18.04.2013 Views

Noite na Taverna, de Álvares de Azevedo

Noite na Taverna, de Álvares de Azevedo

Noite na Taverna, de Álvares de Azevedo

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>Noite</strong> <strong>na</strong> Taver<strong>na</strong>, <strong>de</strong> <strong>Álvares</strong> <strong>de</strong> <strong>Azevedo</strong><br />

Análise da obra<br />

A obra foi escrita em 1878. São contos fantásticos, macabros. Numa taver<strong>na</strong>, em noite escura <strong>de</strong><br />

tormenta, entre munda<strong>na</strong>s bêbadas e adormecidas, jovens boêmios (Solfieri, Johann, Gen<strong>na</strong>ro,<br />

Bertran, Hermann e Arnold) resolvem, por <strong>de</strong>safio, contar casos verda<strong>de</strong>iros e escabrosos que<br />

tivessem vivido. O livro compõe-se <strong>de</strong>ssas <strong>na</strong>rrativas, e é o que <strong>de</strong> melhor a literatura brasileira<br />

possui no gênero fantástico, que tinha em Hoffmann seu mo<strong>de</strong>lo e em Edgar Allan Poe um<br />

verda<strong>de</strong>iro gênio do terror.<br />

Movido pela imagi<strong>na</strong>ção exacerbada, a obra apresenta os <strong>de</strong>svarios do poeta envolvido por uma<br />

conturbação febril, <strong>na</strong> qual se <strong>de</strong>ixa influenciar por quase todas as gran<strong>de</strong>s características das<br />

novelas mórbidas do século XIX. Visivelmente artificiais, as <strong>na</strong>rrativas que constituem o cerne <strong>de</strong>sta<br />

obra recebem certa dose <strong>de</strong> magia e coerência por envolver o leitor, pren<strong>de</strong>r-lhe a atenção, dirigi-lo<br />

ao fi<strong>na</strong>l. E se as história relatadas não são verossímeis, pelo menos disfarçam suas incoerências pela<br />

atração com que o autor conduz sua imagi<strong>na</strong>ção, <strong>de</strong> modo que quase parecem reais, colocando-as<br />

envolvidas por uma onda infindável <strong>de</strong> orgias <strong>de</strong>boches, sátiras, paixões transfiguradas, relatadas<br />

pela peque<strong>na</strong> galeria <strong>de</strong> perso<strong>na</strong>gens boêmios que vão tomando a palavra. Das pági<strong>na</strong>s <strong>de</strong> <strong>Noite</strong> <strong>na</strong><br />

Taver<strong>na</strong> vão surgindo relatos impreg<strong>na</strong>dos <strong>de</strong> um clima inumano e anormal.<br />

<strong>Noite</strong> <strong>na</strong> Taver<strong>na</strong> é uma <strong>na</strong>rrativa (novela ou conto) construída em sete partes, contendo epígrafes e<br />

os nomes <strong>de</strong> cada perso<strong>na</strong>gem, como subtítulos, antece<strong>de</strong>ndo as <strong>na</strong>rrativas, contadas em uma<br />

taver<strong>na</strong>. Há, <strong>na</strong> última parte, o entrelaçamento da história <strong>de</strong> Johann e <strong>de</strong> alguns perso<strong>na</strong>gens.<br />

Mais do que pelos elementos romanescos e satânicos que a condimentam (violentação, corrupção,<br />

incesto, adultério, necrofilia, traição, antropofagia, assassi<strong>na</strong>tos por vingança ou amor), a obra<br />

impõe-se pela estrutura: um <strong>na</strong>rrador em terceira pessoa introduz o cenário, as perso<strong>na</strong>gens, a<br />

situação, e praticamente <strong>de</strong>saparece, dando lugar a outros <strong>na</strong>rradores - as próprias perso<strong>na</strong>gens,<br />

que em primeira pessoa contam, uma a uma, episódios <strong>de</strong> suas vidas aventureiras.<br />

Na última <strong>na</strong>rrativa, a presença física (<strong>na</strong> roda dos moços) <strong>de</strong> perso<strong>na</strong>gens mencio<strong>na</strong>das em uma<br />

