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Leia o Texto.

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Agradecimentos<br />

Esta vida nos proporciona tantas oportunidades revigorantes que nos fazem dar a volta por cima,<br />

que às vezes nós mesmos nos perguntamos se é isso mesmo que queremos.<br />

É por essas e outras, que hoje agradeço ao meu próprio estímulo de ver que o que eu realmente<br />

gosto de fazer, está saindo do jeito que eu quero, pois a cada dia mais busco a perfeição entre linhas<br />

escritas e formas de divulgações que, diga-se de passagem, não são fáceis. Preparei a forma quando<br />

criança nos primeiros traços chamados caligrafia; foram formadas letras; a imaginação fluiu e as histórias<br />

se uniram a ponta do lápis e ao caderno. Preparei a receita; despejei bons temperos; misturei ingredientes<br />

pra preparar um novo sabor; o aroma chegou suave e foi-se adocicando, mas não perdeu seu gosto, ao<br />

contrário, hoje a receita é pesquisada, comentada e até criticada. Tenho a satisfação de dizer que agora<br />

lhes trouxe a mesma forma com novos temperos.<br />

Agora a história de Benjamin dá uma reviravolta e suas escolhas caberão até mesmo a ele decidir<br />

o que fazer com as evoluções que ocorrerá na vida de todos ao seu redor.<br />

Novos inimigos, o mesmo amor que oras é sua força e oras sua fraqueza, o amigo cada vez mais<br />

próximo, as feridas que nunca cicatrizaram. Mais anjos, mais Zorkinstinianos e o holocausto próximo a<br />

ser causado por um estranho e comum inimigo.<br />

Capítulo I<br />

A Permissão<br />

1


Na televisão hoje em dia, não se passa muita coisa além da realidade do mundo: mortes, chuvas,<br />

rituais de magia negra, desabamento de casas pela força da natureza.<br />

A humanidade aos poucos vem destruindo o seu próprio mundo. Seu próprio império. Sua<br />

própria casa.<br />

Com o passar das décadas, as guerras têm aumentado excessivamente e as armas de fogo<br />

chegaram a um estado de poder aniquilar um país inteiro em minutos. A humanidade entra em uma guerra<br />

consigo mesma por motivos banais: ganância, fama, conquista, orgulho.<br />

‘As histórias contadas antes de dormir deixavam as crianças em paz. Hoje, são pesadelos de uma<br />

realidade que elas não deveriam viver. Elas crescem antes do tempo e perdem sua infância. A um número<br />

baixo de pessoas que respeitam umas as outras em tempos como esses.<br />

São poucas as pessoas que antes de dormir fazem o sinal da cruz e oram de todo o coração.<br />

Fazem apenas por fazer. Vão as igrejas se sentindo obrigadas. Sentem vontade de fazer coisas erradas,<br />

escondidas, mas não se arrependem antes de dizer amém. O confessionário é motivo de piada. As pessoas<br />

se esqueceram o valor exato das pequenas coisas.<br />

Entretanto, depois que algo de muito ruim aconteceu em sua vida, ele procurou voltar à igreja.<br />

Como já é um dito popular: a pessoa só procura a Deus no momento que mais precisa Dele.<br />

O rapaz perdeu sua infância. Cresceu cedo demais vendo seus pais que trabalhavam arduamente<br />

e muitas das vezes o levavam aos seus escritórios e em tempos livres o ensinavam tudo sobre a vida<br />

profissional. Ele aprendeu rápido, esforçado que sempre foi, pois quando não aprendia pela segunda vez<br />

uma coisa dita pelos pais, era obrigado a repetir mais de cem vezes a mesma coisa até que entrasse de vez<br />

em sua cabeça.<br />

Não assistia desenhos em casa, mas sim programas de congresso, política, discursos<br />

presidenciais e mesas redondas com administradores de empresas. Era atento a todos os jornais. Seu pai<br />

na época era assinante do Jornal Brasil e o Mundo e sempre entregava ao filho para que ele o lesse. Pedia<br />

que fizesse um resumo de cada notícia lida. Com doze anos, ele sabia mais do que ótimos funcionários de<br />

grandes empresas, até mais do que gerentes. Em contrapartida, não tinha tempo para brincar na rua com<br />

os amiguinhos de escola, muito menos ver um filme de ação ou a um desenho, menos ainda sobre<br />

religião. Seu pai lhe dizia que a religião só o afastaria dos negócios.<br />

Aos seus quinze anos ele viu o seu pai falecer. Estressado de tanto trabalho, teve um ataque<br />

cardíaco e não chegou vivo próximo ao hospital. Ele lembra que as últimas palavras de seu foram:<br />

– Cuide bem... da Empresarial Tech!<br />

Empresarial Tech era o nome da empresa que seu pai era dono. Um homem devoto ao trabalho,<br />

desconhecedor de religiões e descrente da fé. Não aceitava erros e passava por cima de qualquer outro<br />

que fosse contra seus argumentos. Tratava seus funcionários como cachorros no canil.<br />

2


Não houve choros em seu funeral. Nem mesmo o filho conseguiu chorar. Ele tomou posse da<br />

empresa aos dezoito anos, pois até mesmo a sua megera mãe era idêntica ao pai em serviço. Quando<br />

assumiu o controle, tudo mudou de rumo. Pagou todos os seus funcionários da maneira correta e fechou o<br />

empreendimento de milhões de reais. Com o dinheiro ganho na compra, viajou pelo país, mas mesmo<br />

com seu pai morto, em seus sonhos ele o atormentava dizendo que tinha feito um mau negócio. Sua mãe<br />

ordenou caça ao filho que se voltou contra a família. Ela não aceitava o fato de seu filho ter desmoronado<br />

o maior negócio da vida dela e de seu marido.<br />

E assim, ele pediu ajuda para quem menos ouvia falar: Deus. Por mais que seu pai e sua mãe<br />

eram praticamente ateus, ele em meio ao escuro de seu quarto e com uma lanterna embaixo dos<br />

cobertores, lia trechos da Bíblia em um livrinho que certa vez comprou com trocados do mercado.<br />

Aos vinte anos, ele ficou de joelhos com os cotovelos em cima da cama e orou de todo o<br />

coração. Pediu paz ao coração de sua mãe e que ela aceitava que ele vivesse sua própria vida.<br />

Como resposta, no dia seguinte indo para o trabalho, alguém o abordou na rua e ele acordou em<br />

uma sala de interrogatório. Uma linda mulher estava ao seu lado e mais ao fundo um homem mal<br />

encarado. Ambos vestindo trajes escuros. Ele saiu e deixou a mulher a sós com ele. O homem falava em<br />

inglês, então a mulher se prontificou a falar na sua língua.<br />

– Onde ele está? – perguntou a atraente mulher, em português, olhando-o fixamente.<br />

– Por que estão fazendo isto comigo? Eu não sei de nada – dizia o homem com uma voz<br />

assustada, quase em prantos. – Não sei de quem estão falando.<br />

– Eu vou perguntar mais uma vez, pois sou muito mais paciente do que esses americanos, mas<br />

toda paciência tem seu limite: Onde ele está?<br />

– Quem? – seus cabelos tocavam os ferimentos dos supercílios.<br />

– Olhe, eles vão te pressionar a fazer o que não quer, irão te machucar mais ainda, inserir<br />

seringas que farão com que você tenha alucinações – o homem chorava enquanto mexia a cabeça<br />

negativamente ao ouvir a mulher de vestido preto. – É uma pergunta simples, mas vou tentar responder<br />

para você, daí, você só me afirma – o homem levantou a cabeça. – Ele está em você, não é? Dentro de<br />

você? Você é o hospedeiro, não estou certa?<br />

– Dentro de mim? Hospedeiro? – seu olhar de confuso era sincero. O homem estava literalmente<br />

boiando na história. – Eu só sei que eu estava indo pro meu trabalho e do nada, alguém me acertou e<br />

acordei aqui a murros e gritos. Foi e está sendo a única coisa estranha que aconteceu comigo até hoje.<br />

A moça olhou para o nada e acenou. Não demorou muito para aquele interrogador reaparecer. Os<br />

dois trocaram algumas palavras em voz baixa. A mulher voltou para perto do homem.<br />

– Eles queriam poder acreditar em você, assim como eu acredito, mas a segurança do mundo é<br />

maior que nossa vontade. Sinto muito – ele olhou para o interrogador que levantou uma arma em direção<br />

a sua cabeça –, Benjamin Nunes.<br />

– Não!<br />

3


O celular do homem tocou. Ele vacilou com a arma. Atendeu a chamada, baixando a guarda. A<br />

ligação parecia tê-lo deixado pasmo. Mencionou em inglês que estaria a caminho o mais breve possível.<br />

