos meus)<br />

PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL - LEI Nº<br />

8.742/93 - PORTADOR DE DEFICIÊNCIA - RENDA FAMILIAR -HIPOSSUFICIÊN-<br />

CIA - § 3º DO ART. <strong>20</strong> DA LOAS. 1. A<strong>na</strong>lisando os autos, verifi ca-se que a prova <strong>da</strong><br />

defi ciência do Autor rest<strong>ou</strong> supera<strong>da</strong>, tendo em vista o laudo pericial acostado às<br />

62/75, cuja conclusão é a seguinte: “Considerando-se a progressão <strong>da</strong> doença re<strong>na</strong>l<br />

para uma insufi ciência crônica, entendemos que o Autor encontra-se inválido para o<br />

trabalho genérico.”. 2. No tocante à ren<strong>da</strong> familiar, que o INSS em seu recurso alega não<br />

estar de acordo com o que determi<strong>na</strong> o § 3º do art. <strong>20</strong> <strong>da</strong> Lei nº 8.742/93, conclui-se,<br />

pela documentação constante dos autos, pelo estado de miserabili<strong>da</strong>de do Autor, que<br />

não tem capaci<strong>da</strong>de laborativa, e não pode ser sustentado pela família, pois vive com a<br />

mãe, que é “do lar”, a qual precisa <strong>da</strong>r ao fi lho gravemente doente to<strong>da</strong> a assistência que<br />

precisa, e o pai, o qual não tem ren<strong>da</strong> fi xa, vivendo de biscates. 3. Resta claro que, <strong>na</strong><br />

hipótese, não se pode falar em violação ao § 3º do art. <strong>20</strong> <strong>da</strong> Lei nº 8.742/93. Além disso,<br />

a teor do art. 333, II, do CPC, cabe ao Réu comprovar a existência de fato impeditivo,<br />

modifi cativo <strong>ou</strong> extintivo do direito do Autor, e não há qualquer prova <strong>da</strong> existência de<br />

ren<strong>da</strong> familiar que inviabilize a concessão do benefício. 4. O Colendo Superior Tribu<strong>na</strong>l<br />

de Justiça vem corroborando a posição de que é devi<strong>da</strong> a concessão do benefício<br />

assistencial ain<strong>da</strong> que a ren<strong>da</strong> familiar ultrapasse o percentual do § 3º do art. <strong>20</strong><br />

<strong>da</strong> Lei nº 8.742/93, se fi car comprovado o estado de miserabili<strong>da</strong>de do requerente<br />

incapacitado para a vi<strong>da</strong> independente e para o trabalho, encontrando-se, também,<br />

julgados no mesmo sentido nesta Corte, não se tratando, obviamente, de consid-<br />

erar inconstitucio<strong>na</strong>l o dispositivo que estabelece o requisito <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> per capita<br />

familiar superior a ¼ do salário mínimo (§ 3º do art. <strong>20</strong> <strong>da</strong> LOAS), até porque o Eg.<br />

STF, já concluiu pela constitucio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de de tal preceito (ADIn 1232-1), mas de<br />

interpretá-lo de forma sistemática, isto é, considerando-o como parâmetro obje-<br />

tivo capaz de confi gurar a condição de miserabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>queles que, atendidos os<br />

demais requisitos, recebem abaixo do mesmo, sem prejuízo de situações <strong>ou</strong>tras<br />

que revelam, a despeito de preciso enquadramento legal, a condição de hipossu-<br />

fi ciência devi<strong>da</strong>mente confi gura<strong>da</strong>. Jurisprudência do Colendo Superior Tribu<strong>na</strong>l<br />

de Justiça e desta Corte. 5. Recurso a que se nega provimento 186 . (Grifos meus).<br />

CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS<br />

(185) BRASIL. Tribu<strong>na</strong>l Regio<strong>na</strong>l Federal <strong>da</strong> 4º Região. Apelação Cível nº <strong>20</strong>01.71.02.000089-0. Sexta Turma. Rel.<br />

Luis Alberto D Azevedo Aurvalle. DJ, 22 jun. <strong>20</strong>05. Disponível em: . Acesso<br />

em: 8 nov. <strong>20</strong>07.<br />

(186) BRASIL. Tribu<strong>na</strong>l Regio<strong>na</strong>l Federal <strong>da</strong> 2º Região. Apelação Cível nº 394563. Primeira Turma. Rel. Abel<br />

Gomes. DJ, 22 ago. <strong>20</strong>07. Disponível em: . Acesso em: 8 nov. <strong>20</strong>07.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

223


224<br />

LEGAIS. TERMO INICIAL.<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

I - Tem-se que o artigo <strong>20</strong>, parágrafo 3º, <strong>da</strong> Lei nº 8.742/93, não é o único critério<br />

objetivo para aferição <strong>da</strong> hipossufi ciência, razão pela qual é de se reconhecer que<br />

muitas vezes o quadro de pobreza há de ser aferido em função <strong>da</strong> situação especí-<br />

fi ca <strong>da</strong> pessoa que pleiteia o benefício. (Precedentes do E. STJ).<br />