<strong>na</strong>rrativa anterior faz com que todo o ambiente fantástico e irreal dos contos se legitime como<br />

verídico.<br />

<strong>Noite</strong> <strong>na</strong> Taver<strong>na</strong>, obra escrita em tom bastante emotivo, antecipa em vários aspectos a <strong>na</strong>rração da<br />

prosa mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>: a liberda<strong>de</strong> cênica, a dupla <strong>na</strong>rração e suas confluências, a mistura do real ao<br />

fantástico conferem atualida<strong>de</strong> à obra, apesar <strong>de</strong> toda a atmosfera byronia<strong>na</strong>.<br />

Primeira parte<br />

A primeira parte constitui uma espécie <strong>de</strong> apresentação do ambiente da taver<strong>na</strong>, da roda <strong>de</strong><br />

bebe<strong>de</strong>ira, <strong>de</strong> <strong>de</strong>vassidão em que se encontram os perso<strong>na</strong>gens, do clima notívago e vampiresco. O<br />

tom <strong>de</strong>clamatório anuncia a noitada e as história que estão por vir.<br />

As primeiras pági<strong>na</strong>s <strong>de</strong>ixam antever o clima das geração do mal do século, a irreverência incontida,<br />

a tendência a divagações literário-filosóficas, a vivência sôfrega e, principalmente, a morbi<strong>de</strong>z e a<br />

lascívia.<br />

Entre os "brados" e as taças que circulavam, são apresentados os perso<strong>na</strong>gens, e alguns <strong>de</strong>les<br />

tomas a palavra. Em primeira pessoa, relatam histórias pessoais. O primeiro a tomar a palavra é<br />

Solfieri que faz suas evocações, remontando-as a Roma, a "cida<strong>de</strong> do fa<strong>na</strong>tismo e da perdição",<br />

on<strong>de</strong> "<strong>na</strong> alcova do sacerdote dorme a gosto a amásia, no leito da vendida se pendura o crucifixo<br />

lívido". Certa noite, Solfieri vê um vulto <strong>de</strong> mulher. Segue-a até um cemitério; o vulto <strong>de</strong>saparece e<br />

o perso<strong>na</strong>gem adormece sob o frio da noite e a umida<strong>de</strong> da chuva. A visão <strong>de</strong>ste vulto <strong>de</strong> uma<br />

mulher atordoou o perso<strong>na</strong>gem durante um ano, <strong>na</strong>da o satisfazia <strong>na</strong> troca <strong>de</strong> amores com<br />

munda<strong>na</strong>s. Uma noite, após prolongada orgia, saio vagando pelas ruas e acaba entre "as luzes <strong>de</strong><br />

quatro círios" que ilumi<strong>na</strong>vam um caixão entreaberto. Lá estava a mulher que lhe provocara tantas


aluci<strong>na</strong>ções e insônias. Era agora uma <strong>de</strong>funta. O homem tomou o cadáver em seus braços, <strong>de</strong>spiulhe<br />

o véu e...<br />

Mas, para disfarçar o caso <strong>de</strong> necrofilia, a mulher não estava morta, ape<strong>na</strong>s sofrera um ataque e<br />

catalepsia. Ao perceber que a mulher não havia morrido, Solfieri levou-a para seu leito, contemploua<br />

e ela, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> breve <strong>de</strong>lírio, vaio a falecer. Solfieri mandou fazer uma estátua <strong>de</strong> cera da virgem,<br />

guardou-a em seu quarto, conservou com uma gri<strong>na</strong>lda <strong>de</strong> flores.<br />

Johann, Bertram, Archibald, Solfieri, o adormecido, Arnold e outros companheiros estão <strong>na</strong> taver<strong>na</strong>,<br />

dialogando sobre loucuras notur<strong>na</strong>s, enquanto as mulheres dormem ébrias sobre as mesas. Falam<br />

das noites passadas em embriaguez e pura orgia. Solfieri os questio<strong>na</strong> a respeito da imortalida<strong>de</strong> da<br />

alma, sendo mais velho, parece não crer nela, por isso, Archibald o censura pelo materialismo.<br />

Solfieri acredita <strong>na</strong> liberti<strong>na</strong>gem, <strong>na</strong> bebida e <strong>na</strong> mulher sobre o colo do amado. Os homens só se<br />

voltam para Deus quando estão próximos da morte, Deus é, pois, a "utopia do bem absoluto".<br />