Desligou. Chamou a mulher e cochichou em seu ouvido. Ela, por sua vez, após ter ouvido o que a ligação<br />

trouxe, andou até Benjamin Nunes.<br />

– Você está com sorte rapaz – ele virou a cabeça para o lado –, encontramos o Benjamin que<br />

procurávamos.<br />

O homem também trajando uma roupa preta e com a arma em mãos acertou Benjamin Nunes<br />

com o cabo dela. Ele desmaiou.<br />

Teve um sonho em que via uma pessoa toda de branco se aproximar. Seus cabelos eram lisos e<br />

loiros e tinha olhos verdes. Era divina sua beleza. Sua boca estava fechada, mas Benjamin Nunes ouvia<br />

sua voz em sua mente: “Você ficará bem. Tenha fé”.<br />

Ele acordou no outro dia em sua casa e não tinha nenhum dos ferimentos recebidos no<br />

interrogatório.<br />

Durante uma semana, ele ficou se indagando os estranhos acontecimentos até que o presidente<br />

Emanuel Cabral deu sua notícia numa manhã de segunda-feira. Aí, algumas coisas fizeram sentido.<br />

Benjamin Nunes parou de fugir e foi encontrar sua mãe. Os dois sentaram e conversaram por<br />

horas. Ela se arrependeu das coisas que fazia com o filho e também quando o pai lhe batia e ela nada<br />

fazia. Ele aceitou sem controvérsias e se abraçaram por um longo tempo. O homem já sentia dentro de si,<br />

uma paz enorme.<br />

Deitado em sua cama depois de um dia árduo de trabalho na oficina do bairro, um mês depois do<br />

enterro do soldado Danilo, Benjamin Nunes já pegava no sono quando um barulho lhe fez despertar. Algo<br />

tinha caído na sala. Ele se levantou de pijama e foi com calma andando pela casa escura. Acendeu a luz<br />

da cozinha e não viu nada de errado.<br />

Ao voltar para seu quarto, abriu a porta e viu que a janela estava aberta. Um vento frio soprava e<br />

fazia a cortina dançar. Ele foi para perto e a fechou. Então seu quarto se iluminou sem a necessidade de<br />

luzes. Sentiu seu coração pulsar e lentamente se virou para a cama.<br />

Uma mulher de cabelos lisos até o pescoço estava ali sentada usando praticamente o mesmo<br />

pijama que ele.<br />

Benjamin tomou um susto por reconhecer a pessoa. Era sua mãe, anos mais nova. Pele lisa e um<br />

olhar angelical. Sempre fora linda.<br />

– Eu estou sonhando, não estou? – perguntou ainda de pé sem poder se mover. Suas mãos<br />

tremiam.<br />

4


– É o que parece pra você? – a mulher se levantou e não tinha para onde ele fugir, pois já<br />

encostava seu corpo na janela fechada.<br />

– O quê... o quê que é isso?<br />

– Não fique assustado, meu filho – ele sentiu aquela mão quente dela o tocando. Sentia medo,<br />

mas aos poucos foi se confortando após o toque e as palavras. – Você já passou por tanta coisa. Qual o<br />

tamanho de sua fé?<br />

– Eu... não sei. Como chegou aqui, mãe?<br />

Ela sorriu docilmente.<br />

– Hoje é o seu dia, Benjamin. Seu aniversário. Eu vim lhe trazer meu presente.<br />

– Que presente?<br />

Ainda com um sorriso, ela soltou a mão do rosto dele.<br />

– Aconteceram algumas coisas ultimamente que quase colocou nosso mundo a mercê de um<br />

destruidor. Apocalipse é seu nome. Creio que tenha ouvido algo nesses meses – ele nada disse, pois sabia<br />

que ela estava certa. O presidente havia mencionado e aconteceram tragédias em Santa Catarina e<br />

algumas na zona oeste de São Paulo.<br />

– Sim.<br />

– Tanto que você foi culpado por algo que não fez. Meu filho, essas pessoas que acharam que<br />

você era o receptáculo de Apocalipse, agora estão mortas pelo próprio. Apocalipse foi barrado pelo jovem<br />

que eles procuravam. Entretanto, por um descuido saíram mais iguais a ele. Quem sabe até piores. É a sua<br />

chance de fazer a diferença, filho.<br />

Nunes estava atolado com tanta informação. Ele saiu de perto da sua mãe e se sentou na cama.<br />

A mulher o seguiu com os olhos.<br />

– Você sempre quis arrumar uma forma de ser totalmente o oposto do seu pai. De tempos pra cá<br />

você tem feito o que sempre quis. Tem um emprego normal que exerce muito de sua capacidade e força.<br />

Sai para os lugares com o pessoal do serviço e vai começar os estudos. Você está mudando, Benjamin.<br />

– Então o que mais você quer que eu faça?<br />

– Você precisa me aceitar em você – ele não entendeu nada de começo. – Você sabe muito bem<br />

que se essa batalha estourar, não vamos conseguir apenas tendo um ao nosso favor. Temos de ser mais.<br />

Ganhamos a primeira contra Apocalipse, mas agora é diferente. Estamos em desvantagem. Preciso de sua<br />

ajuda.<br />

– Você disse que Apocalipse foi barrado pelo jovem que eles procuravam. É o tal do outro<br />

Benjamin que a mulher disse pra mim?<br />

Ela meneou a cabeça positivamente. Nunes se sentou ao lado de sua mãe na cama e contemplava<br />

suas meias, enquanto sua mãe se virou mais para ele.<br />

5


– Estamos em minoria, filho.<br />

– Não me chame de filho, você não é minha mãe de verdade. Eu estou sonhando – recuou Nunes<br />

ainda sentado.<br />

– Isso não é um sonho! E não sou sua mãe, mas todos somos filhos de um único Pai. Eu sou um<br />

anjo, Benjamin.<br />

aquilo.<br />

Benjamin não pôde conter a risada em meio ao nervoso que sentia e o desconforto ao ouvir<br />

– Se você é um anjo, não precisa de mim. Você pode ser quem quiser! Você se vira!<br />

– Poderia ser dessa forma – ele não entendeu, então parou de sorrir e prestou mais atenção às<br />

palavras vindas da boca de sua mãe, mas sendo ditas por um anjo. – Eu fui contra meus irmãos para<br />

avisar ao outro Benjamin, o perigo que ele corria e o quanto esse perigo podia se agravar muito mais além<br />

de sua visão. Nós sabemos que todos os seres humanos têm o livre arbítrio, mas não podia me conter<br />

quando olhei para um único homem e vi um futuro melhor para gerações se acabar. Eu tinha que fazer<br />

algo para ajudá-lo e assim, o restante do mundo se conscientizar e melhorar. E fui condenado.<br />

– Condenado?<br />

– Sim. Por ter mudado a história, eu fui condenado pelos meus irmãos. Agora só obtendo um<br />

corpo de um humano bom que me aceite, poderei continuar a ajudar, pois quando mudei a história ao<br />

ajudar o outro Benjamin, acabamos por mudar mais coisas.<br />

Nunes ficou pensativo. No começo o anjo lhe perguntara sobre o tamanho de sua fé. Então o anjo<br />

já sabia dele, sabia de suas coisas, do que já tinha passado, devia saber até das vezes em que lia a Bíblia,<br />

escondido de seus pais.<br />

– Então é isso que você precisa apenas? Minha permissão?<br />

Ela confirmou. Nunes voltou a contemplar suas meias, momento esse em que toda sua vida<br />

passou pelos seus olhos em segundos. Depois voltou a olhá-la.<br />

– Eu estarei consciente?<br />

– Você verá tudo e poderá opinar. Eu vou te ouvir. Estaremos ligados. Você não morre enquanto<br />

eu viver.<br />

– O que eu preciso fazer para selar isso? Apenas dizer sim?<br />

– Tenho a sua permissão?<br />

– Sim.<br />

Ela então se aproximou dele, ambos sentados na cama e lhe deu um abraço. A luz branca de<br />

Galael clareou todo o quarto.<br />

6


Capítulo II<br />

No Céu Uma Estrela, Na Terra Um Exilado<br />

Muitos diziam ser de outra galáxia. Outros, falavam que era de um planeta próximo. Outras mais<br />

línguas diziam que era da Terra mesmo. Que tinha vivido há muito tempo escondido e esperando a hora<br />

certa para aparecer em meio aos humanos. Entretanto, o que ninguém pode explicar, é que ele, também é<br />

um humano.<br />

Agora falavam de sentimentos. Uns diziam que já o tinham visto próximo a um cemitério de uma<br />

pequena cidade, chorando em meio ao breu. Pessoas entrevistadas na televisão diziam que o tinham visto<br />

na cabeça do Cristo Redentor por horas e outros ainda diziam tê-lo visto andando pelas praias do estado.<br />

Em resumo, a probabilidade de ser verdade tudo que as pessoas disseram e continuavam<br />

dizendo, era mínima.<br />

Já tinha passado seis meses desde o acontecimento nas dunas da praia de São Joaquina e aquelas<br />

cenas, todas as noites não lhe saiam da cabeça. E não eram somente essas imagens. Ele via também<br />

7


quando teve de fugir e deixar seu amigo sozinho no bar e isto quase lhe custou à vida. Desmascarou o<br />

padrasto e usou uma força que não sabia que tinha para poder defender a si e a sua mãe. Soube que a<br />

paixão de sua vida já tinha uma própria paixão e isso o deixou mais distante ainda, por que não soube<br />

revelar seus verdadeiros sentimentos a ela.<br />

Naquela tarde de segunda feira no Cemitério dos Sonhos Despedaçados, seis meses antes,<br />