II - Como o autor era portador de defi ciência e não tinha condições de prover seu<br />

próprio sustento, <strong>ou</strong> tê-lo provido por sua família, impõe-se a concessão do benefício<br />

assistencial previsto no art. <strong>20</strong>3, V, <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República, observado o disposto<br />

nos art. 35, 37 e 38 do Decreto n. º 1744/95.<br />

III - Em que pese o entendimento no sentido de que, muito embora seja intransferível<br />

o benefício em questão, as parcelas eventualmente devi<strong>da</strong>s a tal título, até a <strong>da</strong>ta do<br />

óbito do autor, representam um crédito seu constituído em vi<strong>da</strong>, sendo, portanto, cabível<br />

sua transmissão causa mortis.<br />

IV - O termo inicial do benefício deve ser fi xado <strong>na</strong> <strong>da</strong>ta do requerimento administra-<br />

tivo, qual seja, 28.9.1999 (<br />

de cujus já tivesse ido residir com seus genitores, quando, então, deix<strong>ou</strong> de fazer jus ao<br />

benefício (<br />

V - Apelação do INSS parcialmente provi<strong>da</strong> 187 . (Grifos meus).<br />

Para a Teoria Subjetiva não seria <strong>na</strong><strong>da</strong> sensato utilizar-se ape<strong>na</strong>s <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> per capita<br />

familiar para a verifi cação <strong>da</strong> condição econômica <strong>da</strong> família, uma vez que, suponhamos que<br />

uma família seja composta de marido, mulher e dois fi lhos menores de 14 (catorze) <strong>anos</strong>,<br />

um deles defi ciente, sendo que a família tem como única fonte de ren<strong>da</strong> o salário auferido<br />

mensalmente pelo varão, no valor mínimo (R$380,00), morando num barraco de favela, com<br />

p<strong>ou</strong>quíssimos e precários móveis. Caso não se pudesse a<strong>na</strong>lisar a real situação <strong>da</strong> família,<br />

pelo simples fato de a ren<strong>da</strong> per capita ser igual ao limite legal estabelecido, o benefício seria<br />

indeferido, <strong>ou</strong> então, que se tratasse <strong>da</strong> mesma família, mas que o varão trabalhasse como<br />

vendedor autônomo, auferindo ren<strong>da</strong> mensal de R$ 1.000,00 (mil reais), e que a família<br />

resi<strong>da</strong> em um bairro nobre <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de em uma casa simples, mas muito bem mobilia<strong>da</strong> com<br />

móveis novos, pelo fato do varão não possuir prova de seu rendimento a família faria jus<br />

ao benefício por não possuir nenhuma ren<strong>da</strong> comprova<strong>da</strong>. Desta forma, a real situação<br />

econômica <strong>da</strong> família deve ser leva<strong>da</strong> em consideração quando <strong>da</strong> análise do benefício,<br />

para que não ocorram injustiças.<br />

Em que pese o julgamento <strong>da</strong> ADIn nº 1.232, o STF, em fevereiro de <strong>20</strong>07, indeferiu uma<br />

(187) BRASIL. Tribu<strong>na</strong>l Regio<strong>na</strong>l Federal <strong>da</strong> 3º Região. Apelação Cível nº 886195. Décima Turma. Rel. Sergio Nasci-<br />

mento. DJ, 26 set. <strong>20</strong>07. Disponível em: . Acesso em: 8 nov. <strong>20</strong>07.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

medi<strong>da</strong> limi<strong>na</strong>r requeri<strong>da</strong> pelo INSS <strong>na</strong> Reclamação nº 4.374, sobre critério de miserabili<strong>da</strong>de.<br />

A decisão é do Ministro Gilmar Mendes, o qual manteve o entendimento <strong>da</strong> Turma Recursal<br />

dos Juizados Especiais Federais de Per<strong>na</strong>mbuco.<br />

Na inicial o INSS sustenta que a decisão reclama<strong>da</strong> afast<strong>ou</strong> o requisito legal expresso<br />

<strong>na</strong> Lei nº 8.742/93, o qual, segundo o acórdão proferido no julgamento <strong>da</strong> ADIn nº 1.232,<br />

representa requisito objetivo a ser observado para a concessão do benefício assistencial.<br />

Ademais, o INSS pediu a concessão de medi<strong>da</strong> limi<strong>na</strong>r e justifi c<strong>ou</strong> a necessi<strong>da</strong>de de<br />

urgência, sob a alegação que de “várias decisões estariam sendo proferi<strong>da</strong>s em desrespeito<br />

à autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> decisão do Supremo Tribu<strong>na</strong>l Federal” 188 .<br />

O Ministro Gilmar Mendes fez uma análise sintetiza<strong>da</strong> sobre o quanto a questão é<br />

controversa no Judiciário brasileiro e mesmo <strong>na</strong> Suprema Corte, apresentando o entendimento<br />

de diversos Ministros <strong>da</strong>quela Corte, conforme trecho <strong>da</strong> decisão a seguir,<br />