Segunda parte - Solfieri e a Necrofilia<br />

Solfieri <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> contar sua história, conforme sugere Archibald, <strong>de</strong>sejoso <strong>de</strong> histórias fantásticas,<br />

cheias <strong>de</strong> sangue e paixão. Conta, então, que uma noite, ao vagar por uma rua, em Roma, passa<br />

por uma ponte, quando as luzes dos palácios se apagam. Vê a sombra <strong>de</strong> uma mulher chorando,<br />

numa escura e solitária janela, parecendo uma estátua pálida à lua.<br />

Ela canta mansamente, saindo para a rua, sempre seguida por Solfieri. Pela manhã, ele percebe que<br />

está em um cemitério, sem saber, ao certo, se adormeceu ou <strong>de</strong>smaiou. Sente muito frio, adoece,<br />

<strong>de</strong>lira, tendo visões com a bela e pálida mulher. Retor<strong>na</strong> a Roma um ano <strong>de</strong>pois, sem encontrar<br />

alento nos beijos das amantes, perseguido pela visão da mulher do cemitério. Certa noite, muito<br />

bêbado, após uma orgia, se encontra num templo muito escuro e, vendo um caixão semi-aberto, crê<br />

que a mulher está lá <strong>de</strong>ntro. Arranca-lhe a mortalha, faz amor com ela, que, pela madrugada, dá<br />

si<strong>na</strong>is <strong>de</strong> vida, retor<strong>na</strong>ndo da catalepsia para <strong>de</strong>smaiar em seguida.<br />

Solfieri coloca sua capa sobre a moça e foge com ela. Encontra com o coveiro e <strong>de</strong>pois com a<br />

patrulha, que o consi<strong>de</strong>ra um ladrão <strong>de</strong> cadáveres. Justifica-se, apresentando a esposa <strong>de</strong>sfalecida.<br />

Ao chegar em casa, a moça grita, ri e estremece, morrendo 2 dias <strong>de</strong>pois. Solfieri levanta o piso do<br />

quarto para dar lugar ao túmulo, subor<strong>na</strong>, antes, um escultor que lhe faz em cera a estátua da<br />

virgem. Aguarda um ano para estátua <strong>de</strong>finitiva ficar pronta.<br />

Volta-se para Bertram, recordando-lhe a visita <strong>de</strong>ste em sua casa e <strong>de</strong> a ter visto por entre véus,<br />

sendo a ela apresentado como "uma virgem que dormia". Os amigos surpresos com a história<br />

<strong>de</strong>sejam saber se se trata <strong>de</strong> um conto, mas ele jura por todo mal existente que não. Como prova,<br />

mostra sob a camisa a gri<strong>na</strong>lda <strong>de</strong> flores mirradas, pertencente à moça.<br />

Terceira parte - Bertran e a Antropofagia<br />

A seguir, Bertram, um di<strong>na</strong>marquês ruivo, <strong>de</strong> olhos ver<strong>de</strong>s, conta que, também, uma mulher, uma<br />

donzela <strong>de</strong> Cadiz, Angela, o levou à bebida e a duelar com seus três melhores amigos e a enterrálos.<br />

Quando <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> casar com ela e consegue lhe dar o primeiro beijo, recebe carta do pai, pedindo<br />

seu retorno à Di<strong>na</strong>marca. Encontra o velho já moribundo, chora, mas por sauda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Angela. Dois<br />

anos <strong>de</strong>pois, ven<strong>de</strong> toda fortu<strong>na</strong>, coloca o dinheiro num banco <strong>de</strong> Hamburgo e volta para a Espanha.<br />

Encontra a moça casada e mãe <strong>de</strong> um filho. A paixão persiste e os amantes passam a se encontrar<br />

às escondidas, vivendo verda<strong>de</strong>iras loucuras notur<strong>na</strong>s até que o marido, enciumado, <strong>de</strong>scobre tudo.<br />

Uma noite, Angela, com a mão ensangüentada, pe<strong>de</strong> ao rapaz para subir até sua casa e por entre a<br />

penumbra, ele encontra o marido <strong>de</strong>golado e sobre seu peito, o filho <strong>de</strong> bruços, sangrando. Angela<br />