Benjamin Tavares Rodrigues esperou todos saírem e ficou apenas com Cínthia e John de frente para ele.<br />

Ben os olhou com a calma de um menino, mas a mente já de um adulto. Não tinha mais três<br />

anos, mas queria ter. Era uma idade em que ele não se preocupava com nada e brincava alegremente com<br />

o seu pai.<br />

Ele deu ás costas para os amigos e olhou o epitáfio de Danilo: Enquanto acreditarmos, os sonhos<br />

nunca irão embora.<br />

Era verdade, mas por mais que desmarcara Márcio, aquilo não traria de volta o seu pai. Aquilo<br />

não iria resolver muito, a dor que ainda sentia. Mesmo que matasse Márcio e claro que não o faria, não<br />

resolveria.<br />

Andou poucos metros saindo da grama e parou ao lado da lápide do pai. Leandro Augusto<br />

Rodrigues – Um Coração de Anjo.<br />

Ficou ali parado por minutos que pareceram uma eternidade. Seu pai podia ter um epitáfio com<br />

uma frase bem melhor, tal qual a do soldado Danilo. Ben tinha salvado muitas pessoas e o míssil também,<br />

mas mesmo assim, não foram todas. Algumas pagaram. Casas foram queimadas e pessoas morreram em<br />

suas casas. No pandemônio que houve naquela cidade de Santa Catarina, as pessoas se desesperaram.<br />

Pessoas inocentes. Ben não achava aquilo certo. A imagem das crianças chorando pela janela o deixara<br />

revoltado. O pai delas fugira e a mãe voltara depois delas estarem bem.<br />

Então era isso? As pessoas preferem salvar a si mesmas a salvar quem amam? O amor próprio<br />

existe, mas eram os filhos daquelas pessoas. Ben daria a vida pelos seus filhos.<br />

O que Márcio disse também lhe chocou muito. Pela primeira vez na história ouvida sobre seu pai<br />

contada por Laiz, ela nunca mencionou que houve uma perda. Apesar de que, quando sua avó Karen lhe<br />

contou como seus pais se conheceram, ela disse que foi quando seu pai tinha perdido um paciente e que<br />

fizera o impossível, mas sem êxito. A maior revolta de Márcio então seria a perda da irmãzinha ou saber<br />

que quando isso aconteceu, Laiz e Leandro se aproximaram mais ainda?<br />

voltar!<br />

– Ben? – chamou-o John. – Quer voltar?<br />

– Voltar? – Ben não entendeu a pergunta e virou a cabeça para os dois. – Não tenho para onde<br />

John e Cínthia se entreolharam surpresos com a resposta. John insistiu:<br />

– Esse é o momento que sua mãe mais precisa de você. Não diga que não tem pra onde voltar.<br />

– John – Ben ainda estava apenas com a cabeça virada –, depois das coisas que eu vi, só tem um<br />

lugar para onde posso ir.<br />

8


– E pra onde você vai?<br />

Ben olhou Cínthia e ela retribuiu.<br />

– Não se culpem por nada, meus amigos. Cínthia, você é a melhor pessoa que já conheci. A mais<br />

forte, mais talentosa e linda – ela fez uma expressão de desentendida. – E John, sem palavras pra você –<br />

Ben deu um sorriso e uma lágrima caiu do seu rosto. – Diga a minha mãe que a amo, mas não contem o<br />

que verão agora!<br />

Então um vento soprou forte e as folhas das árvores voaram em meio ao gramado quando Ben<br />

correu na velocidade da luz para bem longe. O tempo parou como quando Leandro usou o seu corpo na<br />

batalha e quando Márcio tentou lhe acertar. Ben corria e as coisas passavam em câmera lenta. Ele podia<br />

correr o quanto quisesse que não iria se desgastar. Era uma velocidade que ele mesmo não conseguia<br />

controlar.<br />

Cínthia e John apenas olhavam para frente, boquiabertos.<br />

Ben parou em uma rua sem saída. Havia uma doca com pallets abandonados e pedaços de isopor<br />

e papeis no chão do lado de fora. Tudo reunido era uma pura sujeira. Ele começou a andar pelo local até<br />

que se sentou em um montante de pallets. Ali, quieto em um canto aonde os únicos seres vivos que iam<br />

lhe visitar eram ratos e baratas, Benjamin fez sua nova fortaleza, aos poucos limpando a sujeira do local e<br />

organizando o que se dava para reutilizar.<br />

Queria experimentar aquela força que sentia percorrer em suas veias. Pegou um dos pallets e o<br />

lançou para cima. Demorou cerca de um minuto até ele voltar e se espatifar no chão ao seu lado. Ben não<br />

faria isso. Era impossível conseguir lançar aquilo a uma altura daquela.<br />

Arrumou vassoura e alguns outros utensílios de limpeza.<br />

Colocou a vassoura alguns metros distantes dele e lançou uma pedra nela. Quando atingida, a<br />

vassoura foi caindo e Ben correu para pegá-la, mas não chegou a tempo. A velocidade não tinha<br />

funcionado. Tentou pela segunda vez e também não obteve resultado.<br />

Depois da décima tentativa, ele desistiu. Já estava anoitecendo e por mais que aquele lugar agora<br />

limpo e sem a presença de ratos e baratas era calmo, não podia confiar tanto assim. Ao avistar uma porta<br />

de ferro ao canto, próxima a primeira das quatro docas, ele aproximou e girou a maçaneta, mas estava<br />

trancada. Forçou, mas não conseguiu abrir. Soltou um palavrão e deu um tapa na maçaneta. Ela voou para<br />

o lado de dentro e a porta abriu lentamente.<br />

Assustado com o feito, Ben esperou a porta abrir por si própria e a escuridão do armazém só<br />

deixava passar um rastro de luz do sol ainda nos céus, pelas janelas de cima entreabertas.<br />

9


John e Cínthia chegaram à casa de Ben e viram várias pessoas trabalhando na organização e<br />

troca de móveis, na pintura e nas rachaduras das paredes. Como prometido pelos soldados, eles<br />

mandaram uma equipe especializada em reformas e limpezas em geral e assim, rapidamente a casa ia<br />

voltando a sua forma natural.<br />

Eles avistaram Laiz sentada ao lado de Silvia na mesa da cozinha e foram até lá. Laiz percebeu a<br />

ausência do filho e se levantou:<br />

– Onde ele está? – seu choro já estava um pouco mais vivo, pois tinha tomado um banho e<br />

colocado outras roupas.<br />

deles.<br />

Nem John nem Cínthia disseram. Ambos apenas abaixaram a cabeça e Laiz se aproximou mais<br />

– John? Cínthia? Cadê meu filho?<br />

– Falou pra gente te dizer que te ama muito – disse Cínthia arrumando coragem para falar e força<br />

nas palavras.<br />

Laiz arregalou os olhos e deu passos para trás. A mãe de John tocou-a.<br />

– Pra onde ele foi? – insistente, perguntou.<br />

– A gente não sabe – respondeu John dando de ombros. – Ele saiu em disparada. Nem que<br />

quiséssemos não conseguiríamos ir atrás dele.<br />

– E por que não?<br />

Os dois jovens se entreolharam e depois John respondeu para Laiz:<br />

– Porque ele se exilou. Acho que ele tá com os poderes de Apocalipse e deve tá com medo de<br />

machucar alguém – baixou o tom da voz ao tocar no nome Apocalipse e acabou dizendo o que o amigo<br />

pedira que não dissesse, mas era preciso.<br />

Laiz abaixou a cabeça. Não tinha mais fôlegos pra chorar. Não descia as lágrimas que queria. A<br />

única coisa agora que lhe restava era esperar. Pelo quê, ela não fazia ideia. Só queria ver novamente o seu<br />

filho passar por aquela porta. Ela precisava tanto dele.<br />

Com passos mansos, Laiz deixou todos plantados na cozinha e subiu para os quartos. A noite já<br />

atingia os céus e as estrelas apareciam para dar mais claridade quando ela entrou no quarto de Ben e<br />

avistou o telescópio. Tocou-o como se sentisse o filho ao seu lado. Passou por ele e se apoiou na janela,<br />

olhando para as estrelas. Fixou-se naquela que mais brilhava.<br />

Benjamin fazia o mesmo. Sentado do lado de fora das docas, ele observava as estrelas e via que<br />

uma brilhava bem mais forte do que jamais tinha visto. Ela era maior, mais forte e a mais reluzente.<br />

Assim, por mais três noites naquele lugar, ele viu a mesma estrela. Mesmo quando o tempo se<br />

fechava e as nuvens cobriam todas as estrelas e a Lua, essa maior dava um jeito de aparecer. Ela parecia<br />

olhar por ele.<br />

10


Ben sabia que sua mãe, por mais difícil que fosse o que estava passando, aos poucos se<br />

recuperaria. Agora ele precisava se concentrar naquelas forças. Não seria nada fácil, pois conforme o<br />

tempo passava, ele sentia como se algo dentro dele fosse explodir. Aquele poder era de uma imensidão<br />

que chegava a ser incontrolável por vezes.<br />

Então, daí por diante, Benjamin iniciou seu treinamento com o intuito de aperfeiçoar as técnicas<br />

de Apocalipse e controlar os poderes que agora obtinha.<br />

Só não sabia que ia contar com alguns obstáculos bons e ruins durante o processo.<br />