Os Ministros Celso de Mello, Carlos Britto e Ricardo Lewandowski têm negado segui-<br />

mento às reclamações ajuiza<strong>da</strong>s pelo INSS com o fun<strong>da</strong>mento de que esta via proces-<br />

sual, como já assentado pela jurisprudência do Tribu<strong>na</strong>l, não é adequa<strong>da</strong> para se reex-<br />

ami<strong>na</strong>r o conjunto fático-probatório em que se base<strong>ou</strong> a decisão reclama<strong>da</strong> para atestar<br />

o estado de miserabili<strong>da</strong>de do indivíduo e conceder-lhe o benefício assistencial sem<br />

seguir os parâmetros do § 3o do art. <strong>20</strong> <strong>da</strong> Lei n° 8.742/93 (Rcl n° 4.422/RS, Rel. Min.<br />

Celso de Mello, DJ 30.6.<strong>20</strong>06; Rcl n° 4.133/RS, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 30.6.<strong>20</strong>06; Rcl<br />

n° 4.366/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 1.6.<strong>20</strong>06).<br />

O Ministro Sepúlve<strong>da</strong> Pertence tem enfatizado, quando em análise de decisões que<br />

concederam o benefício com base em legislação superveniente à Lei 8.742/93, que as<br />

decisões reclama<strong>da</strong>s não têm declarado a inconstitucio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de do § 3o do art. <strong>20</strong> dessa<br />

lei, mas <strong>da</strong>do interpretação a tal dispositivo em conjunto com a legislação posterior, a<br />

qual não foi objeto <strong>da</strong> ADI n° 1.232 (Rcl n° 4.280/RS, Rel. Min. Sepúlve<strong>da</strong> Pertence, DJ<br />

30.6.<strong>20</strong>06).<br />

Somem-se a estas as decisões do Ministro Marco Aurélio, que sempre deix<strong>ou</strong> claro<br />

seu posicio<strong>na</strong>mento no sentido <strong>da</strong> insufi ciência dos critérios defi nidos pelo § 3o do art.<br />

<strong>20</strong> <strong>da</strong> Lei n° 8.742/93 para fi el cumprimento do art. <strong>20</strong>3, inciso V, <strong>da</strong> Constituição (Rcl n°<br />

4.164/RS, Rel. Min. Marco Aurélio) 189 .<br />

Ademais, o Ministro ain<strong>da</strong> transcreveu trechos <strong>da</strong> decisão <strong>da</strong> Ministra Cármen Lúcia, a<br />

qual defende o entendimento de que o juiz deve procurar <strong>ou</strong>tros meios de prova para aferir<br />

(188) BRASIL. Supremo Tribu<strong>na</strong>l Federal. Reclamação nº 4.374. Rel. Min. Gilmar Mendes. DJ, 6 fev. <strong>20</strong>07. Disponível em:<br />

. Acesso em: 8 nov. <strong>20</strong>07.<br />

(189) BRASIL. Supremo Tribu<strong>na</strong>l Federal. Reclamação nº 4.374. Rel. Min. Gilmar Mendes. DJ, 6 fev. <strong>20</strong>07. Disponível em:<br />

. Acesso em: 8 nov. <strong>20</strong>07.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

225


226<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

a condição econômica <strong>da</strong> família, sob pe<strong>na</strong> de estar ferindo o princípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

pessoa huma<strong>na</strong>.<br />

O Ministro Gilmar Mendes observ<strong>ou</strong>, ain<strong>da</strong>, que o próprio legislador tem reinterpretado<br />

o art. <strong>20</strong>3 <strong>da</strong> Constituição Federal, uma vez que as leis que instituíram os programas Bolsa<br />

Família, Acesso à Alimentação, Bolsa Escola, adotam o requisito de ren<strong>da</strong> familiar per capita<br />

inferior a ½ (meio) salário mínimo.<br />

Para o Ministro,<br />

O Tribu<strong>na</strong>l parece caminhar no sentido de se admitir que o critério de 1/4 do salário<br />

mínimo pode ser conjugado com <strong>ou</strong>tros fatores indicativos do estado de miserabili<strong>da</strong>de<br />

do indivíduo e de sua família para concessão do benefício assistencial de que trata o art.<br />

<strong>20</strong>3, inciso V, <strong>da</strong> Constituição 190 .<br />

E concluiu, “diante de to<strong>da</strong>s essas perplexi<strong>da</strong>des sobre o tema, é certo que o Plenário do<br />

Tribu<strong>na</strong>l terá que enfrentá-lo novamente” 191 .<br />

A NÃO POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM OUTROS BENEFÍCIOS<br />

O benefício assistencial não poderá ser acumulado com qualquer <strong>ou</strong>tro benefício <strong>da</strong><br />

Previdência Social <strong>ou</strong> de qualquer <strong>ou</strong>tro Regime Previdenciário, conforme o art. 18 do<br />