<strong>de</strong>seja fugir em sua companhia, saem pelo mundo, ela vestida <strong>de</strong> homem vive gran<strong>de</strong>s orgias. Foge<br />

mais tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixando o rapaz entregue às paixões e vícios.<br />

Bertram bêbado e ferido é atropelado por uma carruagem, diante <strong>de</strong> um palácio, sendo socorrido<br />

por um velho fidalgo, pai <strong>de</strong> uma bela meni<strong>na</strong>, que, mais tar<strong>de</strong>, foge para casar-se com Bertram.<br />

Vendida em uma mesa <strong>de</strong> jogo a Siegfried, um pirata, ela o mata e o envene<strong>na</strong>, afogando-se a<br />

seguir. De dissipação em dissipação, o rapaz resolve matar-se no mar <strong>na</strong> Itália, mas salvo por


marinheiros, fica sabendo que a pessoa que o salvou acabou, aci<strong>de</strong>ntalmente, morta por ele. São<br />

socorridos por um <strong>na</strong>vio e Bertram é aceito a bordo em troca <strong>de</strong> que combatesse se necessário.<br />

Mas, apaixo<strong>na</strong>-se pela pálida mulher do comandante e, durante uma batalha contra um <strong>na</strong>vio pirata,<br />

ele o trai, fazendo amor com a mulher. O <strong>na</strong>vio encalha em um banco <strong>de</strong> areia, <strong>de</strong>spedaçando-se<br />

aos poucos - os náufragos agarram-se a uma jangada e, em meio à noite e à tempesta<strong>de</strong>, o casal<br />

vive horas <strong>de</strong> amor. Vagam a ermo pelo mar as três figuras, sobrevivendo <strong>de</strong> bolachas e, mais<br />

tar<strong>de</strong>, tiram a sorte para ver quem morrerá. O comandante per<strong>de</strong>, clama por pieda<strong>de</strong>, mas Bertram<br />

se nega ouvi-lo, prefere a luta. Mata o comandante, que serve, por dois dias, <strong>de</strong> alimento a Bertram<br />

e a mulher. Ela propõe morrerem juntos, ele aceita. O casal gasta as últimas energias se amando. A<br />

mulher, enlouquecida, começa a gargalhar, Bertram febril a sufoca. Ela é levada pelas águas,<br />

enquanto o rapaz é salvo pelo <strong>na</strong>vio inglês, Swallow.<br />

Quarta parte - Gen<strong>na</strong>ro e a Traição das Traições<br />

A próxima história é a <strong>de</strong> Gen<strong>na</strong>ro. Sua <strong>na</strong>rrativa é sobre um velho pintor, Godofredo Walsh, casado<br />

com uma jovem <strong>de</strong> 20 anos, Nauza, que lhe serve <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo e é amada como a filha do primeiro<br />

casamento, Laura, garota <strong>de</strong> 15 anos. Gen<strong>na</strong>ro, aos 18 anos, é aprendiz <strong>de</strong> pintor e aluno <strong>de</strong><br />

Godofredo. Vive <strong>na</strong> casa do mestre como um filho, recebendo, no corredor, antes <strong>de</strong> dormir, beijos<br />

<strong>de</strong> Laura. Um dia, <strong>de</strong>sperta e a encontra em sua cama, per<strong>de</strong>ndo a cabeça diante da estonteante<br />

beleza da virgem. A ce<strong>na</strong> se repete ao longo <strong>de</strong> 3 meses, quando a meni<strong>na</strong> lhe diz que <strong>de</strong>ve pedi-la<br />

em casamento, porque espera um filho. O moço <strong>na</strong>da respon<strong>de</strong>, ela <strong>de</strong>smaia e se afasta, tor<strong>na</strong>ndose<br />

cada dia mais pálida.<br />

O pintor <strong>de</strong>finha com a tristeza da filha, passeia pelos corredores à noite e <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> pintar. Uma<br />

noite, Gen<strong>na</strong>ro é chamado, porque Laura está morrendo e murmura seu nome. O moço aproxima-se<br />