Por muitas vezes pensou em Tom e Leandro. Pai e filho. Pensou em como a história dos dois<br />

terminaram. Um pai que sempre amou o filho, sempre quis o melhor para ele o colocou na Terra na<br />

intenção de que Ben o encontrasse e o fizesse se libertar do lado ruim e ajudar a humanidade. Ben tentou,<br />

mas o filho se virou contra o pai quando soube que ele não salvara sua mãe da destruição do seu planeta<br />

natal, mas salvara dez soldados que não eram da família.<br />

Como um tipo de vingança pela mãe, Leandro na fase terminal de Apocalipse, matou seu próprio<br />

pai que, por mais que deixara sua mãe morrer, havia salvado seu filho e as pessoas que mais próximas<br />

estavam dele.<br />

Era uma história trágica de um filho rebelde que não aceitou a mudança e teve de eliminar<br />

alguém do seu próprio sangue e ainda querer se apoderar de outras pessoas. Entretanto, existira Leandro.<br />

Aquela parte boa de Apocalipse. Ele lutou bravamente e conseguiu a vitória em cima de sua outra<br />

personalidade, mas a humanidade temerosa dos acontecimentos feitos pelo destruidor e achando que não<br />

seria diferente com Leandro, agiu com força. E foi assim que se teve fim Leandro e Apocalipse, mas<br />

mesmo eles morrendo, deixaram de herança para Ben, algo que nunca imaginou ter: poderes especiais.<br />

Poderes esses que iam além de sua imaginação. Controlá-los seria difícil. Usá-los seria com muita<br />

precaução.<br />

Enfim, Benjamin podia ser o que sempre quis ser, desde quando assistia a desenhos na infância:<br />

um herói.<br />

Mas para que um herói nasça, devem existir etapas que o qualifiquem e Ben sabia que tais etapas<br />

seriam qualificadas por ele próprio. Treinamentos com sua força, velocidade, talvez até a ouvir<br />

pensamentos e quem saiba até mesmo poder voar e sentir a liberdade de uma vez por todas ali, junta com<br />

ele.<br />

Aquela estrela que mais brilhava, em uma das noites, Benjamin a nomeou como: A Estrela dos<br />

dois Leandros. Quanto mais ela brilhava, mas parecia certa a sensação dele de sentir o quanto os dois<br />

Leandros estavam próximos dele e aquilo o deixava mais em segurança. Seu pai e seu amigo estavam<br />

com ele. Ben podia sentir.<br />

Assim, depois da noite em que nomeou a estrela, Ben iniciou pra valer o seu treinamento.<br />

11


Capítulo III<br />

O Primeiro Receptáculo<br />

Ele aproveitou os pallets do lado de fora das docas e os colocou para dentro. O armazém não era<br />

tão grande, mas seu espaço era o suficiente por enquanto que seus treinos ainda eram leves.<br />

Com o passar de um mês, Ben conseguiu o equilíbrio de sua força. Tinha certo controle entre um<br />

soco forte que podia derrubar uma parede e um soco que podia quebrar um vidro, entretanto, no começo<br />

do treino de sua força, conseguiu alguns ferimentos na mão, nas tentativas de socar postes de luz e<br />

paredes de aço.<br />

Uma vez, viu sua mão ensanguentada e com grandes feridas. Foi até uma torneira e limpou<br />

aquele sangue, mas a água que entrava pelos ferimentos, retraia a dor e fazia arder ainda mais.<br />

Entretanto, aos poucos via os ferimentos se fechando. No começo aquilo doía. Era como se<br />

estivesse queimando algo por dentro dele. Uma sensação de queimadura que trazia sua pele nova em<br />

folha. A regeneração foi parando de doer e se tornou algo rotineiro em sua vida. Com qualquer<br />

machucado que fazia no decorrer de seus treinamentos, ele se concentrava e curava a si próprio.<br />

Ben não dormia muito. Acordava assustado a maioria das vezes e tinha receio em dormir<br />

novamente. Sonhava com um portal circular parado a metros acima do chão, totalmente tridimensional;<br />

um vento que batia forte e vultos saindo daquele portal. Depois via pessoas comuns com olhos negros<br />

indo a sua direção e acordava quando muitos o cercava.<br />

Pelo menos dois ou três dias da semana, Ben se deslocava até a Rua Antonhy Carlton, onde<br />

vigiava a casa de sua mãe e de John, e depois ia para a Rua Karen Gomes. Lá fazia também uma vigília à<br />

12


casa de Cínthia. Certa vez a viu pela janela e ela percebeu que alguém observava. Quando olhou, não era<br />

ninguém. Ben já tinha saído.<br />

Todas as noites, como já era de costume, ele usava sua velocidade que ainda estava em<br />

treinamento, para pegar algo do supermercado e comer nas docas enquanto via as estrelas que clareavam<br />

os céus.<br />

Era um pecado fazer isso, mas Ben não tinha dinheiro. Suas economias que pegou em casa não<br />

deram para um mês. Não podia pegar mais, pois ainda tinha planos para sua faculdade após o término do<br />

ensino médio. Era algo que Ben não queria pensar no momento, já que sua ausência o forçara a parar a<br />

escola, mas tinha seus planos futuros ainda.<br />

Em uma das vezes, ele se descuidou com a velocidade e tropeçou em um segurança na porta de<br />

saída de um dos mercados. O alarme fora acionado e ele caíra com tudo de cara no chão. Em segundos, os<br />

seguranças agiram também a uma velocidade surpreendente e o agarraram. Levaram-no para uma sala aos<br />

fundos do mercado.<br />

Benjamin vestia boas roupas. Usava uma blusa vermelha de toca, óculos escuros e calça jeans,<br />

mas não tinha dinheiro para elas. E, com os treinos que fazia, sentia fome, muita fome.<br />

Um dos seguranças lhe retirou os óculos.<br />

Ele não pensou em fugir. Aquilo seria demais para os olhos daqueles três seguranças. Logo, um<br />

homem apareceu. Seu distintivo de policial foi o primeiro que os olhos de Ben notaram. Ao levantar a<br />

cabeça, viu quem era. O comandante Augusto passou por ele, deixou o distintivo sobre a mesa quadrada e<br />

se sentou de frente para Ben. Em um milésimo de segundo, ele olhou diretamente nos olhos do<br />

comandante e os viu totalmente escuros, mas logo ficaram ao normal.<br />

– Estamos procurando por você já tem dois meses – disse, com aquela única barba quadrada<br />

acima dos lábios. – Uma pessoa igual você não pode desaparecer por muito tempo.<br />

Ben apenas o ouvia calado. Dos poderes que detinha de Apocalipse, que eram a força e<br />

velocidade, queria apenas aprender mais um só para entender o que aquele comandante pensava.<br />

– Você é difícil de achar – continuou. – Entretanto, quando soubemos de supermercados<br />

vizinhos que começaram a perder seus produtos de uma forma estranhíssima, eu resolvi pesquisar mais a<br />

fundo e, dentre todos os que já foram “roubados”, este aqui é o mais visitado.<br />

– Não sou algum tipo de ladrão para insinuar roubo! – protestou Ben, com calma.<br />

– Eu sei que sentimos fome. Principalmente quando estamos sozinhos no mundo – Ben abaixou<br />

a cabeça. – Você deve pensar o quanto faz mal aos outros estar por perto não é? Ainda mais quando são<br />

pessoas que você ama e não quer machucá-las.<br />

– Você não sabe nada sobre mim!<br />

– Não sei? Qualé rapaz, eu sei tudo sobre você – Augusto mostrou um envelope azul e o abriu.<br />

Com um olhar, ordenou que os seguranças do mercado saíssem e eles obedeceram. – Benjamin Tavares<br />

13


Rodrigues, dezoito anos, nascido no dia vinte de junho de mil novecentos e noventa e dois, tem um metro<br />

e setenta e sete, pesa setenta e três quilos, pode me barrar se eu estiver falando alguma asneira.<br />

Ben não ousou pará-lo. Como já tinha visto sua foto e dados no sistema da NASA, então não<br />

ficou tão surpreso de ver o quanto o comandante sabia dele.<br />

– Acho que engordei um pouquinho!<br />

– Filho do falecido Leandro Augusto Rodrigues e Laiz Tavares de Lima Rodrigues – continuou o<br />

comandante sem lhe dar atenção –, tem um padrasto de nome Márcio de Freitas Gurgel, preso há dois<br />

meses com provas que o denunciaram assassino de Leandro Augusto Rodrigues.<br />

– Qual foi sua pena?<br />

– Vinte e cinco anos sem condicional.<br />

– Ainda é pouco! Esse foi quase o tempo que ele viveu sem que vocês agissem atrás dele.<br />

– Quer mais algo sobre você que acha que eu não saiba? – indagou o comandante.<br />