Decreto nº 1.744/1995, o qual dispõe:<br />

Art. 18. O benefício de que trata este Regulamento não pode ser acumulado com<br />

qualquer <strong>ou</strong>tro benefício pecuniário no âmbito <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>ou</strong> de <strong>ou</strong>tro regime<br />

previdenciário <strong>ou</strong> assistência.<br />

§1º É indispensável que seja verifi ca<strong>da</strong> a existência de registro de benefício previ-<br />

denciário em nome do requerente.<br />

§2º Competirá ao Instituto Nacio<strong>na</strong>l do Seguro Social – INSS, <strong>ou</strong> ao órgão autor-<br />

izado <strong>ou</strong> à enti<strong>da</strong>de convenia<strong>da</strong>, quando necessário, promover verifi cações junto a <strong>ou</strong>tra<br />

instituições de previdência <strong>ou</strong> de assistência <strong>social</strong>, bem como junto aos atestantes <strong>ou</strong><br />

vizinhos do requerente 192 .<br />

Ape<strong>na</strong>s há uma exceção, que é no caso <strong>da</strong> pensão especial devi<strong>da</strong> aos dependentes<br />

<strong>da</strong>s vítimas de hemodiálise de Caruaru/PE, prevista <strong>na</strong> Lei nº 9.422, de 24.12.1996 193 .<br />

(190) Ibid., Acesso em: 8 nov. <strong>20</strong>07.<br />

(191) Ibid., Acesso em: 8 nov. <strong>20</strong>07.<br />

(192) BRASIL. Decreto n. 1.744, de 8 de dezembro de 1995. Regulamenta o benefício de prestação continua<strong>da</strong> devido à<br />

pessoa portadora de defi ciência e ao idoso, de que trata a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e dá <strong>ou</strong>tras providên-<br />

cias. Diário Ofi cial [<strong>da</strong>] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1995.<br />

(193) VIANNA, <strong>20</strong>05, p. 688.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

A cessação do benefício assistencial de prestação continua<strong>da</strong> ocorrerá nos casos de:<br />

a)<br />

b)<br />

Superação <strong>da</strong>s condições que lhe deram origem;<br />

Morte do benefi ciário, não gerando direito à pensão por morte aos seus depen-<br />

dentes, uma vez que o benefi cio de prestação continua<strong>da</strong> é intransferível;<br />

c)<br />

d)<br />

e)<br />

Morte presumi<strong>da</strong> do benefi ciário, declara<strong>da</strong> em juízo;<br />

Ausência declara<strong>da</strong> do benefi ciário, <strong>na</strong> forma do art. 22 do Código Civil;<br />

Falta de comparecimento do benefi ciário portador de defi ciência ao exame médi-<br />

co-pericial, por ocasião de revisão de benefício;<br />

f)<br />

Falta de apresentação pelo idoso <strong>ou</strong> pessoa portadora de defi ciência <strong>da</strong> declara-<br />

ção de composição do grupo e ren<strong>da</strong> familiar, por ocasião de revisão do benefício 194 .<br />

A CONCORRÊNCIA DO BENEFÍCIO COM OUTROS PROGRAMAS DO GOVERNO<br />

Diante <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de combater a fome e a miséria no Brasil, o Governo vem<br />

implantando novos programas sociais. Assim, há leis posteriores à Lei nº 8.742/93, as quais<br />

regulam programas assistencialistas <strong>na</strong>s mais diversas áreas.<br />

Ocorre, entretanto, que tais leis estão adotando como instrumento de aferição de pessoas<br />

pobres para fi ns de concessão dos benefícios assistenciais, a ren<strong>da</strong> familiar per capita inferior<br />

a ½ (meio) salário mínimo, ao contrário do critério adotado pela Lei nº 8.742/93 195 .<br />

A exemplo disso, podemos citar a Lei nº 10.689/03, a qual institui o Programa Nacio<strong>na</strong>l<br />

de Acesso à Alimentação – PNAA, que dispôs, em seu art. 2º, §2º, que “os benefícios do<br />

PNAA serão concedidos, <strong>na</strong> forma desta Lei, para uni<strong>da</strong>de familiar com ren<strong>da</strong> mensal per<br />

capita inferior a meio salário mínimo” 196 .<br />

Outros programas como o Auxílio-Gás, regulamentado pelo Decreto 4.102, de 24 de<br />

janeiro de <strong>20</strong>02, e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, também utilizam<br />

o parâmetro de ren<strong>da</strong> per capita familiar inferior a ½ (meio) salário mínimo para fi ns de<br />

concessão dos benefícios assistenciais.<br />

Assim, há de se estabelecer igual tratamento jurídico no que concerne à verifi cação<br />

<strong>da</strong> situação sócio-econômica <strong>da</strong> família, para que se evitem distorções que conduzam a<br />

situações desprovi<strong>da</strong>s de razoabili<strong>da</strong>de 197 .<br />

