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Alice no País das Maravilhas

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<strong>Alice</strong> <strong>no</strong> <strong>País</strong> <strong>das</strong> <strong>Maravilhas</strong><br />

Novo-longa metragem de Tim Burton reinventa, revisa e reposiciona o clássico de Lewis Carroll com 3D moderado e<br />

um verdadeiro trabalho de equipe. Nessa versão, cair <strong>no</strong> buraco do Coelho Branco é o me<strong>no</strong>r dos seus problemas…<br />

divirta-se!<br />

por Fábio M. Barreto,de Los Angeles<br />

Precisamos crescer quando entramos na escola, precisamos amadurecer rápido demais <strong>no</strong><br />

ginásio, aprendemos a torcer cada vez mais pela maioridade e, aí, precisamos crescer e<br />

amadurecer <strong>no</strong>vamente, afinal, os ciclos anteriores não foram suficientes ou serviram apenas<br />

àqueles momentos. Isso quando não resolvemos fazer tudo de <strong>no</strong>vo aos 40 e em to<strong>das</strong> as<br />

outras crises da meia e da maior idade. Respiramos, logo amadurecemos. É a condição<br />

humana. É a história de <strong>Alice</strong> <strong>no</strong> <strong>País</strong> <strong>das</strong> <strong>Maravilhas</strong>, livro que nasceu clássico pelas mãos de<br />

um matemático com o dom lingüístico em 1865. E também serve como base para o roteiro de<br />

Linda Woolverton (A Bela e a Fera; Rei Leão), que Tim Burton dirigiu com Johnny Depp, Helena<br />

Bonham Carter e Alan Rickman <strong>no</strong> elenco.<br />

Embalado por uma ostensiva campanha visual em todo mundo e, claro, grande expectativa por<br />

conta da mais <strong>no</strong>va colaboração entre Burton e Depp, <strong>Alice</strong> <strong>no</strong> <strong>País</strong> <strong>das</strong> <strong>Maravilhas</strong> estreou<br />

com força total, faturou mais de US$ 200 milhões <strong>no</strong> primeiro fim de semana e desbancou<br />

Avatar como melhor abertura da história. Também pudera, teve cerca de 220 salas 3D a mais<br />

que o filme de James Cameron – é o mercado em franca expansão para atender à crescente<br />

demanda da tec<strong>no</strong>logia – e a máquina de fazer dinheiro chamada Walt Disney. Tudo isso,<br />

claro, conseqüência de um trabalho que começou na infância de Tim Burton, quando o diretor<br />

leu o clássico de Lewis Carroll pela primeira vez.<br />

As <strong>no</strong>vidades dessa <strong>no</strong>va versão concentram-se <strong>no</strong> aspecto do formato, afinal, mesmo com<br />

roteiro diferente do livro, os elementos são os mesmos. <strong>Alice</strong>, as Rainhas – Branca e de Copas<br />

-, o Chapeleiro Maluco, o Coelho Branco e demais personagens do mundo maluco e<br />

tresloucado conhecido como <strong>País</strong> <strong>das</strong> <strong>Maravilhas</strong>. Ao optar pelo uso contido da tec<strong>no</strong>logia 3D,<br />

Tim Burton coloca a responsabilidade nas costas de seu elenco, muito valorizado, mesmo<br />

inserido num ambiente repleto de cores [numerosas, mas nem tão brilhantes e atraentes<br />

como sugeriam seus pôsteres] e cenários fantásticos.<br />

A própria história busca sua maturidade. <strong>Alice</strong> (Mia wasikowska) não foge apenas <strong>das</strong> pressões<br />

de uma sociedade machista, mas corre em busca do passado idílico, <strong>no</strong> qual a presença do pai<br />

a confortava. Nesse mesmo passado existe a lembrança de um sonho maluco: o <strong>País</strong> <strong>das</strong><br />