– O que você quer?<br />

– Que você refresque a minha memória sobre o caso Apocalipse – respondeu levantando-se da<br />

cadeira e com as mãos na mesa – Faz um mês que venho estando atrás do misterioso ladrão de comidas e,<br />

de alguma forma eu sabia que era você.<br />

– Como sabia?<br />

– Você era o único depois de Cínthia e John que esteve perto de Apocalipse. E esses dois, eu já<br />

tive uma conversa. Lealdade a você, eles tem até demais, pois não queriam me dizer nada do seu<br />

paradeiro, mesmo por que eles não sabem, não é?<br />

Ninguém sabia mesmo do paradeiro de Ben. E, mesmo sem saber, John e Cínthia fizeram<br />

questão de não falar absolutamente nada. Aquilo sim era um gesto que deveria ser aplaudido de pé.<br />

– Mas acabaram por soltar que você tinha ido viajar. Acho que fizeram isso depois que eu os<br />

pressionei falando que ia me dirigir pessoalmente com a sua mãe, Ben. Bom, sorte que me disseram. Eu<br />

não culpei seus amigos por isso. Apesar de que, sua mãe fez questão de colocar sua foto em postes e em<br />

lugares com o informe de desaparecido e mais uma porção de coisas.<br />

– Eu vou perguntar mais uma vez: o que você quer? – Ben não aguentava mais a forma como<br />

aquele comandante falava.<br />

– E eu já disse. Quero que me conte por que acordei na minha casa, sendo que eu sei que<br />

trabalhava no caso Apocalipse.<br />

Ben pensou. Ele sabia que o comandante havia desmaiado no laboratório de David e sabia<br />

também que ele era contra as atitudes do general do exército brasileiro, Marcos Freitas. Os dois<br />

aparentavam ter alguma rixa. Ben percebeu isso no momento que os viu se encarando pela primeira vez<br />

na frente de sua casa, quando acelerava em uma missão quase que suicida.<br />

14


– Eu posso te contar sim, mas terá de fazer algo pra mim.<br />

– Isso é algum tipo de proposta?<br />

– Eu prefiro chamar de acordo. Soa mais bonito e convenhamos, não é nada que você não possa<br />

fazer – Augusto ainda não tinha entrado no jogo de Ben. – Você quer uma coisa, eu quero outra. Você<br />

não quer viver sabendo que esqueceu quase três dias da sua vida!<br />

Ben.<br />

O comandante demorou um pouco a aceitar aquelas palavras e, por fim, se sentou ao gesto de<br />

– Apenas dois meses longe de casa e já está mais astuto do que a primeira vez que o vi. Na<br />

realidade, eu não sei se você é um pouco gênio ou louco.<br />

– Pense o que quiser. Vai fazer o acordo?<br />

– E que acordo seria?<br />

Agora foi a vez de Ben se levantar para o assombro do comandante que recuou alguns passos.<br />

– Fica tranquilo comandante – brincou Ben ao ver a expressão de alerta de Augusto. – Eu não<br />

tenho nada que o desabone e mesmo se tivesse, sou apenas uma pessoa em busca da paz.<br />

Augusto sorriu e os dois ficaram se encarando, com a mesa entre eles.<br />

– Se eu te ajudar a recuperar a memória, o que isso vai trazer a mim?<br />

– Depende do que quiser em troca – respondeu o comandante.<br />

– Eu quero que você me diga: onde está o verdadeiro Augusto?<br />

O comandante estranhou e deu um riso.<br />

– Realmente você é mais louco do que gênio.<br />

– É que eu consigo ver pelo olhar da pessoa, quando ela mente ou não – Ben falava sério e não<br />

deu importância alguma para aqueles risos que logo se cessaram.<br />

– O que quer dizer com isso, Benjamin? Eu já te ajudei a prender seu padrasto e ainda aceito que<br />

você faça um acordo só para que eu me lembre dos últimos três dias. Então porque diabos acha que eu<br />

não sou eu mesmo?<br />

O olhar de Ben se fixou nos olhos de Augusto. Ele sabia que tinha alguma coisa errada ali.<br />

– Sabe – Ben se levantou e começou a olhar melhor ao seu redor. Era uma salinha comum, mas<br />

com um ar de sala de interrogatório, exceto por alguns pacotes ao canto e uma mesa de escritório no<br />

outro. – Quando estive com Apocalipse pela última vez, ele precisava me matar para abrir certo portal<br />

para que outros iguais a ele passassem – agora Ben parecia encarar os pacotes no chão enquanto Augusto<br />

o olhava. – Então, eu morri.<br />

Augusto nada disse. Ben, por sua vez, voltou a olhar o comandante.<br />

15


– Desde quando saí de casa que tenho pesadelos daquele dia e sempre vejo o portal aberto e<br />

vultos negros saindo. E esses vultos começam a se apossar de pessoas e seus olhos ficam... negros! É<br />

estranho, mas seus olhos estavam assim quando te vi entrando nessa sala e sentando de frente pra mim.<br />

O comandante firmou mais seu olhar para Ben.<br />

– Para um humano, até que você não é burro – os olhos de Augusto ficaram negros.<br />

– Quem é você e o que você quer?<br />

Os dois se encaravam de pé.<br />

– Meu nome é Naguiram. Eu te ajudei a eliminar Kamontutani – começou Augusto<br />

demonstrando ser um dos que estavam possuídos.<br />

Ben pareceu surpreso, pois o único quem o ajudara tinha sido Júlio. Então se Augusto dizia<br />

aquilo, era porque com certeza...<br />

– Júlio não está mais entre nós. Ele não tinha muita afinidade com você, então não seria de bom<br />

gosto ter seus sentimentos, sendo que nós precisamos de sua ajuda. Agora, de uma forma que<br />

desconhecemos você obtém alguns poderes de Kamontutani.<br />

– Nós?<br />

– Sim, Benjamin. Eu não fui o único quem passou pelo portal que se abriu depois de sua morte.<br />

Ben não tinha visto quantos poderiam ter passado, muito menos se o portal realmente teria sido<br />

aberto. Foi um palpite que dera certo. Era um sonho que todas as noites tinha, mas naquele momento nas<br />

dunas, ele estava morto.<br />

– Saíram mais nove iguais a mim.<br />

“Meu Deus, dez iguais a Apocalipse?”.<br />

– Sim, Benjamin, dez iguais a ele – disse Naguiram revelando um dos poderes de Apocalipse. –<br />

Eu sei que você não vai dizer não pra mim. Você é praticamente um de nós.<br />

bom!<br />

– Nunca! – vociferou ele. – Nunca serei igual a vocês, destruidores sem um pingo de sentimento<br />

– Nem todos nós somos assim. Veja o que você fez com Kamontutani. O transformou em outra<br />

personalidade.<br />

– E você o destruiu!<br />

– Claro! Ele adorou ter nos libertado, mas nas entranhas do seu ser, eu via sua única ganância:<br />

poder. Pouco a pouco, ele nos destruiria.<br />

– Mas você queria me acertar!<br />

– Não seja tolo, Benjamin. Quando tomei o corpo de Júlio, a mente de Kamontutani estava<br />

aberta e os vestígios de Leandro eram notáveis. Bastou atirar contra você, que o lado bom dele se revelou.<br />

16


– Ele tinha se revelado antes – protestou cerrando os dentes.<br />

– Mas por quanto tempo ele aguentaria, hein? Você acha que Leandro podia contra<br />

Kamontutani?<br />

Ben não respondeu e ao invés disso, resumiu toda a conversa:<br />

– O que quer que eu faça?<br />

– Quero que você nos ajude a encontrar o Mestre.<br />

– O Mestre? – indagou Ben.<br />

– Sim. Ouço todos meus irmãos a procura dele, mas parece que ele não quer ser encontrado ou<br />

não consegue comunicação. Então, você vem? – ele estendeu uma das mãos e Ben reconheceu aquele ato.<br />

Os seguranças do lado de fora do mercado estranhavam a demora dos dois de dentro da sala. Os<br />

três seguranças se olharam e um deles chegou próximo à porta e tocou-a com a mão fechada por três<br />

vezes. Nada aconteceu. Não houve resposta do outro lado. O mesmo tentou abri-la, mas a fechadura<br />

estava trancada. Então dois ficaram de cada lado da porta e o terceiro no meio dela. Ele arrombou a porta<br />

com o pé e entrou primeiro com um cassetete em mãos. Os outros dois vieram logo atrás.<br />

A sala estava vazia. Nem Ben nem o comandante estavam mais lá.<br />

17


Capítulo IV<br />

Reforço<br />

Com os poderes que Ben obtinha, não sentiu seu estômago revirar ao se teleportar com<br />

Naguiram, o vulto negro que possuíra o corpo do comandante Augusto. Os dois tocaram o chão e Ben<br />

olhou para o lugar onde estavam.<br />

– Isso soa familiar para você? – perguntou Naguiram andando de lado com as mãos para trás.<br />