(194) VIANNA, <strong>20</strong>05, p. 688.<br />

(195) FOLMANN, <strong>20</strong>06, p. 382.<br />

(196) BRASIL. Lei nº 10.689, de 13 de junho de <strong>20</strong>03. Cria o Programa Nacio<strong>na</strong>l de Acesso à Alimentação – PNAA.<br />

Diário Ofi cial [<strong>da</strong>] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 jun. <strong>20</strong>03. Disponível em: . Acesso em: 8 nov. <strong>20</strong>07.<br />

(197) CASTRO E LAZZARI, <strong>20</strong>04, p. 632.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

227


CONCLUSÃO<br />

228<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

Os Estados Modernos se preocupam com a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> dos seus ci<strong>da</strong>dãos, e<br />

diante desta preocupação, vêm tentando erradicar a pobreza. Entretanto, diariamente, ain<strong>da</strong><br />

é possível deparar-se com pessoas miseráveis <strong>na</strong>s ruas, muitas vezes defi cientes e idosos<br />

desamparados.<br />

Na tentativa de combater a pobreza no Brasil, o Estado cri<strong>ou</strong> à Assistência Social, a qual<br />

implant<strong>ou</strong> benefícios que visam proporcio<strong>na</strong>r melhores condições de vi<strong>da</strong> a muitas pessoas,<br />

por meio de programas, serviços, projetos e benefícios. Assim, impulsio<strong>na</strong><strong>da</strong> pela LBA –<br />

Liga Brasileira <strong>da</strong> Assistência, surgiu o benefício assistencial de prestação continua<strong>da</strong> <strong>da</strong> Lei<br />

n° 8.742 de 1993, o qual foi uma alter<strong>na</strong>tiva para atender àqueles defi cientes e idosos que<br />

não possuem meios de prover a própria subsistência <strong>ou</strong> de tê-la provi<strong>da</strong> por sua família.<br />

Dados do Ministério de Assistência Social apontam que no ano de <strong>20</strong>05 foram concedidos<br />

132.578 benefícios dessa <strong>na</strong>tureza às pessoas portadoras de defi ciência, e 185.036 aos<br />

idosos, num total de 317.614 benefícios. No ano de <strong>20</strong>06, de um total de 305.459 benefícios,<br />

131.774 foram para defi cientes e 176.685 para idosos 198 . Tais números podem ser<br />

considerados muito baixos se observado que no ano de <strong>20</strong>05 existiam no Brasil 12.563.354<br />

idosos, com 60 (sessenta) <strong>anos</strong> <strong>ou</strong> mais, não economicamente ativos, <strong>ou</strong> seja, idosos que<br />

não possuíam qualquer fonte de ren<strong>da</strong> 199 . Este baixo percentual de assistidos deve-se,<br />

talvez porque os excessivos rigores <strong>na</strong> lei, com relação aos critérios estabelecidos, são<br />

difíceis de serem atingidos por grande parte dos necessitados, impossibilitando a obtenção<br />

do benefício pretendido.<br />

Entretanto, constata-se ain<strong>da</strong> que a Assistência Social não recebe muitos recursos do<br />

Governo Federal. Em <strong>20</strong>04, o orçamento <strong>social</strong> direto do governo federal foi de R$ 248,9<br />

bilhões, correspondendo a 14,1% do PIB. O orçamento <strong>social</strong> total foi estimado em R$ 280,7<br />

bilhões, equivalentes a 16,0% do PIB. Do total do gasto direto com a seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>,<br />

67,6% é gasto com previdência <strong>social</strong>, 12,8% com saúde, somente 6,5% com assistência<br />

<strong>social</strong> e menos ain<strong>da</strong>, cerca de 5,2% com educação <strong>20</strong>0 .<br />

Ademais, ressalta-se que também falta <strong>da</strong> Assistência Social um condão mais participativo,<br />

pois as pessoas necessita<strong>da</strong>s muitas vezes nem sabem que teriam direito ao benefício<br />

assistencial, o que lhes proporcio<strong>na</strong>ria uma condição de vi<strong>da</strong> mais dig<strong>na</strong>. A Assistência<br />

Social deveria promover mais campanhas, objetivando o esclarecimento à população dos<br />

benefícios a que teriam direito, isto implicaria em um aumento signifi cativo <strong>na</strong> concessão<br />

dos benefícios assistenciais e proporcio<strong>na</strong>ria melhores condições de vi<strong>da</strong> a grande parte <strong>da</strong><br />

(198) BRASIL. Anuário Estatístico <strong>da</strong> Previdência Social de <strong>20</strong>06. Disponível em: . Acesso em: 22 fev. <strong>20</strong>08.<br />

(199) Ibid., Acesso em: 29 fev. <strong>20</strong>08.<br />

(<strong>20</strong>0) BRASIL. Orçamento Social do Governo Federal <strong>20</strong>01-<strong>20</strong>04: sumário executivo. Disponível em: . Acesso em: 22 fev. <strong>20</strong>08.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


população.<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

O caput do artigo <strong>20</strong> <strong>da</strong> Lei n° 8.742 de 1993, trata <strong>da</strong> concessão do benefício assistencial<br />