e, ela, sussurrando-lhe ao ouvido o perdão, diz que matou o filho e dá o último suspiro. O velho<br />

passa o ano endoi<strong>de</strong>cido, chora todas as noites no quarto da morta, arfando ou afogando-se em<br />

soluços.<br />

Enquanto isso, o rapaz e Nauza amam-se em seu leito. Uma noite, o velho o arranca da cama e o<br />

leva até o dormitório <strong>de</strong> Laura. Levanta o lençol que cobre um painel, <strong>de</strong>scorti<strong>na</strong>ndo a imagem<br />

moribunda <strong>de</strong> Laura, que murmura algo no ouvido do cadavérico Gen<strong>na</strong>ro. Atordoado, o aprendiz<br />

confessa tudo a Godofredo.<br />

No dia seguinte, o velho se comporta <strong>na</strong>turalmente, sem mencio<strong>na</strong>r o ocorrido, lamenta ape<strong>na</strong>s a<br />

falta da moça. Sonâmbulo, repete a mesma ce<strong>na</strong> ao longo <strong>de</strong> várias noites e, numa <strong>de</strong>las, Nauza é<br />

testemunha. Uma noite <strong>de</strong> outono, após a ceia, Walsh convida Gen<strong>na</strong>ro para um passeio fora da<br />

cida<strong>de</strong>. Após contor<strong>na</strong>r um <strong>de</strong>spenha<strong>de</strong>iro, pe<strong>de</strong> ao rapaz para esperá-lo, dirigindo-se a uma caba<strong>na</strong><br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> sai uma mulher. Depois, junta-se a Gen<strong>na</strong>ro e ao chegar à beira <strong>de</strong> um penhasco, <strong>de</strong>screve<br />

a traição, envolvendo a filha e a esposa.<br />

Pe<strong>de</strong> ao rapaz para jogar-se precipício abaixo. Gen<strong>na</strong>ro assim o faz, mas, após uma noite <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>lírios, acorda salvo por camponeses, em uma caba<strong>na</strong>. Deci<strong>de</strong> retor<strong>na</strong>r à casa <strong>de</strong> Walsh e pedir-lhe<br />

perdão, entretanto encontra pelo caminho o punhal do pintor. Deci<strong>de</strong> vingar-se, mas encontra<br />

Nauza e Godofredo envene<strong>na</strong>dos e apodrecidos, talvez, com o veneno obtido com a mulher da<br />

caba<strong>na</strong>.<br />

Quinta parte - Claudius Hermann e a Paixão <strong>de</strong> Morte<br />

Claudius Hermann, após preâmbulos em que discursa com os amigos <strong>de</strong> orgia acerca <strong>de</strong> diversos<br />

temas, expõe sua história, on<strong>de</strong> <strong>na</strong>rra suas loucuras e orgias e <strong>de</strong> como <strong>de</strong>sperdiçou uma fortu<strong>na</strong> no<br />

turfe, em Londres, on<strong>de</strong> vê uma bela amazo<strong>na</strong>s, a duquesa Eleonora, esposa do duque Maffio. Antes<br />

<strong>de</strong> prosseguir com a história, Bertram indaga sobre a poesia, <strong>de</strong>scrita como um punhado <strong>de</strong> sons e<br />

palavras vãs, enquanto Claudius a consi<strong>de</strong>ra um prazer extremado, o que há <strong>de</strong> belo <strong>na</strong> <strong>na</strong>tureza.<br />

Os colegas os interrompem, pedindo ao <strong>na</strong>rrador que retome a história.<br />

No dia em que avista a bela duquesa, Hermann dobra sua fortu<strong>na</strong> e, à noite, no teatro, a vê, mais<br />

uma vez. Ao longo <strong>de</strong> 6 meses, encontra a senhora em bailes e teatros até que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> comprar <strong>de</strong><br />

um criado a chave do castelo. Entra, sorrateiramente, quando ela já está adormecida e coloca-lhe<br />

nos lábios <strong>na</strong>rcótico. Aguarda que durma profundamente e, então, a possui, repetindo o fato, noite


após noite, durante um mês.<br />

Certa vez, após um baile, entra no quarto <strong>de</strong> Eleonora e vendo um copo com água junto à sua<br />