Era o refúgio de Ben. Estavam do lado de fora do armazém, nas docas. O lugar estava limpo, do<br />

mesmo jeito que Ben deixava sempre. Alguns pallets amontoados ao lado próximo as escadas que davam<br />

acesso as portas das docas e ao armazém, sacos plásticos organizados e do lado de dentro toda a estrutura<br />

de uma antiga empresa logística.<br />

– Pra quem me procurou por meses, estranho que sabe onde é meu refúgio.<br />

– Não tenho culpa que o define como sua casa!<br />

Ben o olhou e deixou pra lá as suposições.<br />

– Certo – disse Ben voltando à atenção para Naguiram que andava em círculos. – Agora que me<br />

trouxe até aqui, para onde vamos?<br />

Naguiram retirou a arma de Augusto da cintura e apontou apenas com uma das mãos para Ben<br />

que, na hora, não entendeu nada da atitude dele.<br />

– Quero ter certeza de uma coisa!<br />

O dedo que deslizou pelo gatilho foi rápido e a bala mais ainda. Ben tentou se esforçar para parar<br />

o espaço-tempo, mas não deu certo. Seu único movimento foi jogar seu corpo para o lado, mas a bala<br />

passou de raspão no seu ombro direito e ele caiu no chão. A bala ainda continuou seu percurso e acertou a<br />

parede ás suas costas. Ele gritou de dor e Naguiram torceu o próprio pescoço e arregalou os olhos.<br />

Ben se contorceu no chão e não era como das outras vezes que se machucava e conseguia se<br />

curar rapidamente. O corte feito pela bala deixou seu braço inteiro quente e sentiu uma formicação<br />

percorrer ao redor da ferida.<br />

– Como é possível alguém com os poderes de Kamontutani, cair perante a uma arma de fogo? –<br />

Naguiram andou até cobrir o sol que emanava sua luz nos rosto de Ben.<br />

– Falta de treinamento... eu acho – disse em meio às palavras e aos gemidos de dor.<br />

18


– Foi o que eu pensei – novamente Naguiram apontou a arma para Ben, mas dessa vez apontou<br />

diretamente na testa. – Você não está preparado para ser um de nós!<br />

Houve outro disparo. Ben fechou os olhos com força e abaixou cabeça. Esperou alguns segundos<br />

e nada aconteceu. Sentindo que o vento acabara, ele abriu os olhos com calma.<br />

Naguiram ainda estava em pé á sua frente com a arma apontada, mas a bala vinha devagar. Ben<br />

tinha parado o tempo. Ele tinha conseguido. Entretanto sua felicidade durou pouco. Ben mal tinha se<br />

esforçado para parar o tempo.<br />

Viu por baixo das pernas de Naguiram, uma pessoa andando com calma bem distante. Seus<br />

cabelos pretos eram lisos e escorridos. Cobriam sua sobrancelha e chegava abaixo da nuca. Vestia-se<br />

socialmente com uma camisa azul escura de bolso, dentro de uma calça preta com fracas listras.<br />

Esse homem chegou ao lado de Naguiram. Retirou a arma de sua mão e separou-a da munição.<br />

Depois segurou a bala que estava a centímetros de Ben. Ele deu um sorriso e era como se Ben já o tivesse<br />

visto antes em algum lugar.<br />

Retirando da cintura uma faca que parecia ter sido feita à mão, aquele homem enfiou a lâmina<br />

escura na barriga de Naguiram. O tempo voltou ao normal e o vento bateu mais forte que antes. O homem<br />

segurou o ombro de Naguiram e forçou mais a lâmina para cima. O corpo do comandante Augusto sentiu<br />

aquilo.<br />

Ben olhou para os olhos do comandante e eles começavam a voltar à cor original, deixando todo<br />

o preto para trás. Houve alguns estalos como se Naguiram quisesse sair do corpo do comandante, mas ele<br />

não conseguia. Aquela lâmina também o tinha atingido além do próprio corpo de seu receptáculo.<br />

O vulto preto começava a sair pela orelha, nariz, boca e olhos de Augusto.<br />

– PRA LONGE – gritou o homem retirando a lâmina, colocando-a de volta a cintura e<br />

levantando Ben. – ELE VAI EXPLODIR!<br />

Os dois passaram por Naguiram e correram para longe das docas. Ben corria e olhava para trás.<br />

O vulto negro não conseguia sair do corpo de Augusto. Parecia estar preso a ele. Então uma luz branca e<br />

forte surgiu na barriga de Augusto e começou a ficar envolta do corpo e do vulto. Ben ouviu o barulho da<br />

explosão e não quis mais olhar. Apenas correu ao lado daquele homem e os pedaços de pele voaram para<br />

todos os lados.<br />

Eles pararam. O homem olhava para Ben que olhava os vestígios de Augusto por todos os cantos<br />

das docas. O vulto preto sumira. Augusto tinha ido embora junto com ele.<br />

– O que... você fez? – Ben estava desnorteado com aquilo.<br />

– Naguiram não o deixaria viver, mesmo que você pudesse escapar da bala. Só uma faca com<br />

fragmentos da Pedra poderia matá-lo<br />

– Mas você matou aquele homem.<br />

19


– Não era mais um homem, Benjamin – ele olhou para o ferimento no braço do outro. – Deixeme<br />

te ajudar nisso!<br />

Ao colocar a mão no ferimento, Ben recuou o braço.<br />

– Eu não entendo. Porque você não se regenera?<br />

Ben o olhou. Como aquele homem sabia de tudo aquilo?<br />

– Eu não sei – ele colocou sua mão na ferida e pressionou para parar o sangue que ainda escorria<br />

de leve. – Mas que diabos é você?<br />

– Não me reconhece Benjamin? – os olhos do homem ficaram verdes.<br />

– Não pode ser.<br />

Ben reconheceria aqueles olhos à distância. O modo como aquele homem o salvara. Não podia<br />

ser um deles. Ele ficaria fraco próximo aos fragmentos da Pedra. E ainda por cima tinha isso que ele<br />

sabia. Ben lembrou que um único pedaço da Pedra quando ela se partiu em três, não fora encontrado. Será<br />

que aquele homem achara?<br />

– Claro que em minha forma natural, você reconheceria no ato, mas é que as coisas mudaram –<br />

disse o homem tocando na mão de Ben acima do ferimento.<br />

O toque trouxe uma claridade que o curou instantaneamente. Ben retirou sua mão e olhou do<br />

braço para o homem.<br />

– Galael?<br />

– Olá amigo – cumprimentou com um aceno de cabeça.<br />

Ben deu duas voltas em torno de Galael.<br />

– Eu reconheço esse rosto.<br />

– Você o viu na foto dos arquivos da NASA, quando esteve na casa de David.<br />

Ele arregalou os olhos ao lembrar-se de onde o tinha visto.<br />

– Você tomou o corpo daquele Benjamin que faltava ser interrogado?<br />

– Ele foi interrogado, Ben, mas antes que pudessem matá-lo, eles receberam uma ligação que<br />

dizia o seu paradeiro. Você salvou a vida dele sem saber – sorriu Galael.<br />

Mas Ben não entendia. Se o rapaz estava vivo, por que o anjo estaria nele então?<br />

– Ele me deu permissão para entrar – disse Galael surpreendendo Ben que viajava nos<br />

pensamentos. – Ben, Apocalipse libertou todos eles. Os dez Zorkinstinianos. O planeta Zorkinst foi<br />

destruído e seus melhores estão aqui para fazer o mesmo a esse planeta. Eu peço permissão, pois sou um<br />

anjo, entretanto eles... bom, eles podem entrar em qualquer corpo.<br />

20


Os pensamentos de Ben voaram para a Rua Antonhy Carlton. Pensou na sua mãe, em John e até<br />

mesmo em Cínthia. Se eles pudessem entrar sem nenhuma permissão no corpo de qualquer pessoa, não<br />

seria difícil deles entrarem no de sua mãe talvez.<br />

– Então eu preciso voltar. Se um deles dominou o corpo do Augusto, seria moleza entrar no de<br />

qualquer pessoa próxima a mim.<br />

– É provável, mas isso não acontecerá muito menos a você ou algum familiar seu.<br />

– E porque não?<br />

– Eu fiz na Cínthia, John, Laiz e você, um desenho imaginário e um ritual angelical para que<br />

nada maligno possua o corpo de vocês.<br />

– E quando você fez isso? – indagou com certo medo na voz.<br />

– Não se preocupe. Fiz enquanto cada um de vocês dormia. A marca não é visível aos seus olhos<br />

e nunca será. Somente anjos podem visualizá-la.<br />

Ben se mostrou menos tenso.<br />

– Mesmo assim preciso ir!<br />

– Ben, você escolheu ficar. Agora terá de arcar com esses poderes e, claro, você precisa terminar<br />

o seu treinamento.<br />

– Eu não importo com isso – disse Ben aos nervos. – O treinamento é o de menos. Não tenho<br />

tempo. Preciso proteger minha família e as pessoas ao meu redor.<br />

– Benjamin, você se exilou por achar melhor a distância entre eles do que ficar lá.<br />