às pessoas defi cientes e idosas, o qual dispõe que o benefício de prestação continua<strong>da</strong> é<br />

a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de defi ciência e ao idoso com<br />

65 (sessenta e cinco) <strong>anos</strong> <strong>ou</strong> mais (i<strong>da</strong>de modifi ca<strong>da</strong> pela Lei n° 10.741 de <strong>20</strong>03 - Estatuto<br />

do Idoso) e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem<br />

de tê-la provi<strong>da</strong> por sua família. O § 1° do referido artigo traduz o conceito de família, <strong>ou</strong><br />

seja, é a uni<strong>da</strong>de mononuclear, que vive sob o mesmo teto, cuja economia é manti<strong>da</strong> pela<br />

contribuição de seus integrantes, o que gera uma discussão nos tribu<strong>na</strong>is, uma vez que há<br />

pessoas que não fazem parte do grupo familiar do idoso <strong>ou</strong> defi ciente, mas que contribuem<br />

signifi cativamente para o sustento <strong>da</strong> família que vive sob o mesmo teto. Casos em que a<br />

jurisprudência fi ca dividi<strong>da</strong>, pois alguns consideram objetivamente o rol defi nido pelo § 1°,<br />

desconsiderando to<strong>da</strong> e qualquer ren<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas que não pertencem ao grupo familiar,<br />

<strong>ou</strong> ain<strong>da</strong>, há entendimentos que consideram to<strong>da</strong> e qualquer ren<strong>da</strong> que contribua para o<br />

sustento do benefi ciário, independentemente de sua origem. Já o § 2º determi<strong>na</strong> que para<br />

efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de defi ciência é aquela incapacita<strong>da</strong><br />

para a vi<strong>da</strong> independente e para o trabalho. Entretanto, o critério vi<strong>da</strong> independente também<br />

é discutível, uma vez que o fato de uma pessoa poder se locomover sozinha e cui<strong>da</strong>r dos<br />

seus afazeres pessoais sem a aju<strong>da</strong> de terceiros não signifi ca que ela possa prover o próprio<br />

sustento. O § 3º considera como incapaz de prover a manutenção <strong>da</strong> pessoa portadora<br />

de defi ciência <strong>ou</strong> idosa a família cuja ren<strong>da</strong> mensal per capita seja inferior a um quarto do<br />

salário mínimo, dispositivo deveras rigoroso, uma vez que limita a concessão do benefício,<br />

deixando à margem <strong>ou</strong>tra tantas pessoas que vivem em condições tão miseráveis quanto<br />

aquelas, isto é, as que recebem um p<strong>ou</strong>co acima do limite legal estabelecido.<br />

O que se deve ter em mente é que a Assistência Social deverá ser presta<strong>da</strong> a quem dela<br />

realmente necessitar. Para a prestação <strong>da</strong> Assistência Social, é óbvio que critérios devem<br />

ser estabelecidos, mas critérios que sejam passíveis de ser atendidos pelo benefi ciário, e<br />

não tão rigorosos a ponto do benefício ser concedido à alguns deixando de fora <strong>ou</strong>tros tão<br />

miseráveis quanto aqueles.<br />

Ademais, em que pese a decisão do STF <strong>na</strong> ADIn 1232, a qual concluiu pela<br />

constitucio<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de do §3º, do art. <strong>20</strong>, <strong>da</strong> Lei nº 8.742 de 1993, a própria jurisprudência,<br />

tem se mostrado sensível a essas questões e vem a<strong>na</strong>lisando ca<strong>da</strong> caso em separado,<br />

levando muitas vezes em consideração a real situação <strong>da</strong> família, e não somente a ren<strong>da</strong><br />

por ela auferi<strong>da</strong>, adotando assim uma posição menos legalista e mais humanista. O<br />

Superior Tribu<strong>na</strong>l de Justiça (STJ) e os Tribu<strong>na</strong>is Federais, estão cientes <strong>da</strong> importância do<br />

benefício de prestação continua<strong>da</strong> contido no artigo <strong>20</strong>3, Inciso V, <strong>da</strong> Constituição Federal<br />

e <strong>na</strong> Lei nº 8742/1993, seja através <strong>da</strong> manutenção de pedidos de antecipação de tutela,<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

229


230<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

seja numa interpretação mais fl exível <strong>da</strong> norma positiva<strong>da</strong>. Até mesmo o próprio STF em<br />

decisão recente, de fevereiro de <strong>20</strong>07, indeferiu uma medi<strong>da</strong> limi<strong>na</strong>r ao INSS e manteve a<br />

decisão <strong>da</strong> Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Per<strong>na</strong>mbuco, no sentido<br />

de se admitir que o critério de 1/4 (um quarto) do salário mínimo pode ser conjugado com<br />