cabeceira, <strong>de</strong>rrama nele o <strong>na</strong>rcótico. Entram a duquesa e o duque que, antes <strong>de</strong> sair do quarto,<br />

prometendo-lhe retor<strong>na</strong>r, bebe um pouco do líquido, seguido por ela. Claudius sabe que Maffio não<br />

virá ao quarto e que Eleanora dormirá profundamente.<br />

Ergue-a do leito e foge com ela numa carruagem, chegando, ao meio-dia, a uma estalagem. Mais<br />

tar<strong>de</strong>, a duquesa <strong>de</strong>sperta e surpresa por não estar em seu palácio, grita por socorro, <strong>de</strong>sespera-se,<br />

ameaçando jogar-se pela janela. O rapaz lhe <strong>de</strong>clara profundo amor e lhe <strong>de</strong>screve o rapto, dandolhe<br />

duas horas para pensar se fica ou não com ele. Inconformada a princípio, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> aceitar o amor<br />

oferecido, pois a família e amigos, certamente, não a aceitariam mais.<br />

Ao retor<strong>na</strong>r, Claudius a encontra <strong>de</strong>bruçada sobre um <strong>de</strong> seus versos. Interrompe a <strong>na</strong>rrativa, retira<br />

um papel do bolso, mostrando o verso aos colegas. Conta que Eleonora lhe respon<strong>de</strong>u que ficava,<br />

mas caiu <strong>de</strong>smaiada.Dito isso, o rapaz tomba por sobre a mesa, calando-se. Archibald o saco<strong>de</strong>,<br />

implora para que <strong>de</strong>sperte. Solfieri e os companheiros <strong>de</strong>sejam saber sobre a duquesa, mas o rapaz<br />

está confuso, não se recorda <strong>de</strong> mais <strong>na</strong>da.Ouvem a gargalhada do louro Arnold que <strong>de</strong>spertando,<br />

dá continuida<strong>de</strong> ao relato, dizendo que um dia Claudius entrou em casa e encontrou sobre a cama<br />

ensopada <strong>de</strong> sangue dois cadáveres; o Duque <strong>de</strong> Maffio matou Eleonora e enlouquecido, suicidou-se<br />

em seguida. Arnold esten<strong>de</strong> a capa no chão e volta a dormir.<br />

Sexta parte - Johann e o Incesto<br />

Johann <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> contar sua história. Está em um bilhar em Paris, jogando com Artur que, numa<br />

jogada <strong>de</strong>finitiva para Johann, se encosta à mesa, por <strong>de</strong>scuido ou <strong>de</strong> propósito. A mesa estremece<br />

e Johann é levado à <strong>de</strong>rrota. O per<strong>de</strong>dor, enlouquecido <strong>de</strong> raiva, <strong>de</strong>safia o parceiro para um duelo.<br />

Antes porém, Artur pe<strong>de</strong> ao adversário que, caso morra, entregue a carta, que está em seu bolso, e<br />

o anel no seu <strong>de</strong>do, para uma mulher que dirá, mais tar<strong>de</strong> quem é.<br />

Saem com duas pistolas, uma carregada, a outra não; Artur é alvejado e morre, apontando para o<br />

bolso. Johann tira-lhe o anel, colocando-o em seu <strong>de</strong>do e, a seguir, encontra dois papéis no bolso do<br />

morto: uma carta para a mãe, e outra indicando o horário e en<strong>de</strong>reço para um encontro. O rapaz<br />

<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> tomar o lugar <strong>de</strong> Artur. Descobre que aí mora a virgem <strong>na</strong>morada do rival que acaba <strong>na</strong><br />

cama com Johann, num quarto escuro.<br />

De repente, interrompe a <strong>na</strong>rrativa, enche o copo e o bebe com estremecimento. Prossegue,<br />