<strong>Maravilhas</strong>. Aprenda seu passado, aprimore o futuro. Mas nesse caso, os períodos voltam a se<br />

encontrar quando <strong>Alice</strong> despenca buraco abaixo. É o início de sua <strong>no</strong>va jornada, me<strong>no</strong>s<br />

formativa que as anteriores, mais definitiva por seu momento pessoal. Toda pessoa boa é<br />

meio louca, diz o pai de <strong>Alice</strong>. Está certo. Imaginação e criatividade valem mais que qualquer<br />

convenção social quando se sonha com algo mais que uma vida trivial.<br />

Tal jornada beira o xamanismo, repleto de animais de poder, música marcante, reflexos do<br />

mundo real, mensagens e uma tarefa. Tão habilmente quanto Neil Gaiman faz em Deuses


America<strong>no</strong>s, a trajetória de <strong>Alice</strong> a confronta com algo capaz de mudar sua vida. Ela não quer,<br />

mas vai fazer o que precisa. E vai mudar. Entretanto, como o Sombra de Gaiman, a grande<br />

pergunta fica na capacidade de assimilação da experiência. Ou seja, quanto amadurecimento<br />

isso vai gerar.<br />

Tim Burton considera uma mistura de contos de fa<strong>das</strong> com história de terror, acontecendo de<br />

forma independente ao original da Lewis Carroll. Já Linda Woolverton, a roteirista, tem outra<br />

opinião: “é uma continuação; uma história revisionista, ou melhor, um exemplar do <strong>no</strong>nsense<br />

cinematográfico”, disse à revista Script. Essa dissonância criativa mesmo entre os criadores da<br />

obra reforça um <strong>das</strong> maiores qualidades dos contos de fa<strong>das</strong>: pluralidade de interpretações. O<br />

material base é um só, entretanto, Burton imprimiu sua visão, enquanto Woolverton pode<br />

fazer sua contribuição [pesada, aliás, criando <strong>no</strong>mes, situações e contextos inéditos à obra de<br />

Carroll]. Atualidade sobrepondo o clássico, necessidade de uma <strong>no</strong>va dinâmica tão<br />

alucinadamente veloz e competitiva que nem mesmo Carroll antecipou quando lançou a<br />

pequena <strong>Alice</strong> <strong>no</strong> buraco pela primeira vez.<br />

A história de <strong>Alice</strong> nasceu como conto infantil, evoluiu para uma complexa provocação<br />

matemática e consolidou-se por sua capacidade semântica e criativa. Tudo para instigar as<br />

mentes juvenis da virada do século 19, quando o mundo ainda precisava ser explorado e a vida<br />

era difícil, mesmo para uma burguesia limitada por seus portões de aço ou mansões cerca<strong>das</strong><br />

pela pobreza do proletário industrial. As barreiras modernas são outras e o amadurecimento<br />

de <strong>Alice</strong> caminha na direção da independência – pessoal, sexual, comportamental. É a jovem<br />

atual e, <strong>no</strong> mundo virtual de seus sonhos, pode tudo. Muda de tamanho, de visual, de idéia, de<br />

postura e precisa mata um monstro por dia. <strong>Alice</strong> não é mais menininha e não há príncipe<br />

encantado vindo salvá-la, pelo contrário, só ela pode decidir o desti<strong>no</strong> do <strong>País</strong> <strong>das</strong> <strong>Maravilhas</strong>.<br />

Muita responsabilidade, claro. Entretanto, falamos em amadurecimento. E carga maior do ser<br />

responsável por seus atos e escolhas não há. Longe do dilema de Peter Parker, <strong>no</strong>ta-se o ciclo<br />

completo da influência de <strong>Alice</strong>. Quando Matrix estreou, em 1999, Neo seguiu o Coelho<br />

Branco buraco abaixo e virou sua vida de ponta cabeça, agora é a vez do Oráculo – ou melhor,<br />

Lagarta – devolver o favor à mocinha. Ela bem conhece esse mundo de sonho, mas não se<br />

lembra. Ela é <strong>Alice</strong>, ao mesmo tempo que não é <strong>Alice</strong>. Quem sabe numa outra vida? Noutro<br />

dia? Noutro momento? Tudo muda a <strong>no</strong>ssa volta, mas as maiores mudanças acontecem<br />

quando mudamos mais que o entor<strong>no</strong>. Uma Estranha Numa Terra Estranha. Ainda não está<br />

pronta. O tempo é curto. O Coelho Branco está atrasado. E o Jabberwocky está à espreita.<br />