– Eu não sabia dessa ameaça até ver o Augusto e seus olhos escuros.<br />

– Então agora que você sabe, precisa agir com a cabeça. Precisa do seu treinamento para<br />

enfrentá-los.<br />

– Você acha que eu não estou pronto? – Ben se aproximou mais de Galael.<br />

– Eu tive certeza quando vi Naguiram te derrubando.<br />

– Vamos ver se você me pega então.<br />

Ben saiu em disparada e empurrou Galael que deu alguns passos para trás. O anjo olhou o vento<br />

deixado por Ben com sua velocidade que fez o tempo parar e sorriu ironicamente. Ele esperou um pouco<br />

e também correu.<br />

As ruas passavam rápidas por ele enquanto se focava no caminho de volta pra casa. Passou no<br />

meio de uma rua com muitos carros que estavam em movimento em tempo real, mas não na velocidade<br />

que Ben passava. Desviou deles, assim como desviou das pessoas. Olhou para trás e viu Galael o<br />

perseguindo na mesma velocidade.<br />

21


Para as pessoas que andavam normalmente pelas calçadas, elas sentiam uma brisa forte passando<br />

e milésimos de segundos depois, outra, deixando-as assustadas.<br />

Ben estava curtindo aquele momento. Sentia que podia correr mais rápido ainda. Era como se<br />

nada o pudesse impedir. Estava muito rápido, mais do que já tinha tentado correr.<br />

Ele outra vez olhou para encontrar o anjo correndo, mas não o viu. Deu um sorriso por ter<br />

conseguido escapar, mas quando olhou para frente, teve de parar com tudo.<br />

Galael estava parado na sua frente com os braços cruzados e os cabelos arrumados como se nem<br />

tivesse feito esforços para ultrapassá-lo. Ao parar com tudo, os cabelos de Ben ficaram mais bagunçados<br />

e o tempo voltou ao normal. Era como se as pessoas ao redor nem tivessem notado como aqueles dois<br />

homens tinham surgidos ali no meio da calçada de um quarteirão se mais nem menos.<br />

– Como? – disse Ben começando a se sentir cansado.<br />

– Você corre bem, mas os meus truques você desconhece. Assim como desconhece os deles.<br />

Sabe onde estamos?<br />

Ben olhou melhor o lugar. Estava ao lado de sua escola. As aulas já haviam começado e não<br />

havia notícias dele nem de Júlio por lá. Os dois simplesmente sumiram da escola e do bairro.<br />

– Eu corri até aqui ou é você me trazendo pelos seus truques?<br />

– Como eu disse: você corre bem.<br />

Galael, de costas para a escola, andou para perto de Ben.<br />

– Enquanto você se auto-exilou, eu fui exilado dos céus por ter aparecido na minha forma natural<br />

pra você e te mostrar o futuro da Terra nas mãos de Apocalipse – Ben se interessou por aquilo. Não sabia<br />

de tamanho sacrifício feito por Galael. – Sabe no que isso ocorreu? – ele deu de ombros. – Os anjos estão<br />

a minha procura, Ben. Para eles, eu sou o mais novo rebelde que merece ser caçado e exterminado do<br />

reino celeste. Não estou dizendo isso para que você sinta pena de mim e aceite minha oferta de te ajudar a<br />

treinar. É você quem decide.<br />

Ben olhou para a escola e sabia que metros adiante, a casa de Cínthia estava ali quase que o<br />

convidando a entrar. Mais para frente, a casa de sua mãe e de John também. Em contrapartida, aquele ao<br />

seu lado era um anjo e, por mais que Ben não fosse o melhor dos devotos nem aquele que chegava mais<br />

próximo de ser um devoto, não podia se atentar a decisões precipitadas.<br />

Um treinamento para que aquela força que detinha fosse controlada era um passo maior para não<br />

errar com aqueles tais Zorkinstinianos.<br />

Ele se virou para Galael.<br />

– Esse Naguiram mencionou estar à procura de um mestre. Sabe o que ele quis dizer com isso?<br />

O rosto de Benjamin Nunes trouxe uma expressão de espanto vinda de Galael.<br />

– Então ele também veio – Galael andou um pouco até uma área onde não passavam muitas<br />

pessoas e Ben o acompanhou.<br />

22


– Ele? – Mas Galael estava longe. Colocou a mão no queixo e andava a passos lentos. – Você<br />

conhece esse mestre? – perguntou novamente.<br />

Então o anjo parou com aquela pergunta.<br />

– Precisamos que inicie logo seu treinamento e se quiser mesmo ajudar as pessoas e<br />

principalmente a sua família, não faça perguntas. Elas virão com a mesma proporção dos seus resultados.<br />

Ben meneou positivamente com a cabeça. Sabia que o anjo tinha demonstrado sem querer, certa<br />

ansiedade em relação ao tal mestre.<br />

Os dois voltaram para o centro de tudo: nas docas, a fortaleza de Ben. Lá, o espaço era mais<br />

amplo por dentro, apesar de fechado e, por fora era mais suave, mas não tão grande. Não haveria<br />

preocupação com barulhos, pois o lugar era totalmente abandonado, fosse por casas e empresas. Era um<br />

lugar perdido nos arredores da cidade de São Paulo.<br />

Era a hora de Ben começar o seu treinamento de verdade com um reforço que, nada figurativo,<br />

caíra dos céus.<br />

Capítulo V<br />

A Arma de Ajuda aos Inocentes<br />

O inverno da metade de setembro trouxe consigo muita chuva em todo o estado e a temperatura<br />

caiu gradativamente. Isso facilitou com que os treinos de Ben fossem praticados com mais frequência.<br />

23


Galael era amigo demais e não pegava nada pesado com ele, mas isto foi apenas nos primeiros três dias<br />

até Ben pegar mais o controle de algumas coisas básicas.<br />

Galael treinava a velocidade dele lançando objetos à distância. Tudo se tratava de atenção para<br />

ver onde pisava e se realmente conseguia fazer sua velocidade mais rápida que a da luz. E naquilo, Ben<br />

fazia sem muitos esforços. Ele aprendeu rápido o quanto a velocidade dele podia ser aprimorada e Galael<br />

não parava de lhe dizer o quanto era veloz e ainda por cima atencioso a obstáculos no caminho.<br />

Mas Ben era apenas um humano. Ele se cansava. Por mais que pudesse correr muito e ter uma<br />

força gloriosa, ele pedia tempo e o suor chegava a cair como um banho de balde em sua testa e pelos<br />

cabelos.<br />

O treino da velocidade, como esperado por Galael, fora um sucesso. Não houve falhas e a<br />

velocidade de Ben estava excepcional.<br />

Agora o treino era mais pesado. Galael saiu por três horas dizendo para que ele descansasse, pois<br />

entrariam na fase dois do treinamento.<br />

Após as melhores três horas de sono desde três meses longe de casa, ele foi acordado por<br />

barulhos estranhos. Levantou-se de um pequeno colchão que tinha aos fundos do armazém e correu até a<br />

frente das docas. Quando chegou ao lado de fora, viu algo que não via há alguns meses, mas foi diferente.<br />

Galael passava por cima do telhado de uma casa e chegava próximo às docas, voando. Aquele<br />

não era o corpo do anjo, mas mesmo assim com seu receptáculo, ele conseguia usar seus poderes que<br />

deixou Benjamin maravilhado. Não era como ver Apocalipse voando, mas até que lembrava o último voo<br />

de Leandro. E ele carregava algo. Sua mão direita segurava firmemente uma caixa envolta por uma<br />

embalagem de cor prata emitia um forte brilho com os raios de sol daquele dia. Ben protegia os olhos à<br />

medida que o anjo ia descendo. A caixa media quase um metro e não parecia nada pesada nas mãos dele.<br />

Galael tocou o chão.<br />

– Se você não pode ser visto pelos outros anjos, deveria parar de mostrar seus poderes – disse<br />

Ben um pouco alto pela distância que os dois ainda mantinham.<br />

– Sim, mas voar um pouco pra você ver, talvez o deixe com ciúmes por ainda não saber –<br />

brincou chegando próximo ao seu lado e colocando a caixa no meio dos dois.<br />

– Você andou vigiando o John?<br />

– Não, por quê? – indagou levantando o olhar da caixa para ele.<br />

– Seu senso de humor tá igual ao dele.<br />

– Sério? – perguntou não conseguindo esconder um sorriso.<br />

– Não – respondeu deixando o anjo sem graça e sorrindo pra ele. – Foi só pra mostrar que eu<br />

também sei fazer humor. O que é isso? – apontou para a caixa no meio dos dois.<br />

– Eu não entendo o porquê de você não ter mostrado interesse em saber como obtive a Pedra<br />

para matar Naguiram.<br />

24


– Eu não sabia como perguntar. Você é um anjo. Pode ter visto o último pedaço e pegou sem<br />

ninguém perceber e esperou a hora certa pra usar.<br />

– Faz sentido, mas eu não fiz a faca. Ela já estava feita quando peguei.<br />

– E de quem você a pegou? – Ben olhou para a cintura de Galael e viu a faca presa ao suporte,<br />

escondendo sua verdadeira face, mas deixando a vista o cabo e o suporte preto pendurado.<br />

– De Emanuel.<br />

– Então além dele ter feito balas especiais com a Pedra, ele usou aquele fragmento pra fazer a<br />

faca como segunda opção? – recebeu a confirmação de Galael. – Esperto ele. Estranho ele não ter usado<br />

como a segunda opção.<br />

– Ele não usou pelo fato de Apocalipse não ser a pessoa com a qual usaria. Muito menos Tom.<br />