<strong>ou</strong>tros fatores indicativos do estado de miserabili<strong>da</strong>de do indivíduo e de sua família para<br />

concessão do benefício em questão. O STF reconheceu ain<strong>da</strong> que a questão é controversa<br />

no judiciário brasileiro e até mesmo <strong>na</strong> Suprema Corte, o que fará com que em breve o tema<br />

seja reexami<strong>na</strong>do por este Tribu<strong>na</strong>l.<br />

Aqui, <strong>na</strong> condição de pesquisadora, faço questão de mencio<strong>na</strong>r alguns casos que<br />

presenciei enquanto estagiária <strong>da</strong> 1° Vara do Juizado Especial Federal Cível e Previdenciário<br />

de Curitiba. Dentre os milhares de processos que tramitam <strong>na</strong>quela Vara, alguns chamavam<br />

atenção. H<strong>ou</strong>ve casos em que a pessoa sofria de uma grave defi ciência e necessitava de<br />

muitos remédios, mas a ren<strong>da</strong> <strong>da</strong> família era superior ao limite legal, mesmo assim, por<br />

considerar que o defi ciente realmente precisava do benefício, este foi concedido, pois há<br />

pessoas que necessitam de muitos remédios e em que pese estes remédios serem adquiridos<br />

em Postos de Saúde, muitas vezes eles acabam e a parte se vê obriga<strong>da</strong> a comprá-los.<br />

Mas, também h<strong>ou</strong>ve casos em que a família aparentemente era humilde, pois se tratava do<br />

casal de velhinhos que recebiam suas aposentadorias no valor mínimo e tinham uma fi lha<br />

defi ciente, para quem pleiteavam o benefício assistencial. Entretanto, ao a<strong>na</strong>lisar o Auto de<br />

Constatação realizado pelo Ofi cial de Justiça desig<strong>na</strong>do pelo juiz verifi c<strong>ou</strong>-se que a família<br />

residia em uma excelente casa, com móveis novos e em uma região nobre de Curitiba, só<br />

assim foi constatado que a ren<strong>da</strong> declara<strong>da</strong> não condizia com a real condição <strong>da</strong> família.<br />

H<strong>ou</strong>ve um caso, talvez o mais marcante, que se tratava de uma senhora, com ape<strong>na</strong>s 33<br />

(trinta e três) <strong>anos</strong> de i<strong>da</strong>de e que sofria de uma grave doença em seus pulmões, ela era mãe<br />

de duas meni<strong>na</strong>s, de 4 (quatro) e 6 (seis) <strong>anos</strong>, seu marido era motorista de ônibus, e auferia<br />

ren<strong>da</strong> mensal de aproxima<strong>da</strong>mente R$800,00 (oitocentos reais), se fosse aplicado o limite<br />

objetivo legal, por óbvio que a senhora não teria direito à concessão do benefício, entretanto,<br />

era só observar os autos para se verifi car que a família vivia em condições precárias. A<br />

autora necessitava de oxigênio várias vezes ao dia, o que criava a necessi<strong>da</strong>de de que em<br />

sua casa tivessem vários galões de oxigênio para o seu uso. Ademais, ela muitas vezes<br />

passava mal, e o seu marido era obrigado a faltar ao emprego para levá-la ao hospital, o que<br />

fez com que ele perdesse o emprego várias vezes. Mesmo a ren<strong>da</strong> per capita familiar ter<br />

ultrapassado consideravelmente o limite estabelecido (chegando a R$<strong>20</strong>0,00), verifi cava-se<br />

que a família necessitava do valor do benefício, principalmente para custear as despesas do<br />

tratamento médico <strong>da</strong> autora.<br />

Entretanto, deixar a critério de ca<strong>da</strong> juiz decidir casos concretos, sem que este se vincule<br />

a algum critério objetivo legal possibilita muita discricio<strong>na</strong>rie<strong>da</strong>de, pois um mesmo juiz poderia<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>


Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

julgar diferentemente os casos acima mencio<strong>na</strong>dos. O certo é que o próprio legislador reveja<br />

os critérios para a concessão do benefício, uma vez que em <strong>ou</strong>tros programas como Bolsa<br />

Família, Acesso à Alimentação, Bolsa Escola, já adotam o critério de ren<strong>da</strong> familiar per<br />

capita inferior a meio salário mínimo.<br />

Atualmente, a política <strong>social</strong> brasileira tem sido insufi ciente para cobrir as necessi<strong>da</strong>des<br />

<strong>da</strong> população de mais baixa ren<strong>da</strong>, não somente em termos de quanti<strong>da</strong>de, mas também<br />

de quali<strong>da</strong>de. O Brasil tem adotado o sistema de bem estar <strong>social</strong> particularista, segundo a<br />

divisão proposta por Richard Titmuss, no qual o Estado desempenha o papel mais relevante,<br />

complementar <strong>da</strong> iniciativa priva<strong>da</strong>, os benefícios são concedidos por mérito individual,<br />

dependendo <strong>da</strong> produtivi<strong>da</strong>de e do empenho no trabalho, funcio<strong>na</strong>ndo quase que como uma<br />

recompensa pelo trabalho individual. Outros Estados adotam sistemas diferentes, como o<br />

bem estar <strong>social</strong> residual, o qual prevê que a participação do Estado deve ser mínima e<br />

temporária, cabendo à família e ao mercado satisfazer a maior parte <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des<br />

huma<strong>na</strong>s. Nestes casos, a assistência <strong>social</strong> só é concedi<strong>da</strong> àqueles que se disponham<br />

a aju<strong>da</strong>r a si mesmos. Há ain<strong>da</strong> o estado de bem estar <strong>social</strong> redistributivo, no qual o<br />