<strong>na</strong>rrando que ao sair do quarto, encontra um vulto à porta, cuja voz lhe soa familiar. É atacado com<br />

uma faca, luta ferozmente com o vulto; um homem <strong>de</strong>sconhecido, que <strong>de</strong>ixa cair o punhal,<br />

morrendo sufocado pela mão <strong>de</strong> Johann. Ao se retirar, tropeça numa lanter<strong>na</strong> e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> ver o rosto<br />

do estranho, estremece, a luz da lanter<strong>na</strong> se apaga. Vai arrastando o corpo até um lampião e, para<br />

sua surpresa, <strong>de</strong>scobre tratar-se <strong>de</strong> seu irmão. Louco <strong>de</strong> terror retor<strong>na</strong> ao quarto, mas, outra vez,<br />

interrompe a <strong>na</strong>rrativa, bebe mais um copo. Diz que encontrando a donzela <strong>de</strong>smaiada, a levou para<br />

a janela e percebeu que estava com a irmã nos braços.<br />

Última parte - O Último Beijo <strong>de</strong> Amor<br />

Com Último beijo <strong>de</strong> amor, <strong>Álvares</strong> <strong>de</strong> <strong>Azevedo</strong> fecha a obra <strong>Noite</strong> <strong>na</strong> Taver<strong>na</strong>. Ao contrário dos<br />

outros, traz a <strong>na</strong>rrativa em 3ª pessoa.<br />

É noite alta <strong>na</strong> taver<strong>na</strong>, todos dormem. Entra uma mulher pálida, vestida <strong>de</strong> negro, procurando<br />

alguém com uma lanter<strong>na</strong> <strong>na</strong> mão. Vê Arnold, tenta beijá-lo, mas o <strong>de</strong>ixa em paz, voltando-se para<br />

Johann, tor<strong>na</strong>ndo-se, subitamente, sombria. Traz, além da lanter<strong>na</strong>, um punhal, que crava no<br />

pescoço <strong>de</strong>ste último, enxugando as mãos ensangüentadas no cabelo do ferido. Vai até Arnold e o<br />

<strong>de</strong>sperta. Ele a reconhece; é a irmã <strong>de</strong> Johann, agora transformada <strong>na</strong> prostituta Giorgia, a quem<br />

Arnold pe<strong>de</strong> que lhe chame <strong>de</strong> Artur, como outrora.<br />

O rapaz recorda-se do duelo, do tempo passado no hospital para se recuperar, o <strong>de</strong>sespero e a vida<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>vassidão a que se entregou por não encontrar mais Giorgia. Deseja ficar junto <strong>de</strong>la agora, mas<br />

a moça acha que é tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais, pe<strong>de</strong>-lhe ape<strong>na</strong>s um beijo <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedida, porque vai morrer. Leva<br />

Arnold até o corpo <strong>de</strong> Johann, dizendo que o matou por ter sido por ele <strong>de</strong>sonrada, a ela que era


sua irmã. Arnold horrorizado cobre o rosto, enquanto Giorgia cai ao chão. Arnold aperta o punhal<br />

contra o peito e cai sobre ela, sufocando os dois gemidos <strong>de</strong> morte. A lâmpada apaga-se.<br />

Texto escolhido:<br />

Uma noite do século<br />

Silencio, moços! Acabei com essas cantile<strong>na</strong>s horríveis! Não ve<strong>de</strong>s que as mulheres dormem ébrias,<br />

macilentas como <strong>de</strong>funtos? Não sentis que o sono da embriaguez pesa negro <strong>na</strong>quelas pálpebras<br />

on<strong>de</strong> a beleza sigilou os olhares da volúpia?<br />

— Cala-te Johann! Enquanto as mulheres dormem e Arnold-o-louro cambaleia e adormece<br />

murmurando as canções <strong>de</strong> orgia <strong>de</strong> Tiech, que música mais bela que o alarido da satur<strong>na</strong>l? Quando<br />

as nuvens correm negras no céu como um bando <strong>de</strong> corvos errantes, e a lua <strong>de</strong>smaia como a luz <strong>de</strong><br />

uma lâmpada sobre a alvura <strong>de</strong> uma beleza que dorme, que melhor noite que a passada ao reflexo<br />

das taças?<br />

— És um louco, Bertran! Não é a lua que lá vai macilenta: é o relâmpago que passa e ri <strong>de</strong> escárnio<br />

às agonias do povo que morre... aos soluços que seguem as mortualhas da cólera!<br />