– Como assim? Ele pretendia usar nos outros que saíram?<br />

– Não Ben. Essa caixa vai te mostrar o que eu estou dizendo. Abra!<br />

Ben olhou aquela caixa quadrada envolta de uma embalagem prateada. Lentamente ele se<br />

abaixou e soltou o laço. A embalagem deslizou até o chão. A caixa tinha uma cor vinho e parecia<br />

desgastada. Ela se abriu em quatro partes, cada uma caindo para trás e mostrando uma enorme pedra<br />

escura com cristais que brilharam quando Ben a olhou. O efeito foi rápido. Ele sentiu suas forças indo<br />

embora e sua pele envelhecer.<br />

– Galael... o que é isso? – Ben ficou desesperado.<br />

Ele caiu no chão de barriga pra cima e se contorceu de dor. Aquilo doía muito mesmo. Lembrou<br />

que quando criança, sem querer pisou em um formigueiro e todas as formigas atacaram seu pé. Aquela<br />

dor que sentia no momento era multiplicada por dez e em todo o corpo, em comparação com picadas de<br />

formigas que se sentiram violadas.<br />

Olhou para sua mão e viu suas veias maiores e seu sangue passando por elas. Seu grito era<br />

misturado com um gemido de dor. Seus olhos se fecharam com força.<br />

Galael então se abaixou e juntou as quatro partes da caixa, cobrindo a pedra. Depois, pegou a<br />

embalagem de cor prata e a envolveu na caixa, fazendo um laço no meio.<br />

O coração de Ben aos poucos foi parando de bater as pressas. Sua respiração ofegante foi<br />

acalmando e ele abriu os olhos. Viu sua pele dos braços e das mãos tomando a cor original e as veias<br />

abaixarem. Estava inteiro de novo, mas mesmo assim, cansado.<br />

Apoiou as duas mãos no chão e com o joelho esquerdo fez força para se levantar.<br />

– Foi por esse motivo que ele fez a faca.<br />

Ben conseguiu se colocar de pé e antes de se firmar totalmente, ainda balançou um pouco como<br />

um bêbado procurando apoio. Depois, ao firmar, se virou para o anjo.<br />

– Você podia ter mostrado ela ao invés disso!<br />

25


– Você está vivo. Agradeça por eu não ser um receptáculo Zorkinstiniano e ter acabado com<br />

você agora.<br />

Ben o olhou, mas preferiu não responder.<br />

– Então é isso? A faca de Emanuel não era pra eles, mas sim pra mim? – Galael afirmou. – Então<br />

a uma possibilidade dele também ser um receptáculo?<br />

– Talvez. Não tenho certeza ainda, mas se ele fosse um deles, não teria esse estoque – apontou<br />

para a caixa envolta da embalagem prata.<br />

– Hei, espera aí. Você quer dizer que essa Pedra aí pertence ao Emanuel?<br />

– Existe muito mais sobre ele que você desconhece Ben. Um dos maiores problemas da<br />

humanidade além de destruir sua própria raça, é esconder coisas das pessoas que precisam saber.<br />

Entretanto, Emanuel é um homem muito precavido e agora na liderança do país, ele vai se focar em você.<br />

– Se ele fosse fazer algo, como presidente, já teria uma escolta me levando de volta pra casa.<br />

– Como eu disse, ele é precavido. Vai esperar a hora certa de te encontrar. E até lá, nós usaremos<br />

essa Pedra como arma.<br />

– Nós? Você tá louco? Percebeu o quanto isso pode me ferir? Eu quase morri em segundos.<br />

– Você não precisa estar por perto. Com essa Pedra maior, podemos retirar os Zorkinstinianos<br />

dos corpos das pessoas sem feri-las e assim, destruiremos um a um.<br />

Ben olhou a caixa.<br />

– Do que ela é feita? Essa caixa!<br />

– Magnésio. Ele barra a força radioativa da Pedra. Emanuel pensou em tudo.<br />

– E como ele achou essa Pedra enorme?<br />

– Nunca ouviu falar de meteoros que passam próximos a Terra? Pois é! Este caiu e outras partes<br />

bem menores também, assim como partes pequenas vieram com Apocalipse quando ele atravessou o<br />

portal feito por Tom. Emanuel tinha recursos para agir rápido e limpar tudo. Um grande buraco se fez no<br />

meio de um antigo terreno, onde dias depois se transformou em um milharal. Sabe como se chegava a<br />

esse milharal, Ben? – ele deu de ombros. – Pela sua rua!<br />

– O milharal do seu Genaro? – Galael afirmou. – Mas como é possível o meteoro da Pedra<br />

atingir aqui, sendo que Tom veio também pelo portal? A Pedra é parte do planeta natal dele.<br />

– Coincidiu de que quando Tom abriu o portal, os pedaços de sua amada terra natal passavam<br />

por perto da Terra.<br />

que eu?<br />

– E é coincidência maior ainda um deles cair próximo de onde eu moro? Conta outra, Galael. Por<br />

Galael o olhou, mas não respondeu. Virou de costas e disse:<br />

26


– Vamos voltar ao treinamento.<br />

Ben correu rápido e ficou na frente de Galael, impedindo-o de prosseguir.<br />

– Só iremos treinar quando você me responder!<br />

O anjo olhou para cima e o tempo já começava a fechar e a previsão do fim da tarde era chuva.<br />

– Foi um aviso. O povo de Zorkinst eram conquistadores temidos pela dimensão que viviam.<br />

Tudo era deles e, quando um humano atravessou suas linhas, o planeta foi condenado. A raça humana se<br />

tornou o principal alvo dos sobreviventes à destruição do planeta.<br />

– Um planeta todo destruído apenas pela invasão de um humano? – estranhou Ben agora parando<br />

para analisar melhor. – O que aconteceu exatamente?<br />

– O humano percebeu o quanto estava encrencado no meio de tantas pessoas de aspectos<br />

parecidos com ele, mas não atitudes e forças. O planeta tinha uma tecnologia um trilhão de anos-luz a<br />

frente da Terra. Muito antes de a humanidade saber da bomba nuclear que atingiu Hiroshima, o planeta<br />

Zorkinst tinha milhares de bombas dez vezes mais potentes que essa. O astronauta que, ao ver de todo o<br />

planeta Terra, pisou na Lua, foi interrogado por Tom e o Mestre que Naguiram disse procurar.<br />

– Karkorich – Ben disse em voz baixa.<br />

– Perdão? – Galael indagou, pois não tinha ouvido o nome inteiro, pego de surpresa pelo outro.<br />

– Quando eu estava nas dunas, Tom disse para Apocalipse não abrir o portal, pois não podia<br />

deixar Karkorich passar. Esse é o tal mestre?<br />

– Sim Ben – Galael andou com as mãos nas costas e Ben o observou. – Se ele realmente passou<br />

– virou-se para Ben com um olhar mais sério que o normal –, todos iremos conhecer o verdadeiro<br />

apocalipse.<br />

Ben engoliu seco. No fundo, martelava a si mesmo pelo portal ter sido aberto e trazido os<br />

sobreviventes do planeta. Seria então esse o motivo pelo qual Galael quisesse treiná-lo? Para enfrentar<br />

Karkorich? Ben sabia que houvera duas vezes com dois Zorkinstinianos em que perdera a briga. Com<br />

Apocalipse, era fato: ele morreu e depois ressuscitou, mas nesse tempo, o portal se abriu e dez passaram e<br />

sua única ajuda veio do míssil. Na segunda vez fora com Naguiram em que Ben se descuidara e se não<br />

fosse Galael, mais uma vez seria o seu fim e talvez não voltasse mais.<br />

E por via das dúvidas, se esse Mestre realmente passara pelo portal, o treinamento agora ia ficar<br />

excessivamente alto e Ben ia se esforçar como nunca. Depois de analisar os sacrifícios feitos por um anjo,<br />

ele podia fazer algum sacrifício também. Assim, em pensamentos optou não voltar pra casa até que ele e<br />

Galael tivessem notícias dos Zorkinstinianos.<br />

– Quando eu estiver pronto – disse Ben, após voltar do mundo dos pensamentos –, quero você do<br />

meu lado – Galael o olhou ainda sério. – Então, o que faremos? – segundos depois, um pequeno sorriso<br />

apareceu em seus lábios e ele acenou como resposta a pergunta de Ben.<br />

27


– Agora que temos a arma, você usará toda a habilidade que já conhece e mais a adquirida aqui,<br />

enquanto eu uso a arma para expulsar eles de seus receptáculos e eliminá-los.<br />

Ben entendeu que o anjo não tinha feito o mesmo com Augusto, pois era tudo ou nada. A bala já<br />

havia sido disparada do revólver e como Ben conhecia muito John, a resposta dele para isso seria: um<br />

anjo tem que mostrar pose e autoridade pra chegar e mandar ver.<br />

Ele sorriu ao lembrar-se do amigo e sentiu sua falta, mas logo voltaria. Eliminaria todos os que<br />

ousaram pisar na Terra e depois voltaria para casa. Falaria a todos sobre seus poderes e com esses dons<br />

continuaria a ajudar o mundo.<br />

Essa era a ideia, a teoria, mas na prática, tudo toma rumos diferentes.<br />

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