Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes
Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes Poesias líricas - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes
Mas a razão, que salva da baixeza o coração depois de idolatrar-te, me anima a abandonar-te, a não querer-te, mas a esquecer-te, não, sempre hei de amar-te! Porém amar-te desse amor latente, raio de luz celeste e sempre puro que tem no seu passado o seu presente, e tem no seu presente o seu futuro. Tão livre, tão despido de interesse, que para nunca abandonar seu posto, para nunca esquecer-te, nem precisa beber, te vendo, vida no teu rosto. Que, desprezando altivo quantas graças no teu semblante, no teu porte via, adora respeitoso aquela imagem que deles copiou na fantasia. Não sei se é vida, porém sei que a morte terá de certo menos amargor; só sei que a morte tem uma agonia, e não sei quantas tenho nesta dor! Os olhos fecha quem a vida perde, o bem perdido jamais pode ver; eu, morto n'alma, fitos os olhos tenho no bem querido, que não posso ter. Embora firam desgraçada vítima ervados gumes de cruéis punhais, Não posso mais! Poesias completas 78
as dores cessam mal que chega a morte, sangue as feridas lhe não vertem mais. Desta ferida nada o sangue estanca... A dor recresce mais, e mais pungente; morta minha alma para os gozos todos, só vê que vive pela dor que se sente. O céu perdoe a quem assim compensa os sacrifícios deste coração; porém a mágoa me desvaira a mente: se não há crime, como haver perdão? A fronte curva, delinqüente altivo, a fronte curva, não és mais que um réu; teu bafo impuro, que o pecado alenta, acende o raio que te arroja o céu. Perdão!... mas seja para mim somente, nesse olhar terno que o perdão exprime; perdão te peço, Querubim celeste; une o culpado, mas perdoa o crime. Rola de bosque, da inocência ao ninho eu cego o verme da paixão levei-te; anjo risonho, sobre a fronte lisa a ruga acerba do cismar tracei-te! Turvei-te a face, nebulei-te os olhos, cobri de espinhos o teu santo leito, e da tristeza, que a minh'alma encobre, parte dos goivos te lancei no peito! Mas Deus puniu-me...! Da sentença austera tu escrevias a primeira parte, quando a meus rogos de extremoso amante só respondias -eu não posso amar-te! Poesias completas 79
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Mas a razão, que salva da baixeza<br />
o coração <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> idolatrar-te,<br />
me anima a abandonar-te, a não querer-te,<br />
mas a esquecer-te, não, sempre hei <strong>de</strong> amar-te!<br />
Porém amar-te <strong>de</strong>sse amor latente,<br />
raio <strong>de</strong> luz celeste e sempre puro<br />
que tem no seu passado o seu presente,<br />
e tem no seu presente o seu futuro.<br />
Tão livre, tão <strong>de</strong>spido <strong>de</strong> interesse,<br />
que para nunca abandonar seu posto,<br />
para nunca esquecer-te, nem precisa<br />
beber, te vendo, vida no teu rosto.<br />
Que, <strong>de</strong>sprezando altivo quantas graças<br />
no teu semblante, no teu porte via,<br />
adora respeitoso aquela imagem<br />
que <strong>de</strong>les copiou na fantasia.<br />
Não sei se é vida, porém sei que a morte<br />
terá <strong>de</strong> certo menos amargor;<br />
só sei que a morte tem uma agonia,<br />
e não sei quantas tenho nesta dor!<br />
Os olhos fecha quem a vida per<strong>de</strong>,<br />
o bem perdido jamais po<strong>de</strong> ver;<br />
eu, morto n'alma, fitos os olhos tenho<br />
no bem querido, que não posso ter.<br />
Embora firam <strong>de</strong>sgraçada vítima<br />
ervados gumes <strong>de</strong> cruéis punhais,<br />
Não posso mais!<br />
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