— Oh cólera! E que importa? Não há pôr ora vida bastante <strong>na</strong>s veias do homem? Não borbulha a<br />

febre ainda às ondas do vinho? Não reduz em todo o seu fogo a lâmpada da vida <strong>na</strong> lanter<strong>na</strong> do<br />

crânio?<br />

— Vinho! Vinho! Não vês que as taças estão vazias e bebemos o vácuo, como um sonâmbulo?<br />

— É o fetichismo <strong>na</strong> embriaguez! Espiritualista, bebe a imaterialida<strong>de</strong> da embriaguez!<br />

— Oh! Vazio! Meu copo está vazio! Olá, taverneira, não vês que as garrafas estão esgotadas? Não<br />

sabes, <strong>de</strong>sgraçada, que os lábios da garrafa são como os da mulher: só valem beijos enquanto o<br />

fogo do vinho ou o fogo do amor os borrifa <strong>de</strong> lava?<br />

— O vinho acabou-se nos copos, Bertran, mas o fumo ondula ainda nos cachimbos! Após dos<br />

vapores do vinho os vapores da fumaça! Senhores, em nome <strong>de</strong> todas as nossas reminiscências, <strong>de</strong><br />

todos os nossos sonhos que mentiram, <strong>de</strong> todas as nossas esperanças que <strong>de</strong>sbotaram, uma última<br />

saú<strong>de</strong>! A taverneira aí nos trouxe mais vinho: uma saú<strong>de</strong>! O fumo é a imagem doi<strong>de</strong>alismo, é o<br />

transunto <strong>de</strong> tudo quanto há mais vaporoso <strong>na</strong>quele espiritualismo que nos fala da imortalida<strong>de</strong> da<br />

alma! e pois, ao fumo das Antilhas, à imortalida<strong>de</strong> da alma!<br />

— Bravo! Bravo!<br />

Um urra! tríplice respon<strong>de</strong>u ao moço meio ébrio.<br />

Um conviva se ergueu entre a vozeria: contrastava-lhe com as faces <strong>de</strong> moço as rugas da fronte e a<br />

rouxidão dos lábios convulsos. Por entre os cabelos prateava-se-lhe o reflexo das luzes do festim.<br />

Falou:<br />

— Calai-vos, malditos ! A imortalida<strong>de</strong> da Alma!? Pobres doidos! E por que a alma é bela, por que<br />

não concebeis que esse i<strong>de</strong>al possa tor<strong>na</strong>r-se em lodo e podridão, como as faces belas da virgem<br />

morta, não po<strong>de</strong>is crer que ele morra? Doidos! Nunca velada levastes por ventura uma noite à<br />

cabeceira <strong>de</strong> um cadáver? E então não duvidastes que ele não era morto, que aquele peito e aquela<br />

fronte iam palpitar <strong>de</strong> novo, aquelas pálpebras iam abrir-se, que era ape<strong>na</strong>s o ópio do sono que<br />

emu<strong>de</strong>cia aquele homem? Imortalida<strong>de</strong> da alma! E porque também não sonhar a das flores, a das<br />

brisas, a dos perfumes? Oh! Não mil vezes! a alma não é, como a lua, sempre moça, nua e bela em<br />

sua virginda<strong>de</strong> eter<strong>na</strong>! A vida não é mais que a reunião ao acaso das moléculas atraídas: o que era<br />

um corpo <strong>de</strong> mulher vai porventura transformar-se num cipreste ou numa nuvem <strong>de</strong> miasmas; o<br />

que era um corpo <strong>de</strong> verme vai alvejar-se no cálice da flor ou <strong>na</strong> fronte da criança mais loura e bela.<br />

Como Schiller o disse, o átomo da inteligência <strong>de</strong> Platão foi talvez para o coração <strong>de</strong> um ser impuro.<br />

Por isso eu vo-lo direi: se enten<strong>de</strong>is a imortalida<strong>de</strong> pela metempsicose, bem ! talvez eu a creia um<br />

pouco, pelo platonismo, não!


— Solfieri! És um insensato! O materialismo é árido como o <strong>de</strong>serto, é escuro como o túmulo! A nós<br />

frontes queimadas pelo mormaço do sol da vida, a nós sobre cuja cabeça a velhice regelou os<br />

cabelos, essas crenças frias? A nós os sonhos do espiritualismo.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!