Mas há conforto <strong>no</strong> <strong>no</strong>nsense lexical e comportamental do Chapeleiro Maluco. Muito mais<br />

amargurado e saudoso do que maluco, aliás. Um homem perdido <strong>no</strong> tempo, desprovido de<br />

função, numa eterna cerimônia sem propósito. Assim como Nora Dinsmoor, sempre à espera.<br />

Não do amor. Da Salvação. De <strong>Alice</strong>. Chance de ouro para Johnny Depp brilhar. Mas, de<br />

comum acordo, mesmo que velado, tanto Depp quanto Burton deixam o brilho para o esforço<br />

coletivo. Nada de exageros e pouca ousadia. Se o visual espalhafatoso deixou de ser surpresa<br />

meses atrás, sobraria à interpretação a grande <strong>no</strong>vidade… que nunca veio. Seja a fala semifanha<br />

digna de Magorium, ou os trejeitos simultaneamente atrapalhados, mas arrojados, esse<br />

Chapeleiro é um herói recolhido e assim se mantém, contentando-se em ser o escudeiro da


verdadeira heroína. Competência também significa compreender sua função e permitir que a<br />

história se desenvolva, sem tentar roupar a cena. E assim é Depp, funcional e agradável<br />

quando solicitado. Ah sim, dançari<strong>no</strong> irreparável. Para padrões do <strong>País</strong> <strong>das</strong> <strong>Maravilhas</strong>, claro.<br />

Por ser uma história seminal e extremamente influente, <strong>Alice</strong> requer cuidados em seus<br />

paralelismos. Não é ela quem se espelha <strong>no</strong> mundo atual, ao contrário, é <strong>no</strong>ssa modernidade<br />

que encontra raízes <strong>no</strong>s dilemas da pequena sonhadora. Quase adulta na <strong>no</strong>va versão,<br />

enfrente dilemas tão atuais em 1865 quanto em 2010. Mudam-se os formatos e <strong>no</strong>mes,<br />

porém, o ser huma<strong>no</strong> é o mesmo. Assim como suas mazelas. Carroll foi elogiado – e acusado<br />

por seu suposto interesse sexual nas irmãs Liddell (<strong>Alice</strong>, Lorina e Edith), para quem inventou a<br />

história, em especial pela fotografia que tirou de uma delas, <strong>Alice</strong>. Tivesse publicado seu surto<br />

<strong>no</strong> mundo moder<strong>no</strong>, enfrentaria chacota, apologia a entorpecentes e fracasso inevitável. A<br />

mesma i<strong>no</strong>cência que <strong>Alice</strong> tentava se livrar desesperadoramente, é justamente o que <strong>no</strong>s<br />

acomete atualmente.<br />

Tim Burton não é i<strong>no</strong>cente, nem prega tal conceito. Mas gosta de falar sobre amadurecimento,<br />

escolhas e as situações constrangedoras que fazem parte desse processo. Difícil entre escolher<br />

entre ter mãos de tesoura na casa de uma vendedora da AVON e conversar com animais<br />

falantes na terra onde a Rainha de Copas pode cortar sua cabeça! Sua assinatura está em <strong>Alice</strong><br />

<strong>no</strong> <strong>País</strong> <strong>das</strong> <strong>Maravilhas</strong>, mas, dessa vez, ele se comporta como espectador, em vez de maestro.<br />

Permite que esse mundo se desenvolva e assiste, de camarote, ao maior dos espetáculos: ver a<br />

<strong>no</strong>ssa reação a essa espiadela num lugar onde nada é o que parece e tudo pode acontecer,<br />

contanto que você não perca a cabeça! É o pintor, pintando o pintor, que pinta o pintor, que<br />

pinta… e <strong>no</strong> fim <strong>das</strong> contas, alguém sabe por que o corvo se parece com a escrivaninha?

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