Estado assume papel essencial, os serviços e benefícios são fornecidos de forma universal,<br />

independentemente do mercado e de acordo com as necessi<strong>da</strong>des individuais. Este modelo,<br />

visa alcançar a maior igual<strong>da</strong>de possível entre os ci<strong>da</strong>dãos, por considerar que o bem-estar<br />

individual é responsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e que to<strong>da</strong>s as pessoas têm direito à ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia<br />

ple<strong>na</strong> <strong>20</strong>1 .<br />

Um exemplo a ser citado é o sistema de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> americano, pois os programas<br />

de seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong> em sua maioria cingem-se aos programas de assistência <strong>social</strong>.<br />

Os programas securitários americ<strong>anos</strong> desenvolvem-se prestando aju<strong>da</strong> fi <strong>na</strong>nceira <strong>ou</strong><br />

serviços específi cos sem que haja uma contribuição prévia, o que lhes dá a característica<br />

de programas assistenciais. Em geral, para ser benefi ciário de tal sistema, a pessoa deve<br />

possuir ren<strong>da</strong> inferior a determi<strong>na</strong>do patamar (condição primária) e freqüentemente, deve<br />

atender a <strong>ou</strong>tros critérios (condições secundárias). Entretanto, a fi xação destes critérios<br />

são feitas pelos estados e municípios, os quais estabelecem seus próprios parâmetros,<br />

tais como: faixa de ren<strong>da</strong> para usufruir do plano e limites de pagamento de benefícios.<br />

Em que pese este sistema ter ocasio<strong>na</strong>do o fenômeno de migração inter<strong>na</strong>, uma vez que<br />

os ci<strong>da</strong>dãos americ<strong>anos</strong> buscam mu<strong>da</strong>r-se para determi<strong>na</strong>dos Estados com vistas a obter<br />

maiores benefícios, o sistema é adequado, pois ca<strong>da</strong> município <strong>ou</strong> estado tem uma maior<br />

controle sobre o benefício e fi xam seus critérios com base <strong>na</strong> população dos seus estados<br />

<strong>ou</strong> município, pois utilizar um mesmo critério para um país, acaba deixando de fora muitas<br />

(<strong>20</strong>1) ALMEIDA, Guilherme Henrique de La Rocque. O Estado brasileiro contemporâneo. Disponível em: . Acesso em: 29 fev. <strong>20</strong>08.<br />

F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong><br />

231


232<br />

Sonho <strong>ou</strong> reali<strong>da</strong>de? <strong>20</strong> <strong>anos</strong> <strong>da</strong> Seguri<strong>da</strong>de Social <strong>na</strong> Constituição<br />

<strong>ou</strong>tras pessoas, diante <strong>da</strong> enorme dispari<strong>da</strong>de econômica entre as regiões <strong>20</strong>2 .<br />

O que é certo, é que as ações do Estado, enquanto seguri<strong>da</strong>de <strong>social</strong>, devem ser<br />

dirigi<strong>da</strong>s aos ci<strong>da</strong>dãos no sentido de garantir a todos a igual<strong>da</strong>de de oportuni<strong>da</strong>de, para que<br />

to<strong>da</strong> e qualquer pessoa tenha condições de prover o seu sustento, <strong>ou</strong> de tê-la provido por<br />

sua família sem necessitar <strong>da</strong> aju<strong>da</strong> <strong>da</strong> assistência <strong>social</strong>, pois a concessão do benefício à<br />

pessoa necessita<strong>da</strong> não resolverá todos os problemas sociais existentes, até mesmo porque<br />

este deve ser ape<strong>na</strong>s temporário, até o ci<strong>da</strong>dão adquirir melhores condições. Para tanto é<br />

preciso que haja uma integração entre to<strong>da</strong>s as formas de assistência <strong>social</strong>, e para isso, é<br />

fun<strong>da</strong>mental que ocorra um efetivo comprometimento do poder estatal e de to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de.<br />

Só assim se estará mais próximo de atingir os objetivos constantes <strong>na</strong> Constituição Federal,<br />

proporcio<strong>na</strong>ndo a todo ci<strong>da</strong>dão o direito a uma vi<strong>da</strong> dig<strong>na</strong>.<br />

Referências Bibliográfi cas<br />

ALMEIDA, Guilherme Henrique de La Rocque. O Estado brasileiro contemporâneo. Disponível em:<br />

. Acesso em: 29 fev. <strong>20</strong>08.<br />

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F U N D A Ç Ã O<br />

<strong>ANFIP</strong>

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